Sonho de liberdade

Coronel acusado de pertencer ao grupo de Arcanjo quer liberdade

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28 de dezembro de 2004, 13h56

A família do coronel Frederico Carlos Lepesteur, acusado de homicídio qualificado, formação de quadrilha e contrabando, quer sua liberdade provisória. Lepesteur é apontado como um dos integrantes do grupo de João Arcanjo Ribeiro, o “Comendador”, que é acusado de chefiar o crime organizado em Mato Grosso. Arcanjo foi condenado em primeira instância e está preso no Uruguai.

O coronel foi preso durante a Operação Arca de Noé, da Polícia Federal, que tentou desmantelar o jogo do bicho em Mato Grosso, há mais de dois anos.

O pedido de liberdade provisória foi feito ao Superior Tribunal de Justiça pelo advogado Eduardo Mahon, que representa a família Lepesteur. Mahon argumenta que o coronel tem “tumores malignos de câncer, nas costas e próstata, além de diabetes e hipotiroidismo”. Também alega incompetência da Justiça Federal para decretar a prisão.

O advogado disse à revista Consultor Jurídico que “é um absurdo deixar apodrecer um homem, sem julgamento justo e sem processo válido”. Ele pede a liberdade do coronel ou a conversão de sua prisão para domiciliar “para que passe os últimos dias com a família”.

Leia o pedido de HC

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

COM PEDIDO DE PREFERÊNCIA

EM RAZÃO DE SAÚDE

Impetrante:. Mara Rúbia Gomes de Souza Lepesteur e outros.

Paciente: Cel. Frederico Carlos Lepesteur.

Impetrado:. TRF-1 e Juízo da 3ª Vara Federal de MT.

MARA RÚBIA GOMES DE SOUSA LEPESTEUR, brasileira, casada, residente e domiciliada à Rua xxx, lote 03, Q. 01, Cuiabá, Mato Grosso, FLÁVIO LEPESTEUR e FREDERICO LEPESTEUR, brasileiros, solteiros, estudantes e residentes no endereço já declinado, (mulher e filhos do Paciente) por meio de seu advogado Eduardo Mahon, com matrícula na Seccional Mato-Grossense da Ordem dos Advogados do Brasil, sob o número 6363, e escritório profissional indicado no timbre da presente peça vestibular, em nome próprio, interpor em favor de FREDERICO CARLOS LEPESTEUR, brasileiro, casado, Coronel da Polícia Militar de Mato Grosso, recolhido ao Hospital da PM de Cuiabá, vem à presença deste Egrégio Sodalício, impetrar:

ORDEM DE HABEAS CORPUS

C/C PEDIDO DE LIMINAR INITIO LITIS

Com supedâneo no art. 5º da Constituição da República e, ainda, amparado no art. 648, I, II, III, IV e V do Codex Processual Penal, em face ao E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região e Juízo Federal da 3ª Vara Federal do Estado de Mato Grosso.

BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DO PROCESSO E DA INSEGURANÇA JURÍDICA QUANTO À COMPETÊNCIA JURISDICIONAL.

Data o constrangimento do Paciente do início da operação policial federal integrada a que se apelidou como “Arca de Noé”, que objetivava desmantelar o jogo do bicho no Estado de Mato Grosso. Da brevidade que se exige no remédio heróico, temos objetivamente mais de dois anos de segregação cautelar sem desfecho processual, ou, de outro giro, sem mesmo processo penal firmado, uma vez que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, anulou o procedimento levado à cabo pela Justiça Federal Mato-Grossense, reconhecendo sua incompetência para o trato da matéria.

Presentemente, encontra-se recolhido o Paciente em prisão cautelar preventiva por ordem do magistrado da 3ª Vara Federal daquele Estado de Mato Grosso, internado no Hospital Militar de Cuiabá. Ora, mantendo o TRF-1 aquela cautelar pessoal, reconhecendo-se incompetente, passados anos sem um processo penal válido e minimamente legítimo, anulando-se todos os atos processuais por incompetência absoluta do juízo, o que faz o Paciente preso? Por mais que tenha acertado os eméritos julgadores de segunda instância ao reverberarem a incompetência da Justiça Federal, é de se estranhar conservar preso o Paciente, acautelado no esquálido argumento manejado. Ademais, sobre a especificidade da conveniência da prisão, silenciou o TRF-1, mantendo-a condicionalmente a decisões futuras e imponderáveis.

Entendamos o caso: a denúncia data de 11/12/2002 e foi subscrita por um grupo de promotores estaduais (sem atribuição) e Procuradores da República (hoje, julgados incompetentes), recebida pelo Juízo da 3ª Vara Federal do Estado de Mato Grosso no mesmo dia, vinculando os crimes de contrabando com homicídios ocorridos supostamente em função do jogo de azar.

De forma que, em análise perfunctória, entendeu o órgão ministerial federal, que a competência para o julgamento seria conexa e, noutro prisma, pertenceriam os autos à jurisdição federal para cuidar da prestação correspondente. Assim, pela força atrativa do Tribunal do Júri, insistiu o Ministério Público em vincular o crime de contrabando de peças e máquinas eletrônicas com homicídios havidos na cidade de Cuiabá-MT. Eis que as defesas de todos os acusados verberaram, em vão, durante todo o curso do procedimento verdadeiramente inquisitorial a afirmar que o processo seria nulo, vez que a Justiça Federal nada teria com eventuais crimes dolosos contra a vida. O argumento é de uma simplicidade franciscana – nem mesmo pela peça acusatória, percebe-se qualquer vínculo formal ou material de contrabando com crimes dolosos contra a vida.


O que consta da peça acusatória? Das 45 laudas de historiografia ministerial, farta prosa sobre o crime organizado no Estado de Mato Grosso, citou laconicamente a participação do Paciente em trechos (fls. 35, 36, 37 e 39) bastando isto para incluí-lo como braço da organização. Além de ridícula a invectiva é vexatória, denegrindo a extensa ficha limpa e condecorada do atual Coronel de Polícia, ora Paciente. Aliás, é bom frisar que o destempero, o fascínio pela mídia fácil, os grandes eventos judiciais, o escárnio público são signos inconfundíveis daquele Procurador que subscreve, estranhamente com Promotores Estaduais de Justiça, peticionando em Juízo Federal.

Até que, enfim, o co-réu do processo n.2002.36.00.008283-8 que tramita junto àquela 3ª Vara Federal de origem, Júlio Bachs, depois de pronunciado pelo magistrado incompetente foi ABSOLVIDO das imputações homicidas às quais o Parquet Federal fantasiava, no afã midiático que obteve permanentemente no curso daqueles autos. O Tribunal Popular, ainda que nulo de pleno direito, por incompetente que era, julgou que não procedia a denúncia por homicídio qualificado no qual o Paciente, em idênticas condições, fora pronunciado, repita-se — por juiz absolutamente incompetente, conforme se verá.

Da sentença, irresignado que restou o Parquet Federal com o naufrágio de sua pretensão, apelou ao E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, pugnando pela nulidade do julgamento, audiência que tanto se esmerou e insistiu em realizar. Parou a cidade de Cuiabá, montou-se o circo romano em um Hotel de 5 estrelas da capital, convocaram-se todos os meios de comunicação, noticiou-se pelo Brasil, o comando da Polícia Militar e efetivo da Polícia Federal foram mobilizados, para que? Para que se fizesse Justiça, espancando as pretensões populistas de um promotor e de um juiz federal. É por essas e outras que o Tribunal Popular deverá ser mantido.

Da pronúncia do Paciente (20/04/2004), de outro lado, a operosa defesa achou por bem interpor Recurso em Sentido Estrito, argüindo preliminarmente a incompetência daquela Vara Federal para a instrução da matéria sob exame. Por oportunidade do juízo de retratação, o magistrado federal ao qual tinha a decisão de pronúncia objurgada, manifestou-se pela manutenção de seu decisório pretérito, remetendo os autos ao Egrégio Colégio Julgador de Superior Instância, qual seja, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Lá, os autos foram distribuídos por dependência ao eminente pretor Desembargador Federal Fernando da Costa Tourinho Neto, emérito processualista e penalista. Sua genialidade e julgados são paradigmas para os estudiosos de todo o Brasil, tanto que suas citações são colhidas e estudadas nas cátedras das mais diversas Faculdades.

Não por outra razão, esperava-se mesmo que um dos maiores julgadores especialistas em processo penal brasileiro, ab initio, e a olhos desarmados, recebesse os argumentos expendidos pela diligente defesa em primeira instância para rever, não só a decisão desfundamentada de pronúncia, como analisar em sua cognição prévia a questão da turbulenta competência que causava INSEGURANÇA JURÍDICA aos acusados e ao recentemente absolvido Júlio Bachs, que acompanhou o torturante julgamento preso e saiu, com a justiça realizada, solto.

