Nova Era

Mudanças na área trabalhista destacam-se na reforma do Judiciário

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31 de dezembro de 2004, 14h42

Na reta final da definição do núcleo constitucional da reforma do Judiciário, noves fora, é que se percebeu a dimensão das mudanças na área trabalhista. Assuntos muito debatidos, como o chamado controle externo do Judiciário, sabe-se agora, não terão tantos reflexos na vida das pessoas físicas e jurídicas quanto a ampliação de competência dos juízes do Trabalho.

A justiça trabalhista passa a ser o foro para decidir conflitos com profissionais liberais, empreendedores, terceirizados e cooperados entre outros. Disputas entre sindicatos, conflitos de competência, multas a empresas, habeas data, habeas corpus, dano moral e todas as controvérsias no ambiente de trabalho, também mudam de endereço. Na área pública, as questões entre servidores e os órgãos governamentais também deixam de ser examinados pela justiça federal e passam para a trabalhista.

Para examinar o importante aspecto da reforma, Consultor Jurídico entrevistou o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. Acompanhe suas opiniões:

A justiça do trabalho dará conta da ampliação de competência?

Dará. Apesar de não existir nenhuma estatística que possa reproduzir com fidelidade o número de feitos em curso sob a modalidade “Relação de Trabalho sem Vínculo de Emprego”, o fato incontroverso é que a Justiça do Trabalho consegue resolver, na primeira instância, mais processos do que recebe, diminuindo, ano a ano, o resíduo de épocas anteriores. Por fatores alheios à vontade dos demais segmentos do Poder Judiciário, o grau de solução das demandas, na Justiça dos Estados e na Federal, está em torno de 60%. Esses dados são públicos e estão disponíveis no site do Supremo Tribunal Federal.

Pelo critério de racionalidade, o deslocamento atende ao interesse público, ao repartir competência entre os diversos segmentos do Judiciário, capaz de impor mais equilíbrio na relação do número de ações e a quantidade de magistrados.

As causas que dizem respeito aos litígios sindicais, ao direito de greve, ao habeas corpus e ao habeas data, além das multas decorrentes da fiscalização trabalhista, deveriam estar na alçada da Justiça do Trabalho desde o seu nascedouro, pela notória afinidade com a sua função principal, mas não representam, em termos quantitativos, pelo que pudemos colher em vários estados, nada muito expressivo. Os litígios oriundos dos danos morais e patrimoniais, conforme entendimento predominante na jurisprudência, já pertenciam ao judiciário trabalhista, sendo que o constituinte derivado apenas explicitou tal posição.

É verdade, porém, que temos acúmulo de processos trabalhistas em algumas das grandes cidades brasileiras, longe de evidenciar o quadro real em todo o País. Vamos trabalhar para fornecer uma estrutura mais condizente para os referidos centros, material e de pessoal. O incremento da carga de processos dos magistrados deverá ser equacionado de forma racional e científica, valendo-se, cada dia mais, dos modernos instrumentos de trabalho, mesmo porque já pôde a Justiça do Trabalho demonstrar sua própria capacidade de superação ao longo de sua história.

O que acha de a Justiça Trabalhista passar a julgar também demandas do servidor público?

A Anamatra sempre defendeu a tese de que a Justiça do Trabalho deveria julgar todas as demandas oriundas do trabalho humano, não havendo razão de ordem científica- doutrinária, política, racional ou de qualquer outra natureza, para excluir do seu âmbito de atuação as causas dos servidores públicos, estatutários ou ligados à Administração Pública por meio de contrato de emprego. Mesmo no vínculo administrativo, o princípio da prestação de trabalho não é desnaturado pela regência do liame por estatuto próprio.

Para a nossa surpresa, logo depois da eleição do presidente Lula, as forças que o apóiam passaram a trabalhar pela manutenção da competência da Justiça Federal para julgar os servidores públicos estatutários, na Reforma do Judiciário em curso, sob o argumento de que a Advocacia Geral da União (AGU) não estava aparelhada para acompanhar a capilaridade da Justiça do Trabalho em todo o país, principalmente nas pequenas e médias cidades. O orçamento não suportaria novos gastos. Acrescentaram, ainda, que a visão do juiz do trabalho, muitas vezes fundamentada no princípio da proteção ao hipossuficiente, era inadequada para os litígios de natureza administrativa e incompatível com os rumos impostos pelo princípio da legalidade .

