Roupa suja

MPF tenta anular processo seletivo de estagiários no MP de Marília

Autor

9 de fevereiro de 2004, 17h36

O Ministério Público Federal entrou com ação civil pública contra a União para questionar processo seletivo para estágio de Direito na Procuradoria da República, em Marília (SP).

O procurador Jefferson Aparecido Dias alegou que após a publicação da prova objetiva, 22 candidatos foram convocados para a entrevista, “sem que tenha sido divulgada a pontuação por eles obtida”. Segundo ele, em novembro de 2003 foram feitas as entrevistas. E em seguida, “inexplicavelmente”, apenas seis candidatos foram aprovados sem a divulgação da pontuação no concurso.

Segundo os autos, “em nenhum momento o edital previu a realização de uma prova oral secreta, como também, não previu a possibilidade da entrevista ser utilizada com caráter classificatório”. O procurador da República mandou ofício para a procuradoria-chefe para pedir a anulação dos atos “ilegais”.

O MPF pediu a notificação do procurador-geral da República e do corregedor-geral do MPF para adoção das medidas cabíveis. Também requereu a intimação do coordenador de estágio da Procuradoria da República, em Marília, Célio Vieira da Silva, para que forneça ficha de inscrição e cópia das provas objetivas, com as respectivas notas.

O procurador quer a anulação das eliminações praticadas na fase de entrevistas e que seja mantido o resultado final da prova objetiva. Ou toda a anulação do processo seletivo.

Processo nº 2003.61.11.004784-0

Leia a petição na íntegra:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ___ VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA EM MARÍLIA (SP)

“Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa: “deve fazer assim”

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALM, pelo Procurador da República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem, perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, e no art. 6.º, inciso VII, alínea “d”, da Lei Complementar n.º 75, de 20 de maio de 1993, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de liminar, pelas razões de fato e de direito que a seguir serão expostas, em relação à UNIÃO FEDERAL (Ministério Público Federal), pessoa jurídica de direito público interno, com endereço na Avenida 9 de julho, n.º 1.607, edifício São Pedro, térreo, em Marília (SP).

DOS FATOS

No dia 26 de setembro de 2003, na condição de Coordenador de Estágio da Procuradoria da República em Marília, por designação da Procuradora-Chefe da Procuradoria da República no Estado de São Paulo, o Dr. Célio Vieira da Silva publicou o edital do “Processo Seletivo para Ingresso no Estágio da Área de Direito”, conforme documento anexo (doc. 01).

No referido edital, que seguiu as orientações contidas no Programa de Estágio do Ministério Público Federal (doc. 02), constou que:

“Art. 5.º O processo seletivo compreenderá na aplicação de prova objetiva, para avaliação dos conhecimentos específicos (conforme conteúdo programático constante do Anexo I do presente Edital) e de Língua Portuguesa; entrevista; análise dos dados curriculares e do histórico escolar”.

Após a aplicação da prova objetiva, 22 (vinte e dois) candidatos foram convocados para entrevista, sem que tenha sido divulgada a pontuação por eles obtida, bem como sem que tenha sido publicada qualquer classificação (doc. 03).

No dia 10 de novembro de 2003 foram realizadas as entrevistas e, depois delas, no dia 11 de novembro, inexplicavelmente, apenas 6 (seis) candidatos foram considerados aprovados, sem que, mais uma vez, fosse apresentada a pontuação obtida por estes candidatos (doc. 03).

Além disto, não foi apresentado qualquer motivo para a eliminação dos demais candidatos e nem mesmo se alguns dos eliminados estavam em melhor colocação do que os aprovados.

Diante das mencionadas irregularidades, este Procurador da República expediu ofício à Procuradora-Chefe, solicitando a anulação dos atos ilegais praticados, adotando-se como resultado final o da prova objetiva e, ainda, designando outro Procurador da República, de outra Procuradoria da República, para atuar como Procurador Coordenador de Estágio na Procuradoria da República em Marília, destituindo da função o Dr. Célio Vieira da Silva (doc. 04).

