Audiência pública

Jobim defende controle externo e súmula vinculante em audiência

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4 de fevereiro de 2004, 18h01

O custo de um processo no Supremo Tribunal Federal é de R$ 1.958. A afirmação é do vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, que participou nesta quinta-feira (4/2) de audiência pública sobre a reforma do Judiciário. A audiência foi na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

A avaliação do custo do processo foi feita pelo ministro ao defender a súmula vinculante na audiência pública, que durou cinco horas. Dividindo o orçamento de 2002 do STF, que foi de R$ 170 milhões, pelo número de processos solucionados, o custo de cada um seria de R$ 1.958. No Superior Tribunal de Justiça), esse custo subiria para R$ 2.620.

Jobim também frisou a importância da vinculante ao fazer o balanço do número de processos julgados no STF em 2003. Disse que dividindo o total das 109.089 decisões proferidas no ano passado pela Corte, contabilizam-se 9.917 decisões por ministro em 10 meses (considerados os dois meses de recesso forense).

O futuro presidente do STF disse que a adoção da súmula vinculante está nos mesmos moldes do projeto aprovado pela Câmara dos Deputados. Para ele, a súmula vinculante trará maior agilidade às causas processuais, além de criar “segurança jurídica”.

O grande número de Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo também foi tema da exposição de Jobim. O ministro destacou que enquanto o presidente da República e as Mesas da Câmara e do Senado nunca ajuizaram ADI no STF, os governadores propuseram nada menos do que 877 ADI de 1988 até hoje, num universo de 3.437 Ações dessa natureza.

No mesmo período, as Assembléias Legislativas dos estados propuseram apenas 36. Segundo Jobim, esses dados revelam que a ADI se transformou numa prolongação do debate político e da derrota congressual. Ele ressalta que, durante os oito anos do governo anterior, todas as ações foram ajuizadas pela oposição. Citou, ainda, um senador que na época lhe disse que, por pertencer a um partido pequeno, teria mais notoriedade se propusesse uma ADI do que se votasse contra uma decisão.

Controle externo

O ministro defendeu o controle externo do Poder Judiciário, nos mesmos moldes da proposta de emenda à Constituição (PEC 29/2000) — já aprovada pela Câmara dos Deputados. Segundo ele, “a proposta não fere a autonomia, a independência e nem interfere nos trabalhos do Judiciário”.

“Pelo contrário. O Conselho Nacional de Justiça, a ser criado para exercer o controle, é uma necessidade para que o Judiciário tenha uma política de ação uniforme em todo o país, ganhe agilidade, reduza os custos processuais e, além disso, passe a ser mais transparente perante a sociedade. Qual é o problema? O que vem assustando parte da magistratura? Onde existe uma invasão da autonomia do Judiciário?”, indagou.

Para fortalecer a defesa da proposta, ele observou que o Conselho Nacional de Justiça, de 15 membros, será composto em sua maioria por magistrados. A composição do Conselho contaria com um ministro do STF, um do Superior Tribunal de Justiça e um do Tribunal Superior do Trabalho, além de juízes, representantes do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e de dois cidadãos indicados pela Câmara e o Senado.

De acordo com ele, o conselho terá competência para controlar, principalmente, a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, além de zelar pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura. Entre outras atribuições, informou o ministro, caberá ao conselho rever os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais, julgados há menos de um ano.

O senador Jefferson Péres (PDT-AM) indagou ao ministro se ele não considera perigoso submeter o Poder Judiciário ao controle externo. Jobim disse que não vê riscos, pois o conselho teria funções apenas administrativas, sendo incapaz, portanto, de interferir na soberania dos magistrados de proferir suas sentenças.

Crimes contra Direitos Humanos

Ao responder a uma questão levantada pelo senador José Jorge (PFL-PE), Jobim se disse favorável ao dispositivo inserido na reforma do Judiciário, que permite ao procurador-geral da República solicitar, no Superior Tribunal de Justiça, o chamado “deslocamento de competência” dos tribunais locais para a Justiça Federal dos processos envolvendo crimes contra os direitos humanos.

Para ele, não é aceitável que crimes cometidos, por exemplo, por policiais civis ou militares sejam investigados pelas próprias corporações, já que antes da fase processual há o inquérito criminal.

“Há, sim, uma disputa por parte dos juízes estaduais, que temem a perda de poder. Não, senhores magistrados, não há perda de poder. Há apenas uma certeza maior de que a justiça será feita, porque não haverá o risco de uma solidariedade corporativa na apuração do crime”, explicou.

O ministro do STF lembrou também que há uma corte da Organização dos Estados Americanos (OEA), na Costa Rica, que julga crimes contra direitos humanos nos países da região.

