Tutela antecipada

Juiz manda empresa do RS reabrir 19 postos de atendimento

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5 de fevereiro de 2004, 11h14

A concessionária dos serviços de energia elétrica RGE — Rio Grande Energia — deverá dentro de no máximo 30 dias reabrir seus postos de atendimento nas cidades de Bento Gonçalves, Carlos Barbosa, Garibaldi, Nova Prata, Paraí, Serafina Correa e Veranópolis. A decisão é do juiz Frederico Valdez Pereira, da Vara Federal de Bento Gonçalves, que deferiu antecipação de tutela em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal. Ainda cabe recurso.

O juiz também determinou que, a partir do 45º dia da intimação da RGE, seja por esta prestado serviço móvel itinerante, quinzenalmente, nas cidades de Cotiporã, Dois Lajeados, Fagundes Varela, Guabiju, Monte Belo, Nova Araçá, Nova Bassano, Santa Teresa, São Jorge, São Valentim do Sul, Vista Alegre do Prata e Vila Flores.

Foi fixada multa diária de R$ 10 mil para o caso de descumprimento. Se os postos forem fechados, a sanção financeira será de R$ 100 mil.

O juiz considerou insuficiente o serviço de 0800 disponibilizado pela empresa. Para conferir o serviço, incumbiu o diretor de secretaria da Vara Federal, Marcelo Donini, para testar o serviço gratuito 0800 900 900.

Depois de muitas tentativas, Donini esperou, “pendurado” na linha, 18 minutos e meio, até ser atendido. O magistrado entendeu que há intenção de “desestimular o usuário a exercer plenamente os seus direitos”.

O juiz considerou também “a inadequação e ineficiência da forma de atendimento ao usuário do serviço público, cabalmente demonstradas pela certidão do Ministério Público Federal, dando conta que num período de 3 horas – entre 11h e 14h do dia 22 de janeiro de 2004 – foram efetuadas em torno de 15 (quinze) tentativas de contato para o número disponibilizado, ao cliente, pela empresa Rio Grande Energia, sendo que em todos os contatos o atendimento se deu por meio de gravação que, ou impunha ao consumidor um período de espera, ou informava que não poderia atender a chamada, pois o sistema estava sobrecarregado”.

Leia a íntegra da liminar:

CONCLUSÃO

Faço estes autos conclusos ao MM. Juiz Federal Substituto desta Vara. Em 30.01.2004. Diretor de Secretaria

Processo nº: 2004.71.13.000232-8

Ação Civil Pública

Autor: Ministério Público Federal

Réus: Rio Grande Energia S/A e Agência Nacional de Energia Elétrica

Juiz Federal Substituto Frederico Valdez Pereira

DECISÃO EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da RGE – Rio Grande Energia S.A e ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. Em síntese, a presente demanda objetiva adequar o serviço de energia elétrica, afastando a ocorrência de prejuízos à coletividade e aos princípios da eficiência e da prestação adequada dos serviços públicos em decorrência do procedimento adotado pela concessionária de serviço público de energia elétrica da União – RGE – a qual desativou todas as lojas e pontos de atendimento ao usuário que funcionavam no âmbito da Subseção Judiciária de Bento Gonçalves, passando a efetuar o atendimento mediante uma “Central de Atendimento Telefônico”. O Ministério Público Federal pretende provimento judicial que determine a abertura ou reabertura das lojas de atendimento ao usuário nos Municípios de Bento Gonçalves, Nova Prata, Veranópolis, Carlos Barbosa, Cotiporã, Dois Lajeados, Fagundes Varela, Garibaldi, Guabiju, Monte Belo, Nova Araçá, Nova Bassano, Parai, Santa Teresa, São Jorge, São Valentim do Sul, Serafina Corrêa, Vista Alegre do Prata e Vila Flores; com vistas ao atendimento integral de todos os serviços prestados pela Concessionária, em todos os dias úteis e em regime de plantão nos dias não-úteis.

Postula, em sede de provimento antecipatório, a determinação para a abertura ou reabertura, em prazo não superior a 60 dias, de locais para atendimento pessoal aos usuários nestes Municípios acima referidos, e ainda a fixação de multa diária de R$ 10.000,00 pelo descumprimento da decisão, relativamente a cada Loja ou Ponto de atendimento não reaberto ou fechado em desrespeito à liminar, e pela não comprovação do cumprimento da medida liminar.

