Lentidão das mudanças

Pacto do Judiciário não apresenta nenhuma inovação na área trabalhista

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27 de dezembro de 2004, 12h45

Em solenidade promovida em 15 de dezembro de 2004, foi anunciado o chamado “Pacto por um Judiciário mais rápido e republicano”, cujas atividades começavam com o envio de alguns projetos ao Congresso Nacional. Deste pacote de projetos, procuramos aqui, retratar e comentar sucintamente aqueles relativos ao Processo do Trabalho.

É possível que nos demais frutos deste “pacto”, haja alguma grande inovação, mas, na seara trabalhista, não se vê nada que constitua uma contribuição significativa para que o Judiciário se torne mais eficaz no atendimento aos jurisdicionados. Esta a impressão que nos fica no exame dos projetos a seguir descritos.

Juntada de documento em cópia não autenticada

A atual redação do artigo 830 da CLT é anterior aos tempos das cópias reprográficas e exige que o documento esteja “no original ou em certidão autêntica, ou quando conferida a respectiva pública-forma ou cópia perante o juiz ou Tribunal”. Tal rigidez tem servido a justificar absurdos, tais como não conhecer de recurso porque o comprovante de custas estava em xerocópia ou indeferir petição inicial desacompanhada de cópia autenticada de sentença normativa. A evolução da jurisprudência em direção à razoabilidade, tem minorado esta regra.

Com efeito, a autenticação das cópias pelos próprios advogados, já é institucionalizada no processo trabalhista, nos termos do item IX da Instrução Normativa n. 16 do Tribunal Superior do Trabalho (“Tais peças poderão ser declaradas autenticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal”). A rigidez da aplicação da redação do artigo 830 da CLT já vem sendo quebrada, também, nos documentos comuns às partes, como se inscreve na orientação jurisprudencial n. 36 do TST: “Documento comum às partes (instrumento normativo ou sentença normativa), cujo conteúdo não é impugnado. Validade mesmo em fotocópia não autenticada”.

Nesta linha, o projeto sugere uma nova e mais moderna redação para o dispositivo: “O documento em cópia oferecido para prova poderá ser declarado autêntico pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal. Parágrafo único. Impugnada a autenticidade da cópia, a parte que a produziu será intimada para apresentar cópias devidamente autenticadas ou o original, cabendo ao serventuário competente proceder à conferência e certificar a conformidade entre esses documentos.” (NR)

A proposta é correta e razoável, oficializando um passo adiante no tratamento da questão das cópias reprográficas. Tem um aspecto jurássico a prática que se vê por aqui e acolá no sentido de negar a entrega da prestação jurisdicional diante de copias não autenticadas. Assim, o projeto, em boa hora, promove a introdução de regra bem mais razoável do que aquela hoje em vigor.

Adequação dos prazos recursais

Há 34 anos que a Lei 5584/70 universalizou o prazo de oito dias para os recursos do processo trabalhista, mas, a redação da CLT não foi, ainda adaptada, e fala em prazo de dez dias, muito embora já derrogada pela lei mencionada. É adequada, portanto, a proposta de atualizar o texto celetizado, adaptando-o ao disposto na “lex posterius”.

A proposta do projeto limita-se a cumprir com tal “faxina” no texto celetizado: “Artigo 895, “…

I – das decisões definitivas ou terminativas das Varas e Juízos, no prazo de oito dias; e

II – das decisões definitivas ou terminativas dos Tribunais Regionais, em processos de sua competência originária, no prazo de oito dias, quer nos dissídios individuais, quer nos dissídios coletivos”.

Registre-se, apenas, que não nos parece boa técnica legislativa utilizar a dicotomia entre decisões definitivas ou terminativas porque tal terminologia é do âmbito doutrinário, não sendo insculpida no direito positivo.

Depósito prévio em ação rescisória

A redação do disposto no artigo 836 da CLT é um tanto estranha e tem dado margem, eventualmente, a grandes confusões. A expressão “é vedado aos órgãos de Justiça do Trabalho conhecer de questões já decididas” é de pobre técnica e no mínimo, ambígua, perdendo-se, aqui, a oportunidade de fazer a retificação. Com esta redação estapafúrdia sendo levada cegamente ao pé da letra, não haveria sequer necessidade de súmula vinculante.

A proposta do projeto cinge-se a lidar com o que concerne ao depósito para propositura de ação rescisória. A exigência do depósito prévio para instauração deste tipo de demanda, constante do Código de Processo Civil, vem sendo considerada inaplicável ao processo trabalhista. Esta facilidade criou o grave problema do abuso deste direito. Tornou-se comum propor ações deste tipo sem o mais leve fundamento, utilizando-a como sucedâneo recursal e atormentando os Exeqüentes.

Veja-se a nova redação proposta para o dispositivo: “Art. 836. É vedado aos órgãos da Justiça do Trabalho conhecer de questões já decididas, excetuados os casos expressamente previstos neste Título e a ação rescisória, que será admitida na forma do disposto no Capítulo IV do Título IX da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, sujeita ao depósito prévio de vinte por cento do valor da causa, salvo prova de miserabilidade jurídica do autor.”