Após a expedição deste ofício à Procuradora-Chefe, o Sr. Coordenador do Estágio publicou um complemento do resultado final do concurso (doc. 05), no qual consta a nota obtida pelos seis candidatos aprovados que, segundo observação foi obtida da seguinte forma: “prova objetiva + análise do currículo e do histórico”.

Ocorre que, mais uma vez, além do edital não prever esta “soma” de notas, não foram apresentados os parâmetros utilizados para a atribuição de notas para a “análise de currículo e do histórico”, nem mesmo a razão pela qual estas notas foram atribuídas apenas aos aprovados e, ainda, mais uma vez, não foi motivada a eliminação dos outros dezesseis candidatos.


Apesar de persistirem os vícios que fundamentaram a expedição de ofício à Procuradora-Chefe e passados mais de 10 (dez) dias da solicitação de providências, nenhuma resposta foi enviada a este Procurador da República.

Assim, superada a possibilidade de solução dos vícios acima narrados na esfera administrativa, não resta outra forma de garantir a aplicação da lei e o respeito aos princípios constitucionais da Administração Pública que não a busca da tutela do Poder Judiciário.

DO DIREITO

A Constituição da República estabelece quanto a atuação da Administração Pública:

“Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência …”.

Visando concretizar estes princípios constitucionais, várias leis foram editadas e, dentre elas, merece destaque a Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e estabelece:

“Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I – atuação conforme a lei e o Direito;

II – atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;

III – objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;

VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

XI – proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;

XII – impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;

XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.”

A partir do texto constitucional e da Lei n.º 9.784/1999, verificamos que além dos princípios expressos no art. 37, “caput”, da Constituição Federal, outros princípios ganham especial destaque no caso de concursos e processos seletivos.

Estes princípios, contudo e infelizmente, não foram observados no presente caso, como veremos a seguir:

1) Princípio da Legalidade e princípios decorrentes

Como vemos, o princípio da legalidade, segundo a Constituição da República, é um dos princípios que necessariamente devem ser observados pela Administração Pública, que tem sua atuação limitada pela lei.

Esta vinculação da Administração Pública ao princípio da legalidade é chamada de vinculação positiva, a partir da qual a Administração somente pode agir nos termos da lei, que limitaria e regulamentaria inclusive a sua atuação discricionária.

Toda a atuação administrativa, por esta concepção, precisa ser precedida de uma atribuição normativa, cabendo à Administração atuar como executora de normas antecedentes, pois a “… ação administrativa apresenta-se-nos assim como exercício de um poder atribuído previamente pela lei e por ela delimitado e construído. Sem uma atribuição legal prévia de potestades, a Administração, simplesmente, não pode atuar” .

Entre nós, Hely Lopes Meirelles resume a vinculação positiva da Administração Pública : “Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador significa “deve fazer assim”.

Também bastante clara a lição de Carlos Ari Sundfeld sobre o tema :

“Inexiste poder para a Administração Pública que não seja concedido pela lei: o que ela não concede expressamente, nega-lhe implicitamente. Por isso, seus agentes não dispõem de liberdade – existente somente para os indivíduos considerados como tais – mas de competências, hauridas e limitadas na lei”.


A lei agiria assim como uma “jaula de hierro” a limitar a atuação da Administração Pública, admitindo apenas os movimentos que já estiverem nela previstos.

No caso de processos seletivos, o princípio da legalidade traz como consequências outros princípios, dentre eles dois que, no presente caso, foram violados: a) princípio da vinculação ao instrumento convocatório e b) princípio do julgamento objetivo.

Como vemos, a atuação do Administrador está condicionada pela lei, inclusive nos casos em que pode agir com discricionariedade.

No caso de processos seletivos, além de dever respeito à lei, o Administrador também está vinculado ao que consta no instrumento convocatório, ou seja, o edital que convidou os candidatos a participar do certame, a ponto de se afirmar que “o edital é a lei do concurso”.

Neste processo seletivo, o edital indicava que a escolha dos estagiários seria feita a partir de uma prova objetiva, classificatória e eliminatória e, ainda, pela realização de uma entrevista.

