A ciranda dos precatórios

Governo deixa de pagar quase R$ 5 bi em precatórios impugnados

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24 de dezembro de 2004, 9h40

O não pagamento de dívidas judiciais vem se tornando uma das principais fontes de economia para o ajuste das contas públicas do governo federal. Só para se ter uma idéia, entre janeiro e setembro deste ano, a Advocacia Geral da União (AGU) conseguiu impedir que o governo pagasse mais de R$ 4,47 bilhões em precatórios. O número é expressivo diante de um montante de R$ 6,48 bilhões que foram cobrados judicialmente da União nesse período.

Se a conta for feita levando em consideração apenas o terceiro trimestre do ano, a economia é, proporcionalmente, ainda maior. Nesses meses, a AGU impugnou a cobrança de R$ 2,4 bilhões — o que equivale a quase 73% das execuções judiciais do mesmo período.

O montante economizado não é pouco. Recentemente o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, anunciou que entre os meses de janeiro e setembro o superávit fiscal do país (equação das receitas menos as despesas, excluindo os juros), ultrapassou os R$ 12 bilhões — acima da meta acordada com o Fundo Monetário Internacional.

Os números apresentados pela AGU podem ser ainda maiores se forem incluídos os processos provenientes do INSS, do Banco Central, do Incra e os tributos da Fazenda Nacional. Os mais de 23,8 mil casos investigados pela Advocacia dizem respeito a precatórios supostamente superfaturados. E isso porque ainda não foram fechados os números relativos ao último trimestre do ano, quando a quantidade de ações também costuma ser alta.

Desde que o acompanhamento sistemático das ações teve início em 1995 até agora, a União deixou de pagar mais de R$ 33 bilhões, ou 67,4% do total executado.

“Indecente”

Para o advogado tributarista Eduardo Diamantino, a situação, ao contrário do que propaga o governo, não merece comemoração. “Vejo tudo isso com muita tristeza. Só não é engraçado porque é indecente. O que me irrita mais ainda é ver a alegria e orgulho com que eles passam esses dados”, reclama.

Na avaliação de Diamantino, a União usa critérios meramente quantitativos para impedir a cobrança dos precatórios. “Eles escolhem as dívidas maiores para pedir a impugnação. Contestam cálculos que já foram feitos dezenas de vezes apenas para protelar o pagamento do precatório. Formalmente até está perfeito, mas, na prática, continuam devendo. É uma atitude extremamente sórdida. Agem com a filosofia do ‘devo, não nego, pago quando puder’. O problema não é jurídico, mas o governo usa o Judiciário para ajustar suas contas”, ataca.

O advogado diz que os pedidos de recálculos a partir do apontamento de erros materiais não passam de um mecanismo criado pelo próprio governo para deixar de cumprir suas obrigações. “Foi uma artimanha criada pelo Fernando Henrique Cardoso e perpetuada pelo Lula. Não há processo de cobrança de precatório que não tenha tramitado por, pelo menos 10 anos e, no mínimo, em três instâncias. Ou seja, houve tempo mais do que suficiente para questionar os cálculos”, completa.

Para o presidente do Madeca (Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores do Poder Público), Felipo Scolari, é preciso haver mais critérios para definir o pagamento dos precatórios, a fim de que o dinheiro público não seja usado indevidamente. “Há muitos casos de desapropriações que, no primeiro momento foram super avaliadas. Por isso, se há erro material ele deve ser reexaminado O dinheiro público é de todos nós, vem dos impostos que nós pagamos, por isso, tem de ser tratado com parcimônia”.

Scolari acredita, no entanto, que as contestações por parte do Poder Público devem estar bem fundamentadas. “É preciso delimitar bem se houve vício ou intenção de dolo para se exigir o recálculo das dívidas, senão, a todo o momento usarão isso par não pagar ou prorrogar. Por outro lado, a coisa julgada é sagrada”, afirma.

O advogado avalia que o problema maior ocorre na esfera federal. “No estado e no município de São Paulo não há muitas contestações”, destaca.

Se, numa ponta, o governo tem obtido êxito na impugnação de cobranças judiciais, na outra o sucesso não tem sido o mesmo quando o próprio governo é quem sai atrás de seus devedores. O Departamento de Cálculos e Perícias da AGU informa que no terceiro trimestre deste ano, a União cobrou R$ 36,7 milhões, sendo R$ 9,9 milhões relativos a honorários advocatícios e R$ 26,7 milhões a indenizações. Desse total, a Secretaria da Receita Federal afirma que só recolheu R$ 1,9 milhão nos nove primeiros meses deste ano. Esse baixo percentual não preocupa tanto a União, que tem registrado consecutivos recordes na arrecadação de impostos e tributos.

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