“Há casos ali de pedidos de indenização contra a União por crimes cometidos por policiais militares nos estados, já que o estado federado não é um ente do Direito Internacional”, disse. Outro exemplo citado pelo ministro foi o episódio do massacre dos sem-terra em Eldorado de Carajás, no Pará. “Houve problemas terríveis para fazer o processo andar, por corporativismo”, afirmou.

Jobim considerou uma “solução inteligente” a transferência para a alçada federal de crimes cometidos nos estados contra os direitos humanos.

Emendas

Jobim repudiou, entretanto, emendas apresentadas à proposta que não permitem a apresentação de recursos. Pela PEC 29/2000, conforme informou, só podem propor ação direta de inconstitucionalidade contra as decisões tomadas pelos tribunais superiores o presidente da República, as Mesas do Senado, da Câmara e das Assembléias Legislativas; governadores de estado; o procurador-geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Tribunais de federação

Ele também quer que o STF, o TST e o STJ voltem a ser tribunais da Federação, deixando para os juízes de primeira instância julgarem os processos comuns, como forma de desafogar os trabalhos do Judiciário. Como exemplo, informou Jobim, os 11 ministros do STF foram obrigados a julgar em 2003 uma média diária de 49,58 processos, o que considera um “absurdo”.

Judiciário deve servir à Nação, diz Jobim

O vice-presidente do STF afirmou que o Plenário terá quatro textos para analisar sobre a reforma do Judiciário, devido à tramitação da matéria: a proposta de emenda à Constituição nº 29, dois pareceres e um eventual substitutivo que a CCJ venha a apresentar.

Jobim destacou que o Poder Judiciário não pode servir aos seus membros ou aos demandantes, mas à Nação. “O pressuposto da sentença judicial é exatamente servir ao país. Não é um instrumento de biografia de juiz, de presença na imprensa do Ministério Público ou de mero ganho para os advogados, mas sim um instrumento que deva servir à Nação”.

Ação e reação

O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Grijalbo Coutinho, disse que a sugestão de Jobim de não incluir na competência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a possibilidade de perda do cargo do magistrado é defendida pelos juízes do trabalho. “Para nós este é um dos princípios básicos. Na proposta de conselho que estamos encaminhando aos senadores a perda do cargo está reservada à decisão judicial transitada em julgado, caso contrário representaria a quebra da vitaliciedade”, afirmou Coutinho após a exposição do ministro.

Porém, há discordância quanto à proposta de Conselho. Coutinho disse que o Conselho definido na Câmara não atende às pretensões dos juízes do trabalho de instituir um órgão de controle social democrático que dará transparência aos atos praticados pelo Poder Judiciário, dispersando o excessivo poder conferido às cúpulas. “Queremos o Conselho para funcionar como órgão máximo de governo do Poder Judiciário, velando pela independência, interna e externa, do juiz no exercício da função jurisdicional, nela não interferindo de modo algum”, explicou.

Na proposta da Anamatra, o CNJ deverá ser composto por 21 integrantes com mandato de quatro anos. Destes, 13 seriam magistrados, de todas as instâncias, e oito da sociedade civil, sendo quatro representantes da comunidade técnico-cientifica, indicados pelo Senado, e quatro escolhidos pela Câmara, com representantes de entidades de classe e organizações não-governamentais. Além de regular as funções disciplinares dos juízes, fiscalizar os tribunais e criar políticas administrativas, o conselho idealizado pela Anamatra seria responsável pela promoção dos magistrados.

Quanto aos outros temas referentes à reforma do Judiciário, a Anamatra afirma que continuará sua defesa pela instituição da súmula impeditiva de recursos no lugar da súmula vinculante, que para os juízes representa o engessamento do Judiciário.

Os juízes defendem ainda o fortalecimento das defensorias públicas, a proibição do nepotismo, a criação de ouvidorias, a instituição da quarentena, a ampliação de competência da Justiça do Trabalho, para julgar todas as causas que digam respeito ao trabalho humano, e o restabelecimento do número de 27 ministros no Tribunal Superior do Trabalho, como já consagrado no texto remetido pela Câmara dos Deputados.

Além de Coutinho também acompanharam a audiência pública na CCJ os juízes do trabalho Cláudio Montesso (RJ), Cláudio Olimpio (RJ), Luciano Frota (DF), Morgana Richa (PR), Olívia Rodriguez (SP), Orlando Alcântara (MG) Paulo Luiz Schmidt (RS) e Ribamar Oliveira (DF).

As informações são da Agência Senado, do STF e da Anamatra

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