Caneta x urnas

Prefeito eleito de Tietê corre o risco de não poder tomar posse

Autor

28 de dezembro de 2004, 20h12

No mapa dos municípios brasileiros que correm o risco de adentrar 2005 sem prefeito, Tietê (SP) é destaque. O prefeito reeleito, José Carlos Malaré (PTB) e seu vice, Valter José Consorte, tiveram os seus registros cassados por participar de inauguração de um trecho de estrada, fora da cidade da disputa eleitoral.

Além de Consorte, estavam presentes ao evento os também candidatos a prefeito de Cerquilho e Tatuí, contra quem foram impetrados pedidos de impugnação. De acordo com o artigo 77 da Lei 9.504 é vedado a candidato a cargo majoritário (caso da prefeitura) participar de inauguração de obra pública nos três meses que antecedem o pleito. Mas ambos foram absolvidos.

A sorte do prefeito eleito de Tietê foi diversa. E seu nome tornou-se mais um exemplo de como a Justiça Eleitoral pode funcionar como arma política e ser mais forte que a vontade popular expressa nas urnas.

A cassação do registro de Consorte pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo foi confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral, que entendeu que o recurso apresentado pelo candidato era deficiente.

Para reverter a decisão, ele entrou com agravo no Supremo Tribunal Federal para que o recurso do TSE suba à Corte. Nele, o advogado Paulo de Souza Alves Filho alega a quebra do princípio da igualdade entre os candidatos.

“Ele foi cassado por suposta quebra de isonomia [ao participar de inauguração dentro do período permitido pela legislação e hipoteticamente levar vantagem sobre seus opositores]. Agora, alegamos a falta de isonomia ao reconhecer a legitimidade dos eleitos de Cerquilho e Tatuí e não a nossa”, diz Alves Filho.

Só depois da decisão do recurso no STF, distribuído à presidente interina do Supremo, Ellen Gracie, é que será definido se o prefeito eleito poderá assumir a prefeitura de Tietê ou não.

Veja trechos da decisão do TSE

O PMDB, o PDT e o PPS representaram contra José Carlos Melaré e Valter José Consorte, candidatos a Prefeito e Vice-Prefeito de Tietê, São Paulo, por prática de conduta vedada aos agentes públicos (L. 9.504/97, art. 77) (f. 23/37).

A Juíza Eleitoral julgou procedente a representação para cassar a candidatura dos representados (f. 152/159).

O TRE/SP manteve a decisão (f. 222/236).

Os embargos de declaração foram rejeitados (f. 249/263).

José Carlos Melaré e Valter José Consorte interpuseram recurso especial eleitoral (f. 266/275), inadmitido na origem (f. 304/305).

Donde o agravo de instrumento (f. 2/20).

O Ministro Humberto Gomes de Barros, Relator, negou-lhe seguimento. Extrato da decisão:

“1. O Agravo de Instrumento enfrenta decisão que negou seguimento ao Especial, ao fundamento de que não se evidenciaram as hipóteses do art. 276, I, “a” e “b”, do Código Eleitoral.

O Recurso Especial volta-se contra Acórdão confirmatório de decisão que cassou os registros dos ora agravantes, candidatos aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito do Município de Tietê/SP, por infração ao art. 77 da Lei nº 9.504/97.

Os agravantes alegam que procederam ao cotejo analítico dos precedentes colacionados, bem como demonstraram violação aos preceitos legais indicados.

Nas razões do recurso, sustentam que o acórdão negou vigência aos arts. 5º, XV, XVI, XLI e VL, 14, § 9º, CF; e 77 da Lei nº 9.504/97, uma vez que compareceram ao evento como qualquer um cidadão, sem realizar propaganda eleitoral. Os autores afirmam que negou-se vigência à LC nº 64/90, porque não foi observado seu rito ao processo de cassação de registro.

Alegam, por fim, cerceamento de defesa, por ter sido considerado como meio de prova fita VHS desconsiderada em primeira instância.

Contra-razões (fls. 318-325).

Parecer pelo não-provimento do agravo (fls. 329-333).

2. A matéria relativa aos preceitos constitucionais tidos por violados não foi apreciada pelo acórdão impugnado. Ausente, pois o prequestionamento.

Inexistente, também, o alegado cerceamento de defesa, uma vez que o acórdão regional não faz nenhuma referência à respectiva fita VHS para fundamentar suas conclusões, ao contrário, ao analisar preliminar, anota que a prova foi desconsiderada pelo Juiz Eleitoral.

Também sem razão no concernente a possível ofensa ao art. 22, da Lei nº 64/90.

A respeito do tema, transcrevo as razões do parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República, Em. Francisco Xavier Pinheiro Filho (fl. 332):

‘O art. 22 da LC nº 64 refere-se à investigação judicial destinada a apurar a ocorrência de abuso do poder político ou econômico, que acaso julgada procedente, será aplicada a sanção da inelegibilidade nos três anos subseqüentes à eleição em que se verificou a infração, além da cassação do registro ou do diploma do candidato beneficiado.

