Partilha de bens

"Herdeiro testamentário não tem direito de acrescer", diz STJ.

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3 de fevereiro de 2004, 10h14

Caso interessante surgiu em processo de inventário, em que oficiamos como advogado da viúva. Em determinado testamento, o testador, casado sob o regime de comunhão de bens, deixou metade de seus bens disponíveis a dois irmãos, destinando a cada qual quinhões determinados na proporção de (50%) cinqüenta por cento para cada um.

Ocorre que um dos irmãos veio a falecer antes do testador e, destarte, demonstramos que a quota parte que lhe cabia deveria ser declarada no inventário, que, na ausência de herdeiros necessários, beneficiaria a viúva, casada com o testador há mais de 10 (dez) lustros.

Entretanto, o juiz monocrático indeferiu a pretensão da cliente, entendendo que, com a morte do irmão beneficiado, os bens deveriam ser acrescidos ao quinhão da irmã remanescente, por força do artigo 1710 e 1712, do antigo Código Civil. Disposição esta mantida pelo atual Código Civil nos artigos 1941 e 1943.

Entendemos que na hipótese, ora enfocada, não assiste à irmã remanescente o direito de acrescer, uma vez que os quinhões foram determinados, a saber: o testador deixou seus bens disponíveis na proporção de 50% (cinqüenta por cento) para cada legatário, determinando, destarte, a quota parte de cada qual.

Entretanto, o referido artigo 1.710 do diploma legal anterior, repetido pelo cânone 1.941, da atual lei civil, determina que se verifica o direito de acrescer entre os co-herdeiros, quando chamados conjuntamente à herança em quinhões não determinados, adotando, destarte, a conjunção verbis tantum ou verbal.

Assim, com a morte do beneficiário antes do testador, não assiste à irmã remanescente o direito de acrescer, uma vez que os quinhões foram determinados (50% para cada irmão). Esse direito é aplicável nas conjunções mista e real. Assim, a parte cabente ao irmão falecido deve voltar ao monte-mór e partilhado de acordo com a vocação hereditária, a teor do art. 1.603. do CC.

A irmã beneficiária, inconformada com o aresto, manifestou recurso especial para o STJ, entendo quebrantados os artigos 1.725, 1.603, 1712 e 1.710, todos do Código Civil.

Cita certa cláusula do testamento, na qual o falecido instituiu como seus únicos herdeiros seus dois irmãos, na proporção de 50% (cinqüenta por cento) para cada qual, respeitada a meação da viúva, por força do regime de comunhão de bens, a teor do art. 1.721, do Código Civil.

Argumenta, “quid inde”, a recorrente que, Inexistindo, “in casu”, herdeiros necessários, a parte cabente ao irmão beneficiário falecido deve acrescer à sua parte e o v. acórdão, com tal razão de decidir, negou vigência ao art. 1.725, do CC. Refere doutrina para defender seu ponto de vista.

Do exame das razões expendidas no Resp interposto, verifica-se que o v. acórdão objurgado não feriu os dispositivos legais infra-constitucionais invocados. Ao contrário, deu-lhes correta aplicação ao entender que “o direito de acrescer entre os co-herdeiros ocorre quando, pela mesma disposição de um testamento, são conjuntamente chamados à herança em quinhões não determinados”.(Sic), grifamos.

Citou o acórdão recorrido lição de Orlando Gomes, demonstrando várias hipóteses de acrescimento, destacando, entretanto, que o direito de acrescer exsurge na conjunção verbal por dois traços: 1) instituição em verbas distintas e 2) indeterminação das partes que tocarão aos instituídos.

A seguir, pondera o acórdão:

“O testamento público do testador, portanto, instituiu herdeiros seus dois irmãos conjuntamente, mas, dispondo que cada qual receberia 50% (cinqüenta por cento) de seus bens, adotou a conjunção verbis tantum ou verbal, afastando a aplicação do art. 1.710, do Código Civil. Aplicável, portanto, o disposto no art. 1.711 do mesmo diploma: Considera-se feita a distribuição das partes, ou quinhões, pelo testador, quando este designa a cada um dos nomeados a sua cota, ou o objeto, que lhe deixa.

