Puxão de orelha

Juiz critica resolução do TJ paulista e é irônico em decisão

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5 de fevereiro de 2004, 13h01

A resolução do TJ paulista — que transfere competências do Tribunal de Alçada Civil para o Tribunal de Alçada Criminal — foi duramente criticada pelo juiz Ferraz de Arruda, ao julgar recurso ajuizado pela ONG Associação Brasileira do Consumidor contra Unibanco. “É de se perguntar, pois, qual é o ganho efetivo, concreto, real, que a resolução 157/03 está proporcionando ao jurisdicionado, aflito com o seu direito?”, questionou o juiz e, em seguida, respondeu: “nenhum!”.

De acordo com ele, o “prejuízo, por conseguinte, com a edição dessa resolução, foi o de tumultuar ainda mais o cenário jurídico-processual no Estado, já que é manifestamente impossível que o Tribunal de Alçada Criminal, depois de trinta e cinco anos de existência, venha, de repente, assumir um acervo recursal cível, cujo processamento exige estruturas pessoais e materiais especializadas para que se torne possível o mínimo de eficiência no processamento dos recursos, como pretendido pelas partes”.

No despacho, Ferraz disse que houve “uma certa dose de espírito público, já que tal situação era perfeitamente previsível”. Ele chega a ser irônico: “O pretexto evidentemente é público e notório. Os juízes do Tribunal de Alçada Criminal, não fazem nada, ou como diz o vulgo, ‘vivem na moleza’, como se os juízes do tribunal alçada criminal fossem uma casta de privilegiados que chegaram a esta nobre casa levados pelas mãos de um generoso príncipe que cuida de reservar o Tribunal de Alçada Criminal para os seus áulicos e protegidos.”

O advogado José Luís de Oliveira Lima afirmou que “é louvável a coragem do juiz em mostrar a indignação em um voto”. Segundo Lima, a resolução do TJ paulista é “equivocada”. Para o advogado, “é inacreditável que dois tribunais não tenham conversado para resolver a questão”. Além disso, segundo ele, deveria haver discussão entre advogados e tribunais sobre o assunto antes de a resolução ser baixada.

No caso concreto, o advogado Carlos Henrique de Mattos Franco conseguiu justiça gratuita para um associado. A decisão do juiz foi publicada esta semana no Diário Oficial.

Leia a decisão:

Agravante: Heitor Tokio Ito

Agravado: Banco Unibanco S/A

Despacho: ”Vistos, Etc.

Cuida-se de agravo interposto contra decisão proferida pela e. vice-presidência desta corte que negou pedido de efeito suspensivo e determinou a conversão em agravo retido do agravo de instrumento interposto contra decisão do juízo ‘a quo’ que indeferiu, em sede de ação de ação revisional de contrato, o pedido de justiça gratuita formulado pelo autor ora agravante.

O agravante interpôs agravo contra a referida decisão da vice-presidência, no entanto, alega, matéria estranha ao objeto do presente recurso. Não houve reconsideração da decisão pela douta vice-presidência. Com efeito, a súbita e açodada expedição, pelo egrégio Tribunal de Justiça, da resolução 157/03 acabou por gerar prejuízos às partes, muito piores do que se a competência tivesse permanecido com o egrégio primeiro Tribunal de Alçada civil de São Paulo.

As razões seriam muitas a serem arroladas sobre a absoluta falta de razoabilidade prática para a expedição de semelhante resolução. Mas há as elementares que não poderiam ser desconsideradas. O primeiro ponto que se desconsiderou é a autonomia administrativo-financeira do Tribunal de Alçada Criminal, expressamente preservada pelo artigo 125, da Constituição Federal. Com efeito, a dita resolução extinguiu o Tribunal de Alçada Criminal do Estado e pôs no seu lugar um ‘Tribunal Misto’, ou seja, com competência civil e criminal, o que é manifestamente ilegal, já que tal criação só poderia ter sido feita por lei complementar à constituição do Estado.

A conduta político-administrativa do Tribunal de Justiça de São Paulo visou, evidentemente, subtrair do poder legislativo estadual a decisão definitiva sobre a oportunidade e conveniência da existência deste novo Tribunal de Alçada .