Tal qual esperava-se da sustentação jurídica, as lentes mais argutas daquele pretor maior fizeram com que destacasse, perante sua respectiva 3ª Turma, a questão preliminar, prejudicando o restante do julgamento sobre a conveniência da pronúncia no caso concreto. E, assim, manifestou-se o Tribunal Regional Federal da 1ª Região com o placet de todos os eméritos julgadores, a fim de anular o processo no que concerne à instrução de crime doloso contra a vida, desmembando o procedimento e remetendo os autos à Justiça Federal. Por ser verdade, depreende-se da parte dispositiva daquele aresto:

A TURMA, À UNANIMIDADE, ANULOU A SENTENÇA de pronúncia, de ofício, em virtude da incompetência da Justiça Federal, e, em consequência, julgou prejudicado o exame de todos os recursos, determinando que se proceda ao desmembramento dos autos em relação aos crimes de homicídio, com remessa à Justiça Estadual de Mato Grosso; determinando também, quanto à prisão dos apelantes, que permaneça como tal, “si et in quantum”, quanto aos crimes da competência da Justiça Federal e, quanto aos crimes de homicídio, até que sobre ela se manifeste a autoridade judiciária estadual competente

Todavia, malgrado o excelente julgado recebido sem reservas não só pelos pares julgadores daquele pretório, como pelos réus que de há muito vêm sendo submetidos ao suplício de uma viciada justiça persecutória, restou ainda a condição “si et in quantum” (?!) da segregação cautelar mantida ao Paciente. Ora, Excelência, “até que sobre ela se manifeste a autoridade judiciária estadual competente”, a situação prisional do réu permanece na insólita insegurança jurídica a não se deslindar com presteza. Explique-se: da decisão, ainda pende recurso do Parquet Federal que, certamente após o recesso decretado, quererá interpor. Assim sendo, enquanto debatem-se os entendimentos do Judiciário mais experimentado e a ótica ministerial, subindo o recurso a este Sodalício Superior, prevendo o julgamento medianamente razoável, estará o Paciente constrangido em sua liberdade ambulatorial, ainda que perpetrada a decisão segregadora por JUÍZO INCOMPETENTE.


Daí, surgir para o Paciente o direito liquido e certo de buscar o Superior Tribunal de Justiça, frente à mais recente decisão do TRF-1. Analisou aquele colegiado a questão cautelar e tangenciou os pontos da defesa processual, mantendo a segregação, por enquanto. Excelência, enquanto discutem promotores com juízes, juízes com juízes, o Paciente morre em leito hospitalar, exilado de sua casa, conforme se provará.

Por ora, questiona-se: pode o réu aguardar PROVISORIAMENTE a segregação de um processo absoluta e reconhecidamente nulo, decretada a prisão preventiva por magistrado já declarado por instância superior INCOMPETENTE? Projetando o julgamento deste Superior Tribunal de Justiça, termos o teratológico recolhimento cautelar do Paciente, enquanto entendem-se Ministério Público Federal com Ministério Público Estadual.

Ademais, como deduziremos na constante peça inicial, temos a periclitação à saúde do Paciente que já está sob cuidados de médicos oncológicos, sofrendo que está de câncer em diversas partes do corpo. Isto é, enquanto polemizam a questão jurídica em torno da competência jurisdicional, perece o bem mais importante do Paciente que é a VIDA, sendo acometido por CÂNCER DE PRÓSTATA, CÂNCER NAS COSTAS, PESCOÇO E, AINDA, COM DIABETE E HIPOTIROIDISMO, estando o mesmo desenganado pelos médicos que declaram, reiteradamente, manter o Paciente com tratamentos meramente paliativos.

Para que Vossa Excelência mensure bem o que está sofrendo o Paciente e o ESTADO TERMINAL com o qual aguarda a morte inexorável, temos o mais recente atestado médico, da lavra do Dr. Nadim Amui Júnior, datado de 27/12/2004:

O Senhor Frederico Carlos Lepesteur, foi submetido a múltiplas cirurgiasna tentativa de cura de sarcoma com comprometimento ósseo e submetido a sessões de quimioterapia, SENDO INEFICAZES NA CURA DA DOENÇA.

Para além do estado terminal do paciente, temos o sofrimento psicológico inominável do mesmo, tratado em Declaração da Dr. Eliane Figueiredo de Arruda, CRP 14/0988-0:

Declaro que Frederico Carlos Lepesteur, está sob meus cuidados, realizando tratamento psicoterapêutico por apresentar sintomas de depressão, ansiedade e tristeza geradas por perdas físicas e psicológicas em função de tratamento oncológico que vem realizando e, tendo ainda, tais sintomas agravados por estar afastado da família sob regime de prisão, sendo este cumprido no Hospital Militar.

O tratamento psicológico vem sendo realizado no Hospital Militar Cel. Edson Leite da Silva, uma vez por semana, havendo também acompanhamento psicoterápico nas sessões de quimioterapia às quais o paciente é submetido na Clínica Oncológica Oncomed.

Ainda, está sendo realizado acompanhamento psicológico e aconselhamento aos familiares do paciente.

Cônsio que é o Impetrante de que não se presta o habeas corpus à análise fática do processo penal em curso, não busca de forma alguma trancá-lo ou mesmo argüir a ausência de justa causa para a imputação provisória, embora tenha a certeza que esta não prosperará em julgamento vindouro, seja qual for a jurisdição a que for submetido o Paciente. Sendo o juízo federal incompetente, o recebimento da denúncia estará inválido, na ordem de idéias enfrentada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Absurdamente, os 81 dias previsíveis para o encerramento do processo penal, de há muito estarão (como estão atualmente) estourados, olvidada a legislação garantista do ordenamento constitucional. Excelência, também sabe o Impetrante que, após a pronúncia, não há que se falar de excesso de prazo para o encerramento da instrução preliminar, já que aquela decisão interlocutória já encerra todas as demais questões pendentes.

O que objetiva o Impetrante? Preliminarmente, como elucidação rápida de Vossa Excelência, apresentar o atual estado do processo anulado, a fim de ver claro o fumus boni juris para a posterior formulação de pedidos, ao final. E, de outro lado, demonstrar o periculum in mora na manutenção ilegal do Paciente no cárcere, já que está morrendo e não há tratamento para o alastramento do câncer que o acomete. É pura questão de humanidade. Não é por outra razão que formula o Impetrante pedidos alternativos de liberdade provisória, devidamente acauteladas com todas as providências cabíveis, com a conversão da segregação em prisão domiciliar para que deixe o Paciente “fazer a passagem” junto a seus filhos e esposa. Impulsiona o peticionário com a fartura documental colacionada à peça inaugural do presente remédio heróico. O que objetiva o Paciente, na realidade crua e nua, é o falecimento na paz domiciliar, aconchegado aos seus, pagando da pior forma possível por aquilo que não fez.

Tanto que, conforme afirma o Dr. Marcelo B. M. Bumlai, em relatório médico, datado de 13 de março de 2003:


(…)

O tratamento quimioterápico habitualmente não é feito em regime de internação hospitalar, posto que a intenção é manter o paciente o máximo de tempo possível no seio familiar. Neste caso em questão, a preocupação principal é com relação à dificuldade de acesso à atenção médica em caso de complicações severas, às quais não posso definir se ocorrerão ou não.

Quanto à questão processual, temos a relatar com brevidade que, recentemente, na audiência de condenação de Hércules de Araújo Agostinho, declara o réu confesso que jamais houve ligação qualquer com o Paciente, refutando a tese fantasiada pela Procuradoria da República no Estado de Mato Grosso. Os jornais de 26 de Outubro próximo passado, alardeiam:

Após o crime, Hércules teria seguido para a casa de uma pessoa identificada como Edmilson, onde recebeu o dinheiro. Ele disse ter conhecido Júlio Bachs e o Cel. Lepesteur na prisão, o que refuta a versão do Ministério Público Federal de que os dois teriam encomendado o crime. ‘Segundo o João, o Arcanjo queria matar Lepesteur, então ele não estaria envolvido’, disse. (Diário de Cuiabá, 26/10/2004)

Assim como disse no julgamento de Júlio Bachs, Hércules confirmou que, depois do crime, se dirigiu à residência de um amigo chamado Edmilson. Negou ainda que Júlio Bachs e o coronel Lepesteur estivessem em outro carro próximo do local do atentado. ‘O Cel. Lepesteur não podia estar envolvido nesse crime. Isso porque Célio me contou que Arcanjo queria matar Lepesteur’. (A Gazeta, 26/10/2004)

De tudo, depreende-se com certeza meridiana que o réu confesso Hércules Agostinho, manu militari do Comendador Arcanjo, certamente seria contratado para eliminar o Paciente, havendo tempo e oportunidade. Declarou mais – conheceu os supostos membros de sua própria quadrilha, na teoria engendrada pelo Parquet Federal, já na cadeia, o que contraria completamente a versão dada pelo órgão acusador a quo. Ora, Excelência, se Júlio Bachs foi absolvido em primeira instância, diante do Tribunal Popular, formado pelo Juízo Federal da 1ª Vara em Mato Grosso, julgando-se carente a denúncia e não verossímel a decisão de pronúncia, com muito mais razão, há que se acreditar o estranhamento do Paciente em ver-se envolvido nessa trama urdida e fantasiada pelo Ministério Público. Ora, qual seria o objetivo de um réu reiteradamente confesso em proteger os seus próprios detratores e, ainda em remate, revelar que João Arcanjo Ribeiro tencionada eliminar o Paciente?

Idênticas são as declarações do criminoso reconhecido Sandro da Silva Rabelo, vulgo Sandro Louco:

Condenado há mais de 150 anos de prisão, teria sido transferido para a Penitenciária da Mata Grande (Rondonópolis), porque seria usado no esquema PARA MATAR O CEL. DA PM FREDERICO LESPESTEUR, Cabo Hércules Agostinho e o ex. soldado Célio Alves. A informação foi prestada por um funcionário do segundo escalão da Secretaria de Justiça e Segurança Pública, que não quis se identificar. As execuções não ocorreram porque Lepesteur passou mal e foi para o hospital. (Jornal A Gazeta de 20/02/2003)

Do processo penal, conforme já salientou a caprichosa defesa de antanho, depreende-se o não envolvimento do Paciente em toda a trama urdida pelo Ministério Público Federal, o que não passa de fantasia de uma denúncia mal ajambrada. Aliás, não é demais afirmar que, da tríade Julier-Bearsi-Taques, dois magistrados federais e um Procurador da República, pode-se seguramente esperar tudo, até as mais mirabolantes invectivas, declarações e processos. O procedimento irregular gerou equívocos que prejudicaram, inclusive, a terceiros, enlameando a vida profissional de outros tantos, como é o caso do Paciente.