Em nenhum momento o edital previu a realização de uma prova oral secreta, como também, não previu a possibilidade da entrevista ser utilizada com caráter classificatório.

Assim, ao utilizar a entrevista prevista no edital para realizar uma nova prova oral, secreta e extremamente subjetiva, o Coordenador do Estágio violou de forma insanável o princípio da legalidade, bem como o princípio de vinculação ao instrumento convocatório.

Além disto, ao utilizar elementos subjetivos para chegar aos aprovados no processo seletivo, ele também violou o princípio do julgamento objetivo e, por consequência, o princípio da legalidade, praticando ato arbitrário que não encontra amparo no ordenamento jurídico.

Não bastassem todos estes elementos a indicar a nulidade das entrevistas realizadas, o Coordenador do Estágio ainda atribui “notas” ao currículo e ao histórico dos candidatos aprovados, mas o edital não previa como estes dados seriam avaliados, o que permitiu uma atribuição subjetiva de pontuação que também resultou na violação do princípio do julgamento objetivo.

Estas violações ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, ao princípio do julgamento objetivo e, ainda, ao princípio da legalidade, impõe o reconhecimento da nulidade dos atos praticados pelo Coordenador do Estágio, como já vêm decidindo nossos Tribunais em casos análogos:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. INOCORRÊNCIA DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO EDITAL. ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA ADMINISTRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1. O edital é a lei do concurso, sendo vedado à Administração Pública alterá-lo, salvo para, em razão do princípio da legalidade, ajustá-lo à nova legislação, enquanto não concluído e homologado o certame.

2. A alteração do edital promovida pela Comissão Organizadora no transcorrer do concurso, quanto à exigência da comprovação de escolaridade, passando a ser admitida a apresentação de certificado de conclusão do curso respectivo, em vez do diploma registrado, conforme previsto no artigo 7º, inciso IX, da Resolução nº 12/93 do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, viola o princípio da igualdade entre os candidatos.

3. Recurso provido.”

(STJ – Sexta turma, RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 13578, processo n.º 200100989990/MT, Relator Juiz Vicente Leal, decisão 22/04/2003, publicação DJ 12/08/2003, pág. 260).

“ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TÍTULOS. CARÁTER ELIMINATÓRIO. POSSIBILIDADE. MOMENTO DE APRESENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO. EXCLUSÃO DE CANDIDATO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO.

1. Possível, consoante o entendimento deste STJ, a atribuição de caráter eliminatório à prova de títulos, desde que respeitados os princípios administrativos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e finalidade.

2. Silente o Edital do Concurso, quanto ao momento em que deveriam ser apresentados os títulos, não é dado à Comissão Examinadora implementar posteriormente o regramento, alterando-o de forma desigual, em desfavor de uns e outros. Ofensa ao princípio da isonomia que se reconhece.

3. Ao Poder Judiciário só é dado corrigir eventual ilegalidade, jamais substituir, em suas atribuições, a banca examinadora constituída para tal fim.

4. Recurso em Mandado de Segurança conhecido e parcialmente provido.”

(STJ – Quinta turma, RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 12908, processo n.º 200100146813, Relator Juiz Edson Vidigal, decisão 02/04/2002, publicação DJ 10/06/2002, pág. 226).

“ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA – LEGALIDADE

I – Ofensa a um dos princípios constitucionais basilares da República Federativa do Brasil, qual seja, o da isonomia.


II – Todos os candidatos do concurso estavam regidos pelo Edital n. 18, de 16 de outubro de 1991, publicado no Diário Oficial de 18 de outubro de 1991, não sendo possível uma mudança nos critérios de seleção no decorrer do processo de seleção.

III – Ofensa ao princípio da legalidade ou da Reserva Legal, uma vez que por razões de segurança judiciária, aos candidatos, no momento da inscrição no processo de seleção deveria estar assegurado o respeito aos critérios de seleção previamente estipulados.

IV – A Administração Pública só pode modificar seus critérios de avaliação a partir de outro concurso, como modo de respeito ao princípio da legalidade.

V – Recurso provido.”

