Sombra na Luz

Fundação Roberto Marinho terá de explicar obras na Estação da Luz

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21 de dezembro de 2004, 17h44

As obras de reforma da Estação da Luz, uma das mais antigas da rede ferroviária da cidade de São Paulo, estão sendo contestadas pelo Ministério Público Federal. Na tarde da última segunda-feira (20/12), as procuradoras Adriana Zawada Melo e Rosane Cima Campiotto protocolaram na Justiça Federal de São Paulo uma Ação Civil Pública para que os trabalhos sejam paralisados e se inicie a recuperação da arquitetura original da obra.

O juiz federal Marcelo Guerra recebeu a ação do MP e deu prazo de 72 horas para que as secretarias de Cultura da cidade e do estado de São Paulo apresentem suas explicações. A Fundação Roberto Marinho ainda não foi notificada, mas também terá de se explicar. Só após a manifestação dos envolvidos na obra, é que o juiz decidirá se concede ou não a liminar suspendendo o andamento dos trabalhos.

O MP acusa a Fundação Roberto Marinho, patrocinadora da obra, de estar “destruindo e mutilando” a estação, que é tombada pelo Patrimônio Histórico. A denúncia se refere à construção do projeto “Estação Luz da Nossa Língua”, que prevê a instalação de auditório, galeria multimídia, acervo digital e sala de capacitação para professores com o objetivo de valorizar a língua portuguesa e aproveitar o grande fluxo de pessoas que todos os dias passa pela Estação da Luz.

O local, recentemente, recebeu obras do governo do estado de São Paulo para a integração entre os trens da CPTM e do Metrô. Esse trabalho também é contestado pelo MP, mas a solução, neste caso, parece estar mais próxima.

A procuradora Rosane Campiotto afirma que os trabalhos feitos nos prédios administrativos da estação vêm desfigurando completamente a arquitetura e o traçado original. “Para construir os elevadores, arrancaram pisos e forros, além de uma parte do telhado. Estão, inclusive, destruindo paredes onde foram encontradas pinturas artísticas que datam da inauguração da Estação da Luz, em 1900”, ressalta.

A procuradora disse à revista Consultor Jurídico que as obras na estação contrariam todos os laudos iniciais desenvolvidos pelos institutos de patrimônio histórico da União, do estado e da cidade de São Paulo. Ela aponta pressões políticas e interesses empresariais para que a obra tivesse continuado. “No início do projeto, os três órgãos [de preservação do patrimônio histórico] foram contra. Ao longo do tempo eles passaram a liberar, aos poucos, vários pontos da proposta. Hoje, praticamente todo o projeto que havia sido rejeitado de início, está sendo realizado”, comenta.

Rosane lembra que o conselho do Instituto de Patrimônio Histórico da prefeitura de São Paulo aprovou o projeto, contrariando a manifestação dos técnicos do instituto que alegaram incompatibilidade da proposta com a preservação do local.

Ação e reação

A assessoria de imprensa da Fundação Roberto Marinho rebate as acusações do MP. De acordo com a fundação, o projeto que está sendo executado foi aprovado pelos três órgãos oficiais de preservação do patrimônio histórico e não é o mesmo que foi apresentado inicialmente.

A entidade lembra que há 25 anos vem realizando trabalhos de restauração em todo o país e tem respeitado o consenso dos órgãos de preservação. O trabalho que hoje é feito na Estação da Luz, segue, de acordo com a fundação, a arquitetura do prédio em 1949. Neste ano ele passou por um processo de restauração e reforma, já que em 1947 um incêndio destruiu parte do prédio.

A procuradora Rosane Campiotto, no entanto, diz que uma das alas que mais vem sofrendo alterações em relação à sua forma original é a ala oeste, que não foi prejudicada com o incêndio de 1947.

O gerente jurídico da Fundação Roberto Marinho, Cláudio Vasconcelos, informou que a entidade ainda não foi notificada oficialmente sobre a Ação Civil Pública. “Estamos tranqüilos para responder tudo com a maior transparência. Até porque estamos cobertos legalmente pela aprovação dos três órgãos de preservação do patrimônio histórico. Do que está sendo feito na Estação da Luz, não há uma vírgula que não tenha sido exaustivamente discutida”, comentou.

Outros entraves

Essa não é a primeira reclamação do MP contra as obras na Estação da Luz. Desde o ano passado uma discussão em torno da cor que vem sendo utilizada na reforma do prédio é alvo de debates. O MP reclama que a cor não é a mesma que a original.

No caso com a CPTM e o Metrô, na parte interna da estação, a procuradora informa que o MP está próximo de firmar um Termo de Ajustamento de Conduta. A reclamação é que o trabalho executado no local é de má-qualidade. “Ali está parecendo um mosaico: um tijolo de cada cor. Uma coisa medonha”, afirma Rosane.

Leia a inicial da ACP

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ª VARA CÍVEL DA JUSTIÇA FEDERAL DA 1ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO


“A desproteção de um bem cultural aniquila as raízes formadoras de uma nação. Apunhala o povo na forma mais severa, não só a sua dignidade humana (também princípio fundamental da República) como também extirpa a própria identidade personificada do meio em que se vive”, Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues(1).

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela Procuradora da República signatária, vem à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 129, III e 216, ambos da Constituição Federal, no artigo 6º, inciso VII, alínea b, da Lei Complementar n.º 75/93 e na Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal n.º 7.347/85), propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

(com pedido de liminar)

em face do

– INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN), autarquia federal, com sede à SBN Quadra 2, Edifício Central Brasília, Brasília – DF, CEP 70040-904, a ser citada na pessoa de seu Presidente,

– Estado de São Paulo (Secretaria de Estado da Cultura), pessoa jurídica de direito público interno, que deverá ser citada na pessoa de um dos seus representantes legais,

– Município de São Paulo (Secretaria Municipal de Cultura), pessoa jurídica de direito público interno, que deverá ser citada na pessoa de um dos seus representantes legais,

– FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, pessoa jurídica de direito privado, com endereço à Rua Santa Alexandrina, 336 – Rio Comprido – Rio de Janeiro / RJ, que deverá ser citada na pessoa de seu Presidente, José Roberto Marinho (Doc. 1).

pelos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir delineados.

1 – PREAMBULARMENTE:

1.1 – DA COMPETÊNCIA FEDERAL:

É cediço que, em figurando na causa uma entidade autárquica federal, a competência será da Justiça Federal, em consonância com o que determina o art. 109, I, da Constituição Federal, verbis:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”. (grifo nosso).