É o relatório. Passo à análise do requerimento de antecipação de tutela.

A parte autora sustenta um provimento jurisdicional antecipatório visando à determinação de uma obrigação de fazer – abertura/reabertura dos Pontos de atendimento – com a imposição de multa diária no caso de descumprimento da decisão.

Desse modo, conclui-se ser admissível, em tese, a pretensão, tendo em vista que o objeto da ação prevista na Lei nº 7.347/85 é “a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer” (artigo 3º). E o artigo 11 da Lei da ação civil pública prevê a possibilidade da aplicação de multa diária no caso de descumprimento da obrigação imposta. No artigo 12 está a possibilidade de concessão de antecipação de tutela.


Além disso, importante salientar que a partir da edição do Código de Defesa do Consumidor, criou-se o que a doutrina chama de interação entre os mecanismos de tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Nesse sentido afirma Kazuo Watanabe:

“A mais perfeita interação entre o Código e a Lei nº 7.347, de 24.7.85, está estabelecida nos arts. 90 e 110 usque 117, de sorte que estão incorporados ao sistema de defesa do consumidor as inovações introduzidas pela referida lei especial, da mesma forma que todos os avanços do Código são também aplicáveis ao sistema de tutela de direitos criado pela Lei nº 7.347.” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 6ª edição, pág. 711).

Da mesma forma, aplica-se à ação civil pública o Código de Processo Civil, de forma subsidiária, tal como prevê o artigo 19 da Lei nº 7.347/85.

Tenho, assim, que na ausência de previsão dos pressupostos para o deferimento da medida na Lei da ação civil pública, aplicam-se os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e do Código de Processo Civil (respectivamente artigos 84, § 3º e 461, §3º) que tratam da antecipação de tutela nas ações que tenham por objeto a cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Além disso, e tendo em vista o ensinamento do Des. Federal Teori Albino Zavascki de que: “fundamento relevante” é enunciado de conteúdo equivalente a “verossimilhança da alegação”; e “justificado receio de ineficácia do provimento final” é expressão que traduz fenômeno semelhante a “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, e ainda: “o regime da antecipação de tutela no procedimento comum é aplicável, com efeito, de um modo geral, na lacuna do dispositivo específico” (Antecipação da Tutela. 2ª edição, Editora Saraiva, págs. 151 e 156), levar-se-á em consideração os demais requisitos constantes no artigo 273 do CPC para o deferimento da medida, tais como: prova inequívoca e ausência de perigo de irreversibilidade.

1. Verossimilhança da Alegação

O parágrafo 3º do artigo 461 do CPC, e o parágrafo 3º do artigo 84 do CDC falam: “sendo relevante o fundamento da demanda” Mas, nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni: “a relevância do fundamento da demanda é justamente o fumus boni iuris – portanto, a verossimilhança suficiente para a concessão da tutela”. (A Antecipação da Tutela. 6ª edição, revista e ampliada. Malheiros Editores. Pág.164).

Não tenho nenhuma dúvida que a conduta da concessionária dos serviços de energia elétrica – RGE S.A – de suprimir todos os meios de acesso pessoal e personalizado no atendimento ao consumidor, infringe normas específicas de regulamentação do setor de energia, bem assim normas básicas que regem a atuação das concessionárias de serviços públicos. Essa conclusão decorre das premissas que a seguir serão expostas, todas elas plenamente comprovadas nos autos em decorrência do dispendioso trabalho desempenhado pelo Ministério Público Federal no Estado do Rio Grande do Sul e nesta Subseção, pela eminente Procuradora da República Dra. Ana Paula Carvalho de Medeiros.

1.a – Resolução da ANEEL; Código de Defesa do Consumidor e Lei nº 8.987/95

A Lei nº 9.427/97 criou a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, com a natureza jurídica de Autarquia e a função de planejar, regular e fiscalizar os serviços de energia elétrica.

Quando da delegação do serviço público, é feito um contrato no qual devem conter regras de observância obrigatória pelos contratantes, dentre as quais aquelas disposições que visam a explicitar os direitos dos usuários de receber serviço adequado, e o encargo da concessionária de assim prestá-lo (artigos 7º, inciso I e 31, inciso I da Lei nº 8.987/95). Ademais, cabe à agência reguladora a definição das normas básicas exigíveis das concessionárias, principalmente no que tange às obrigações das concessionárias em face dos usuários, destinatários diretos do serviço.