(TRIBUNAL – SEGUNDA REGIÃO, Primeira turma – APELAÇÃO CIVIL 300586, processo n.º 200151010137557/RJ, Relator Juiz Carreira Alvim, decisão 07/04/2003, publicação DJU 02/07/2003, pág. 67).

2) Princípio da publicidade

Como vimos, a atuação da Administração Pública deve respeitar diversos princípios que têm como fim precípuo garantir que o interesse da sociedade seja respeitado e atendido.

Contudo, para que seja possível a verificação da conformidade da atuação administrativa com estes princípios, é imprescindível que os cidadãos possam conhecer os elementos e as circunstâncias nas quais os atos foram praticados, o que somente é possível se os atos forem públicos.

Assim, é o princípio da publicidade que garante a possibilidade de se verificar se os demais princípios e regras foram observados, como bem salientou Canotilho :

“A justificação do princípio da publicidade é simples: o princípio do Estado de direito democrático exige o conhecimento, por parte dos cidadãos dos actos normativos, e proíbe os actos normativos secretos contra os quais não se podem defender. O conhecimento dos actos, por parte dos cidadãos, faz-se, precisamente, através da publicidade”.

Se a atuação da Administração Pública fosse secreta e sigilosa, os administrados não teriam condições de verificar a legalidade e a real finalidade de seus atos, impossibilitando a manutenção do Estado de Direito e do jogo democrático.

Dessa forma, os atos de Administração precisam ser públicos, o que permite à sociedade fiscalizá-los e controlá-los, sendo possível a restrição a esta publicidade apenas nos casos em que o sigilo for imposto pela lei.

Augustin Gordillo, citando Brandeis, destaca a importância da publicidade para garantir que a atuação da Administração Pública respeitará as demais normas que norteiam sua atividade : “La luz del sol … es el mejor de los desinfectantes; la luz eléctrica el mejor policía”.

A fim de garantir a amplitude desta fiscalização realizada pelos cidadãos, a publicidade deverá ser a mais ampla possível, aproveitando-se de todos os meios de comunicação existentes.

Assim, graças ao rápido desenvolvimento dos meios de comunicação, a publicidade dos atos administrativos pode ser incrementada com a sua divulgação pela internet, emissoras de TV, rádios, periódicos impressos e outros meios que garantam a transparência da Administração Pública e o conhecimento pelos cidadãos dos atos por ela praticados, a fim de que possam controlá-los e fiscalizá-los :

“Como a Administração jamais maneja interesses, poderes ou direitos pessoais seus, surge o dever da absoluta transparência. “Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido” (CF, art. 1.º, § 1.º). É óbvio, então, que o povo, titular do poder, tem direito de conhecer tudo o que concerne à Administração, de controlar passo a passo o exercício do poder” (grifo do autor).

No presente caso, a total ausência de publicidade das notas obtidas pelos candidatos na prova objetiva e a classificação destes, bem como dos motivos que levaram à desclassificação da maioria dos candidatos aprovados na primeira fase, deixam clara a violação ao princípio da publicidade.

Assim e mais uma vez, a atuação do Coordenador do Estágio da Procuradoria da República em Marília violou o princípio da publicidade, tornando-se necessária a atuação do Poder Judiciário para eliminar estes vícios.

Neste sentido, a melhor Jurisprudência:

“RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. LEGITIMIDADE. REVERSIBILIDADE E PUBLICIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APROVEITAMENTO DE EXAME PSICOTÉCNICO REALIZADO ANTERIORMENTE. ARTIGO 10 DO DECRETO-LEI Nº 2.320/87.

1. Não se conhece da violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, quando ausentes quaisquer vícios no acórdão embargado. Os embargos de declaração não se prestam ao reexame de matéria já decidida.

2. A exigência do exame psicotécnico é legítima, autorizada que se acha na própria Constituição da República, ao preceituar que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;” (artigo 37, inciso I, da Constituição Federal).


3. A mais relevante característica do exame psicotécnico é a objetividade de seus critérios, indispensável à garantia de sua legalidade, enquanto afasta toda e qualquer ofensa aos princípios constitucionais da impessoalidade e da isonomia.