Nesta ação o pólo passivo é integrado pelo IPHAN, autarquia federal, entre outros.

Ademais, o patrimônio histórico-cultural, que por meio desta ação civil pública busca-se proteger, é bem tombado no âmbito federal, pelo IPHAN, constituindo assim, a teor do artigo 216 da Carta Magna em vigor, patrimônio cultural brasileiro.

Indiscutivelmente, pois, o foro competente para o processamento e julgamento da presente ação é o da Justiça Federal em São Paulo, por cuidar a mesma da preservação do patrimônio histórico-cultural nacional, precisamente na cidade de São Paulo, onde está sendo posto em risco.

1.2 – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:

A legitimidade do Ministério Público para a propositura de Ação Civil Pública decorre da própria Constituição Federal que, em seu artigo 129, III, estabelece que, in verbis:

“São funções institucionais do Ministério Público:

(…)

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

No mesmo sentido é a regra contida no artigo 5°, da Lei 7347/85, segundo a qual a Ação Civil Pública pode ser intentada, dentre outros legitimados, pelo Ministério Público.

Outros instrumentos normativos infraconstitucionais fortalecem as atribuições ministeriais, havendo, por conseguinte, uma série de previsões legais que conferem ao Ministério Público o poder-dever de resguardo ao patrimônio histórico-cultural, ex vi do artigo 5º, III da Lei Complementar 75/93.

Ademais, a Lei n.º 7347/85 contempla, dentre os bens tutelados e amparáveis por meio da ação civil pública, o patrimônio cultural, eis que o artigo 1°, inciso III prevê a proteção “aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico , turístico e paisagístico”.

Patente, pois, a legitimidade do Ministério Público Federal para o manejo desta Ação Civil Pública.

1.3 – DA LEGITIMIDADE PASSIVA:

1.3.1 – Do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN:

Atualmente o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, tem natureza jurídica de autarquia.

Porém, quando de sua criação, em 1937, era órgão pertencente a estrutura do Ministério da Educação e Saúde Pública.

Com efeito, através da Lei n.º 378, de 13 de janeiro de 1937 (art. 46), foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cuja função era “promover, em todo o País, e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional”.


Posteriormente, por meio do Decreto-Lei n.º 8.534, de 02 de dezembro de 1946, o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional passou a constituir a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, também subordinada ao Ministério da Educação e Saúde. Referida Diretoria tinha por fim, segundo o art. 2º, do mencionado Decreto-Lei, “inventariar, classificar, tombar e conservar monumentos, obras, documentos e objetos de valor histórico e artístico existentes no País”.

Em 27 de julho de 1970, com a edição do Decreto n.º 66.967, de 27 de julho de 1970, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional passou a denominar-se Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

O Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, transformou-se, então, na Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, por meio do Decreto n.º 84.198, de 13 de novembro de 1979.

Por força da Lei n.º 8029, de 12 de abril de 1990 (art. 2º, inciso II) foi, então, criado o Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural – IBPC, ao qual foram transferidas as competências, o acervo, as receitas e dotações orçamentárias da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, tendo por finalidade a “promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro nos termos da Constituição Federal especialmente em seu artigo 216”.

Em seguida, com o advento da Lei 8113, de 12 de dezembro de 1990, foi atribuída a natureza jurídica de autarquia ao Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural – IBPC.

Com a edição da Medida Provisória n.º 752, de 1994, o IBPC – Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, passou a denominar-se Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, mantida a sua competência e natureza jurídica.

Referida Medida Provisória foi convalidada, por força do artigo 64 da Lei 9649, de 27 de maio de 1998.

Mais recentemente, com a edição do Decreto n.º 2807, de 21 de outubro de 1998, foi aprovada a Estrutura Regimental do IPHAN.

Segundo o artigo 2º, do Anexo I, do mencionado Decreto, o IPHAN tem por finalidade:

“(…) pesquisar, promover, fiscalizar e proteger o patrimônio cultural brasileiro, nos termos da Constituição e, especialmente:

I – formular e coordenar a execução da política de preservação, promoção e proteção do patrimônio cultural, em consonância com as diretrizes do Ministério da Cultura;

II – formular e promover programas de cooperação técnica e aperfeiçoamento de recursos humanos para conservação e preservação do patrimônio cultural;

III – desenvolver estudos e pesquisas, visando à geração e incorporação de metodologias, normas e procedimentos para conservação e preservação do patrimônio cultural;

IV – promover a identificação, o inventário, a documentação, o registro, a difusão, a vigilância, o tombamento, a desapropriação, a conservação, a restauração, a devolução, o uso e a revitalização do patrimônio cultural;

V – exercer os poderes discricionário e de polícia administrativa para proteção do patrimônio cultural brasileiro;

VI – aplicar as penalidades previstas na legislação de proteção ao patrimônio culturaI;

VII – exercer as competências estabelecidas no Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, no Decreto-Lei nº 3.866, de 29 de novembro de 1941, na Lei nº 4.845, de 19 de novembro de 1965 e na Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961″. (grifos nossos).

Assim, dentre as várias funções acometidas ao IPHAN, está o exercício das competências estabelecidas no Decreto-Lei n.º 25, de 30 de novembro de 1937.

Foi através do Decreto-lei n.º 25, de 30 de novembro de 1937, que foi disciplinada a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.

Cabe ao IPHAN, portanto, a vigilância permanente aos bens que foram objeto de tombamento, a fim de que o patrimônio histórico e artístico nacional seja preservado.

2. Do Estado de São Paulo:

Dispõe o artigo 23, incisos III e IV, da Magna Carta, que constitui competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios:

“III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural” (grifos nossos).

Por seu turno, a Constituição do Estado de São Paulo, no seu artigo 261, estabeleceu que:

“Artigo 261: O Poder Público pesquisará, identificará, protegerá e valorizará o patrimônio cultural paulista, através do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, CONDEPHAAT, na forma que a lei estabelecer”. (grifo nosso).


Referido órgão de preservação – CONDEPHAAT, consoante Lei Estadual nº 10.247/68, é diretamente subordinado à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.

Nos termos do artigo 2º da Lei Estadual 10.247/68:

“Art. 2º: Competirá ao Conselho a adoção de todas as medidas para a defesa do patrimônio histórico, artístico e turístico do Estado, cuja conservação se imponha em razão de fatos históricos memoráveis, do seu valor folclórico, artístico, documental ou turístico, bem assim dos recantos paisagísticos, que mereçam ser preservados”. (Grifo nosso).