A Resolução nº 456 de 2000 estabelece que as concessionárias de energia elétrica devem prestar serviço adequado a todos os consumidores, satisfazendo ainda a condição de eficiência, nesses termos:

Art. 95. A concessionária é responsável pela prestação de serviço adequado a todos os consumidores, satisfazendo as condições de regularidade, generalidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, modicidade das tarifas e cortesia no atendimento, assim como prestando informações para a defesa de interesses individuais e coletivos.

Os mesmos direitos do usuário dos serviços públicos decorrem do caput do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, que impõe o princípio da eficiência como norte a ser observado na Administração Pública; o artigo 7º da Lei nº 8.987/95, que estabelece o direito ao serviço adequado ao usuário frente a concessionário do serviço público e ainda o artigo 6º da Lei nº 8.78/90, que assegura ao consumidor o direito à adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.


Assim, em um juízo provisório de verossimilhança da alegação, verifica-se que a atitude da concessionária de energia elétrica em eliminar qualquer possibilidade de os consumidores comparecerem pessoalmente em pontos de atendimento para encaminharem suas reclamações ou dúvidas relacionadas aos serviços prestados infringe a legislação que rege a matéria. É certo que a forma de atendimento unicamente pelo Call-Center está em descompasso com as exigências de eficiência e adequação dos serviços prestados.

Para tanto, basta que se verifiquem as manifestações dos Prefeitos Municipais relatando o descontentamento da população com a forma de contato com a concessionária (fls.124-5, 126, 130-1, 134 etc.). A inadequação e ineficiência da forma de atendimento ao usuário do serviço público são cabalmente demonstradas pela certidão do Ministério Público Federal dando conta que num período de 3 horas – entre 11h e 14h do dia 22 de janeiro de 2004 – foram efetuados em torno de 15 (quinze) tentativas de contato para o número disponibilizado ao cliente pela empresa Rio Grande Energia, sendo que em todos os contatos o atendimento se deu por meio de gravação que, ou impunha ao consumidor um período de espera, ou informava que não poderia atender a chamada, pois o sistema estava sobrecarregado (fl.112).

Tendo em vista o absurdo da situação, e considerando que o MPF, posto que seja o Órgão Constitucional com atribuição para a defesa da ordem jurídica, é parte no presente feito portanto, poder-se-ia impingir-lhe a pecha de imparcial, este Juízo determinou que fosse testada a forma de atendimento mediante o telefone 0800900900, tendo então sido constatado que:

“efetuei diversas ligações telefônicas para o n.º 0800-900900, da RGE, nos horários abaixo, ouvindo a seguinte gravação: “Devido ao grande número de chamadas, nossos sistemas estão momentaneamente sobrecarregados. Sua ligação é muito importante para nós. Por favor, volte a ligar mais tarde.”. Horários: 13 horas; 13 horas e 5 minutos; 13 horas e 17 minutos e 13 horas e 33 minutos. CERTIFICO, ainda, que às 13 horas e 46 minutos, em nova ligação, a gravação ouvida foi a seguinte: “A previsão de espera é superior a cinco minutos. Por favor, espere.”. Aos 7 minutos e 30 segundos de espera a gravação ouvida foi a seguinte: “Por favor, aguarde. Não desligue. Mantenha o seu lugar na fila de espera. Se desligar para fazer uma nova ligação, seu novo telefonema irá para o fim da fila e você terá que esperar mais ainda.”. Esta gravação foi ouvida, também, aos 10 minutos e 30 segundos; 13 minutos e 30 segundos e 16 minutos e 30 segundos de espera, sendo que, nesta última, acrescentada da seguinte frase: “Obrigado por agilizar o nosso atendimento.”. CERTIFICO, por fim, que após 18 minutos e 30 segundos de espera, fui atendido pela telefonista Tatiana.

Era o que havia a certificar. . DOU FÉ. Bento Gonçalves, 2 de fevereiro de 2004. Marcelo Donini, Diretor de Secretaria.”

Assim, não resta dúvida que os direitos do usuário consumidor dos serviços de energia elétrica não estão sendo respeitados pela parte ré, uma vez que esta conduta pode se classificar de diversas formas, menos de atendimento adequado e eficaz.