De forma que, não pecando por ingressar no mérito da causa que há de ser julgada pelo Judiciário Estadual Mato Grossense, tangenciamos declarações lançadas no procedimento preliminar instrutório de modo a configurar o mínimo de fumus boni juris:

Hércules de Araújo Agostinho: afirmou que nunca fez nenhum serviço pra Lespesteur. Julgado no dia 25/10/2004, declarou expressamente que o Paciente não guardava nenhum relacionamento com o “esquema” de mortes da indústria do jogo, manietado por João Arcanjo Ribeiro.

Célio Alves de Souza: ao ser interrogado, disse conhecer Lepesteur apenas de vista e nunca lhe prestou qualquer tipo de serviço e não sabe se o mesmo fazia serviços de cobranças para Arcanjo.

Gonçalo de Oliveira Costa Neto: nada soube informar a respeito das atividades de Lepesteur.

Marcondes Tadeu Araújo Ramalho: nada disse a respeito de Lepesteur.

Luiz Alberto Dondo Gonçalves: registrou que nos documentos que fez, nunca constou o nome de Lepesteur, não sabendo, inclusive, dizer se o mesmo trabalhava para Arcanjo. Ora, Excelência, se o “contador” do Comendador não soube precisar quem é, ao menos, a figura do Paciente, é muito natural que este nada tinha a ver com João Arcanjo ou nenhum outro acusado.


Márcia Carlos Karpinski: disse que Lepesteur esteve em sua casa várias vezes, tornando-se conhecido de Júlio por intermédio de Jesus que era afilhado da esposa de Lepesteur.

Júlio Bachs Mayada: ABSOLVIDO das imputações lançadas na mesma denúncia em que o Paciente injustamente figura como mandante de um crime bárbaro, registrou em seu interrogatório que fez contato com Lepesteur e quase abriram uma firma, só que a idéia não deu certo, asseverando ainda que Lepesteur não fazia qualquer interferência na atividade das máquinas, negando, inclusive, que não tinha o mesmo como responsável pela introdução nas máquinas em Mato Grosso.

Marlon Marcus Bafa Pereira: disse que conheceu Lespesteur quando este acompanhou Júlio até a cidade de Sorriso, buscando fazer uma fiscalização sobre a exploração de máquinas, registrando também que Júlio apenas conversou com o interrogando, enquanto Lepesteur permaneceu no carro.

Jaconias das Neves: declarou que, em virtude do tiro, seu filho Joaci das Neves, levou na cabeça, o mesmo sofre de deficiência mental, tendo outras seqüelas tais como lesão cerebral, perda da visão do lado esquerdo, tornando-se uma pessoa revoltada, falante, com imaginação fértil, irritando-se quando suas idéias são contrariadas.

Denivaldo Pereira: relatou em relação a Lepesteur, que soube através de Rivelino, que o mesmo não queria deixa-lo no barracão, registrando também que Rivelino lhe contou em tom de gozação o episódio, não sabendo, inclusive, a relação que existia entre Lepesteur e Rivelino.

Elizabeth Ourives de Campos: disse que enquanto Júlio estava preso, foi duas vezes à unidade, mas não visitou Júlio e como se tratava de sábado ou domingo, não foi permitida a visita e que, por isso, não houve contato entre Lepesteur e Júlio.

Gisleno Fernandes: apenas viu Lepesteur pela televisão.

Joaquim Nunes de Brito: declarou que não conhece Lepesteur, nem mesmo pela televisão.

Jorge Luis da Silva: disse que chegou acompanhando Rivelino no barracão da empresa e lá encontrou Lepesteur, que não os deixou entrar, que ficou de longe observando a situação, não sabe o porquê de Rivelino ter sido barrado. Que a situação se resolveu com acordo, depois que os cariocas, Rivelino, Lespesteur e Júlio, conversaram em uma sala reservada, não tendo ouvido o teor do acordo. Que não sofreu ameaças de ninguém e não sabe de qualquer ameaça que Raquel tenha sofrido. Que quem disse que Rivelino não poderia colocar as máquinas em Cuiabá seria um dos cariocas. Que não ouviu Lepesteur discutindo ou gritando com Rivelino. Que Lepesteur apenas disse a Rivelino que não poderia entrar mais no barracão. Que não viu se Lepesteur e os seguranças estavam armandos no dia do barracão. Que no dia do incidente do barracão Lespesteur falou apenas com Rivelino. Que não presenciou Lepesteur dizendo que haveria morte se Rivelino entrasse na empresa. Que no dia da morte de Rivelino, não viu Lepesteur no trajeto que percorreu para atender à ocorrência.

José Joaquim de Freitas: de comprometedor, nada declarou em relação à Lepesteur.

Kelly Cristina Ferreira de Santana: informou que viu Lepesteur uma única vez. Que não sabe de desavenças entre Lepesteur e Rivelino, que na noite que viu Lepesteur, este estava com sua mulher e ao que lhe parece, umas quatro mulheres. Que não recebeu qualquer ameaça de quem quer que seja para deixar a cidade. Que não tem conhecimento do assunto que Rivelino foi tratar com Lespesteur no dia de sua morte.

Kelma Harume Arruda Itto: informou seu conhecimento a respeito de Marlon explorar máquinas em Rondonópolis, não tendo certeza se Lepesteur também explorava máquinas, registrando também, que foi colocado para Rivelino a opção de ir explorar as máquinas na Chapada ou não mais iria explorá-las e, no seu pensar, esta proposta partiu dos cariocas e de Jesus.

Marcos Antônio Julkovski: disse que nunca ouviu falar sobre Lepesteur, a não ser pelos noticiários.

Paulo Amaral da Costa: nada disse a respeito de Lepesteur.

Ronaldo Neves Costa: disse que sobre o incidente ocorrido no barracão, ficou sabendo apenas o que leu nos jornais.

Rutemberg Ferreira do Carmo: disse que, por ser tenente-coronel, conhece Lepesteur, Costa Neto, Hercules e Ramalho, entretanto, nada alegou contra eles, tendo apenas relatado fatos que não comprometem Lepesteur em relação aos crimes noticiados.

Sandro Tadeu Constantino: conheceu Lepesteur, se fez presente no barracão da empresa e relata os fatos ali ocorridos, nada relatando, entretanto, que pudesse comprometer Lepesteur.

A fim de pasmar Vossa Excelência com a clareza processual a saltar aos olhos, exigência do rito sumaríssimo de um remédio heróico, declarou em Juízo, sob juramento o DELEGADO ENCARRREGADO PELO GCCO-MT (GRUPO DE ATUAÇÃO E COMBATE AO CRIME ORGANIZADO EM MATO GROSSO), Luciano Ignácio (fls. 2272/76, processo original):

Que, no dia do homicídio de Rivelino, Lepesteur passou a manhã com o depoente na delegacia conversando sobre o homicídio do Sargento Jesus, em relação ao qual chegou a levar o nome de um rapaz – Heverton de Souza, que seria um possível suspeito; que à tarde Lepesteur telefonou para o depoente e avisou que Rivelino tinha estado sem sua residência e lhe deixou um bilhete com os dizeres: ‘Coronel, quero falar com o senhor’; (…)que Lepesteur voltou à delegacia no período da tarde, para ser ouvido como testemunha no inquérito do Sargento Jesus; que no momento em que Lepesteur chegou à delegacia, não pode atende-lo, pois estava saindo para o local do homicídio de Rivelino, que tinha acabado de ocorrer; que, durante o tempo que exerceu funções policiais neste Estado, não ficou sabendo de ‘envolvimento de Lepesteur com crimes de pistolagem’.

Mesmo que não se preste o remédio constitucional mandamental a perquirir questões fáticas com profundidade, nem mesmo o fumus delicti resta em pé perante uma análise, ainda que breve, dos autos originais, atualmente no TRF-1. Conforme se lê na doutrina de escol, é preciso um mínimo fático, uma fração de certeza, uma polegada de segurança para prender qualquer cidadão. Ora, Excelência, da denúncia em que figura o Paciente, das 40 laudas bem lavradas, restam 15 linhas à participação do Coagido, numa demonstração inequívoca que a denúncia escorava-se nas gazetas de notícias e não na melhor técnica.

DA COAÇÃO ILEGAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E POR EXCESSO DE PRAZO PARA A CONCLUSÃO DO PROCESSO.

Especialmente neste caso, tem-se concomitantes 5 causas de pedir. É inédito haver tantas razões sobrepostas a merecer a impetração do mandamus liberatório. De forma que, iniciando a enumeração, percebe-se a carência de justa causa não só para a acusação como para a manutenção da prisão ilegal. Nenhum fundamento fático fora utilizado a autorizar a segregação provisória por tanto tempo assim, sem uma condenação no horizonte; além disso, temos mais de dois anos encarcerado o Paciente em prisão, tanto comum, como militar, sofrendo de câncer maligno, morrendo aos poucos, vendo sua esperança na embaraçada Justiça desaparecer. Ademais, o órgão prolator da decisão acauteladora não tinha competência para fazê-lo e ainda continua não tendo, conforme decisão recente do TRF-1, fato que por si só já seria suficiente para a liberação incondicional do Paciente. E mais: o processo é manifestamente nulo!, de acordo com a decisão do próprio TRF-1.

Assim sendo, convém a lembrança do pentagrama jurídico aqui consignado, no vernáculo legislativo do CPP:

Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:

I – quando não houver justa causa;

II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;

III – quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;

IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;

VI – quando o processo for manifestamente nulo;

Frente ao sofrimento desumano e degradante por que passa o coagido, tem-se conveniente aplicar ao caso em apreço a literal disposição da Lei de Execuções Penais:

Art. 2º – (…)

Parágrafo único – Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária.

Art. 116 – O juiz poderá modificar as condições estabelecidas, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da autoridade administrativa ou do condenado, desde que as circunstâncias assim o recomendem

.