De acordo com o artigo 14, do Decreto Estadual n.º 20.955 de 1º de julho de 1983, que reorganizou a Secretaria de Estado da Cultura, o CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo) compreende: o órgão Colegiado, o Serviço Técnico de Conservação e Restauro, a Seção Técnica-Auxiliar e a Seção de Administração.

Dentre as atribuições legais acometidas ao órgão Colegiado do CONDEPHAAT, previstas no artigo 169 do referido Decreto, encontra-se a função de “determinar a elaboração de projetos e a execução de obras de conservação e restauração de que necessitem os bens públicos ou particulares de valor histórico, arqueológico, artístico ou turístico”.

Por outro lado, ao Serviço Técnico de Conservação e Restauro do CONDEPHAAT compete, nos termos do artigo 173 do mencionado Decreto:

“I – planejar, coordenar e supervisionar as atividades de conservação e restauro; II – verificar as urgências e prioridades para restauração do patrimônio; III – propor a contratação de especialistas em restauração de obras de arte, arquitetura em geral, obras de madeira e pinturas; IV – acompanhar a execução dos trabalhos contratados; V – por meio da Seção de Projetos, elaborar anteprojetos para atender a trabalhos de restauro e conservação de monumentos, construções e sítios tombados; VI – por meio da Seção de Restauro, executar ou supervisionar os trabalhos de restauração de obras de arte que façam parte do patrimônio tombado”.

Assim, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo – CONDEPHAAT – é o órgão estadual responsável pela identificação, classificação, restauração e preservação dos bens móveis e imóveis existentes no território do Estado de São Paulo, e que integram o patrimônio histórico, arqueológico, artístico e turístico.

3. Do Município de São Paulo:

Nos termos do artigo 30, inciso IX, da Constituição Federal, compete aos Municípios:

“IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”. (grifo nosso).

Ademais, conforme estabelece a Lei Orgânica do Município de São Paulo, nos artigos 192, 194, 195 e 197:

“Art. 192 – O Município adotará medidas de preservação das manifestações e dos bens de valor histórico, artístico e cultural, bem como das paisagens naturais e construídas, notáveis e dos sítios arqueológicos.

Parágrafo único – O disposto neste artigo abrange os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente, ou em conjunto, relacionados com a identidade, a ação e a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade, incluídos:

(…)

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados à manifestações culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico, científico, turístico e arquitetônico;

VI – as conformações geomorfológicas, os vestígios e estruturas de arqueologia histórica, a toponímia, os edifícios e conjuntos arquitetônicos, as áreas verdes e os ajardinamentos, os monumentos e as obras escultóricas, outros equipamentos e mobiliários urbanos detentores de referência histórico-cultural.

Art. 194 – O Poder Municipal providenciará, na forma da lei, a proteção do patrimônio histórico, cultural, paisagístico e arquitetônico, através de:

I – preservação dos bens imóveis, de valor histórico, sob a perspectiva de seu conjunto;

II – custódia dos documentos públicos;

III – sinalização das informações sobre a vida cultural e histórica da cidade;

IV – desapropriações;

V – identificação e inventário dos bens culturais e ambientais;

Parágrafo único – A lei disporá sobre sanções para os atos relativos à evasão, destruição e descaracterização de bens de interesses histórico, artístico, cultural, arquitetônico ou ambiental, exigindo a recuperação, restauração ou reposição do bem extraviado ou danificado.

Art. 195 – O Município estimulará, na forma da lei, os empreendimentos privados que se voltem à criação artística, à preservação e restauração do patrimônio cultural e histórico.

Art. 197 – As obras públicas ou particulares que venham a ser realizadas nas áreas do centro histórico de São Paulo e em sítios arqueológicos, nas delimitações e localizações estabelecidas pelo Poder Público, serão obrigatoriamente submetidas ao acompanhamento e orientação de técnicos especializados do órgão competente.” (grifos nossos).


A proteção do patrimônio histórico-cultural em âmbito municipal se dá através da atuação do CONPRESP – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade de São Paulo, órgão colegiado, vinculado à Secretaria Municipal de Cultura, criado pela Lei Municipal nº 10.032, de 27 de dezembro de 1985, alterada posteriormente Lei Municipal n.º 10.236, de 16 de dezembro de 1986.

De acordo com o artigo 2º, da Lei Municipal n.º 10.032/85, são atribuições do CONPRESP, dentre outras:

“III – formular diretrizes a serem obedecidas na política de preservação e valorização dos bens culturais;

(…)

VI – quando necessário, opinar sobre planos, projetos e propostas de qualquer espécie referentes à preservação de bens culturais e naturais;

(…)

VII – promover a estratégia de fiscalização da preservação e do uso dos bens tombados;

(…)

XI – quando necessário e em maior nível de complexidade manifestar-se sobre projetos, planos e propostas de construção, conservação, reparação, restauração e demolição, bem como sobre pedidos de licença para funcionamento de atividades comerciais ou prestadoras de serviços em imóveis situados em local definido como área de preservação de bens culturais e naturais, ouvido o órgão municipal expedidor da respectiva licença”. (grifos nossos).

Além disso, conforme artigo 3º, da Lei Municipal n.º 10032/85, com as alterações realizadas pela Lei Municipal n.º 10236/86, o Conselho é composto por 9 membros, nomeados pelo Prefeito, com mandato de 3 anos, sendo permitida a recondução, sendo composto por: um representante da Secretaria Municipal de Cultura; o Diretor do Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura; um Vereador, preferentemente o Presidente da Comissão de Cultura da Câmara Municipal de São Paulo; um representante da Secretaria de Negócios Jurídicos; um representante da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano; um representante da Secretaria Municipal de Planejamento; um representante do Instituto de Arquitetos do Brasil – Seção de São Paulo; um representante da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo e um representante do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – Seção de São Paulo.

Por outro lado, dispõe o artigo 18, da referida Lei Municipal, que o órgão técnico de apoio do CONPRESP é o DPH – Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura – a qual cabe, dentre outras funções, fornecer os subsídios técnicos que forem necessários ao Conselho e encaminhar proposições e estudos atinentes à questão da preservação, para deliberação daquele Colegiado.

4. Da Fundação Roberto Marinho:

A Fundação Roberto Marinho é a proponente do “Projeto Estação Luz da Nossa Língua”, a ser efetivado no Edifício Administrativo da Estação da Luz.

