Retrospectiva 2004

Retrospectiva: STJ firmou entendimento sobre fraude na Internet.

Autores

  • Rony Vainzof

    é advogado professor e coordenador da Pós Graduação em Direito Eletrônico da Escola Paulista de Direito.

  • Taysa Elias Cardoso

    é graduada em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (1995); advocacia consultiva e contenciosa na área cível com ênfase Direito Eletrônico tanto na área preventiva quanto no contencioso envolvendo Tecnologia da Informação Comércio Eletrônico Crimes em Meio Eletrônico; articulista convidada por vários órgãos da imprensa; palestrante em diversos eventos convidada pela Ordem dos Advogados do Brasil Associação dos Advogados de São Paulo dentre outros.

28 de dezembro de 2004, 9h51

O Direito Eletrônico tem suscitado uma série de questionamentos que, levados ao Poder Judiciário, delineiam os contornos da nova economia proporcionada pelos avanços tecnológicos. Abaixo examinamos algumas delas.

Sites de Leilão

A chamada “nova economia” ou “economia digital” traz inovações aos tradicionais modelos de negócio, dentre os quais se destacam os sites de compra e venda, também conhecidos como sites de leilão.

Inegáveis são as vantagens proporcionadas por este modelo de transação, especialmente no que se refere à oferta de espaço para anunciar os produtos, propiciando aos comerciantes a visibilidade que dificilmente encontrariam no mundo físico, a um custo baixo — geralmente equivalente a 5% do valor dos produtos comercializados.

Ações judiciais versando sobre o citado modelo têm trazido à tona questionamentos sobre a responsabilidade desses sites pelos produtos negociados por meio dos anúncios ali veiculados. Podem ser considerados fornecedores de produtos, atraindo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e, assim, respondendo solidariamente com os anunciantes?

Embora existam decisões judiciais que responsabilizam os sites pelas negociações veiculadas, há entendimentos judiciais que apontam a tendência a interpretar a atividade destes sites como aproximadores de pessoas, disponibilizando espaço para que terceiros anunciem produtos, sem qualquer interferência do veículo.

O site, portanto, atuaria como aproximador de pessoas sem ter responsabilidade pelas negociações fechadas diretamente pelos particulares, uma vez que este veículo não vende o produto e sim disponibiliza informações sobre quem tem o produto para vender. Irrelevante para este entendimento é o fato de o site de compra e venda receber uma porcentagem do produto da negociação, que não desnatura a natureza do negócio, que continua sendo de aproximação entre as pessoas.

A não incidência da legislação consumerista se justifica pelo fato de o site não atuar como fornecedor de produtos e é entre fornecedores de produtos que o Código de Defesa do Consumidor reconhece solidariedade.

Sob o fundamento de que a solidariedade não se presume, decorre da lei ou da vontade das partes, foi afastada a responsabilidade de um conhecido site de leilão quanto à não entrega de produto adquirido por uma usuária (Processo nº 002.03.049.124-1 da 1ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro, São Paulo, SP, Juíza Lais Helena Bresser Lang).

Entretanto, é provável que as discussões sobre responsabilidade destes sites prossigam, até porque, segundo pesquisas recentes, sites de leilões são líderes absolutos de reclamações nos EUA e responde por mais de 40% das fraudes registradas.

Fraudes pela Internet

Por vários motivos, esse tópico merece destaque. O primeiro deles e, talvez o que mais suscite discussões é que, segundo recente levantamento efetuado, de cada 10 hackers ativos no mundo, 8 vivem no Brasil. As pesquisas também apontam que, no Brasil, as fraudes financeiras que utilizam a Internet e correios eletrônicos já superam, em valores financeiros, os prejuízos de assaltos a bancos. Os percentuais foram fornecidos pela Agência Brasil, tendo como fonte a Polícia Federal.

As discussões são polêmicas. Grande parte dos entendimentos se firma no sentido de condenar o banco a indenizar o cliente vítima de fraude pela Internet.

Entretanto, uma forte corrente jurisprudencial vem ganhando força ao negar o direito à indenização quando o cliente, que se diz vítima, tiver contribuído para o conluio seja por ação ou até mesmo por omissão, deixando de envidar os cuidados necessários com a guarda de senhas e demais dados financeiros sigilosos, que ficam sob exclusiva responsabilidade do correntista. E, segundo esse entendimento, não há que se falar em indenização pelo defeito do serviço prestado, previsto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça firmou recente entendimento, decidindo que o uso do cartão magnético e da senha é de responsabilidade do correntista, cumprindo-lhe provar a culpa do banco (REsp 602.680).

Assim, se a instituição financeira demonstrar que a operação foi feita regularmente, com utilização da senha privativa do cliente, presume-se que este tenha sido o beneficiário. Se o cliente caiu em golpe do tipo “phishing”, acessou um site falso, forneceu seus dados pessoais e senha aos “crackers”, agiu com culpa exclusiva, sendo sua, portanto, a responsabilidade.