O notório excesso no uso do instituto sugere como acertada a medida sugerida no projeto. A exigência será insuficiente, todavia, com a redação proposta, em face das peculiaridades das demandas trabalhistas. Ao invés do valor da causa, o depósito deveria ser calculado sobre o “valor atualizado do débito em execução”, conforme expressão utilizada em outro dos projetos.

Indicação de bens à penhora

As novidades propostas estão centradas na questão da indicação de bens à penhora. Esta manifestação torna-se um ônus processual do Executado e não mais, uma faculdade que lhe é deferida, devendo ser atendida com boa fé, sob pena de severas penalidades. Assim, se o devedor não fizer a indicação, verá precluso o seu direito de questionar a sentença de liquidação ou a execução.

Outra novidade está na possibilidade de indicar a penhora bens insuficientes para satisfação do crédito. Corretamente, ela vem acoplada com a penalidade de que, se mais tarde, vier a ser constatado que o devedor agiu de modo desonesto, sofrerá uma multa que deverá ser acrescida ao crédito do exeqüente.

Veja-se a nova redação proposta

“Art. 880. Requerida a execução, o juiz mandará expedir mandado de citação ao executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou, em se tratando de pagamento em dinheiro, incluídas as contribuições sociais devidas ao INSS, para que pague em quarenta e oito horas ou garanta a execução mediante depósito ou nomeie bens aptos a garanti-la, na ordem estabelecida pelo art. 655 do Código de Processo Civil, ainda que estes sejam insuficientes para o pagamento integral da importância reclamada.

§ 1o No mandado de citação deverá constar a decisão exeqüenda ou o termo de acordo não cumprido, com a advertência de que a não-observância pelo executado do disposto no caput implicará a preclusão do direito de impugnar a sentença de liquidação ou a execução, ressalvados, quanto a esta, vícios na constrição de bens.

§ 4o Se o executado nomear bens insuficientes para a garantia da execução e, no curso do processo, for constatada a existência de outros bens, incidirá em multa de dez a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução.”(NR)

Como conseqüência, é proposta, também, a adequação do artigo 884, limita-se a adaptar o dispositivo para fazer face à nova redação proposta para o artigo 880, no que tange à idéia de penhora de bens insuficientes para satisfação do crédito:

“Art. 884. Garantida a execução ou penhorados os bens, ainda que em valor insuficiente para o pagamento integral da importância reclamada, terá o executado cinco dias para apresentar embargos, cabendo igual prazo ao exeqüente para impugnação”.

Embargos no Tribunal Superior do Trabalho

As propostas de modificação da sistemática recursal no Tribunal Superior do Trabalho, centram-se na pretensão de eliminar a possibilidade de recurso fundado na violação “preceito de lei federal ou da Constituição da República“. A idéia não nos parece correta, eis que, a pretexto de eliminar recursos desnecessários, tende ao engessamento da jurisprudência. Num tribunal que tem revogado dezenas de suas súmulas, enunciados e orientações, tal medida é extremamente perigosa. Ao demais, inviabiliza o acesso ao Supremo Tribunal Federal no caso da violação da CF. Num Tribunal que apresenta a marca de promover decisões baseadas em argumentos de autoridade, sem a adequada fundamentação, é preocupante que se estipule este tipo de limitação.

Veja-se a redação proposta.

“Art. 894. Cabem embargos para o Tribunal Superior do Trabalho, no prazo de cinco dias:

I – de decisão não unânime de julgamento que:

a) conciliar, julgar ou homologar conciliação em dissídios coletivos que excedam a competência territorial dos Tribunais Regionais do Trabalho e estender ou rever as sentenças normativas do Tribunal Superior do Trabalho, nos casos previstos em lei; e

b) julgar as ações rescisórias propostas contra suas sentenças normativas;

II – das decisões das Turmas que divergirem entre si, ou das decisões proferidas pela Seção de Dissídios Individuais, salvo se a decisão recorrida estiver em consonância com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal”.

A recente revogação da orientação jurisprudência 320 da SDI-I do TST, demonstra a necessidade de que seja possível aos demandantes questionar os enunciados. A redação proposta no projeto não deixa nenhuma brecha neste sentido.

Anote-se que, ainda neste tema, o projeto propõe, ainda, a adaptação, no mesmo sentido, das disposições da Lei 7701/88 que, também, operam no mesmo terreno:


“A alínea “b” do inciso III do art. 3o da Lei no 7.701, de 21 de dezembro de 1988, passa a vigorar com a seguinte redação: “b) os embargos das decisões das Turmas que divergirem entre si, ou das decisões proferidas pela Seção de Dissídios Individuais”.

Recurso de Revista

As propostas vertidas no projeto relativo ao recurso de revista, giram em torno, também, da limitação recursal, fixando-se nos seguintes pontos:

a) eliminação completa do recurso de revista em execução;

b) vedação do recurso de revista em causas de valor inferior a sessenta salários mínimos;

c) supressão do recurso de revista por divergência jurisprudencial a respeito de sentença normativa, o qual será substituído por incidente de uniformização de jurisprudência.