Ocorre que, como adiante se demonstrará, referido Projeto prevê uma série de adaptações arquitetônicas, que implicam na descaracterização, destruição e/ou mutilação de um bem que foi tombado nos níveis federal, estadual e municipal.

4. A ESTAÇÃO DA LUZ E O SEU TOMBAMENTO:

Antes de se adentrar ao exame dos fatos que constituem objeto da presente ação, é mister que se faça um breve retrospecto da história da Estação da Luz, para a exata compreensão do seu significado histórico e arquitetônico, o que justifica a sua preservação como monumento.

O início da fase de expansão ferroviária no Brasil, ocorrido em meados do século XIX, foi marcado pela presença de profissionais estrangeiros, na sua maioria britânicos, que eram os responsáveis pela elaboração dos projetos.

Até então, o desenvolvimento do país enfrentava uma grande dificuldade, uma vez que o transporte dos produtos agrícolas do interior para o litoral, especialmente o café, era dificultado pela grande cadeia de montanhas que separava o planalto dos portos exportadores.

Visando minimizar esse problema, em 1860, o Governo Imperial fez uma concessão para a construção da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí à São Paulo Railway (SPR), empresa constituída em Londres, com incentivos do Barão de Mauá, que, de acordo com os termos do Decreto Imperial n.º 1759, de 26 de abril de 1856, teria o privilégio de uso e gozo da ferrovia pelo prazo de 90 anos.

A concessão realizada compreendia, ainda, alguns outros benefícios, além do prazo de 90 anos para uso e gozo da linha férrea, tais como o privilégio de zona (extensão de cinco léguas para cada lado da estrada), isenção de direitos de importação para os materiais, direito de desapropriação dos terrenos necessários para a construção da linha, exploração das minas que fossem encontradas na linha de seu privilégio, obtenção de terras devolutas e garantia de juros sobre o capital gasto na construção da estrada (pagos pelo Governo Imperial e pela Província de São Paulo)(2).


A construção da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí foi iniciada em novembro de 1860. Em 1864, foi inaugurado o primeiro trecho. Em 1866, a linha chegou a São Paulo e, em fevereiro de 1867, foi aberta ao tráfego em toda a sua extensão, com 139 quilômetros e 30 estações ferroviárias(3).

A construção dessa Estrada de Ferro, que rompeu o isolamento do planalto em relação ao litoral, foi o grande marco do desenvolvimento da produção agrícola do interior da Província de São Paulo.

Além da construção da linha Santos-Jundiaí, várias outras ferrovias foram criadas no final do século XIX, trazendo grande integração ao território paulista, tornando o Estado de São Paulo o principal centro produtor e exportador do café.

A estação ferroviária da Luz, que se inseria dentro da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, teve uma grande importância para a cidade de São Paulo, na medida em que serviu de entroncamento com as outras vias férreas.

Para a sua construção, a SPR recebeu do governo vinte braças (cerca de 45 metros) do Jardim da Luz.

A estação inicialmente construída não tinha a qualidade do restante das obras realizadas ao longo da linha da SPR. Mesmo após a sua entrega, a estação ainda não se achava concluída, eis que faltava a cobertura das plataformas, a pintura do prédio, a canalização das águas e o calçamento da rua(4).

Era uma construção pequena, acanhada, de apenas um andar, com plataforma, em frente à qual passavam os trilhos com bitola de 1,60 metro.

Nessa época houve uma elevação demográfica, acentuada com a vinda de muitos imigrantes estrangeiros, o que acabou por acelerar a expansão da cidade, com o alargamento de ruas, abertura de outras e o impulso das construções.

Em 1879, em razão da necessidade de ampliação das instalações, para atender à demanda cada vez maior de carga e passageiros, bem como da necessidade da duplicação das linhas, foi autorizada, pela Diretoria da SPR, em Londres, a reforma da Estação.

Com a reforma, o prédio ganhou mais um andar, um saguão com novas bilheterias, um longo abrigo sobre a plataforma e uma marquise sobre a escadaria principal(5).

Todavia, essa Estação apresentava problemas de localização, uma vez que cortava a cidade, causando interrupções ao tráfego de veículos e pessoas.

Em 1890, já se discutia, novamente, a necessidade de substituição da Estação da Luz.

Isso ocorreu porque a Estação tornara-se porta de entrada para figuras importantes do período e também para os imigrantes, promovendo a pequena vila de tropeiros a uma importante metrópole. Assim, decidiu-se a cessão de um novo trecho do Jardim da Luz, com 7.520 metros quadrados, para a construção de uma terceira estação, cujo custo foi estimado em 150 mil réis.

As obras, iniciadas no fim do século XIX (1897), encerraram-se no início do século XX (1901).

A abertura oficial da nova Estação da Luz ocorreu em 1º de março de 1901, apesar de que, desde maio de 1900, o tráfego já estava sendo gradualmente deslocado da velha para a nova estação.

Além da construção de um novo prédio, decidiu-se também pelo rebaixamento da linha, eliminando as passagens de nível que obstruíam o trânsito da cidade. Para tanto, além de se fazer um longo corte, com a remoção de grandes quantidades de terra, foram introduzidas, nas laterais da estação, pontes metálicas, totalmente importadas da Inglaterra, para servir de viadutos para o tráfego(6).

O projeto do novo edifício foi desenvolvido em Londres, onde ficava a sede da SPR, sob o comando do arquiteto Charles Henry Driver.

Todo o material utilizado na construção da Estação da Luz (desde estruturas de ferro e aço para a grande nave, pontes, arcos da Gare, tijolos vermelhos, vidraças, madeiramento em pinho de riga irlandês e até os parafusos) foi importado da Grã-Bretanha.

O elemento essencial da construção era o ferro, constituindo-se tanto em peças estruturais (vigas e colunas), como em ornamentais (chafarizes, gradis), além de peças utilitárias (tais como ferragens, escadas e canos).

As estruturas metálicas, associadas à alvenaria, com paredes de tijolos assentados em amarração e peças de encaixe perfeito, repetiam os modelos europeus, representando, no seu conjunto, progresso e modernidade.

A mão de obra utilizada na construção da Estação foi a de imigrantes, na sua maioria italianos.