Art. 117 – Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:

(…)

II – condenado acometido de doença grave;

III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;

(…)

Não é outro o entendimento mais comum dos magistrados no Brasil. Recentemente, em encontro de penalistas que pensam o sistema carcerário nacional, inspirados pelo humanismo próprio dos julgadores mais equilibrados, tem-se:

CONCLUSÕES DO ENCONTRO DE EXECUÇÃO PENAL DE BENTO GONÇALVES – 27 e 28 DE JUNHO DE 2002.

7) No caso de impossibilidade justificada e absoluta de cumprimento de quaisquer das penas restritivas de direitos, é viável a conversão em prisão domiciliar, desde que haja a concordância do apenado, independentemente do regime.

Extrai-se julgados à fartura dos Tribunais Regionais Federais, como, por exemplo, o aresto do TRF da 4ª Região

Habeas Corpus nº 2003.04.01.032111-2/PR

Relator: Desembargador Federal Germano da Silva

Sessão do dia 19-08-2003

“O fato do indiciado estar acometido de doença grave não autoriza, por si só, a revogação da custódia cautelar, mas possibilita o seu recolhimento à prisão domiciliar, a fim de que receba os cuidados médicos necessários.” Este foi o entendimento do relator em habeas corpus impetrado para obter a revogação da prisão cautelar ou, alternativamente, o deferimento de prisão domiciliar para paciente com grave risco de vida e necessitando de transplante de fígado, preso preventivamente em decorrência das investigações realizadas na chamada “Operação Nicotina”. O relator destacou ainda que “… tal prisão domiciliar, pelo próprio fundamento pelo qual é deferida, não será óbice a que o paciente receba os cuidados médicos de que está a necessitar e que são, exatamente, a razão de ser deste especialíssimo benefício, ora ordenado”. A Sétima Turma, por maioria, concedeu parcialmente a ordem para deferir o pedido alternativo de prisão domiciliar, vencido o Des. Tadaaqui Hirose, que a concedia integralmente. A Des. Maria de Fátima Labarrère acompanhou o relator.

O próprio Colendo Pretório deste Superior Tribunal de Justiça, já decidiu em ocasiões pretéritas, sobre a conveniência da conversão da segregação definitiva (executória) ou provisória (cautelar) em prisão domiciliar, da inteligência do Min. José Arnaldo da Fonseca:

“HABEAS CORPUS. MANDADO DE PRISÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONDENAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO. PEDIDO DE PRISÃO DOMICILIAR. DOENÇA GRAVE. Os recursos para os Tribunais Superiores (STJ e STF) possuem, de ordinário, somente efeito devolutivo, forte no art. 27, § 2º, da Lei nº 8.038/90. Assim, não configura constrangimento ilegal a expedição de mandado de prisão para a execução provisória da condenação imposta pelas instâncias ordinárias. Precedentes desta Corte e do C. STF. Princípio constitucional da presunção da inocência que não foi, in casu, violado. Paciente, entretanto, portador de grave doença renal atestada nos autos, necessitando de três sessões de hemodiálise por semana fora da prisão. Falta de pessoal e veículos para tal fim atestados pelo Delegado de Polícia. Concessão da prisão domiciliar. Ordem parcialmente concedida.” (HC 19385/SP, STJ, Quinta Turma, Min. rel. José Arnaldo da Fonseca).

Já da lavra do experimentado e lúcido Min. Vicente Leal:

RHC 9255 / SP ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 1999/0101819-6

Ministro VICENTE LEAL

Processual penal. habeas-corpus. prisão especial (cpp, art. 295). TRANSFORMAÇÃO em prisão domiciliar. réu septuagenário e acometido de doença grave. possibilidade. – O cumprimento da pena em residência particular somente é admissível, além das hipóteses previstas no art. 117, da Lei de Execução Penal, em situações excepcionais. – O Superior Tribunal de Justiça tem admitido, excepcionalmente, o cumprimento da pena em residência particular nos casos em que o paciente é septuagenário, acometido de doença grave e diante da absoluta inexistência de estabelecimento especial adequado à sua condição pessoal. – Recurso Ordinário provido. Habeas-corpus concedido.

E, ainda, da lavra do preclaro Min. Edson Vidigal:

HC 5466 / SP ; HABEAS CORPUS

1997/0003146-2

Ministro EDSON VIDIGAL

PENAL. PROCESSUAL. EXECUÇÃO. REGIME FECHADO. PRISÃO DOMICILIAR. SEPTUAGENARIO ACOMETIDO DE DOENÇA GRAVE. SUBSTITUIÇÃO. ADMISSIBILIDADE. “HABEAS-CORPUS”.

1. CONTANDO O PACIENTE COM MAIS DE 85 ANOS, E ESTANDO ACOMETIDO DE DOENÇA GRAVE, CABIVEL A INTERPRETAÇÃO ANALOGICA DO ART. 117, DA LEP, EMBORA CONDENADO A REGIME FECHADO.

2. PEDIDO CONHECIDO E DEFERIDO PARA DETERMINAR QUE O PACIENTE SEJA COLOCADO NO REGIME DE PRISÃO DOMICILIAR, GUARDANDO-SE AS DEVIDAS CAUTELAS.

Por fim, da ótica do Min. Félix Fischer, extrai-se:

HC 33777 / RJ ; HABEAS CORPUS 2004/0019624-7

Ministro FELIX FISCHER

PROCESSO E EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 14 DA LEI Nº 6.368/76, C/C ART. 8º DA LEI N.º 8.072/90. SENTENCIADO CUMPRINDO PENA NO REGIME FECHADO. ESTADO DE SAÚDE DEBILITADO. PRISÃO DOMICILIAR.

I – A prisão domiciliar, em princípio, só é admitida quando se tratar de réu inserido no regime prisional aberto, ex vi do art. 117 da Lei de Execução Penal (Precedentes do Supremo Tribunal Federal).

II – Excepcionalmente, porém, esta Corte tem entendido que, mesmo no caso de regime prisional diverso do aberto, é possível a concessão de prisão domiciliar, em face de comprovada doença grave, se o tratamento médico necessário não puder ser ministrado no presídio em que se encontra o apenado.

III – No caso em exame, houve demonstração cabal da alegada fragilidade do estado de saúde do paciente, sendo que a documentação juntada não se restringe a laudos de exames clínicos que comprovam a atualidade do quadro de saúde sugerido.

Passemos, adiante, a fim de constatar se podem unir-se a melhor doutrina citada e o caso concreto, analisando as condições pessoais do Paciente, seu histórico profissional, sua vida social, os relatórios médicos. Veremos, com a segurança jurídica que um HC requer, com a certeza fática própria do rito sumário, que o Paciente encontra-se enfurnado numa cama de hospital, preso e vigiado, morrendo aos poucos, sem solução jurídica. Eis a mais cruel forma de pena, Excelência – a morte lenta e dolorosa de uma Justiça indecisa, lenta, burocrática e parcial de primeira instância.

DAS CONDIÇÕES PESSOAIS DO PACIENTE – LEVANTAMENTO PESSOAL E PROFISSIONAL E ESTADO DE SAÚDE TERMINAL.

Antes de mais nada, o Paciente não é ambulante e não pretende de forma alguma esquivar-se da lei penal. Tanto que junta Instrumento Particular de Autorização de Cancelamento de Hipoteca, lançado pela Caixa Econômica Federal, provando que reside no mesmo endereço há mais de 20 anos, além de ter seus filhos, sua esposa e seus bens sediados num mesmo local por toda a vida.

Primeiramente, deveremos tratar do estado de saúde em que se encontra o Paciente, por ocasião da cautelar injusta a que está sujeito. Segregado há mais de dois anos, desenvolveu seguidamente tumores de câncer maligno de diversas regiões de tudo o corpo, mais particularmente tronco e próstata. Além disso, sofre de depressão grave, sendo ministrados inúmeros medicamentos. No mês de dezembro/2004, foi constatado o estado crônico do câncer e a recidiva maligna, deixando claro o médico responsável por seus cuidados que o tratamento oncológico é meramente paliativo, a fim de que o Paciente não sofra tanto. Não restando dúvidas, colaciona laudos, declarações, exames e fotos a comprovar o que se alega, com certeza fático-jurídica própria de um habeas corpus.

Expedido pelo Dr. Marcelo Benedito Mansur Bumlai, CRM 2663, especialista médico em Oncologia Clínica, junta-se Relatório Médico, lavrado em 20 de Novembro de 2004, nos termos expendidos abaixo:

O Sr. Frederico Carlos Lepesteur tem diagnóstico de FIBROHISTIOCITOMA MALIGNO TRATADO, DIABETE MELITO TIPO II, EM INSULINOTERAPIA, HIPOTIROIDISMO EM TRATAMENTO e vem agora, em seguimento clínico laboratorial, sob meus cuidados médicos. Diagnosticado, mais recentemente, CÂNCER DE PRÓSTATA, doença localizada, de ALTO RISCO (PSA Elevado e RLEASON -9). Iniciado o bloqueio hormonal central com goserelina, com intuito neo-advuvante. Foi realizada radioterapia conformacional (7000 e quatrocentos cGy), com bloqueio hormonal mantido. Deverá manter bloqueio hormonal por três anos, após o término da radioterapia. Vem agora com RECIDIVA LOCAL EXTENSA IRRESECÁVEL, sendo que está em tratamento quimioterápico paliativo. Agora com PROGRESSÃO DE DOENÇA mesmo em quimioteratia paliativa, estamos considerando possibilidade de quimioterapia paliativa de segunda linha.

