Direito autoral

"Legislação não pune utilização indevida de softwares."

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3 de fevereiro de 2004, 17h48

A utilização de programas de computador sem a respectiva aquisição da licença de uso já se tornou lugar-comum no cotidiano empresarial brasileiro. Seja pelo alto custo do licenciamento, seja pelo risco assumido pelo empresário ao conduzir seu negócio, o certo é que muitas empresas têm sido acionadas judicialmente para ressarcir os respectivos autores de seus prejuízos.

Assim, empresas produtoras de programas de computador, notadamente as estrangeiras, pleiteiam, na justiça brasileira, a reparação de seus danos com base, especialmente na Lei do Software (9.609/98) e na Lei de Direitos Autorais (9.610/98).

Como a lei brasileira concedeu tratamento análogo ao das obras literárias para abarcar os programas de computador, busca-se, em caráter subsidiário à lei especial, a aplicação do parágrafo único do artigo 103 da Lei Autoralista.

Este dispositivo legal comina multa de 3.000 vezes o valor da obra caso não possa ser precisado o número exato de cópias que constituem a “edição fraudulenta”. Muito se questiona, se esta multa poderia ser aplicada a empresas que apenas utilizam programas indevidamente licenciados.

A jurisprudência é vacilante.

Entendemos, contudo, que o dispositivo ora em comento não deve ser aplicado ao caso de programas de computador licenciados indevidamente.

Partindo para uma análise mais detida do dispositivo legal, podemos verificar a existência de uma verdadeira lacuna na lei. Ou seja, o legislador foi omisso ao não prever penalidade específica para este tipo de utilização “indevida” de programas de computador.

Isto porque, originalmente, o artigo 103 e seu parágrafo único da Lei de Direitos Autorais era aplicado no caso do indivíduo, ou da empresa, que editava livros com o intuito de repassa-los ao comércio. Trata-se de elemento subjetivo implícito no tipo legal, que não pode ser desconsiderado quando tratarmos da utilização indevida de programas de computador que não os destine à mercancia, mas ao uso próprio.

Alguns julgados do Tribunal de Alçada Mineiro têm adotado a tese ora sustentada, por considerar, ademais, que a aplicação da referida multa propiciaria o enriquecimento ilícito e a própria bancarrota da empresa-ré.

Desta forma, sempre que a utilização de programas de computador fraudulentamente licenciados se caracterizar como um meio para o êxito da atividade empresarial; em oposição à venda de cópias fraudulentas, não haverá que se cogitar a aplicação da multa autoral. Outro argumento no qual baseia-se a jurisprudência é que nenhum outro prejuízo, senão o valor de mercado do programa, teriam os autores logrado com a utilização indevida de suas obras intelectuais. Adota-se, pois, o critério indenizatório contido no artigo 186 c/c 827 do Código Civil.

Mas, por não se tratar de um entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência de nossos Tribunais, revela-se de suma importância a realização de uma due dilligence (auditoria) como forma investigar os possíveis prejuízos que uma empresa está sujeita. A advocacia preventiva continua sendo o meio mais eficaz de se evitar prejuízos ou o ingresso em uma demanda de fim incerto perante o Poder Judiciário.

Veja como a questão foi decidida pelo Tribunal de Alçada Mineiro em meados de 2002:

EMENTA: INDENIZAÇÃO – DIREITOS AUTORAIS – SOFTWARE – CÓPIAS ILEGAIS – POSTERIOR AQUISIÇÃO DE LICENÇA.

O uso irregular de software, através da instalação de cópias piratas em computador, configura violação de direito autoral, ensejando indenização.

A posterior aquisição de licença para uso de software não inibe a aplicação da sanção pelo ilícito preteritamente praticado.

Se a contrafação ocorreu em data anterior à vigência da Lei 9.610/98, os princípios desta não devem influenciar na fixação da verba indenizatória, e esta não deve ficar vinculada apenas ao valor correspondente a cada um dos programas de uso irregular, havendo que ser considerado o caráter inibidor e punitivo da medida.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 389.788-5 da Comarca de BELO HORIZONTE, sendo Apelante (s): 1º) DIVINAL DISTRIBUIDORA DE VIDROS NACIONAL S/A; 2º) MICROSOFT CORPORATION e Apelado (a) (os) (as): AUTODESK INCORPORATION E OUTROS,

ACORDA, em Turma, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais REJEITAR A PRELIMINAR, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E JULGAR PREJUDICADO O SEGUNDO RECURSO.

Presidiu o julgamento o Juiz MANUEL SARAMAGO e dele participaram os Juízes GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES (Relator), UNIAS SILVA (Revisor) e D. VIÇOSO RODRIGUES (Vogal).

O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado, na íntegra, pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Produziu sustentação oral, pela primeira apelante, o Dr. Alexandre Atheniense e, pela segunda apelante, o Dr. Eduardo Dinelli.


Belo Horizonte, 05 de junho de 2003.