Conforme ressaltou Geraldo Gomes da Silva, em 1986, na obra Arquitetura do Ferro no Brasil:

“… a estação é, fundamentalmente, a mesma que se terminou de construir em 1901 e que, imponentemente, marcava a paisagem da capital paulista. A rigor não é um terminal ferroviário e sim uma estação de passagem. A estação de passageiros propriamente dita – , que abriga as bilheterias, escritórios, etc. – é de um bom gosto eclético neoclassizante. A ela se agrega a cobertura das plataformas de embarque, composta por uma série de arcos metálicos, que vencem um vão de 39 metros. O nível de passagem dos trens é inferior ao da rua. Os pedestres utilizam passagens nesse nível, além de escadas, todas em ferro, para ter acesso às duas plataformas inferiores. O partido adotado é o mesmo das estações londrinas. Os arcos treliçados de ferro não dispensam acréscimos decorativos, próximos às suas bases. Coexistem aí, também, os capitéis e colunas em ferro fundido, com vigas e consolos compostos de chapas de ferro aparafusadas e rebitadas.(7)”.


Já na época de sua construção, a Estação da Luz se destacava na paisagem urbana, em especial por sua torre, réplica da torre da abadia londrina de Westminster, podendo ser vista de vários pontos da cidade.

Além disso, era na Estação da Luz, propriamente no Edifício Administrativo, construído ao lado das plataformas de embarque e desembarque (Gare), que funcionavam os escritórios da SPR.

Passados os 90 anos da concessão da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí à SPR, com o término do privilégio da exploração, o Governo Federal, em 11 de novembro de 1946, assumiu as linhas da São Paulo Railway – SPR.

Em 1957, com a criação da Rede Ferroviária Federal S.A. – RFFSA, empresa vinculada ao Ministério dos Transportes, as Estradas de Ferro, então operadas pelo Governo Federal, passaram a ser administradas por essa empresa.

Todavia, alguns dias antes da encampação das linhas da SPR pelo Governo Federal, mais precisamente no dia 06 de novembro de 1946, houve um grande incêndio na Estação da Luz, onde funcionavam os escritórios da SPR.

Segundo noticiou o jornal “Folha da Manhã”, no dia seguinte ao incêndio (Doc. 02):

“O fogo, como registramos ontem em notícia de última hora, irrompeu pouco depois das 2 horas, na seção de Contabilidade. Propagando-se com rapidez, ganhou em pouco tempo outras dependências, enquanto os bombeiros viam seus esforços quase anulados pela escassez de água. Chegou-se até, quando as chamas cresciam na torre central do prédio, a recorrer aos lagos do jardim da Luz, para abastecimento das mangueiras.

Extintas finalmente as chamas, por volta das 7 horas, puderam ser melhor conhecidas as proporções da devastação sofrida pelo prédio. Foi total a destruição nas dependências principais, situadas defronte ao jardim da Luz, entre a porta central e o pátio de embarque para Santos.

Conseguiu-se, entretanto, isolar toda a ala da Rua Mauá, que de nenhum modo foi atingida.

(…)

O fogo destruiu parte da estação. O restaurante, as bilheterias, a contadoria, a superintendência e a banca de jornais, tudo foi reduzido a cinzas, na parte da estação onde começou o fogo. Ficaram incólumes as dependências localizadas além do saguão.

(…)

Cerca de 3 horas da madrugada, as labaredas tomaram as escadarias da torre central. O relógio, célebre pela sua pontualidade, começou a ser lambido pelo fogo. O mostrador era intensamente iluminado pelas chamas, que destruíam o seu madeiramento. Enquanto isso se passava, parte do teto da estação, de chapas de chumbo, derretia-se e caia ao solo com grande fragor.

Os ponteiros do grande marcador foram torcidos pelo fogo. Pouco depois das 4 horas, que ainda chegou a bater, o relógio desaparecia numa fogueira que se formara no alto da torre. A própria cúpula da torre também foi destruída”.

Após o incêndio, que destruiu totalmente a Ala do Edifício voltada para o Leste, bem como o Saguão Central e Torre do Relógio da Estação da Luz, houve a necessidade de se reconstruir a parte atingida pelo fogo.

Frise-se, entretanto, que a tanto a Gare (onde eram realizados o embarque e desembarque de pessoas e cargas), bem como a Ala do Edifício voltada para o Oeste, não foram atingidas pelo grande incêndio.

A Ala Oeste do Edifício da Luz conseguiu se manter a salvo do incêndio, uma vez que a torre do relógio serviu como uma grande chaminé, por onde as labaredas subiram e perderam o ímpeto.

Na reforma da Estação da Luz, que se verificou de 1946 a 1950, houve a necessidade de se incluir, no Saguão Central, 8 colunas para dar sustentação à estrutura da torre, abalada pelo incêndio.

Além disso, inseriu-se um 3º pavimento na Ala Leste, permanecendo, todavia, inalterada a Ala Oeste, que contava originalmente com apenas 2 pavimentos.

Onde houve a ampliação, com a inserção de mais um pavimento, seguiu-se o mesmo estilo arquitetônico original da Estação da Luz.

Ressalte-se, entretanto, que nas obras de reforma e ampliação da Estação da Luz, a Ala Oeste do Edifício foi mantida intacta.

Em 1950, a Estação foi reinaugurada, com a nova estrutura do Saguão central substancialmente modificada, obedecendo ao estilo renascentista, com 8 colunas de concreto armado à cerca de 12 metros do piso, uma laje do mesmo material e o citado terceiro pavimento na Ala Leste, que, assim, como os demais pavimentos (1º e 2º) foram destinados aos novos escritórios administrativos da RFFSA.

Após a sua reinauguração, a Estação da Luz passou por sucessivas reformas de pequeno porte e trabalhos de manutenção, além da construção de alguns anexos.

Reconhecendo a importância da Estação da Luz, do ponto de vista histórico e arquitetônico, os órgãos de preservação, federal, estadual e municipal, promoveram o seu tombamento.


Com o tombamento o Poder Público reconhece, formalmente, o valor histórico, artístico, paisagístico, cultural ou científico de bens móveis ou imóveis, existentes no país e cuja conservação é de interesse público, em razão de sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria.

Ou, nas palavras de Maria Helena Diniz, tombamento é:

“a restrição administrativa realizada pelo Estado, em face do interesse da cultura e da preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, proibindo a demolição ou a modificação de prédios tidos como monumentos históricos e exigindo que seus reparos obedeçam à sua caracterização” (grifo nosso).

Com o ato do tombamento visa-se preservar o patrimônio cultural, que constitui bem sujeito à especial proteção, conforme estabelece a própria Constituição Federal, em seu artigo 216:

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material ou imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória os diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

(…)

V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º: O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas e acautelamento e preservação.” (grifos nossos).