Igual diagnóstico dava-se em Relatório Médico datado de 15 de maio de 2004:

O Sr. Frederico Carlos Lepesteur teve diagnóstico de FIBROHISTIOCITOMA MALIGNO em região dorsal (CID 10- C 49.6), já tratado com cirurgia, quimioterapia, estando atualmente em seguimento clínico devido a essa patologia. Em último restadiamento solicitado Antígeno Prostático Específico (PSA) de rotina devido à idade do mesmo. Avançando na investigação, foi diagnosticado CÂNCER DE PRÓSTATA (CID 10 – C 61) de alto risco (Gleason 9, PSA inicial 13), doença localizada, sendo indicado tratamento combinado, de bloqueio hormonal central com Zoladex 3,6 mg SC mensal por 3 anos, com radioterapia conformacional iniciando após 2º ciclo do mês da medicação. Deverá manter bloqueio hormonal por 3 anos após o término da radioterapia. Fez 1ª aplicação de medicação em 12/05/2004, devendo a 2ª aplicação ser realizada em 09/06/2004 e mantida a cada 28 dias por 3 anos. Iniciaremos programa de raioterapia após 2ª aplicação. Além disso TEM DIAGNÓSTICO DE DIABETE MELITO EM INSUINOTERAPIA DE DIFÍCIL CONTROLE.

Conclui-se facilmente que o Paciente, sofrendo rigoroso tratamento médico, já não mais reage ao medicamento, tanto que está constatado a RECIDIVA de câncer até mesmo nos locais onde, no pretérito, operou. Da mesma forma, sua diabete é descontrolada, agravando ainda mais o seu quadro clínico, já frágil. Psicologicamente, encontra-se desamparado o Paciente, conforme Declaração Médica, datada de 23/12/2004, subscrita pelo Dr. Alberto Carvalho de Almeida CRM 1147:

Declaro que o Sr. Frederico Carlos Lepesteur faz tratamento para depressão e angústia, com Paroxetina e Bromazepan. Deverá continuar o tratamento por TEMPO INDETERMINADO.

A fim de que não pairem dúvidas sobre o estado periclitante de saúde do Paciente, junta ainda o Impetrante Declaração de Urologista, Dr. Octacir Silva Júnior, CRM 1123, datada de 23/12/2004:

Declaro para os devidos fins que o Sr. Frederico Carlos Lepesteur é paciente do Dr. Ademir Capistrano Pereira, que não se encontra nesta capital, porém tenho conhecimento que o paciente acima citado é portador de DIABETES MELLITUS, TIPO II, fazendo uso diário de Insulina NPH 40UI por via subcutânea às 6hrs e 18 UI às 20:30hrs como também de Insulina regular via subcutânea conforme taxas de glocose no sangue.

É também portador de HIPOTIREOIDISMO, fazendo uso do medicamento PURAN T4, uma vez ao dia.

Não é de outro matiz o resultado do Laudo Tomográfico realizado em 13/12/2004, pelo Dr. José Salim Saad Filho, CRM 2830, a conclui:

(…) Nota-se que:

Comparativamente ao exame tomográfico do dia 25.08.04, há evidências de aumento das dimensões da massa da região supra/infra-clavicular esquerda.

Junta também, por esta oportunidade de interposição da peça vestibular, fotografias recentes juntamente com respectivos negativos fotográficos, da mais recente forma de câncer diagnosticada – a de próstata, já em grau avançado e de alto risco, conforme atesta o médico nomeado responsável pelo tratamento oncológico. De outro giro, constata-se visualmente a recidiva de câncer no abdômen e costas do Paciente, surgindo enormes inchaços que, pela medicina tradicional, já não há mais o que se buscar a não ser terapias paliativas e não curativas.

A fim de agregar certeza ao que se alega, juntado está o Laudo Tomográfico, realizado pelo Dr. José Salim Saad Filho, CRM 2830, em 25/08/2004, em que conclui na parte dispositiva:

HD:

1 – Formação expansiva em projeção supra/infra clavicular à esquerda, de natureza à esclarecer. As reações anatômicas desta formação foram detalhadas no estudo da RM;

2 – Sinais de substituição gordurosa pancreática;

3 – Imagem hipodensa arredondada na face anterior do baço;

4 – Aorta ateromatosa.

Cabe, em segundo plano, questionar QUEM É e O QUE FEZ o Paciente pelo Estado de Mato Grosso. preliminarmente, deve-se anotar que não porta antecedente criminal algum, sendo por isso primário, conforme certidão negativa juntada nos autos. Só isso não é suficiente para pintar o panorama da personalidade do cidadão, devendo o julgador aprofundar-se na personalidade do Paciente. Em dez/1997, o Paciente recebeu CARTA-PATENTE das mãos do Governador do Estado de Mato Grosso, gozando de honras do posto pelos bons serviços prestados na Corporação Militar. Já em ago/1998, das mãos do Comandante Geral da Polícia Militar de Mato Grosso, auferiu o Paciente COMENDA MILITAR, em razão de “pretar assinalados serviços à Corporação, de comprovada dedicação e zelo para o engrandecimento da Instituição”, conforme se vê pelo Ofício 008/Cmdo Geral/98, aqui internado.

Até mesmo de moradores que convivem com o CIDADÃO LEPESTEUR e não com uma patente meramente, tem-se o que de bom afirmar. Em 08 de Outubro de 2003, a Associação dos Moradores do Bairro Araés, fez questão de deixar bem consignado:

O portador da presente, Frederico Carlos Lepesteur. Eu, Edinei Aparecido da Silva Pereira, Presidente do Bairro Araés, portador do documento de RG 0667090-3 ssp/MT, afirmo que é morador do Bairro Araés a mais de 20 (vinte) anos, nesse tempo de convivência revelou ser um exemplar chefe de família, pessoa honesta de boa índole, de fina educação e de ótima convivência com os vizinhos, que nunca teve problema algum com os moradores do bairro, predisposto a todo o momento a atender aos serviços comunitários que lhe eram atribuídos e sempre se envolvendo com várias atividades sociais do bairro, preocupando-se também com a segurança dos moradores, tendo em vista assim uma melhoria da nossa qualidade de vida, qualidades essas que bem o recomendam.

Até mesmo em cidade distante, em distrito rural, onde tinha o Paciente pequena propriedade, a Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Morrinho, no Município de Sto. Antônio de Leverger, Mato Grosso, deixa muito claro o caráter do Coagido:

A Associação dos Peq. Prod. Rurais de Morrinho, Mun. De Sto. Ant. do Leverger/MT, através de seu presidente e associados vem intermédio desta declarar que o Sr. Frederico Carlos Lepesteur, filiado a esta associação e proprietário de terras nesta localidade, sempre prestou bons serviços e sempre colaborou quando era solicitado.

Além de oferecer ajuda e serviços a vários cidadãos desta comunidade.

Portanto, esta Associação e seus associados de livre e espotânea vontade isenta este cidadão de qualquer ato que o desaone.

Mas não é só. Seria injustiça menoscabar a atuação brilhante do Paciente em defesa da segurança da sociedade mato-grossense com apenas duas menções de importância. Aproveita para juntar FOLHA COMPLETA DE SERVIÇOS PRESTADOS, apontando para além do que já se chamou atenção:

a 27 de jan, pelo E.E.024, ao deixar o Cmdo Geral da PMMT, é por dever de Justiça que Registro o meu reconhecimento e minha gratidão pela inestimável colaboração prestada por este oficial do mais ALTO QUILATE, de extrema dedicação e preocupação com a causa pública. Ao me despedir de tão nobre companheiro, desejo-lhe o máximo de felicidade na carreira que tanto ama e respeita, reafirmando a certeza de que continuará mantendo o mesmo nível de dedicação à Corporação, junto à sua Digníssima Família e que Deus ilumine o Vossa Caminho. (Adaildon Costa – Diretor de Pessoal, 1998)

Em 15 de Abril de 1997, integrou o Paciente a turma de promoção, conforme se lê na mesma Folha de Serviços, às págs. 14. Perceba Vossa Excelência o histórico do Coagido – já em 1990, recebeu ELOGIO PÚBLICO do Tem. Cel. Gmercindo Maria de Carvalho (fls. 35):

A 19 Jan, pelo B.E, n.001, imbuído no espírito de Justiça que este Comando ELOGIA o Ten. Cel. PM Frederico Carlos Lepesteur, Chefe da PM-3, por ter sido colaborador assíduo deste Comando no desempenho de suas funções, na busca ds objetivos e ideais da Corporação. Desempenhando a causa policial militar com relevante dedicação e zelo em prol da sociedade, sem visar interesses pessoais.

Demonstrou ser possuidor de elevado espírito de companheirismo e lealdade para com seus superiores e comandados.

Ao Oficial em Pauta, o nosso muito obrigado, que as virtudes acima mencionadas sejam sempre bandeira empenhada pelos mesmos que somadas com outras forças positivas enaltecem o nome da Corporação.

Retrocedendo ainda mais no tempo, em 1987, recebe ainda AGRADECIMENTO PÚBLICO do então Comandante Geral da Polícia Militar em Mato Grosso (fls. 46):

(…)

6 – RECOMPENSAS: a 16 de Mar, o BCG 02 Esp, foi elogiado pelo Cmt Geral da PMMT nos seguintes termos: ao deixar o Cmdo da PMMT, é com sentimento de dever que elogio este Oficial, pela determinação e perspicácia no trabalho de assessoramento do Cmdo. Geral, na área pelo qual por mim designado, para controlar e estudar melhor política de relacionamento do Cmdo Geral. O seu trabalho acoplado aos demais Oficiais do EMG, vem caracterizar a consciência de um trabalho de equipe harmônico e de decisões comedidas. A esse companheiro que viveu comigo os problemas da melhor política de Cmdo no cotidiano da Corporação, apresento meus sinceros agradecimentos.

E, por fim, o Paciente coartado em sua liberdade, sofrendo a enfermidade que o acomete, quer consignar a Vossa Excelência que, já em 1981, temos menção elogiosa do Comandante na cidade de Cáceres:

(…)

Oficial de alto espírito de dedicação e criatividade, o Ten. PM Lepesteur sempre colocou em primeiro plano o interesse da boa realização do serviço.

