Questão salarial

Leia voto de Marco Aurélio em julgamento que fixou teto de servidor

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6 de fevereiro de 2004, 17h37

“Até mesmo a falta de reposição do poder aquisitivo da moeda desaguou, com o passar dos anos, na aproximação dos patamares remuneratórios de cargos, empregos e funções de primeira grandeza. Hoje, a remuneração de Ministro do Supremo Tribunal Federal não sobressai ao ponto de ultrapassar alguns vencimentos, proventos e pensões satisfeitos, cumulativamente ou não, nos vários setores da Asministração Pública.”

A afirmação é do ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, voto vencido no julgamento que fixou o teto dos servidores públicos em R$ 19.115,19. De acordo com o ministro, da forma como foi aprovado o teto, um servidor poderá ganhar mais que um ministro do Supremo.

Segundo ele, o teto deve ser composto pelo vencimento, pela representação mensal e pelo adicional, sem integração da situação individual do presidente.

Voto do ministro

Ministro Marco Aurélio

Teto Constitucional – Definição

Emenda – 41/2003

Sessão administrativa de 5 de fevereiro de 2004

Voto do Ministro Marco Aurélio

1. Três são os textos a serem considerados:

a) o permanente – artigo 37, inciso XI, inserido na carta pelo artigo 1º da Emenda – indica como teto constitucional o “subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal”, reduzindo-o a noventa inteiros e vinte e cinco centéssimos por cento relativamente aos demais integrantes do Poder Judiciário Estadual, aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos, apanhados cumulativamente, ou não, pouco impotando se trate de remuneração, subsídio, proventos, pensões e outras espécies remuneratórias.

b) o transitório – artigo 8º da Emenda remete à maior remuneração atribuída por lei, na data da publicação da Emenda, a Ministro do Supremo Tribunal Federal, explicitadas as parcelas: vencimento, representação mensal e gratificação em razão de tempo de serviço.

c) o artigo 9º da Emenda, a versar sobre a redução imediata de valores satisfeitos de forma não compatível com os parêmetros fixados. Para tanto, como que se providenciou o ressucitamento do extravagante artigo 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988.

Para efeito de documentação, eis o teor dos dispositivos referidos:

“Art. 1º A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 37……………………………………………………………………………………………

XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autarquica o fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Munícípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governo no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa Inteiros e vinte e cinco por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;

…………………………………………………………………………………………………..”

“Art. 8º Até que seja fixado o valor do subsídio de que trata o art. 37, XI, da Constituição Federal, será considerado, para os fins do limite fixado naquele inciso, o valor da maior remuneração atribuída por lei na data de publicação desta Emenda a Ministro do Supremo Tribunal Federal, a título de vencimento, de representação mensal e da parcela recebida em razão de tempo de serviço, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento da maior remuneração mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal a que se refere este artigo, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.”

“Art. 9º Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administação direta, autárquia e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato efetivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza.”


“Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.

§ 1º – É assegurado e exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de médico que estejam sendo exercitados por médico militar na administração pública direta ou indireta.

§ 2º É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde que estejam sendo exercidos na administração pública direta ou indireta.”

Então, surge como inafastável a seguinte premissa: as balizas reveladoras do teto estão previstas em preceitos exaustivos, a abranger o subsídio, que sinaliza, por natureza, parcela única, rubrica única, ainda na dependência de fixação normativa, e a remuneração, composta do vencimento, da representação e do que percebido em razão do tempo de serviço.

Vale dizer que os textos constitucionais referem-se a padrões e a valores absolutos, quer sob o ângulo permanente, quer transitório. Há de ser considerado o que percebido, em geral, pelos Ministros da Corte, hoje e transitoriamente, observada a percentagem maior alusiva à gratificação por tempo de serviço – trinta e cinco por cento – e, amanhã, o subsídio que vier a ser fixado.

2. Correta tal elucidação, impõe-se ter como teto constitucional, transitoriamente, o resultado do somatório das seguintes parcelas:

a) vencimento – R$ 3.989,81

b) representação mensal – R$ 8.857,38

c) gratificação adicional tempo de serviço – R$ 4.496,51

Total — R$ 17.343,70

3. Não devem ser computadas nem a verba de representação auferida pelo Presidente, nem a totalidade do que percebido pelos Ministros, a título de jetom, no Tribunal Superior Eleitoral – variável conforme a proximidade, ou não, das eleições -, ou mesmos a remuneração relativa a cargo de professor em faculdade pública (autarquia ou fundação pública), São vantagens pessoais totalmente estranhas aos textos constitucionais merecedores, sob o prisma da objetividade, do empréstimo da maior eficácia, racionalizada a remuneração no setor público.

4. A nova redação do inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal glosa a percepção cumulativa de valores, uma vez ultrapassado o teto, quer se cuide, a um só tempo, de remuneração, subsídio, proventos, pensões, aludindo-se, até mesmo, em abrangêcia maior, a qualquer outra espécie remuneratória. Trata-se, portanto, da realidade constitucional da acumulação, cujos primórdios remetem à Carta de 1946, que legitimava no tcante à ocupação do cargo de juiz com o de professor do ensino secundário ou superior, de dois cargos de magistério ou de um destes com outro técnico ou científico, presentes a correlação de matérias e a compatibilidade de horários artigo 185. Com a Constituição Federal de 1967, ficou viabilizada, também, a acumulção de dois cargos de médico, previsão mantida na Carta de 1969 e na popular de 1988, vindo a Emenda Constitucional nº 34/01 a afastar a especialidade, passando o texto a abranger “cargos ou empregos privativos de profissionais da saúde, com profissões regulamentadadas”. Eis o teor dos dispositivos mencionados.