Ressalte-se, ademais, que o artigo 1º do Decreto-Lei 25, de 30 de novembro de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, também define o patrimônio cultural como sendo:

“o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, que por seu excepcional valor arqueológico ou etnológico, bibliográfico ou artístico.” (grifo nosso).

Assim, por se caracterizar como testemunho de uma época, tal instrumento constitucional de preservação da cultura nacional foi aplicado à Estação da Luz, com a utilização, para tanto, das disposições constantes do Decreto Lei nº 35, de 1937, que trata do tombamento.

No CONDEPHAAT, órgão estadual de preservação, o processo de tombamento da Estação da Luz se iniciou em 1976, tendo tramitado no bojo do processo n.º 20.097/76. O ato de tombamento, que considerou os aspectos históricos, técnicos e arquitetônicos da Estação da Luz, bem como o referencial importante como elemento urbano partícipe do Patrimônio Ambiental urbano, se encontra registrado no Livro de Tombo Histórico, sob n.º 185, pág. 43. Além disso, a decisão de tombamento foi embasada em parecer, que destacou três aspectos da edificação como justificativa para sua preservação: documental, ambiental urbano e arquitetônico (Doc. 03).

No âmbito federal, a partir do processo n.º 0944-T-76, que tramitou no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), foi efetivado o tombamento da Estação da Luz, que foi aprovado, por votação unânime do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, em sua 8ª Reunião de Colegiado, com a subseqüente homologação pelo Ministro de Estado da Cultura, conforme publicação no Diário Oficial da União, em 10/07/1996, à fls. 12.713, Seção I (Doc. 04).

O tombamento, em nível federal, foi realizado com a inscrição do aludido bem no Livro do Tombo Histórico – Volume II, sob o nº 540, à fls. 26 e também no Livro de Tombo das Belas Artes, Volume II, sob n.º 606, à fls. 29, em 10 de outubro de 1996.

Posteriormente, houve a rerratificação deste tombamento, em razão da inclusão da Estação da Luz no conjunto arquitetônico constante do processo n.º 1463-T-00, tendo sido indicado para tombamento pelo Conselho do IPHAN, que teve o Edital de notificação publicado no Diário Oficial no dia 03/08/2000.

Além disso, tendo em vista a sua importância no desenvolvimento da cidade de São Paulo, a Estação da Luz foi tombada ex-officio pelo órgão de preservação do patrimônio municipal, através do CONPRESP, por meio da Resolução n.º 05 / CONPRESP / 91 (Doc. 05).

Algumas fotos, constantes do Inquérito Civil Público n.º 01/04, que tramita nesta Procuradoria da República, todas anteriores ao início das obras que estão sendo questionadas através da presente Ação Civil Pública, bem demonstram a qualidade de construção e composição da Estação da Luz, bem como a riqueza arquitetônica e de detalhes existentes (Doc. 06).

Inclusive, prospecções realizadas em muitas das paredes internas originais, da Ala Oeste do Edifício Administrativo da Estação da Luz, demonstram a existência de pinturas artísticas e especiais (Doc. 07).


Como bem definiu a Arquiteta Doutora Beatriz Mugayar Kühl, em parecer elaborado a pedido deste órgão ministerial, e que será mencionado mais adiante:

“A importância e a qualidade de uma obra de arquitetura não se limita às suas fachadas. Um edifício não é apenas contentor; é todo um complexo de elementos que se articulam na composição do conjunto, que, no caso da Luz, atinge grande qualidade. Apesar do incêndio, a ala oeste do edifício administrativo permaneceu quase intacta, como exposto, preservando elementos que possuem qualidade artística e relevante interesse histórico, e são testemunhos importantes da arte de construir e de compor espaços de um período, final do século XIX e início do século XX.

(…)

Quando se trata de preservar monumentos históricos, todo cuidado é pouco e toda e qualquer destruição deve ser mínima e justificada, para que a obra possa continuar a transmitir seus valores históricos e estéticos e simbólicos, da maneira mais ampla possível, para esta e para as gerações futuras.” (grifos nossos).

2 – DOS FATOS:

Atualmente encontram-se em curso 3 projetos, que tem por finalidade a restauração/revitalização da Estação da Luz.

Por envolver um bem tombado, todos os projetos devem ser, previamente, apreciados pelos órgãos de preservação, e, somente com a autorização destes é que as obras podem ser realizadas.

A necessidade da autorização prévia decorre da lei, mais especificamente, do Decreto-lei n.º 25, de 30 de novembro de 1937, que, em seu artigo 17 expressamente determina que:

“As coisas tombadas não poderão ser, em caso nenhum, ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de 50% (cinqüenta por cento) do dano causado”. (grifo nosso).

Dois desses projetos já se encontram em fase final de execução, tendo sido precedidos da necessária autorização.

O primeiro deles, de responsabilidade da CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos e do Governo do Estado de São Paulo, se refere à modernização funcional da Gare (onde funcionam as plataformas de embarque e desembarque dos trens de subúrbio) e à interligação subterrânea da Estação Ferroviária da Luz com a Estação Luz do Metrô.

Para a análise e acompanhamento da execução deste projeto, tramita nesta Procuradoria da República, o Inquérito Civil Público – ICP n.º 7, instaurado em 29/07/2004.

Outro projeto se refere à pintura das fachadas externas da Estação da Luz, sob a responsabilidade da Fundação Roberto Marinho.

Referido projeto, que já se encontra concluído ou bem próximo da sua conclusão, foi objeto de reinauguração no último dia 25 de janeiro de 2004, em comemoração aos 450 anos da cidade de São Paulo, conforme amplamente divulgado pelos meios de comunicação na época.

Também em relação a este existe um procedimento instaurado nesta Procuradoria da República, cuja finalidade é a apuração de eventuais irregularidades na execução do projeto.

Um terceiro projeto, que também tem como proponente a Fundação Roberto Marinho, visa a restauração, revitalização e adaptação arquitetônica da parte interna do Edifício Administrativo da Estação da Luz, com vistas à sua transformação em espaço destinado à celebração da língua portuguesa.

Em relação a este último projeto, os órgãos de preservação (DPH/CONPRESP, CONDEPHAAT e IPHAN) já aprovaram o “Estudo Preliminar 2” ou “Ante-projeto”, constante de projeto encaminhado pela Fundação, tendo, recentemente, aprovado o “Projeto Básico” ou “Projeto Executivo”, que autoriza o início da execução das obras.