Assim sendo, Excelência, a família do Paciente não bate às portas do STJ desmerecidamente. Uma ficha militar limpa, elogiosa, referencial de um Coronel da Polícia Militar, uma certidão negativa juntada, medalhas, menções e elogios públicos, de comandantes a governadores, serão suficientes a demonstrar a grandeza e o despreendimento do Paciente no trato profissional ao qual dedicou à Corporação e à sociedade. Não nos parece factível que venha agora um magistrado, desmotivadamente, pela perseguição vazia de um grupo organizado de criminosos, enlamear todo esse histórico de bons serviços. Se não pela letra fria da Lei, mas pelo apego ao espírito de humanidade e comiseração, roga mais uma vez pela Liberdade e/ou pela conversão da cautelar em prisão domiciliar. É o mínimo Excelência, não para reconstituir a manchada imagem do profissional dedicado (que jamais se limpará perante a opinião pública), mas para reconforta-lo neste hora final junto dos seus.

Diante da abundância documental que se depreende compulsando os autos, temos a dicção do art. 660 do Codex Processual Penal a indicar, com segurança, o traçado que deduz o Impetrante, ao final:

Art. 660. Efetuadas as diligências, e interrogado o paciente, o juiz decidirá, fundamentadamente, dentro de 24 (vinte e quatro) horas.

(…)

§ 2o Se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, o juiz ou o tribunal ordenará que cesse imediatamente o constrangimento.

Já com relação à possível obstrução legal, patenteada na Lei de Crimes Hediondos, lembremos a Vossa Excelência NÃO HAVER NEM MESMO PROCESSO VÁLIDO! Todavia, enveredamos rapidamente pelo terreno da doutrina e jurisprudência a embasar o entendimento que não é óbice intransponível o que se pede. A previsão legal do art. 2º, inc. II da Lei n.º 8.072/90 veda expressamente a liberdade provisória para os crimes insculpidos em seu art. 1º, os quais foram taxados como hediondos, recebendo, por isso, um tratamento mais severo que os demais crimes.

ALBERTO ZACHARIAS TORON (Crimes hediondos: o mito da repressão penal: um estudo sobre o recente percurso da legislação brasileira e as teorias da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 96), considerou certa a atitude de legislador, evitando assim uma possível ofensa ao princípio da legalidade.

ALBERTO SILVA FRANCO (Crimes hediondos: notas sobre a Lei n.º 8.072/90. 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 45), critica o legislador por não ter dado uma definição de crime hediondo.

De acordo com ALBERTO ZACHARIAS TORON, se o legislador tivesse acatado a tese de ALBERTO SILVA FRANCO, que asseverou que hediondo seria todo crime que se mostre “repugnante”, “horrível”, a expressão teria seu significado alargado de tal maneira, que cada autoridade policial e judicial, formaria sua própria definição de hediondo.

A prática pura e simples de qualquer das condutas previstas no art. 1º da Lei n.º 8.072/90, colocaria seu autor sujeito aos rigores previstos na referida lei.

As divergências se acentuam quanto à possibilidade da liberdade provisória pela lei dos crimes hediondos diante da expressa vedação do art. 2º, inc. II da Lei n.º 8.072/90, o qual tem sua constitucionalidade questionada.

De acordo com PAULO MAURÍCIO PEREIRA (A lei dos crimes hediondos e Liberdade Provisória, RT 671/288, p.191) , JOÃO JOSÉ LEAL, ALBERTO SILVA FRANCO, ODONE SAGUINÉ (Inconstitucionalidade da proibição da liberdade provisória. Fascículo de Ciências Penais, nº 04, p. 19), a proibição da liberdade provisória é inconstitucional, pois o constituinte só proibiu a concessão de fiança para os crimes hediondos, nada falando a respeito da prisão provisória obrigatória (art. 5º, inc. XLIII, CF). Com isso, o legislador estaria interferindo em atividade tipicamente jurisdicional.

JOÃO JOSÉ LEAL (ob. cit. p. 104), sustenta que a liberdade provisória poderá ser afastada por lei ordinária (art. 5º, inc. XLVI, CF) em casos excepcionais e de comprovada necessidade processual. Portanto, a lei ordinária não pode proibir a concessão desse direito individual, como regra absoluta, aos autores de crimes hediondos.

Para esta corrente, a proibição a posteriori e absoluta de concessão da liberdade provisória não só fere os princípios constitucionais da presunção de inocência, do devido processo legal e da subordinação da norma ordinária à norma maior constitucional, ferindo a própria natureza das coisas.

ALBERTO SILVA FRANCO (ob. cit. p. 82), perfilha o mesmo entendimento de JOÃO JOSÉ LEAL, sustentando ainda que a necessariedade da prisão processual deverá estar alicerçada num dos motivos do art. 312 do CPP, avaliados no caso concreto pelo juiz.

ODONE SAGUINÉ (ob.cit. p. 20/21), sustenta que “a impossibilidade de concessão da liberdade provisória eqüivale à privação de liberdade obrigatória infligida como pena antecipada sem prévio e regular processo e julgamento.”

A Súmula 9 do STJ (DJU, 12.09.90), dispõe que “a exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”. Com base nesta súmula, o STJ afirmava que a própria Constituição Federal previu algumas formas de prisão sem pena, como por exemplo a prisão em flagrante.

Atualmente, o STJ, adotando nova posição, tem feito a releitura dessa súmula, sustentando que a prisão provisória só não violará o princípio do estado de inocência quando a prisão for necessária para não frustrar os fins da atuação jurisdicional, baseando-se portanto, no poder geral de cautela do juiz, sob o fundamento dos arts. 310, parágrafo único e 312, caput, do CPP (RHC 9540/GO, DJ 24.04.2000, p. 75, Min. Vicente Leal, 6ª Turma; HC 11359/RJ, DJ 10.04.2000, p. 131, Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma; HC 8906/SP, DJ 23.08.99, p. 151, Min. Vicente Leal, 6ª Turma; HC 9138/MG, DJ 16.08.99, p. 114, Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma; RHC 8432/SP, DJ 24.05.99, p. 182, Min. Gilson Dipp, 5ª Turma).

No STF subsistem os dois entendimentos, ora sustentando não ser necessário a fundamentação da prisão provisória para os crimes hediondos (HC n.º 73.978/RJ, DJU de 20.09.96, p. 34537, Min. Marco Aurélio, 2ª Turma), ora afirmando sua necessidade (RHC 3888, DJU 05.02.96, p. 1442, Min. Adhemar Maciel; HC 5870, DJU 22.09.97, p. 46.558, Min. Vicente Leal).

A orientação, hoje dominante, é pela inconstitucionalidade do art. 2º, inc. II da Lei n.º 8.072/90 (TJSP, HC, Rel. Álvaro Cury, RT 693/331; TJSP, HC, Rel. Nelson Fonseca, RT 671/323; TJSP, HC, Rel. Jarbas Mazzoni, RSTJSP 141/425; STJ, HC 932, DJU 20.04.92, p. 5.259, Rel. Edson Vidigal; STJ, RHC, Rel. Fláquer Scartezzini, RT 692/406 e 693/406; STJ, RHC 2.526-1, DJU 05.04.93, p. 5.846).

Por outro lado, a necessidade de fundamentação da prisão provisória para os crimes hediondos, não foi dispensada pelo simples fato de sua inclusão taxativa na lei n.º 8.072/90. Neste sentido, doutrina e jurisprudência são acordes em admitir a imprescindibilidade de se fundamentar qualquer forma de restrição à liberdade, e, sendo este um ato emanado do Judiciário, carecedor de fundamentação, portanto, conforme previsão do art. 93 da Constituição Federal.

O aplicador da lei dos crimes hediondos, apesar de sua necessária rigidez, NÃO PODE DISPENSAR A ANÁLISE DO CASO CONCRETO, SOBRETUDO QUANTO À QUALIDADE DO AUTOR DO DELITO E OS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES DA PRISÃO PROVISÓRIA, tendo em vista ainda, que a própria lei em seu § 2º do art. 2º, autoriza a liberdade provisória para apelar, em caso de sentença condenatória, desde que fundamentada. Se a lei permite a liberdade provisória para o crime hediondo, após toda a instrução processual, que levou à condenação, com mais razão, a liberdade provisória poderá ser concedida em fases anteriores, desde que devidamente fundamentada.

Doutrina de escol, composta por ilustres e ilustrados glosadores da Lei, tem entendido de forma unânime, que não haverá a vedação automática da liberdade provisória, apenas e tão-somente uma legislação extravagância que é uma excrescência vedou. Senão, vejamos artigo de Leonardo Amaral:

(…)

Conhecida como a Lei dos Crimes Hediondos (LCH), representou ela um endurecimento do tratamento penal a ser imposto aos agentes dos delitos etiquetados como hediondos (art. 1o), merecendo destaque as regras que vedam a liberdade provisória do acusado (art. 2o, II) ou a progressão do regime de pena do condenado pela prática de ditas infrações hediondas (parág. 1o, art. 2o).

Ocorre que, em particular após decisões da mais Alta Corte de nosso país, se tornou praticamente unânime, menos na doutrina e mais na jurisprudência é certo, o entendimento de que, preso em flagrante delito, não possui o acusado da prática de crime hediondo o direito à liberdade provisória. Não convém, neste curto espaço, colacionar decisões deste ou daquele tribunal, uma vez que é conhecida a adesão quase total do Judiciário nacional à mencionada interpretação da norma da LCH, afinal de conta, avalizada pela Suprema Corte.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça, porém, de um tempo para cá passou a adotar entendimento diverso, conforme se vê dos precedentes de ambas as Turmas competentes para julgar matéria penal, abaixo reproduzidos:

“HABEAS CORPUS – CRIME HEDIONDO – LIBERDADE PROVISÓRIA – 1. O fato de tratar-se de crime hediondo, isoladamente, não é impeditivo da liberdade provisória, haja vista princípios constitucionais regentes da matéria (liberdade provisória, presunção de inocência e obrigatoriedade de fundamentação das decisões). Faz-se mister, então, que, ao lado da configuração idealizada pela Lei nº 8.072/90, seja demonstrada também a necessidade da prisão, in casu evidenciada para assegurar a aplicação da lei penal. – cf. HC 9138/MG, 6ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves , DJU 16.08.1999 (destaques nosso).