Por motivação diametralmente oposta à sustentação governamental, as entidades dos servidores públicos da União e os advogados que as representam, de maneira taxativa, rejeitaram qualquer mudança no regime de competência. Alegaram que os juízes do trabalho, ao contrário dos juízes federais, são “extremamente conservadores” quando apreciam as medidas antecipatórias, as liminares e as cautelares, negando-as como regra geral. Acentuaram que o TST, órgão que uniformiza a jurisprudência da Justiça do Trabalho, consegue ser mais “fazendário e conservador” do que os próprios juízes do trabalho das outras instâncias.

É evidente que rechaçamos todos os argumentos. Trabalhamos para ampliar tal competência em toda a sua extensão, durante anos. Mas a força da base governista, com certeza, conseguiria alterar o teor do então artigo 115 (depois voltou a ser 114), para retirar os servidores públicos estatutários, mudança capaz de determinar o retorno de todo o dispositivo à Câmara. Foi quando o Senador José Jorge, relator da PEC, encontrou a alternativa de ressalvar, expressamente, da competência da Justiça do Trabalho,os servidores estatutários, por meio da Emenda de Redação (para que a matéria não retornasse à Câmara). Entendemos como razoável a solução, a partir do momento em que o confronto iria determinar a perda de todo o texto ou da própria “relação de trabalho”. No momento da promulgação, no entanto, a Câmara dos Deputados não admitiu o acréscimo como mera emenda de redação, daí porque a expressão ressalvada está retornando à Casa Legislativa em referência.

O tema será apreciado pelo Congresso Nacional.

A AMB anuncia que vai impugnar o Conselho Nacional de Justiça no STF, enquanto a Ajufe pretende agir a possibilidade de a Justiça Trabalhista julgar servidores. O que a Anamatra acha?

A Anamatra respeita o caminho tomado pelas parceiras de luta, próprio de uma absoluta normalidade dentro do Estado Democrático de Direito. No ano de 2005, pelos menos cinco ADIs foram propostas pela Anamatra, restando evidenciada a importância política do ato da legitimidade processual conferida às entidades de âmbito nacional da magistratura brasileira para a defesa de prerrogativas e dos interesses da sociedade.

Quanto ao mérito das postulações, devo ressaltar que a Anamatra não seguirá a AMB, nem a Ajufe.

Para se ter uma idéia das divergências, a Anamatra reivindicou a aprovação de conselho nacional de justiça com a participação da sociedade civil organizada, como órgão de planejamento estratégico, político, administrativo e orçamentário do Poder Judiciário, sem prejuízo da função disciplinar. Se fosse democraticamente composto, o CNJ deveria cuidar das relações funcionais hoje atribuídas às cúpulas, em grande parte responsáveis pela ausência de independência interna de alguns magistrados. O Conselho criado pela EC 45/04 possui outro modelo, dando atenção apenas às atividades correcionais, sendo formado sem a indispensável aferição de legitimidade, eis que os seus membros serão escolhidos sem qualquer consulta, seja no âmbito da magistratura, seja quanto à sociedade civil.

O Conselho merece crítica, não pelo fato de ter a participação de cidadãos, mas porque o filtro de indicação de seus integrantes e de sua restritas competências comprovarão que a decantada ousadia foi limitada, incapaz de conseguir enfrentar os grandes desafios de um verdadeiro auto-governo do Poder Judiciário, cuja independência jurisdicional deve ser a meta primeira perseguida.

Por outro lado, sei que o tema será enfrentado do ponto de vista jurídico. Com a inclusão do CNJ na estrutura do Poder Judiciário, composto majoritariamente por juízes e sem nenhuma função jurisdicional, a inconstitucionalidade perseguida encontrará obstáculos. Ademais, o principal órgão do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, ainda que possamos lamentar a maneira pouco democrática de escolha dos seus membros, pode ser integrado por qualquer cidadão na condição de ministro, desde que preencha requisitos mínimos e tenha o beneplácito bonapartista do presidente da República. E não há alegação de inconstitucionalidade do STF.

A ADI da Ajufe, por ora, não conhecemos toda a sua extensão. Uma melhor análise será feita posteriormente. Acrescento, desde logo, que no particular (artigo 114, da CF), não há nenhuma inconstitucionalidade formal ou material da EC 45/04. Se a Ajufe pretende restabelecer a ressalva antes mencionada ou até eliminar a redação integral do inciso I, do artigo 114, nada melhor do que o Parlamento para fazer tal alteração.

Aliás, devo ressaltar que a Câmara deixou de acolher onze outros pontos, tidos pelo Senado Federal como “Emenda de Redação”. Não foi apenas a ressalva dos servidores públicos estatutários. É imprescindível destacar o seguinte: os artigos promulgados, com todos os textos pertinentes e vírgulas, foram votados nas duas casas legislativas. Ninguém encontrará parte de texto não apreciado pela Câmara ou pelo Senado.

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