Para apurar as circunstâncias e aferir a legalidade dessas autorizações foi instaurada, inicialmente a representação n.º 1.34.001.002260/2002-46, que, posteriormente, foi transformada no Inquérito Civil Público n.º 01, instaurado em 19 de fevereiro de 2004, destinado a apurar eventuais danos ao patrimônio histórico e cultural, bem como averiguar a possível ocorrência de irregularidades no processo de aprovação do projeto.

Impende ressaltar que apenas este último projeto é que constitui objeto da presente Ação Civil Pública.

2.1 – DO PROJETO DE RESTAURAÇÃO, REVITALIZAÇÃO E ADAPTAÇÃO ARQUITETÔNICA DA PARTE INTERNA DO EDIFÍCIO ADMINISTRATIVO DA ESTAÇÃO DA LUZ, COM VISTAS À SUA TRANSFORMAÇÃO EM ESPAÇO DESTINADO À CELEBRAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA, E QUE TEM COMO PROPONENTE A FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO:

A. Da cessão do direito de uso do espaço necessário à realização do projeto:

Para viabilizar o novo uso do Edifício Administrativo da Estação da Luz, com o objetivo de transformá-lo em um local destinado à celebração da língua portuguesa, foram realizadas algumas tratativas, que culminaram na elaboração vários documentos, listados a seguir:


– “Protocolo de Intenções”, firmado em 28 de março de 2001, pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), a TV Globo Ltda. e a Fundação Roberto Marinho, pelo qual foi acordada a mútua cooperação das partes envolvidas, visando o desenvolvimento e a implantação do “Projeto Espaço de Celebração da Língua Portuguesa”. De acordo com o referido Protocolo, caberia à CPTM envidar os esforços necessários à implementação do projeto, cabendo à Fundação a elaboração de proposta à Secretaria de Estado da Cultura e ao Ministério da Cultura, visando a utilização dos incentivos fiscais nos âmbitos estadual e federal. À TV Globo caberia a realização de esforços visando a divulgação de todas as etapas de desenvolvimento e implantação do Projeto. (Doc. 08).

– “Convênio de Cooperação Associativa”, assinado em 05 de julho de 2002, pela CPTM, a Rede Ferroviária Federal S/A e a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, pelo qual a RFFSA e a CPTM (proprietárias do bem tombado) cederam, de forma gratuita, o Edifício Administrativo da Estação da Luz à Secretaria de Estado da Cultura, com o fim de viabilizar a implementação do projeto destinado à celebração da Língua Portuguesa (doc. 09);

– “Protocolo de Intenções”, igualmente firmado aos 05 de julho de 2002, pela Fundação Roberto Marinho e pelo Estado de São Paulo (por intermédio da Secretaria de Estado da Cultura e da Secretaria de Estado da Educação). Através do referido Protocolo, firmado com o objetivo de promover o desenvolvimento e assegurar a continuidade, após sua implementação, do “Projeto Estação Luz da Nossa Língua”, a Secretaria de Estado da Cultura se comprometeu a viabilizar a cessão do espaço onde o projeto seria implementado, bem como viabilizar a criação de uma Organização Social de Cultura, sem fins lucrativos, cuja função seria promover a administração e a sustentabilidade do projeto, inclusive, com o aporte de recursos financeiros, necessários à gestão e manutenção do espaço físico, pelo período de 5 anos, por meio de um Contrato de gestão com a Organização Social de Cultura. A Secretaria de Estado da Educação, por seu turno, se obrigou a apoiar o projeto, desenvolvendo programas de capacitação de professores da rede estadual de ensino e contribuindo com a dinamização do projeto, através de programas de visitação de estudantes da rede estadual de ensino, durante e após a execução do projeto. A Fundação, dentre outras obrigações, responsabilizou-se pela Execução do Projeto, com a captação de recursos, consoante o Projeto de Incentivo Fiscal, aprovado pelo Ministério da Cultura. O protocolo lista ainda oito grandes empresas, que entram como entidades e que assumem a obrigação de divulgar todas as etapas de desenvolvimento e implantação do Projeto (Doc. 10).

– “Protocolo de Cooperação”, também assinado no dia 05 de julho de 2002, tendo como partes a Fundação Roberto Marinho e o Estado de São Paulo (por intermédio da Secretaria de Estado da Cultura e da Secretaria de Estado da Educação). Através desse Protocolo, o espaço do Edifício da Estação da Luz foi cedido graciosamente, pelo prazo de três anos, para a execução do Projeto destinado à celebração e valorização da Língua Portuguesa, de responsabilidade da Fundação Roberto Marinho, que se comprometeu a envidar todos os esforços necessários à sua promoção e acompanhamento de todas as etapas de sua implementação (Doc. 11).

Não se deseja aqui questionar a legitimidade de tais instrumentos, como hábeis a transferir o uso do bem em questão. O objetivo é apenas esclarecer o Juízo de que forma se tornou possível a cessão do uso do bem à Fundação Roberto Marinho.

B. Dos recursos necessários à realização do projeto:

No tocante à obtenção dos recursos necessários para viabilizar as ações de elaboração de projetos e obras de implantação física e de equipamentos, em 15 de maio de 2001, a Fundação Roberto Marinho formulou proposta à Coordenação de Mecenato, da Secretaria do Patrimônio do Ministério da Cultura (Doc. 12), visando captar e utilizar recursos, conforme previsto na Lei n.º 8113/91 (Lei Rouanet), que instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC.

Referida proposta foi recebida pela Secretaria de Patrimônio, Museus e Artes Plásticas, dando origem ao processo n.º 01400.03864/01-22 (n.º PRONAC: 01 2319) (Doc. 13).

O detalhamento do Projeto, constante da proposta formulada (Doc. 14), destacava os objetivos, os resultados esperados, a justificativa, bem como as atividades pretendidas com o desenvolvimento do projeto. Além disso, foi juntado à proposta o “Orçamento físico-financeiro”, contendo o total das despesas previstas.

Com a aprovação da proposta destinada à captação e utilização de recursos, com base na “Lei Rouanet” (Lei 8113/91), de acordo com a “Carta Circular de Aprovação de Projetos”, datada de 10/12/2001 (Doc. 15), faltava à Fundação Roberto Marinho obter a necessária e prévia autorização, juntos aos órgãos de preservação das três esferas competentes – IPHAN, CONDEPHAAT e DPH/CONPRESP, para a realização da intervenção no bem tombado.