A hipótese de recurso de revista em execução, atualmente, ainda é admitida, embora restrita ao caso de violação da norma constitucional. No entanto, tal permissivo, somente tem servido a alavancar a procrastinação da execução e é explicável que se pretenda sua supressão. É extremamente sedutor eliminar este fator de morosidade, até porque é muito dificilmente pensável uma hipótese de ofensa direta à CF numa decisão de execução. No entanto, tal caso pode ocorrer, ainda que raramente, e seria melhor manter o permissivo da utilização do recurso de revista nesta fase, desde que, severamente apenado em caso de que não seja conhecido.

A norma atual limita os permissivos para o recurso de revista em procedimentos sumaríssimos, enquanto que o projeto estende este tratamento para a alçada de sessenta salários mínimos e veda integralmente tal inconformidade dentro destes limites. Não nos parece saudável tal restrição e entendemos que deveria ser mantida a redação do atual par. 6º, ainda que com a extensão para sessenta salários mínimos. Não vemos fundamento em limitar o acesso à Justiça a um demandante porque sua causa é de pequeno valor.

Veja-se os termos do projeto para o artigo 896:

b) derem ao mesmo dispositivo de lei estadual, de observância obrigatória em área territorial que exceda a jurisdição do Tribunal prolator da decisão recorrida, interpretação divergente na forma da alínea “a”;

….

§ 2º Das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho ou por suas Turmas, em execução de sentença, inclusive em processo incidente de embargos de terceiros, não caberá recurso de revista.

§ 6º Não cabe recurso de revista das decisões proferidas nas causas de valor inferior a sessenta salários mínimos.

§ 7º Configurada divergência entre tribunais regionais do trabalho na interpretação de regulamento de empresa, de sentença normativa ou de convenção ou acordo coletivo, a parte interessada poderá suscitar perante a Seção de Dissídios Individuais, incidente de uniformização de jurisprudência, facultada a reclamação para preservar a autoridade da decisão proferida.” (NR)

Depósito recursal

Há aqui uma questão técnica um tanto incongruente porque o projeto propõe nova redação para o artigo 899 da CLT, mas, é formulado como acréscimo de um artigo sob o número 899-A. Admitindo que a idéia por detrás deste detalhe, estaria em reformar o artigo mencionado, é que podemos apreciar o que é sugerido.

Essencialmente, o que se busca tornar mais pesado é o depósito em garantia de recurso que passa a ser efetuado até o valor correspondente a sessenta salários mínimos em recurso ordinário e, cem salários mínimos, em caso de recurso de revista.

Veja-se a nova redação que é proposta pelo projeto:

“Art. 899-A.

Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora.

§ 1º Havendo condenação, nos dissídios individuais, só será admitido o recurso, inclusive o extraordinário, mediante prévio depósito da respectiva importância, que não excederá os limites de sessenta salários mínimos, para o recurso ordinário, e de cem salários mínimos para o recurso de revista e recursos posteriores.

§ 2º Tratando-se de condenação de valor indeterminado, o depósito, sempre a cargo do empregador, corresponderá ao que for arbitrado, para efeito de custas, pela vara ou juízo de direito ou pelo Tribunal Regional, respeitados os limites de que trata o § 1º.

§ 3º Os depósitos de que tratam os §§ 1º e 2º far-se-ão na conta vinculada do empregado a que se refere o art. 15 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, aplicando-se-lhes os preceitos dessa Lei.

§ 4º Se o empregado ainda não tiver conta vinculada aberta em seu nome, a empresa procederá à respectiva abertura.

§ 5º Transitada em julgado a decisão recorrida, ordenar-se-á o levantamento imediato do valor devido, em favor da parte vencedora, por simples despacho do juiz.” (NR)

Em conclusão:

Existem vários pontos razoáveis nestes projetos, muito embora não haja em seu bojo qualquer perspectiva de revolucionar a sistemática celetista.

O ponto negativo no pacote de propostas é a restrição das hipóteses de recurso. Seja no TST em caso de afronta à lei federal ou a norma constitucional, seja nos Regionais, quanto a causas de menor valor.

Parece-nos que os pontos negativos em termos de redução do acesso à Justiça, são maiores que os pontos pretensamente positivos em termos de diminuição da litigiosidade recursal.

A busca da celeridade através da supressão de possibilidades de defesa desembarca em medidas que resolvem problemas de julgadores que se vêem às voltas com o excesso de feitos, mas, não resolvem os problemas dos jurisdicionados que estão em busca de melhor prestação jurisdicional.

No fim de contas, a impressão que nos fica é que o Poder Judiciário, nesta linha, não vai se tornar nem mais rápido e nem mais republicano. O Tribunal Superior do Trabalho, exclusivamente, é que vai ficar mais rápido porque vai receber menos processos.

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