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários , observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Redação dada Emenda Constitucional nº 34, de 13/12/2001)

XVII – a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público

XVIII – a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e juriadição, precedência sobra os demais setores administrativos, na forma da lei;

……………………………………………………………………………………………………”

Até mesmo a falta de reposição do poder aquisitivo da moeda desaguou, com o passar dos anos, na aproximação dos patamares remuneratórios de cargos, empregos e funções de primeira grandeza. Hoje, a remuneração de Ministro do Supremo Tribunal Federal não sobressai ao ponto de ultrapassar alguns vencimentos, proventos e pensões satisfeitos, cumulativamente ou não, nos vários setores da Asministração Pública.


A par desse aspecto prático, tem-se o jurídico constitucional. Consubstancia direito e garantia individual a acumulação tal como estabelecida no inciso XVI do artigo 37 da Constituição federal de 1988, a encerrar a prestação de serviços com a conseqüente remuneração, ante os diversos cargos contemplados, gerando a situação jurídica proventos e pensões na totalidade do que percebido em cada qual – §§2º e 3º do artigo 40 do Diploma Maior.

É sabido que o teto constitucional tem como escopo racionalizar o sistema remuneratório, impedindo perniciosas inversões de valores. Daí a necessária observência da ordem natural das coisas, cabendo manter, tanto no campo interpretativo, quanto no cotejo constitucional, a harmonia de entendimento, a razoabilidade. Afigura-se extravagante a conclusão de que há de temar-se o Leto, representado pela remuneração de um único cargo – o de Ministro do Supremo Tribunal Federal -, para limitar remuneração decorrentes de acumulação permitada pelo texto constitucional. A situação esdrúxula configura-se a partir do momento em que se terão inúmeros casos a revelar, de um lado, a delimitada permissão consitucional de acumulação e, de outro, a redução do que devido, porque, somadas as quantias satisfeitas pela ocupação dos cargos, o teto restará suplantado. Considere-se a posição dos próprios integrantes da Corte quando no exercício da Presidência, em atuação no Tribunal Superior Eleitoral e lecionando em faculdade pública. Nem se diga que o teto a eles não se aplica. Se, ortodoxamente, cabe distinguir as situações – e o teto não teve origem na necessidade de limitar o total a ser recebido dos cofres públicos por Ministro do Supremo -, mostra-se incoerente dizer que a ele estão submetidos todos os agentes políticos e servidores públicos, inclusive o Presidente da República, Senadores, Deputados Federais, Governadores e Prefeitos, menos os próprios Ministros.

Tenha-se em conta o conflito da cláusula “percebidos cumulativamente ou não” inserida com Emenda Constitucional nº 41/03, no que deu nova redação ao artigo 37, inciso XI, com o texto primitivo da Constituição Federal, cuja única razão de ser está ligada à menção a remuneração, subsídio, proventos, pensões e outras espécies remuneratórias. Admitida pela Lei Maior a acumulação, surge incontitucional emenda que a inviabilize, e a tanto equivale restringir os valores remuneratórios dela resultantes. A previsão limitadora – “percebidos cumulativamente ou não” – além de distanciar-se da razoável noção de teto, no que conduz a cotejo individualizado, fonte a fonte, conflita com a rigidez constitucional decorrente do artigo 60, §4º, inciso IV, da Carta.

Simplesmente o Estado não pode dar com uma das mãos e tirar com a outra; não pode assentar como admissível a acumulação e, na contramão desta, afastar a contrapartida que lhe é natural, quer no todo – quando, então, se passaria a ter prestação de serviço gratuíto -, quer em parte, mitigando-se o que devido. Direitos e garantias individuais são aqueles provistos na Constituição, não cabendo distinguir posições, ou seja, integração passada, presente ou futura, em certa relação jurídica.

5. Quanto à norma do artigo 9º da Emenda, a perplexidade é ainda maior. O poder de emenda é derivado, submetido ao texto do mencionado artigo 60 e, especificamente, ao inciso IV do §4º nele contido. A ressurreição do artigo 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988 conflita com a disciplina constitucional. Direitos e garantias endividuais hão de ser preservados, resguardando-se a segurança jurídica. Daí a cláusula permanente da Constituição, segundo a qual a Lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

As situações legitimamente alcançadas estão ao abrigo da Constituição, sendo totalmente impróprio cogitar de redução, em face do teto criado. Irregularidades existentes hão de ser expungidas mediante o acionamento dos preceitos de regência, sendo dispensável nova normatização.

6. Concluo no sentido de:

6.1 Revelar-se como teto o que já conhecido pelas autoridades pela sociedade brasileira, ou seja, R$ 17.343,70, sem prejuízo das situações individuais legítima constituída;

6.2 considerar inconstitucional, a expressão “percebidos cumulativamente ou não” contida no art 1º da Emenda Constitucional nº 41/03, no que deu nova redação ao artigo 37, inciso XI, da Carta Federal, deixando de observá-la.

6.3 Considerar inconstitucional o artigo 9º da Emenda Constitucional nº 41/03, deixando definitivamente sepultado o artigo 17 do ADCT, no que, ante a natureza transitória, surtiu efeitos na fase de transformação dos sistemas constitucionais – carta de 1967/69 e 1988 – excluída a abrangência a ponto de fulminar direito adquirido reconhecido em decisão judicial transitada em julgado.

Brasília, 05 de fevereiro de 2004.

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