A representação disciplinada na Lei nº 9.504/97, refere-se igualmente à prática de abuso do poder político, tendo como sanção, no caso do art. 77, a cassação do registro de candidatura.

Referidos procedimentos, ainda que possam ser instaurados com base nos mesmos fatos, possuem rito e eficácia distintas’.

No que se refere ao dissídio jurisprudencial, no entanto, tenho assistir razão aos agravantes, pois os precedentes colacionados deram interpretação diversa ao tema.

Contudo, quanto ao mérito, melhor sorte não acompanha os recorrentes, haja vista o entendimento jurisprudencial da Corte de ser ‘irrelevante, para a caracterização da conduta, se o candidato compareceu como mero espectador ou se teve posição de destaque na solenidade’ (REspe nos 19.404/RS, DJ de 1.2.2002, 19.743/SP, 13.12.2002, ambos relatados pelo Min. Fernando Neves).

3. Nego seguimento (RI-TSE, art. 36, § 6º).” (f. 335/336)

O TSE negou provimento ao agravo regimental (f. 354/357):

José Carlos Melaré e Valter José Consorte interpuseram recurso extraordinário.

Alegam violação dos arts. 5º, XV, XVI, XLI, LV; e 14, § 9, da Constituição Federal (f. 359/368).

Aduzem que “(…) As fotos com o Governador foram fruto de trabalho jornalístico, dos jornais locais e decorrente do papel de anfitrião que os Recorrentes detém como representantes legais da população diante da visita do Chefe do Poder Executivo estadual que, incontestavelmente, é notícia para esses periódicos” (f. 364).

Prosseguem: “(…) considerando o comportamento acima, dos Recorrentes e mantido esse entendimento proferido pela E. Corte Superior, estar-se-á negando vigência aos incisos XV, XVI, XLI, LV do art. 5º, § 9º do artigo 14, todos da Constituição da República Federativa do Brasil. Viola-se, também, o princípio, alardeado por alguns, de garantia da isonomia aos candidatos. A ser mantido o V. Acórdão, aqui combatido, está a isonomia ferida de morte, pois o seu adversário, candidato do partido do Governador que em entrevista coletiva declarou-lhe apoio (os autos demonstram), também estava presente” (f. 364).

Asseveram que “(…) Outro argumento inserido nas razões de decidir do V. Acórdão recorrido diz respeito à correta utilização do rito processual previsto na Lei 9.504/97, ou seja entenderam não ter havido violação ao devido processo legal como, também, não se negou vigência ao contraditório e à ampla defesa, pois, ainda conforme tal entendimento, o rito da Lei Complementar nº 64 deve prevalecer para as hipóteses de inelegibilidades ali traçadas e previstas” (f. 364).

Houve contra-razões (f. 371/380).

Em 13.10.2004, os Recorrentes juntaram novos documentos aos autos e requereram a concessão de efeito suspensivo ao recurso extraordinário (f. 391/404).

Alegam que o TSE deu provimento ao Recurso Especial nº 23.549, interposto por candidato que esteve presente na mesma cerimônia pública, cujo acórdão traz a seguinte ementa:

“RECURSO ESPECIAL. Eleições 2004. Registro. Obra pública. Inauguração. Período vedado. Candidato. Participação. Não-comprovação. Provimento. Ausente a demonstração de que o candidato participou efetivamente da inauguração da obra pública ou de que eventual presença no evento foi utilizada como material de propaganda, afasta-se a ilicitude do ato.

“O comparecimento dos três únicos candidatos à Prefeitura à solenidade realizada em município vizinho, para marcar a entrega de segunda via de estrada já existente, não constitui delito eleitoral descrito no art. 77 da Lei nº 9.504/97.” (Acórdão publicado em sessão realizada em 1º.10.2004)

É o relatório.

Decido.

Os Recorrentes pretendem a concessão de efeito suspensivo ao recurso extraordinário interposto contra acórdão do TSE que manteve a cassação de seus registros de candidatura e que “(…) seja comunicado ao E. Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, objetivando que passem (…) a serem tidos como vitoriosos até o julgamento final” (f. 394).

Em verdade, o efeito suspensivo requerido visa o deferimento das candidaturas cassadas, o que não é possível no recurso extraordinário.

Indefiro a concessão de efeito suspensivo.

Quanto ao recurso extraordinário, melhor sorte não assiste aos Recorrentes.

As alegadas violações dos arts. 5º, incisos XV, XVI, XLI, LV, e 14, § 9º, da Constituição Federal, não foram objeto de debate dos acórdãos recorridos. Falta-lhes o requisito do prequestionamento (Súmulas/STF nº 282 e 356).

Demais, a verificação das supostas ofensas ao texto constitucional ensejaria análise da matéria à luz da legislação infraconstitucional (LC nº 64/90), bem como o reexame de matéria de fato, o que não é possível no recurso extraordinário.

Indefiro o recurso extraordinário.

Brasília, 28 de outubro de 2004.

Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE

Presidente

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!