4. A publicidade e a revisibilidade do resultado do exame psicotécnico estão diretamente relacionados com o grau de objetividade que o processo de seleção possa exigir. Tem-se, assim, como inadmissível, a prevalência do subjetivismo nos exames de avaliação psicológica, sobre o seu objetivismo, pois, se assim for, o candidato idôneo ficará à mercê do avaliador, com irrogada ofensa aos princípios da legalidade e da impessoalidade.

5. O reconhecimento do caráter sigiloso e irrecorrível do exame psicotécnico determinado pelo edital que regula o concurso para o provimento de cargo de delegado da Polícia Federal não implica o automático ingresso dos candidatos nele reprovados na Academia Nacional de Polícia, tal como resultaria o não conhecimento da presente insurgência especial.

6. Recurso parcialmente conhecido e, nesta extensão, parcialmente provido.”

(STJ – Sexta turma, RECURSO ESPECIAL 479214, processo n.º 200201564695, Relator Juiz Vicente Leal, decisão 06/05/2003, publicação DJ 04/08/2003, pág. 467).

3) Princípio da motivação.

Um dos aliados ao princípio da publicidade é o princípio da motivação dos atos administrativos pelo qual cabe ao Administrador expor motivos que o levou a prática de um ato, permitindo, inclusive, que se tornem públicas as razões que o levaram a agir daquela forma.

A motivação dos atos administrativos é exigida, dentre outros instrumentos jurídicos, pela Lei n.º 9.784/1999:

“Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.”

No presente caso, dos 22 (vinte e dois) candidatos submetidos à entrevista, 16 (dezesseis) candidatos foram eliminados sem que o Coordenador tivesse mencionado sequer uma linha sobre quais os motivos o levaram a assim agir.

Ou seja, 75% (setenta e cinco por cento) dos candidatos de um processo seletivo são eliminados sem que os motivos de tal ato extremo venham a público, omitindo de todos os reais motivos que levaram à prática dos atos, os quais, até agora, mantém-se na consciência do mencionado Coordenador, restando violado o princípio da motivação:

“CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – MAGISTRATURA ESTADUAL – ENTREVISTA – INVESTIGAÇÃO SOCIAL E DA VIDA PREGRESSA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO – MOTIVAÇÃO – CARÁTER SUBJETIVO – IMPOSSIBILIDADE – PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, INCISO LVII, CF) – INEXISTÊNCIA DE PUNIÇÃO REFERENTE A PROCESSO DISCIPLINAR, POR RETENÇÃO DE AUTOS, JUNTO A OAB-BA – CANDIDATO APROVADO – SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA – NOMEAÇÃO.

1 – O ato administrativo, para que seja válido, deve observar, entre outros, o princípio da impessoalidade, licitude e publicidade. Estes três pilares do Direito Administrativo fundem-se na chamada motivação dos atos administrativos, que é o conjunto das razões fáticas ou jurídicas determinantes da expedição do ato. Tratando-se, na espécie, de ato do tipo discricionário e não vinculado – posto que visa a examinar a vida pregressa e investigar socialmente o candidato à admissão em concurso público -, uma vez delimitada a existência e feita a valoração, não há como o administrador furtar-se a tais fatos. Não se discute, no caso sub judice, se o ato que prevê a análise da conduta pessoal e social do indivíduo, através da apuração de toda sua vida anterior, é legal ou não, porquanto, notoriamente sabemos que o é. Há previsão tanto na lei (LOMAN, art. 78, parág. 2º), como nas normas editalícias (item 3.4.1). Entretanto, o que não se pode aceitar é que este ato, após delimitado e motivado, revista-se do caráter da subjetividade, gerando uma verdadeira arbitrariedade.

2 – Tendo o Tribunal a quo embasado a motivação do ato, real e exclusivamente, na existência de procedimento disciplinar contra o candidato, por retenção de autos, junto a OAB-Bahia, e sendo juntado a este writ certidão do referido Órgão de Classe (fls. 31) asseverando, textualmente, que “o requerente não sofreu, por parte deste Conselho, até a presente data, qualquer penalidade disciplinar relacionada com o exercício da advocacia”, inexiste fato concreto que obste seu ingresso na carreira pretendida, sendo nulo o ato impugnado, por falta de motivação. Presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Magna Carta) violada.