O prejuízo, por conseguinte, com a edição dessa resolução, foi o de tumultuar ainda mais o cenário jurídico-processual no Estado, já que é manifestamente impossível que o Tribunal de Alçada Criminal, depois de trinta e cinco anos de existência, venha, de repente, assumir um acervo recursal cível, cujo processamento exige estruturas pessoais e materiais especializadas para que se torne possível o mínimo de eficiência no processamento dos recursos, como pretendido pelas partes.

Os funcionários da secretaria judiciária do Tribunal de Alçada Criminal desconhecem completamente a mecânica dos feitos cíveis, certo que não basta apenas a teoria da lei. Há toda uma tradição de serviços administrativos internos voltados ao atendimento dos feitos criminais, cujo processamento ganha contornos próprios e específicos que agora estão sendo convulsionados com a entrada de feitos cíveis no sistema.


Citemos a título de exemplos, só para começar, a questão da distribuição toda informatizada para feitos criminais; a competência regimental da vice-presidência que é estritamente estabelecida para despachos em feitos criminais; o processamento de recursos especiais e extraordinários; o regime de intimações e publicações; o funcionamento de câmaras e grupos civis; etc..

Não diria o elementar bom senso que a criação de um novo tribunal de competência mista haveria de ser precedida de largos e aprofundados estudos quanto ao impacto que tal criação representaria para o sistema administrativo interno de um tribunal especializado? Não se pensou, por exemplo, que existe toda uma jurisprudência consolidada pelo primeiro Tribunal de Alçada do Estado, de tal sorte que essa brusca mudança, é evidente, iria, como de fato está acontecendo, reavivar dispensáveis discussões a respeito de temas já aplainados pelo primeiro Tribunal de Alçada? Não se pensou que a adaptação de um juiz criminal ao processo civil não se faz de uma hora para outra? Não se pensou que a adaptação de um juiz de primeira instância promovido para Tribunal de Alçada que trata de matéria diversa daquela que enfrentava na vara é absolutamente diferente da situação dos juízes que já estão no Tribunal Criminal e abruptamente são obrigados a julgar recursos cíveis?

Não se pensou que não se trata de se situar a questão apenas no plano da qualidade intelectual do juiz e da sua adaptação subjetiva às novas matérias, mas, sim, de adaptação de toda uma estrutura adiministrativa, judiciária e pessoal dos juízes, sedimentada ao longo de trinta e cinco anos de existência?

É de se perguntar, pois, qual é o ganho efetivo, concreto, real, que a resolução 157/03 está proporcionando ao jurisdicionado, aflito com o seu direito? A resposta imediata está no processamento dos agravos de instrumentos, como o presente: nenhum! Pelo contrário, os prejuízos aqui gerados são maiores de que se tivessem sido interpostos perante o primeiro Tribunal de Alçada que possui estrutura própria para o encaminhamento e processamento. Aliás, faltou, com todo respeito que merece a intenção do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, bem como dos dois outros Tribunais de Alçada Cível de São Paulo (estes por aceitarem silenciosamente a dita resolução), uma certa dose de espírito público, já que tal situação era perfeitamente previsível.

O pretexto evidentemente é público e notório. Os juízes do Tribunal de Alçada Criminal, não fazem nada, ou como diz o vulgo, ‘vivem na moleza’, como se os juízes do tribunal alçada criminal fossem uma casta de privilegiados que chegaram a esta nobre casa levados pelas mãos de um generoso príncipe que cuida de reservar o Tribunal de Alçada Criminal para os seus áulicos e protegidos. Não são os juízes do Tribunal de Alçada Criminal culpados pelo desastre social que vive o país; não são culpados pela existência de oitenta e dois cargos de juízes no Tribunal de Alçada Criminal.

Portanto, a emoção está levando à confusão entre o órgão público Tribunal de Alçada Criminal e os juízes que o compõem, ou será que possa eventualmente passar pela cabeça dos nobres desembargadores que por aqui passaram, como igualmente dos nobres colegas dos outros Tribunais de Alçada, ou de nobres juízes de primeiro grau que não deveríamos (nós que por enquanto aqui e estamos), termos nos inscrito nos concursos públicos para promoção ou remoção para cá?

É esta a questão fundamental:

É com essa compreensão dos nobres e cultos advogados que conto para que essas dificuldades que lhes foram acrescidas (não bastasse a demora do julgamento de seus recursos no egrégio primeiro Tribunal de Alçada), sejam rapidamente sanadas e as coisas retomem seu caminho natural. É evidente que essa compreensão deve principalmente ser pensada no sentido de que nós juízes do Tribunal de Alçada Criminal não temos, a mínima que seja, culpa pelo o que está acontecendo, tudo pelas razões acima expostas.