JUIZ GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES

Relator

V O T O

O SR. JUIZ GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES:

Cuida-se de duas apelações, a primeira, de f. 631-658, aviada por Divinal Distribuidora de Vidros Nacional S.A., e a segunda, de f. 660-665, interposta por Microsoft Corporation, ambas contrariando a sentença proferida às f. 620-625, através da qual o ilustre Juiz singular, simultaneamente, julgou a ação ordinária versada nestes autos, assim como a cautelar objeto dos autos apensos.

A primeira apelante sustenta que a “coligação” formada pelas autoras é juridicamente impossível e leva à extinção do processo sem julgamento de mérito; que as empresas Adobe e Autodesk não têm legitimidade para pleitear a prestação jurisdicional, pois nos computadores da empresa ré não foi encontrado qualquer produto comercializado pelas referidas empresas; que este Tribunal de Alçada, em julgamento de casos análogos, reconheceu a ilegitimidade ativa aqui reclamada; que comprovou, pela juntada de diversos documentos, a legalidade do licenciamento concernente aos programas de propriedade da 3a apelada, procedimento este corroborado pela perícia realizada nestes autos; que não pode ser equiparada a uma contrafatora, haja vista ter comprovado a aquisição de todos os programas comercializados pela 3a apelada, até porque a inadequação das licenças alusivas aos produtos somente pode ser debitada à Microsoft ou a seus revendedores; que a perícia concluiu pela existência de apenas uma irregularidade quanto ao licenciamento, ou seja, em relação ao software Microsoft Project 98, o qual, entretanto, trata-se de programa em período de avaliação, não demandando a exigência de licenciamento, o que foi omitido pelo perito; que ficou comprovado ter adquirido, legalmente, o único software tido como não licenciado; que não pode vingar a alegação de que os programas, ditos como contrafeitos, poderiam ter sido adquiridos a posteriori; que o mais correto seria o MM. Juiz a quo reconhecer ter a apelante adquirido, junto à Microsoft, as licenças que necessitava, e, em última análise, a condenação haveria de ser pelo preço de valor de mercado de cada programa.

Encerra pugnando o provimento do recurso,para que as empresas Autodesk Inc. e Adobe Systems sejam julgadas carecedoras de ação, ou que tenham o seu pedido julgado improcedente, isso por não ter sido encontrado, nos computadores da apelante, qualquer programa de propriedade das referidas empresas. Alternativamente, porventura este Tribunal entenda pela culpa da apelante, por “um eventual licenciamento irregular”, pleiteia a compensação dos valores pagos pelas licenças tidas como inapropriadas, ou, ainda, seja considerado o valor de mercado dos programas.

A segunda apelante, por sua vez, em suas razões recursais de f. 660-665, assevera que a decisão recorrida há de ser reformada para majorar o valor da indenização.

Alega que, em se tratando de contrafação, consoante constatação nos autos, devem ser aplicadas as normas dos artigos 102 e 103 da Lei Federal 9.610/98, em conjunto com o Art. 14, § 1º, da Lei de Software, mesmo porque a sentença recorrida reconheceu a existência das irregularidades e a reprodução indevida dos programas.

Contra o recurso interposto pela primeira apelante foram ofertadas as contra-razões de f. 668-688, e contra o recurso aviado pela Microsoft Corporation as contra-razões de f. 685-704.

Os recursos foram adequadamente preparados.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Adianto que o presente voto, analisará e julgará, de uma só vez, as insurgências contidas nos dois recursos, mormente porque no segundo apelo o inconformismo apenas diz respeito ao quantum indenizatório, nada mais.

Feito o registro retro, passo ao exame da insurgência articulada pela primeira apelante.

Diversamente do entendimento externado pela empresa ré, desde a sua contestação, pelas peculiaridades que envolvem a presente espécie, especialmente por força de o ordenamento jurídico pátrio emprestar uma efetiva proteção dos direitos autorais, inserindo-se nesse contexto os programas de computador, independentemente de quem seja o autor, estrangeiro ou nacional, vedando a contrafação ou a denominada pirataria, posiciono-me ao lado do ilustre Juiz, e também estou rejeitando a preliminar de ilegitimidade ativa.

Está cabalmente demonstrado nestes autos que as autoras, sem exceção, têm como atividade a criação e comercialização de licenças para o uso de softwares, e, em sendo assim, considerando o objeto social delas, possível é o seu ingresso em Juízo, na busca de resguardar seus respectivos interesses.

O fato da perícia realizada nos autos da ação cautelar, naquela oportunidade, conforme afirmado pela própria ré, não ter encontrado, instalados nos computadores investigados, programa das empresas “Adobe Systems” e “Autodesk Inc.”, por si só, não é suficiente para retirar a legitimidade das referidas empresas do exercício do direito de ação, até porque, concessa venia, indícios existiam.


Por outro lado, a frustração definitiva da pretensão dos pedidos das empresas, inclusive da própria Microsoft, somente poderia ser consumado após completa e esgotada dilação probatória, o que por certo, ensejaria ou não a procedência dos pedidos formulados na peça exordial.