3 – Consolidada a situação fática por força de liminar, anteriormente, deferida, resultando na aprovação final do impetrante em 40º lugar, conforme Edital nº 10/97 (fls. 105/109), configurado está o direito líquido e certo a ser agasalhado por esta via mandamental.

4 – Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão recorrido, conceder a ordem, assegurando ao impetrante-recorrente, em virtude de sua aprovação no Concurso para o Cargo de Juiz Substituto do Estado de Pernambuco, sua nomeação neste, obedecida sua classificação no certame.

5 – Custas ex leges. Honorários advocatícios indevidos a teor das Súmulas 105/STJ e 512/STF.”

(STJ – Quinta turma, RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 11336, processo n.º 199901051096, Relator Juiz Jorge Scartezzini, decisão 07/11/2000, publicação DJ 19/02/2001, pág. 188).

Esta ausência de motivação acabou por violar, também, os princípios do contraditório e da ampla defesa, como veremos a seguir.

4) Princípios do contraditório e da ampla defesa.

A Constituição Federal estabeleceu, dentre os direitos e garantias fundamentais, o respeito ao contraditório e à ampla defesa:

“Art. 5.º

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

Tais princípios, por força do dispositivo constitucional, necessariamente devem ser observados na esfera administrativa e não só nos processos judiciais.

No presente caso, contudo, 16 (dezesseis) candidatos foram eliminados após uma entrevista sem que tivessem qualquer possibilidade de se defender desta sanção.

Não se diga, também, que esta eliminação não tem caráter sancionatório pois não se trata de reprovação em uma prova oral e sim de uma rigorosa pena de eliminação.

Imagino como estes candidatos eliminados, na grande maioria jovens estudantes de direito, disseram aos seus pais que foram “eliminados” do concurso da Procuradoria da República em Marília que, até então, era tido como um dos mais rigorosos e sérios concursos de estagiários de nossa cidade.

Com certeza, foram questionados sobre o que fizeram para sofrer tamanha repreensão e, o pior de tudo, é que não sabem, pois não é possível descobrir o que passa pela cabeça do Coordenador de Estágio.

DO OBJETO DA PRESENTE AÇÃO

Pelos fundamentos de fato e de direito acima apresentados, o processo seletivo (ou concurso público) para ingresso no estágio na área de direito está marcado por atos flagrantemente ilegais.

Assim, o objetivo da presente ação é buscar a tutela jurisdicional para que sejam anulados estes atos ilegais, aproveitando-se apenas a parte legítima do referido processo, ou, caso isso não seja possível, anulando-se todo o processo seletivo.

Diante dos vícios existentes no referido processo seletivo, forçosa a sua invalidação, parcial ou total, pelo Poder Judiciário.

Neste sentido, a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“E a anulação pode também ser feita pelo Poder Judiciário, mediante provocação dos interessados, que poderão utilizar, para esse fim, quer as ações ordinárias e especiais previstas na legislação processual, quer os remédios constitucionais de controle judicial da Administração Pública” (DIREITO ADMINISTRATIVO, Ed. Atlas, 12.ª edição, p.218).

DO INTERESSE E LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Assim dispõe a Constituição Federal:

“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

………………………………

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

……………………………..

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.” (grifei)

Assim, evidente o interesse e a legitimidade do Ministério Público Federal para promover a presente ação visando a proteção da ordem jurídica e dos interesses de toda a coletividade.

Neste sentido, a melhor Jurisprudência:

“PROCESSUAL – LEGITIMIDADE – MINISTÉRIO PÚBLICO – AÇÃO CIVIL

PÚBLICA – CONCURSO PÚBLICO.