Mais adiante ressalta:

“Esta deve ter sido a intenção do testador, limitando a cada herdeiro instituído o quinhão da herança; se essa situação não houvesse, ai sim, teria previsto o direito de acrescer” (fl. 69). (TJSP/Agr. Instr. N.º 208.418.4/9 – Rel. Des. Boris Kauffmann).

Clovis Bevilaqua tem o mesmo entendimento do acórdão acima, ao pontificar:

“O Código Civil Brasileiro, art. 1.710, distingue a herança e o legado, em relação ao direito de acrescer. Na herança o acréscimo resulta da reunião de três requisitos: 1º Nomeação da mesma cláusula testamentária; 2º A mesma porção da herança; 3º Ausência de partes determinadas. Exemplo: deixo a Pedro e a Paulo todos os meus bens, ou a minha porção disponível. É a conjunção re et verbis.” – Os grifos são nossos.

Prossegue o mestre, citando vários exemplos,……….. “omissis:. “Se, porém, o testador designar, em qualquer desses casos, as partes de cada um dos legatários, desaparece o direito de acrescer, seja ou não conjunta a disposição.” (“Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado” – Livr. Francisco Alves – Ed. 1955 – Vol. VI – p. 133 e vº).

Pontes de Miranda coloca-se no mesmo diapasão, ao aduzir:

“Requisitos do direito de acrescimento.- Para que se dê acrescimento entre coherdeiros, é preciso que haja:

a) Pluralidade deles, contemporaneamente chamados……………………….;

b) Distribuição de quinhões não determinados. “Nomeio meus herdeiros a A, B, C e D. Se distribuiu determinadamente, não se dá o acrescimento: a A, ½, a B, ¼, a C, ¼.” (“Tratado de Direito Privado” – Rev. Trib. 3ª Ed. – 1984 – Tomo LVII – n.º 6 – pp. 354/355).

Do acima exposto, aplica-se, em conseqüência, o art. 1.708, V, eis que, extinto o testamento, os bens deixados ao irmão pre-morto voltam, inexoravelmente, ao patrimônio do testador, devendo, a seguir, ser partilhado dentro da vocação hereditária traçada pelo art. art. 1.603, do Cód. Civil, que, na hipótese, cabe à viúva meeira (item III, deste artigo).

Ao contrário do afirmado pela recorrente, o acórdão impugnado deu cumprimento ao art. 1.603, haja vista que ocorrendo a hipótese prevista no art. 1711 não há o direito de acrescimento.

Os artigos 1.725 e 1712, do Código Civil não foram, em hipótese alguma, contrariados; mas, interpretados, dentro do contexto assinalado pelo art. 1.711. Não se pode interpretar dispositivos legais isoladamente, impondo-se interpretação harmônica e sistemática dos cânones de um determinado diploma legal, para que se apliquem corretamente os princípios de hermenêutica. Haveria ofensa aos dipositvos invocados, se o v. acórdão houvesse perfilhado a pretensão do recorrente.

Ademais, o art. 1710, “in fine”, refere-se “em quinhões não determinados” e, no caso vertente houve quinhões determinados. Correto, portando, o decisório recorrido, a convelir e espancar quaisquer dúvidas.

Ao examinar o Resp admitido pelo Tribunal “a quo”, o STJ entendeu de não conhecer do recurso, com a seguinte ementa:

HERANÇA. DIREITO DE ACRESCER.

“A regra jurídica do art. 1.725 do CC/1916 não beneficia a herdeira testamentária sobrevivente, porquanto, à míngua de requisito, não tem ela o direito de acrescer. Ademais, se os quinhões são determinados, não há o direito de acrescer. A Turma não conheceu do recurso.” (Resp 489.072-SP – de 02/12/2003 – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).

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