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIME HEDIONDO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO E REQUISITOS. PROVAS ILÍCITAS. 1. A fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes. 2. Tal fundamentação, para mais, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação não raramente com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada. 3. A circunstância de o delito em apuração se tratar de crime hediondo, não impede, por si só, o deferimento de liberdade provisória. 4. Não se mostrando na luz da evidência, primus ictus oculi, a apontada ilicitude das provas colhidas no curso do inquérito policial, a apreciação da questão deve ser reservada para o momento adequado, qual seja, o da prolação da sentença. 5. Ordem concedida.” – cf. HC 14.119⁄SP, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 25.06.2001 (destaques nosso).

“RHC. PRISÃO PREVENTIVA. CRIME HEDIONDO. FUNDAMENTAÇÃO. 1. A simples invocação da Lei nº 8.072/90, mesmo em se tratando de infração ao art. 12, da Lei nº 6.368⁄76, de acordo com o entendimento pretoriano, não autoriza a negativa de liberdade provisória, se reunidos os requisitos à obtenção do benefício legal. É mister a demonstração da necessidade concreta da medida restritiva. Esta necessidade, por outro lado, se avulta quando, no seio do próprio STJ, reina divergência acerca da tipificação legal da introdução de “lança-perfume”, adquirido na Argentina, no território nacional. Uma Turma entendendo tratar-se de infração ao art. 12 da Lei nº 6.368⁄76 e outra de simples maltrato à letra do art. 334 do Código Penal. 2. Recurso provido.” – cf. RHC 8.644/PR, 6ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 23.08.99.

“CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. FALTA DE SUSTENTAÇÃO ORAL NO JULGAMENTO DO WRIT ORIGINÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. FEITO QUE INDEPENDE DE PUBLICAÇÃO DE PAUTA E PRÉVIA INTIMAÇÃO DO ADVOGADO. PRONÚNCIA. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DA PRISÃO NÃO-DEMONSTRADA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. I. Tratando-se de habeas corpus, o qual independe de publicação de pauta para julgamento, a prévia intimação do defensor não tem previsão legal nem regimental, sendo que a impetração deve ficar atenta ao andamento da ordem. II. Exige-se concreta motivação para o decreto de prisão preventiva, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. III. A mera alusão genérica à existência de indícios de materialidade e autoria do delito, bem como à “gravidade objetiva do crime e a sua repercussão no meio social” não são suficientes para a manutenção da custódia excepcional. IV. Tratando-se de sentença de pronúncia, não se exige, de regra, nova motivação quanto à necessidade para a manutenção de prisão preventiva já decretada – desde que esta se mostre legal, ou seja, suficientemente motivada. V. Se tanto a prisão cautelar, quanto a pronúncia que a mantém, se mostram carentes de fundamentação quanto à necessidade da custódia, não há como subsistir a medida. VI. O simples fato de se tratar de crime hediondo não basta para que seja determinada a segregação. VII. Ordem parcialmente concedida a fim de revogar a prisão cautelar efetivada contra PAULO EDUARDO OLIVEIRA DE MESQUITA, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo Julgador de 1º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.” – cf. HC Nº 20.183/SP, 5a T., Rel. Min. Gilson Dipp, DJU 11.11.2002 (destaques nosso).

“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES (LANÇA-PERFUME). PRISÃO EM FLAGRANTE. REVOGAÇÃO, PELO TRIBUNAL A QUO, DO BENEFÍCIO DA LIBERDADE PROVISÓRIA. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 312, DO CPP. Não basta para a decretação da custódia cautelar a simples qualificação do delito como hediondo, devendo ser atendidos os requisitos do art. 312, do CPP, fundamentando a necessidade da prisão. Ordem concedida.” – cf. HC Nº 23.425/SC, 5a T., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 04.11.2002

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. REVOGAÇÃO DA LEI 8.072⁄90 PELA LEI 9.455⁄97. MATÉRIA NÃO APRECIADA NA INSTÂNCIA A QUO. PRISÃO EM FLAGRANTE. MANTIDA PELA DECISÃO DE PRONÚNCIA. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. I – A quaestio acerca da revogação da Lei de Crimes Hediondos pela Lei 9.455⁄97 não foi objeto de apreciação pelo Tribunal a quo, pelo que o recurso não merece ser conhecido neste ponto. II – O indeferimento do pedido de liberdade feito em favor de quem foi detido em flagrante deve ser concretamente fundamentado. A qualificação do crime como hediondo e a circunstância de o réu não residir no distrito da culpa (embora tenha residência fixa em outro Estado, bem como profissão definida), não tornam dispensável a fundamentação concreta para a denegação da liberdade provisória. (Precedentes). III – Ademais, a confirmação na pronúncia, da prisão anterior não torna, necessariamente, legítimo aquilo que como tal não o era. Recurso conhecido em parte e nessa extensão provido.” – – cf. RHC Nº 12.944/MG, 5a T., Rel. Min. Felix Fischer, DJU 04.11.2002 (destaques nosso).

Observe-se, aqui, que o entendimento construído pelo STJ procura analisar a vedação contida na LCH de uma forma mais ampla, na realidade sistematicamente confrontada com as demais normas legais atinentes à privação da liberdade da pessoa, sem que antes exista uma decisão condenatória transitada em julgado.

Neste contexto, não há como perder de vista a conclusão inarredável quanto à execepcionalidade de prisão anterior ao trânsito em julgado de um decreto condenatório, especialmente em face da garantia constitucional da inocência presumida. A regra, portanto, é que o acusado aguarde o julgamento da ação penal em liberdade ..!

Pois bem, em casos excepcionais e somente quando presentes os requisitos taxativamente previstos em lei (art. 312, CPP), seria legítima a prisão anterior à condenação criminal definitiva, o que, por outro lado, desfigura a vedação de liberdade provisória contida na LCH como uma espécie às avessas de prisão obrigatória do agente detido em flagrante delito.

Não me parece, assim, que o magistrado criminal possa negar eventual pedido de liberdade provisória de um acusado da prática de crime hediondo, simplesmente sustentando sua decisão no fato da LCH proibir a concessão de tal benefício. Isto porque, por óbvio, dita lei penal especial não possuía, como ainda não possui, qualquer força para afastar o juiz do dever constitucionalmente imposto de motivar suas decisões (art. 93, IX, CF).

A motivação das decisões judiciais, enquanto preceito de garantia do jurisdicionado contra os não raros abusos do Judiciário, exige, por sua vez, que tanto a decretação da custódia preventiva ou temporária, quanto a manutenção da prisão em flagrante delito sejam devidamente fundamentadas, com a indicação objetiva e precisa das circunstâncias que indicariam a necessidade da medida extrema, o que, consequentemente, só se mostra possível com a identificação de um ou mais dos requisitos previstos no art. 312 do CPP.

Vale, pois, ressaltar que aqueles que defendem a desnecessidade de fundamentação da decisão denegatória da liberdade provisória, ao mesmo tempo consideram absolutamente indispensável a motivação do decreto de prisão preventiva do acusado da prática de crime hediondo, o que leva à seguinte situação: caso preso em flagrante, o agente do delito hediondo deve permanecer detido durante todo o processo, já que a manutenção da custódia seria obrigatória em face da LCH, dispensando-se o juiz do dever de motivar sua decisão; do contrário, mesmo acusado de cometer idêntico delito, o agente só tem como ser preso antes de uma condenação definitiva, se houver uma decisão judicial devidamente fundamentada decretando sua prisão cautelar.

O entendimento que prega a validade da proibição de concessão de liberdade provisória pura e simplesmente em razão da norma contida na LCH, por certo, baseia-se numa interpretação restrita e isolada da lei, resultando, no fim de tudo, no absoluto desprezo para com a garantia da motivação das decisões judiciais, sem falar na ofensa ao preceito fundamental da presunção de inocência.

Em Mato Grosso, Estado em que vive e serve à Polícia Militar o Paciente, o brilhante emérito Des. Flávio José Bertin, leciona em seu trabalho monográfico de notória autoridade, premiado pelo Tribunal de Justiça desta Unidade Federada, defendendo a tese de que a vedação é inconstitucional, que:

A Lei nº 8.072/90, sem dúvida, é uma lei mal redigida, tosca, cheia de incongruências e não satisfaz os anseios da boa técnica legislativa, colocando em risco a própria atuação do sistema repressivo estatal, por equívocos contundentes, a exemplo dos seguintes:

inverte a valoração subjetiva da proteção da lei penal, colocando o patrimônio e outros bens da vida em posição nitidamente superior à vida, bem maior de todos, protegido inclusive constitucionalmente (art. 5º, caput);

invade competência material da CF ao vedar a fiança;

por outro lado, proíbe a fiança em hipóteses que, pelo Código de Processo Penal já não poderiam ser concedidas, de qualquer modo (a menor pena é de 06 (seis) anos, e o CPP só permite aos acusados de crimes cujas penas mínimas abstratamente sejam de até 02 (dois) anos de reclusão;

– nega a progressão prisional ao condenado por crime hediondo (art. 2º), nos seguintes termos: “§ 1º – A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”, embora tenha alterado o artigo 83, inciso V, do Código Penal, dando-lhe a seguinte redação: “V – cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza.”