Ademais, considerando os fatos articulados na exordial da ação proposta, a causa de pedir e o pedido, é possível notar que a pretensão de direito material, perseguida pelas autoras decorre de um idêntico motivo, cuja proteção também advém de um mesmo diploma legal.

E mais, o litisconsórcio formado pelas autoras, in casu, facultativo, encontra respaldo na norma do art. 46, do CPC, que em seus incisos, bem elenca as hipóteses de sua regular formação.

Todavia, ao meu juízo, tendo em conta que quando da primeira perícia nos computadores da ré não foi encontrado qualquer programa das empresas “Adobe Systems Incorporated” e “Autodesk Inc.”, cabia ao douto Juiz singular, com minhas escusas, em relação a elas, julgar improcedente a ação, resultando daí a condenação delas nos ônus sucumbenciais.

Quanto a esse ponto, assinalo, desde já, que a decisão recorrida haverá de ser reformada.

Superada a questão concernente ao litisconsórcio ativo, não vislumbro a menor possibilidade de contemplar o argumento da empresa ré, primeira apelante, no sentido de que os programas instalados em seus computadores, quando da vistoria realizada por peritos nomeados pelo Juízo, estavam acobertados por um número de licenças suficiente.

Relevando-se o conteúdo da prova pericial, produzida no âmbito do processo cautelar, tenho por desmoronada toda a tese de defesa articulada pela empresa ré, primeira apelante, haja vista que o laudo pericial de f. 263-270, no item 5.4, informa: “Tendo em vista os itens anteriores a perícia conclui: Existência de cópias ilegais (“Piratas”) dos programas de computador”.

Ora, é válido ressaltar que em todos os 13 computadores da empresa ré, naquela oportunidade vistoriados, existiam programas cujos direitos autorais são da empresa Microsoft, num total de 32 cópias, de programas diversos, sem que fosse apresentado, a tempo e modo certos, os respectivos termos de licença para uso dos aludidos produtos, decorrendo daí a lógica conclusão de que a ré, queira ou não, infringiu a norma legal disciplinadora da espécie.

Sequer posso aderir ao raciocínio de que a falta de licença para o uso regular dos programas deve ser atribuída a terceiros, pois é princípio básico do direito que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

Nem mesmo é aceitável o argumento de que a apresentação das licenças não se consumou por força de um processo de compra até então não concluído, eis que o requisito básico para a instalação de qualquer programa e sua regular utilização é a prévia existência e posse do contrato de licença, documentação essa, que no dia 15 de outubro de 1997, a ré não possuía.

Logo, os demais documentos, a que a ré se refere, notas fiscais de compra dos produtos, emitidas aos 16/10/1997, não convalidam a conduta ilícita constatada pelos peritos quando da vistoria desenvolvida, já que a documentação fiscal somente poderá produzir efeitos a partir de sua regular emissão, não retroagindo.

Por outro lado, em relação ao quantum indenizatório, tenho como pertinente, em parte, o inconformismo manifestado pela ré, eis que, considerando o número de máquinas vistoriadas e o número de programas instalados irregularmente, assim como a inaplicação de artigos de lei posterior (Lei Federal 9.610/98) – eis que a apreensão se dera em outubro de 1997 -, a condenação imposta pela decisão monocrática revela-se exacerbada.

É bom lembrar que o comportamento antijurídico da ré não lesa apenas a empresa ou o titular de direito autoral violado, mas, a bem da verdade, em decorrência da aquisição e uso irregular de cópias de software, o próprio Estado, pois, evidentemente, tal conduta frustra o recolhimento do imposto que em casos de comercialização regular do produto haveria de ser pago.

Em decorrência disso, entendo que a verba indenizatória não deve ser atrelada especificamente ao preço de cada programa “pirateado”, havendo de ser considerados os demais fatores envolvendo o caso concreto, mormente o caráter inibidor da punição.

Muito embora esteja reconhecendo que a condenação deva ser reduzida, inaceitável é o pedido da primeira apelante de ver compensado o valor referente à aquisição posterior dos produtos, até porque tal pretensão, porventura fosse acolhida, se traduziria em um verdadeiro incentivo à violação dos direitos autorais.

Diante da abrangente abordagem acerca dos pontos versados no primeiro recurso, prejudicada fica a pretensão da segunda apelante, em ver majorada a verba indenizatória.

Com essas considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO À PRIMEIRA APELAÇÃO, para, em relação a AUTODESK INC (1a apelada) e ADOBE SYSTEMS INCORPORATED (2a apelada) julgar improcedente o pedido objeto da ação ordinária, devendo cada uma delas arcar com 1/3 das custas processuais e com honorários advocatícios dos Patronos da ré no importe de R$1.000,00.

Também reduzo a condenação imposta à empresa ré para R$10.000,00 (dez mil reais), mantida, quanto ao mais, a decisão recorrida.

A primeira apelante pagará 1/3 das custas do recurso por ela interposto.

JULGO PREJUDICADA A SEGUNDA APELAÇÃO.

A segunda apelante deverá suportar as custas da apelação que aviou.

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