A Resolução nº 456 da ANEEL ainda estabelece que:

Art. 98. A concessionária deverá dispor de estrutura de atendimento adequada às necessidades de seu mercado, acessível a todos os consumidores da sua área de concessão que possibilite a apresentação das solicitações e reclamações, bem como o pagamento da fatura de energia elétrica. § 1º A estrutura adequada é a que, além de outros aspectos vinculados à qualidade do atendimento, possibilita ao consumidor ser atendido em todas as suas solicitações e reclamações sem que, para tanto, tenha que se deslocar do município onde reside. § 2º Nos locais em que as instituições prestadoras do serviço de arrecadação das faturas de energia elétrica não propiciarem um atendimento adequado, a concessionária deverá implantar estrutura própria para garantir a qualidade do atendimento. § 3º A concessionária deverá dispensar atendimento prioritário, por meio de serviços individualizados que assegurem tratamento diferenciado e atendimento imediato, a pessoas portadoras de deficiência física, idosos com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos, gestantes, lactantes e as pessoas acompanhadas por crianças de colo, nos termos da Lei n.º 10.048, de 8 de novembro de 2000.

Pelas constatações acima, verifica-se que a estrutura de atendimento da RGE não está adequada às necessidades do mercado, nem aos interesses do cidadão. Ademais, o indispensável atendimento prioritário exigido no parágrafo 3º do referido dispositivo jamais será alcançado mediante o sistema de atendimento Call-Center.

O parágrafo único do artigo 120 da mesma Resolução da ANEEL exige que a concessionária de energia elétrica mantenha em todas as agências de atendimento livro próprio para possibilitar a manifestação por escrito dos consumidores. É certo que a eliminação dos pontos de atendimento pessoal torna impossível a realização desta exigência legal.


Parágrafo único. A concessionária deverá manter em todas as agências de atendimento, em local de fácil visualização e acesso, livro próprio para possibilitar a manifestação por escrito dos consumidores, devendo, para o caso de solicitações ou reclamações, observar o prazo de 30 (trinta) dias para resposta, conforme estabelecido no art. 97.

Resta, assim, a conclusão, em um juízo prévio de mérito, que estão comprovados os fatos alegados na inicial – inexistência de postos de atendimento pessoal aos usuários dos serviços da Concessionária ré. Da mesma forma, é verossímil a fundamentação jurídica de que as normas que regem a espécie exigem o atendimento público e pessoal aos usuários dos serviços de energia elétrica, bem como a existência de prejuízos à coletividade e aos princípios da eficiência e da prestação adequada dos serviços públicos. Afirma-se, assim, a “verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos” (Teori Albino Zavascki, ob.cit. Pág. 76).

2. Fundado Receio de Dano Irreparável ou de Difícil Reparação

A verificação existência desse pressuposto, no caso em tela, está na constatação de que a presença de um ponto de atendimento público nas localidades é indispensável para o desenlace de algumas situações pertinentes ao serviço de energia elétrica ou, a contrário senso, que a ausência do acesso pessoal à Concessionária não acarretará nenhum prejuízo ao consumidor usuário do serviço de energia.

E a informação da imprescindibilidade desse atendimento público e pessoal em pontos localizados em algumas cidades é de fácil conclusão pelos elementos constantes nos autos.

Há começar pelas próprias normas editadas pela ANEEL, impondo a prestação do serviço de forma eficiente e adequada, com previsão de livro próprio para a anotação da reclamação do consumidor. Por óbvio que o Órgão federal responsável pela regulação e fiscalização dos serviços de energia não iria impor tal exigência sem que houvesse a efetiva necessidade da prestação do serviço.

Essa conclusão é corroborada pelas constatações feitas pelos Prefeitos Municipais que retornaram o ofício enviado pelo MPF.

Em Carlos Barbosa, o chefe do executivo relata que o atendimento será extremamente prejudicial aos usuários, assim como para toda população de Carlos Barbosa. (…) Pelo que se sabe e se percebe, há uma grande insatisfação da população com o fechamento da agência. (fls.124-5)

No Município de Cotiporã, foi relatado que a população consumidora de energia elétrica ficou desprovida de atendimento, restando o Poder Público Municipal como a única opção ao alcance para obter informações. (…) Com isso há um grau de inconformidade por parte da população, manifestado em várias oportunidades. (fl.126)

O Prefeito de Garibaldi referiu que já houve várias manifestações de descontentamento da população com o fechamento do Escritório e do mau atendimento pelo sistema de chamada call-center. (fl.130)

Em Nova Bassano, foi constatado que o fechamento do posto de atendimento de Nova Prata, que arcava com as reclamações da região, acarretou muitos transtornos a todos os usuários (fl.134).