– suprime garantia processual (liberdade provisória) dos acusados por crime de tráfico (art. 12, da Lei 6.368/76), quando este sequer é crime hediondo, nos termos postos pela lei em apreço (nº 8.072/90);

Essas críticas são oportunas e necessárias, pois como já explicitamos no item 3.a. desta, o endurecimento desmesurado das penas e das garantias processuais do cidadão, longe de ajudar a combater a criminalidade e a violência, pelo contrário, apenas a estimulam, a exemplo do que asseverou Monstequieu, também mencionado naquele item “A severidade das penas convém melhor ao governo despótico, cujo princípio é o terror, do que à monarquia ou à república, que tem por mola a honra e a virtude.” (O Espírito das Leis).

Aliás, não é demais aqui demonstrar o que asseverou Alberto Silva Franco, sobre a Lei 8.072/90, in verbis:

“As conseqüências de uma guerra, sem quartel, contra determinados delitos e certas categorias de delinquentes, serviram para estiolar direitos e garantias constitucionais e para deteriorar o próprio direito penal liberal, dando-se azo a incrível convivência, em pleno Estado Democrático de Direito, de um direito penal autoritário. Os sinais antiliberais, detectados na Lei nº 8.072/90, não constituem novidade: são reiterações de velhos agravos tendentes a destruir o arcabouço de um direito penal construído tão sofridamente nos últimos séculos e a suprimir garantias processuais já incorporadas na vida do cidadão.” (Crimes Hediondos, Editora RT, 1994, pág. 53).

O art. 2º, II, da Lei 8.072/90 e a vedação à liberdade provisória.

Como já salientado, embora a Lei dos Crimes Hediondos seja, por comando político fundamental da Constituição Federal, uma lei substantiva, o fato é que ela, transbordando de seus limites, adentrou na órbita processual penal e, espantosamente, suprimiu a garantia da contracautela da liberdade provisória, como se vê:

“ART. 2º – Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

II – fiança e liberdade provisória. “

Não se pode olvidar que a despeito da Lei nº 8.072/90 ter vedado a fiança, a própria CF já a vedava, o fato é que, conforme já explicitado no item 8 desta, a contracautela específica da liberdade provisória não foi proibida pelo texto constitucional:

Primeiro porque a própria CF já consagra o direito à liberdade provisória;

– segundo porque se a CF quisesse ter proibido essa contracautela, assim o teria dito expressamente;

– terceiro porque não há como admitir-se que se a CF vedou o minus (fiança) vedou, implicitamente o majus (liberdade provisória), porque as garantias afetas à liberdade interpretam-se ampliativamente, ao passo que as restritivas, restritivamente, além do que, como já consignamos no item 6 desta, ao contrário do que se afirma, a fiança, para o acusado, é que é um plus, um majus, com relação à liberdade provisória, pois esta admite discricionariedade, ao passo que aquela é um direito inconteste do réu.

– quarto porque tanto a prisão cautelar como a liberdade provisória são institutos processuais penais, afetos ao campo das medidas cautelares, e a expressão “quando a lei admitir”, consignada no art. 5º, LXVI, da CF, quer significar, como já examinamos no item 8, que a lei ordinária deverá regulamentar os requisitos específicos para a concessão da prisão e, por interdependência, da denegação da liberdade provisória, mas em momento algum vedar tal possibilidade por presunção, vale dizer, abstratamente.

É por essa razão que, em nosso entender, o art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90 é ofensivo ao art. 5º, LXVI, da Constituição Federal, por violação à supremacia material desta, pois não pode restringir direito à liberdade não querido pelo texto constitucional. Aplica-se, nesses casos, o princípio da tutela da liberdade e da liberdade como regra no processo, por nós já examinadas no item 8 desta.

Daí porque, em conclusão, somos que esse dispositivo legal (art. 2º, II, da Lei dos Crimes Hediondos) é materialmente inconstitucional.

Essas considerações, de per se, a nosso ver, já são causa suficiente para que qualquer juiz ou Tribunal conceda a liberdade provisória, se assim entender seja o caso, com arrimo no art. 310, do CPP, que é a norma legítima a ser aplicada, por estar em sintonia com os mandamentos constitucionais.

O que se verifica não é a gravitação sobre a polêmica sobre a constitucionalidade da vedação à liberdade provisória, mas é interpretar essa vedação conforme a Constituição, no sentido de haver ou não requisitos para a cautelaridade da segregação do Paciente, caso a caso. Em remate, façamos um cotejo da dicção legislativa infraconstitucional constante do art. 312 do CPP e a realidade expressa dos autos:

a) Não há risco ao regular desenvolvimento do processo penal: conforme se vê, apura-se que o Paciente não oferece nenhuma ameaça aos sujeitos processuais, tanto que as próprias testemunhas de acusação, declararam em juízo, por oportunidade da instrução pré-pronúncia, não se sentirem coartadas pelo Paciente. Até mesmo pelo estado de saúde combalido, nem pode mais oferecer nenhum risco a não ser à própria existência, se não tratado com o denodo de seus familiares. Ademais, compromete-se a permanecer afastado do meio social, repousando em sua própria casa, esperando ser visitado apenas por familiares e amigos íntimos.

b) Não há risco para a eventual aplicação da lei penal: jamais o Paciente esquivou-se do processo, tanto que expedida a ordem de prisão, recolheu-se espontaneamente, embora soubesse que iria ser recambiado para a Penitenciária do Pascoal Ramos em Cuiabá, oferecendo risco à vida, pelo fato de ser Coronel da Polícia Militar. Mesmo assim, com seus três filhos residentes em Cuiabá, morando junto à esposa num mesmo imóvel há mais de 20 anos, sediando todos os seus bens nessa mesma capital mato-grossense, recolheu-se sem obstrução e não seria agora que, enfraquecido, portador de tantas enfermidades, iria evadir-se do distrito da culpa. Entrega ao STJ, espontaneamente, original de PASSAPORTE, como mostra inequívoca que não tenciona esquvar-se da aplicação da lei penal.

c) Não há risco à manutenção pacífica da ordem pública: ao contrário, o Paciente é Coronel da Polícia Militar, portando variadas menções de bons préstimos à instituição que serve há mais de duas décadas. Uma vê recolhido em sua residência para tratamento oncológico, ainda que paliativo, jamais ameaçaria a ordem pública, porquanto deva ser considerado primário e de bons antecedentes que, efetivamente, é. Para tanto, junta certidões e folha completa de serviços prestados à Policia Militar, como certeza fática do que alega.

d) Os antecedentes e demais elementos autorizam a liberdade ou o albergue domiciliar para permanecer com a família por ocasião de desfecho do câncer que acomete o Paciente: juntada que está sobeja documentação médica que atesta extreme de dúvidas e visivelmente constatável, porta o Paciente diversos focos de câncer maligno, agravada a situação pela diabete e pelo hipotireoidismo. Por outro lado, agrega aos autos extensa folha de serviços, contando com comendas, cartas de recomendação, diplomas e menções honrosas militares. De todo o exposto, se não for pela escorreita folha de serviços prestados à sociedade mato-grossense, se não for pelas ótimas referências dos que conviviam com o coagido, se não for pela fixação de residência há mais de 20 anos, se não for pela primariedade e bons antecedentes, que seja pelo espírito de humanidade que mova o Superior Tribunal de Justiça a autorizar o Paciente a morrer em paz junto a sua família.

DA FORMULAÇÃO DE PEDIDOS: LIBERDADE CUSTODIADA OU CONVERSÃO DA SEGREGAÇÃO PARA PRISÃO DOMICILIAR.

Por tudo o que deduziu o Impetrante, juntando documentos, fotos e peças processuais aos autos, e ainda:

* Considerando o manifesto excesso de prazo não imputável à defesa e sim exclusivamente ao Judiciário Federal Mato-Grossense,

** Considerando o estado de saúde do Paciente, acobertado por tumores malignos de câncer, nas costas e próstata, além de diabetes e hipotiroidismo,

*** Considerando, por fim, ter sido decretada a prisão preventiva por juiz reconhecida e absolutamente incompetente:

1 – Seja deferida, liminarmente, a liberdade provisória ao Paciente, na conformidade do art. 310, Único, do Código de Processo Penal, considerando todas as condições a serem impostas, uma vez negada pelo julgado indigitado como coação bastante para este habeas corpus;

2 – Pelo princípio da eventualidade, uma vez desconsiderada a Liberdade Provisória Condicionada, seja convertida liminarmente ao Paciente sua segregação cautelar cumprida no Hospital Militar de Cuiabá, para prisão domiciliar, possibilitando ao Paciente uma passagem na paz dos seus mais chegados, considerando o tratamento médico meramente paliativo aos diversos câncer que o acometem;

3 – Colhidas as informações do E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região (com a cópia integral do decisório objurgado) ou mesmo dispensadas e, recebido o parecer ministerial, seja concedida PREFERÊNCIA ABSOLUTA ao Paciente no julgamento deste mandamus, pelo estado de saúde que se encontra, ao qual foi amplamente demonstrado com documentos, atestados e fotos;

4 – No mérito, seja conhecida e provida a petição inicial, os documentos internados nos autos e outros eventualmente juntados, confirmando-se a liminar já conferida ou, não sendo o caso, conceda provimento meritual ao presente habeas corpus;

Cuiabá, 28 de Dezembro de 2004.

EDUARDO MAHON

OAB/MT 6363

Rol de Documentos:

Grupo 01 – Laudos Médicos, Declarações Médicas e Exames complementares, fotos do Paciente internado na Policlínica da Polícia Militar em Cuiabá, MT.

Grupo 02 – Certidões Negativas Criminais, Financiamento de imóvel pela Caixa Econômica Federal;

Grupo 03 – Passaporte Original do Paciente.

Grupo 04 – Peças Processuais do procedimento anulado pelo TRF-1 – denúncia, alegações finais, decisão de pronúncia, recurso sentido estrito e suas razões;

Grupo 05 – Folha Completa de Serviços da Corporação Militar do Estado de Mato Grosso;

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