O Ministério Público é legitimado a propor ação civil pública, visando à decretação de nulidade de concurso público que afrontou os princípios de acessibilidade, legalidade e moralidade. Trata-se de interesses transindividuais de categoria ou classe de pessoa e de direitos indivisíveis e indisponíveis, de toda coletividade. Recurso improvido.”

(STJ – Primeira turma, RECURSO ESPECIAL – 180350, processo n.º 199800482016 – SP, Relator Juiz Garcia Vieira, decisão 22/09/1998, publicação DJ 09/11/1998, p. 55).

No mais, o que mais surpreende no presente caso é que os atos ilegais foram praticados por um Procurador da República a quem caberia, por força da Constituição vigente, “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Por tudo isso, ganha importância a pronta resposta do Poder Judiciário no presente caso a fim de eliminar qualquer suspeita de que sua atuação é coorporativa e se volta apenas contra os mais desafortunados.

DA MEDIDA LIMINAR

Como já vimos, o objetivo da presente ação é buscar a tutela jurisdicional para que seja declarada a invalidação, parcial ou total, do “VIII Processo Seletivo para ingresso no estágio na área de direito” da Procuradoria da República em Marília.

Para que o provimento jurisdicional possua utilidade e efetividade, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, necessária a concessão de liminar para suspender os efeitos do referido processo seletivo, até que uma decisão final seja tomada.

Fumus boni iuris

Os fatos acima relatados demonstram que não foram observados os preceitos constitucionais e legais que devem nortear a atuação da Administração Pública. Logo, o fumus boni iuris para a concessão da liminar pleiteada encontra-se presente.

Periculum in mora

A manutenção do “status quo” pode causar danos irreparáveis.

Se o questionado processo seletivo continuar a produzir efeitos, os candidatos até aqui aprovados serão contratados nos próximos dias e teremos um fato consumado, inexistindo a possibilidade dos candidatos ilegalmente preteridos, que na realidade seriam os aprovados, serem contratados posteriormente, uma vez que o número de estagiários a serem contratados é fixo e a contratação de um ou alguns levará à impossibilidade de contratação dos outros.

Dessa forma, presente o periculum in mora necessário para a concessão da medida liminar que se pleiteia.

Assim, presentes os requisitos necessários à concessão da medida liminar, requer o Ministério Público Federal, com espeque no art. 12 da Lei n.º 7.347, de 24/07/1985, o seu deferimento, inaudita altera parte, para os fins de suspender os efeitos do “VIII Processo Seletivo para ingresso no estágio na área de direito” ou “VIII Concurso Público para estágio na área de direito”.

Requer-se ainda, com supedâneo no artigo 12, § 2º., da Lei 7347/85, para o caso de descumprimento da ordem judicial, a cominação de multa liminar em valor a ser estipulado por Vossa Excelência, mas não inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia, para o descumprimento da liminar concedida.

DO PEDIDO

Deferida a liminar pleiteada, o Ministério Público Federal requer:

a) a imediata notificação do Procurador-Geral da República e do Corregedor-Geral do Ministério Público Federal enviando-se cópia dos autos para adoção das eventuais medidas que entenderem cabíveis;

b) a intimação do Coordenador de Estágio da Procuradoria da República em Marília, Dr. Célio Vieira da Silva, para que forneça cópia da ficha de inscrição (com todos os documentos que a acompanha) e cópia das folhas de resposta das provas objetivas, com as respectivas notas, dos 22 (vinte e dois) candidatos convocados para entrevista;

c) a citação da ré, para, querendo, contestar a ação, sob pena de revelia;

d) seja julgada procedente a presente ação para a fim de declarar a nulidade:

— das entrevistas e das eliminações praticadas pelo Coordenador do Estágio da Procuradoria da República em Marília, mantendo-se como resultado final do processo seletivo a classificação obtida a partir das notas dos candidatos na prova objetiva; ou

— de todo o processo seletivo.

Protesta pela produção posterior de todas as provas juridicamente admitidas, principalmente a oitiva dos candidatos ilegalmente eliminados.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para fins fiscais.

Termos em que, pede deferimento.

Marília, 28 de novembro de 2003.

JEFFERSON APARECIDO DIAS

Procurador da República

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!