Acrescento, por derradeiro, que só se pode louvar a conduta assumida pelo exmo. Sr. Juiz vice-presidente desta casa, Doutor Eduardo Pereira Santos, que chamou para si a competência de despachar liminarmente os agravos, demonstrando o seu alto descortínio público e a sua dedicação aos interesses das partes, tudo para lhes assegurar os direitos que eventualmente exijam satisfação imediata.

Feitos estes esclarecimentos necessários, passo a ordenar o processamento do agravo de instrumento de sorte a colocá-lo em termos de ser apreciado nos exatos limites de minha competência. Assim é que, para tanto, desconsidero o presente ‘agravo especial ou regimental’ como tal, já que inexiste no nosso regimento interno previsão para o seu processamento, visto que encerra matéria cível, ou seja, não há previsão de agravo contra decisão do juiz vice-presidente que aprecia liminarmente o agravo de instrumento, é que a competência para o exercício, seja do juízo de admissibilidade recursal, seja do juízo de cabimento de medida liminar, é do juiz relator sorteado, por força do que dispõe o artigo 527, do código de processo civil.


Enfim, não há e nem poderia haver um juízo prévio de admissibilidade do recurso de agravo de instrumento pelo senhor juiz vice-presidente do tribunal já que tal situação ensejaria uma atividade absolutamente inócua em termos processuais, já que a legislação processual, exatamente para agilizar a tramitação do agravo de instrumento, impôs a sua imediata distribuição ao juiz relator. É certo que nos regimentos dos tribunais cíveis consta regra expressa segundo a qual, excepcionalmente, na ausência do juiz relator designado ou de seu substituto imediato na câmara, pode o juiz vice-presidente fazer às vezes destes, mas sempre de forma provisória, até que o juiz relator receba os autos para despacho, o que não é o caso presente.

Cumpram-se, pois, a secretaria, as seguintes determinações:

1 –Regularize-se a autuação, tirando-se a sobrecapa ‘agravo especial’ para que conste apenas a capa original ‘agravo de instrumento’;

2 — Cancele-se o registro do ‘agravo especial’;

3 — Junte-se a petição de ‘agravo especial’ aos autos do agravo de instrumento. Em que pese o agravo regimental não guarde relação com o objeto deste recurso, para evitar idas e vindas do presente recurso desde já examino o pedido liminar formulado no agravo de instrumento.

A agravante pretende seja dado efeito suspensivo ao recurso para que a decisão que indeferiu os benefícios da justiça gratuita, determinando o recolhimento das custas em não opere, por ora, efeitos, impedindo assim, eventual extinção do feito.

De fato, numa cognição sumária que me é dada fazer neste momento, vislumbro o desacerto da decisão guerreada afinal, a lei 1.060/50 exige, para a concessão dos benefícios, a simples afirmação da impossibilidade de arcar com as custas. Assim, diante da perspectiva da decisão ‘a quo’ vir a causar, ao ora agravante, lesão grave e de difícil reparação se permanecer operando efeitos até final julgamento deste recurso, podendo o feito vir a ser extinto, é que defiro a pleiteada antecipação da tutela, para conceder, provisoriamente e até ulterior julgamento deste recurso, os benefícios da justiça gratuita.

Revogo, ainda, a conversão do presente agravo e retido, já que se mostra incabível semelhante providência, visto que implicaria em simplesmente dar por inexistente o agravo de instrumento interposto, dada a urgência da questão posta. Por outro lado, como já foi suscitado o incidente de inconstitucionalidade da resolução nº 157/03, do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, incidente que será julgado pelo órgão pleno deste tribunal na próxima sessão do dia 18 de dezembro, hei por bem suspender o processamento do presente agravo para que se aguarde a dita decisão.

Assim que escrito o acórdão do órgão pleno, translade-se a cópia para estes autos, não se fazendo necessária conclusão caso a decisão seja favorável à instauração do incidente.

O agravo ficará, pois, em suspenso. (a) Ferraz de Arruda, relator.

São Paulo, 19 de dezembro de 2003.

São Paulo, 27 de janeiro de 2004. (a) Renato Nalini. – advogado(s): Carlos Henrique de Mattos Franco

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