Também são no mesmo sentido as manifestações dos chefes do executivo municipal nos Municípios de Serafina Corrêa e Vila Flores.

Deve se considerar também os elementos constantes nos autos, dando conta que no período compreendido entre janeiro de 1999 até julho de 2003 o serviço de tele-atendimento da RGE recebeu 12.470.841 (doze milhões, quatrocentos e setenta mil e oitocentos e quarenta e uma) ligações. Ou seja, mesmo com a precariedade e dificuldades encontradas na forma de atendimento exclusivamente por um número telefônico, uma quantidade enorme de usuários procuraram a RGE para reclamações, dúvidas e consultas. Assim, não é prudente pretender que milhões de pessoas continuem tendo seus direitos violados no curso da demanda, tendo que se submeter a atendimentos por gravação que aconselha a ligar mais tarde, pois não há como atender no momento. Isso sem falar em milhares de pessoas que deixam de procurar o atendimento da RGE, pelo desestimulo decorrente da forma como vêm sendo tratadas pela Concessionária.

Ademais, vislumbra-se que uma das razões precípuas da adoção das privatizações no âmbito de serviços essenciais aos cidadãos era o de expandir esses serviços, tornando o acesso mais fácil, afastando as burocracias que sempre vicejaram no setor público brasileiro. Os interesses principais a serem preservados, em qualquer forma de prestação de serviço público, seja quando é prestado diretamente pelos entes públicos, seja quando se adota os regimes de delegação ou de outorga, é o de atender ao bem comum.

O usuário do serviço não pode arcar com prejuízos e desconfortos para que a Concessionária reduza gastos com o fechamento de postos e dispensa de servidores. Outro objetivo certamente almejado pela ré, até porque insiste em uma conduta que está gerando protestos em massa no Estado, não só de cidadãos individualmente, como também por órgãos de proteção dos consumidores, câmaras de vereadores, é o de desestimular o usuário a exercer plenamente os seus direitos, o que será uma decorrência lógica do suprimento de todos os meios de acesso pessoal à RGE.


Aliás, esse vem sendo o caminho trilhado pela jurisprudência, conforme pode se inferir do

Agravo de Instrumento nº 142379, julgado pelo TRF da 4ª Região:

“ADMINISTRATIVO. DISTRIBUIDORA DE ENERGIA ELÉTRICA. POSTOS DE ATENDIMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR. – Medida que, mesmo deferida em parte, deve ser ratificada porque é notória a dificuldade de a maioria das pessoas manter contato telefônico com o call center de empresas como a agravante, bem como haver problemas a serem resolvidos pelos clientes ou usuários do serviço concedido que, razoavelmente, exigem entrevista pessoal .”(4ª Turma, Rel Des. Federal Valdemar Capeletti. DJU 17.09.2003, p.843).

Cabe, no entanto, limitar a concessão da medida antecipatória para a abertura dos pontos de atendimento em algumas das cidades mencionadas na inicial, com uma solução alternativa em relação às demais. Isto porque se tem notícia de que alguns dos Municípios não possuíam as lojas de atendimento dos serviços de energia elétrica, mesmo antes da concessão dos serviços. Nestes casos, havia como que uma regionalização do atendimento em uma cidade pólo que arcava com as consultas e reclamações dos moradores de outras cidades próximas. É preciso levar em contra ainda que há Municípios com população reduzida, e para os quais é que deveria se aconselhar o atendimento mediante o Call-Center, que viria como mais uma opção nestes casos, evitando que os usuários tenham que se deslocar para uma cidade próxima.

Não se quer dizer que no resultado final da demanda, quando provavelmente já haverá nos autos algum estudo técnico feito pela co-ré ANEEL, ou pela própria RGE dando conta das necessidades de manutenção de postos de atendimento em cidades menores, não se poderá alterar este posicionamento, determinando a abertura de lojas.

O que se impõe no atual momento do processo é assegurar aos usuários a possibilidade de atendimento pessoal, não se submetendo somente ao ineficiente serviço de tele-atendimento.

Assim, para algumas cidades, adota-se uma solução alternativa, impondo que a concessionária tenha uma espécie de atendimento itinerante, mediante carro móvel, comparecendo uma vez a cada 15 dias (intervalo quinzenal) nestas cidades para prestar o atendimento pessoal aos consumidores, com divulgação nos meios de imprensa.