Outros Crimes Cibernéticos

Pedofilia

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou decisão cassando Habeas Corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em ação na qual se discutia o envio de fotografias de cunho pornográfico, com crianças e adolescentes, caracterizando crime de pedofilia pela Internet, segundo previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente, permitindo a reabertura de ação penal.

A decisão do STJ pontuou três importantes discussões. A primeira delas diz respeito à tipicidade da conduta. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro concedeu o Habeas Corpus sob o argumento de que o Estatuto da Criança e do Adolescente define como crime apenas a “publicação” e não a mera “divulgação” de imagens de sexo explícito ou de cunho pornográfico de crianças ou adolescentes.

Para o Superior Tribunal de Justiça, a divulgação pode ser por qualquer forma, até mesmo oral, mas a publicação não prescinde da existência de objeto material ou corpóreo, superando, assim, o questionamento sobre a tipicidade da conduta. Acrescenta, ainda, a esse fundamento, o fato de que ambos os verbos são considerados sinônimos em dicionários como o Aurélio e o Houaiss e que os acusados, ao permitir a difusão para um número indeterminado de pessoas, tornaram-na públicas.

O segundo ponto relevante diz respeito ao questionamento formulado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sobre a possibilidade de o Ministério Público atuar tanto como agente provocador, substituindo a autoridade policial, quanto como denunciante.

O ministro Gilson Dipp, relator do Recurso Especial apresentado pelo Ministério Público contra a decisão estadual, afastou a idéia da exclusividade da Polícia Judiciária para proceder investigações penais, sendo textual ao ponderar, com fundamento na Súmula 234 do STJ, que o Ministério Público tem competência para tanto e essa atuação não o impede de dar início à ação penal correspondente.

O terceiro ponto expressamente enfrentado refere-se à identificação das crianças e dos adolescentes, necessária segundo o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para a configuração do crime. Para o ministro Dipp, o Estatuto da Criança e do Adolescente garante, em seu artigo 1º, a proteção integral a todas as crianças e adolescentes, independentemente de individualização. Complementando o entendimento, aduz o ilustre ministro que não se exige o dano individual efetivo, mas apenas o potencial, o que significa não ser necessário que haja dano à imagem de alguma criança ou adolescente individualmente, mas apenas o dano à imagem em abstrato.

Com esse entendimento, foi cassado o Habeas Corpus concedido pela instância estadual e prossegue a ação penal contra os réus.

Redes de Relacionamento e Interatividade pela Internet – Orkut

Um fenômeno de crescimento e expansão na Internet, sites de relacionamentos interativos como, por exemplo, o famoso Orkut, ganharam espaço e simpatia pelos usuários cibernéticos.

No entanto, o fenômeno virtual criado para interatividade saudável, tornou-se real na medida em que seus usuários refletem suas idéias, visões de mundo, comportamento, bem como seus preconceitos, raiva e ódio em detrimento de outras pessoas, marcas, credos, religião, entre outros.

Ocorre que, se por um lado a Constituição garante a liberdade de expressão, por outro, essa liberdade não pode gerar conflitos de direitos, como nos casos de atos ilícitos, como a prática de nazismo, por exemplo.

O grande problema, por vezes, é identificar o autor das mensagens ou comunidades elaboradas no Orkut, pois existe a possibilidade do anonimato, quando o agente justamente age previamente mal intencionado. Temos ainda que o site está hospedado nos Estados Unidos da América, bem como há regras do próprio site em prever a exclusão do material de conteúdo lesivo ou ilícito.

Resta a opção, para quem sofreu esse tipo de dano, caso seja possível identificar o usuário e malfeitor, entrar com uma ação para retirada da página ilícita ou mensagem do ar, como ocorreu no caso da comunidade “Enganados pela Artha” a qual foi criada por um usuário da empresa de viagens indignado com a qualidade dos serviços prestados. A empresa não gostou da publicidade negativa e processou o criador da página, obtendo liminar determinando a retirada da comunidade do Orkut, sob pena de multa diária de 200 reais.

Em decisão mais recente ainda, um estudante de Direito, após liminar concedida pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Teresópolis/RJ, foi obrigado a retirar do ar o nome do Colégio São Paulo e a logomarca da instituição de ensino da comunidade chamada “Holden Caulfield”, sob pena de R$ 100,00 (cem reais) em caso de descumprimento, por ofensas pessoais aos funcionários da escola.

Autores

  • é graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e trabalha em advocacia consultiva, preventiva e contenciosa na área cível e criminal com ênfase em Direito Eletrônico e da Informática.

  • é graduada em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (1995); advocacia consultiva e contenciosa, na área cível, com ênfase Direito Eletrônico, tanto na área preventiva quanto no contencioso, envolvendo Tecnologia da Informação, Comércio Eletrônico, Crimes em Meio Eletrônico; articulista convidada por vários órgãos da imprensa; palestrante em diversos eventos, convidada pela Ordem dos Advogados do Brasil, Associação dos Advogados de São Paulo dentre outros.

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