Ante o exposto, presentes os requisitos legais, DEFIRO PARCIALMENTE O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA requerido pelo Ministério Público Federal, para determinar à RGE – Rio Grande Energia que:

a) Reabra os Pontos de atendimento ao usuário dos serviços de energia elétrica de Bento Gonçalves, Carlos Barbosa, Garibaldi, Nova Prata, Parai, Serafina Corrêa e Veranópolis, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, nos mesmos locais em que antes funcionavam, ou próximo aos locais originários, mantendo atendimento diariamente e no horário comercial, nos termos requeridos pelo Ministério Público Federal, com infra-estrutura compatível com as necessidades do serviço, bem como com postos auto-sustentáveis, com condições apropriadas para o atendimento e solução das dúvidas reclamações e sugestões dos clientes;

b) Mantenha um serviço móvel, itinerante, de atendimento aos consumidores de energia elétrica nos Municípios de Cotiporã, Dois Lajeados, Fagundes Varela, Guabiju, Monte Belo, Nova Araçá, Nova Bassano, Santa Teresa, São Jorge, São Valentim do Sul, Vista Alegre do Prata e Vila Flores, no prazo máximo de 45 dias, mediante viatura identificada pela RGE, e com estrutura técnica e de pessoal para tomar a termo todas as reclamações e dúvidas dos clientes e dar o encaminhamento no momento, ou tão-logo chegue na sua base. Este serviço deverá ser realizado em intervalos quinzenais, no mínimo, em dias certos e horários anteriormente fixados, de forma que a população tenha conhecimento dos dias e horas que a RGE irá comparecer na cidade;

c) No prazo de 10 (dez) dias deverá a RGE – Rio Grande Energia, dar início à publicidade do fato em grande jornal de circulação Estadual, e nos meios de imprensa locais, mencionando a data da abertura das lojas e postos de atendimento, bem como os dias, horários e locais em que se dará o atendimento, para pronta ciência dos usuários do serviço;

d) Comprove documentalmente o integral cumprimento desta medida liminar, no prazo de 10 (dez) dias contados da data do encerramento do prazo para cumprimento dos itens “a”, “b” e “c”, respectivamente, desta decisão;

Tendo em vista a concessão dos prazos de 10 (dez), 30 (trinta) e 45 (quarenta e cinco) dias para o cumprimento no plano concreto dos efeitos da medida antecipatória, atendeu-se o objetivo da providência prevista no artigo 2º da Lei nº 8.437/92, garantindo-se possibilidade de manifestação da requerida nos autos antes da execução da ordem judicial.

Ademais, caberá à empresa Rio Grande Energia – RGE, a execução dos atos concretos,

pessoa jurídica de direito privado.

Fixo multa diária de R$ 10.000,00(Dez mil reais) pelo eventual descumprimento da decisão em seu item “a”, no seu item “b” ou no seu item “c”, relativamente a cada Ponto de

Atendimento não reaberto ou ausência de atendimento itinerante na forma fixada, bem como pelo eventual não atendimento da determinação de que se dê publicidade à reabertura das lojas e pontos, da forma como determinado na fundamentação (item “c”) e pela eventual não comprovação tempestiva do integral cumprimento da medida liminar (item “d”).

SALIENTE-SE QUE SERÁ APLICADA MULTA DIÁRIA PARA CADA UMA DAS CIDADES EM QUE SE VERIFICAR A AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DA MEDIDA, BEM COMO MULTA DIÁRIA PARA A AUSÊNCIA DE PUBLICIDADE NA FORMA FIXADA EM RELAÇÃO A CADA UMA DAS CIDADES.

Estabeleço, ainda, multa fixa de R$100.000,00 (Cem mil reais) para o caso de posterior fechamento de quaisquer dos estabelecimentos reabertos, por unidade de atendimento, sem autorização ou determinação judicial para tanto, sem prejuízo de outras sanções, conforme já explicitado na fundamentação.

Citem-se.

Intimem-se.

Bento Gonçalves, 30 de janeiro de 2004.

Frederico Valdez Pereira,

Juiz Federal Substituto da Vara de Bento Gonçalves.

RECEBIMENTO

Recebi, nesta data, estes autos. Em 30.01.2004. Diretor de Secretaria

(Espaço Vital e JF-RS)

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