C. Da criação do Grupo de Trabalho para análise do projeto e de suas conclusões iniciais acerca das intervenções arquitetônicas previstas:

Com a finalidade de analisar os projetos e acompanhar as obras previstas para a área da Luz, avaliando o estudo de aproveitamento do prédio da Estação da Luz, foi criado, por sugestão da Superintendência do IPHAN aos demais órgãos de preservação, um Grupo de Trabalho, composto de técnicos dos três órgãos (DPH, CONDEPHAAT e IPHAN) (Doc. 16).

Analisando o projeto apresentado pela Fundação, na reunião realizada em 10 de janeiro de 2002, referido Grupo de Trabalho constatou que, dentre outras intervenções, a proposta previa:

1. a eliminação de praticamente toda a compartimentação interna;

2. a eliminação do trecho remanescente da cobertura original;

3. a alteração da volumetria, com o acréscimo de três lajes planas de cobertura, sobre a Ala Oeste e sobre os estacionamentos existentes nas extremidades da edificação;

4. a ocupação de áreas cuja utilização constava do projeto de modernização encaminhado pela CPTM, e que se encontrava em fase final de aprovação;

5. o bloqueio do acesso de veículos à plataforma norte;

6. o confinamento de grande quantidade de esquadrias, com a criação de vedações internas e

7. a alteração do sistema construtivo dos pisos da Ala Oeste (Doc. 17).

Desta forma, tal como apresentado, o projeto preservaria apenas as fachadas externas e o grande saguão central, sacrificando a maior parte dos elementos arquitetônicos, construtivos e decorativos legalmente protegidos pelo instituto do tombamento.

Como resultado dessa análise, o Grupo de Trabalho concluiu que (Doc. 17):

“Em vista deste conjunto de medidas, decorrentes de um partido arquitetônico que preserva apenas as fachadas externas e o grande saguão central, sacrificando a maior parte dos elementos arquitetônicos, construtivos e decorativos legalmente protegidos pelo instituto do tombamento, os técnicos presentes entendem que alterações desta magnitude somente poderiam ser analisadas se precedidas da alteração daqueles atos de proteção.

Assim sendo, são de opinião de que o partido adotado deve ser revisto, considerando-se as recomendações já feitas à Fundação Roberto Marinho, quais sejam:

a. prever uma preservação rigorosa para a ala oeste do prédio, recuperando integralmente seus elementos construtivos, arquitetônicos e decorativos, reservando para esta área atividades e funções compatíveis;

b. concentrar no interior da área leste do prédio todas as alterações espaciais que o projeto de adaptação do novo programa de uso vier a requerer;

c. não proceder a alterações da volumetria da edificação;

d. prever procedimentos, serviços e intervenções relacionadas à conservação e ao restauro compatíveis com aquelas já aprovadas ou em processo de aprovação no projeto apresentado pela CPTM;

e. que se defina o mais urgentemente possível o conteúdo e o programa de utilização do prédio.” (grifos nossos).

Referidas conclusões foram encaminhadas à Fundação, por meio de ofício expedido pela Superintendência do IPHAN, datado de 14 de janeiro de 2002 e também através do “Comunique-se” n.º 81/2002, expedido pelo DPH/CONPRESP, datado de 05 de abril de 2002 (Doc. 18).

Em resposta, a Fundação encaminhou correspondência, datada de 05 de agosto de 2002, na qual teceu considerações acerca dos pontos citados pelo Grupo de Trabalho, afirmando, em síntese, que:

1) a eliminação da compartimentação interna constitui um imperativo da obra, em razão do sistema de circulação de grande porte que será implementado;

2) a geometria original das coberturas será mantida, eis que somente será procedido o restauro das mesmas;

3) as coberturas propostas não são lajes, tratando-se de grelhas, formadas por vigas em secção “V” de chapa metálica, cumprindo o papel de estrutura de sustentação e captação de águas pluviais;

4) em relação à ocupação de áreas, cuja utilização constava do projeto de modernização encaminhado pela CPTM, a Fundação informou que houve um equívoco, eis que, inicialmente, foi informada de que tais áreas estariam disponíveis para ocupação pelo “Projeto Luz da Nossa Língua”, já havendo estudo de compatibilização com as funções aprovadas;

5) no tocante ao bloqueio de acesso de veículos à plataforma norte, informou que, na nova versão do Projeto, o referido bloqueio foi suprimido, configurando-se em nova proposta para o exame técnico à luz das características de acesso;

6) em relação ao confinamento das esquadrias por meio de vedações internas, ressaltou que entendia não haver qualquer confinamento, eis que estava previsto um afastamento, de caráter técnico, entre as esquadrias e os painéis propostos, garantindo-se o acesso àquelas. Além disso ressaltou que a proposta de criação de painéis acessórios leves servia, ao mesmo tempo, ao propósito da criação de projeção grandes superfícies íntegras destinadas à de imagens e à vedação de luz, necessária a toda instalação de caráter museográfico; e


7) quanto à alteração prevista para o piso superior da Ala Oeste, a Fundação reafirmou a sua necessidade, visto que o sistema de circulação de pessoas proposto, somente seria viável na medida em que possibilitaria a interligação entre os dois pátios de acesso e a saída à visitação do núcleo de exposições do segundo andar (Doc. 19).

Nova versão do projeto, denominado “Estudo preliminar de adaptação interna do prédio administrativo da Estação da Luz” e de autoria dos Arquitetos Paulo Mendes da Rocha e Pedro Mendes da Rocha, foi encaminhada, pela Fundação Roberto Marinho, aos órgãos de preservação.

Em nova reunião, realizada no dia 17 de setembro de 2002, os integrantes do Grupo de Trabalho acima mencionado, após apreciarem o reestudo da proposta de implantação do programa de atividades propostas, concluíram que o programa de uso, constante do documento que encaminhou as peças gráficas, não apresentava avanços significativos quanto a definições ou detalhamento do conteúdo da proposta, pouco contribuindo para fundamentar a extensão das alterações propostas (Doc. 20).

Segundo entendimento dos mencionados técnicos (Doc. 20):

“A alternativa ora encaminhada se caracteriza por:

1. manter a eliminação de praticamente toda a compartimentação interna;

2. manter a eliminação do trecho remanescente da cobertura original. Embora criando uma falsa água de uma das coberturas existentes, prevê a eliminação de toda a estrutura de madeira das coberturas existentes,

3. mantém a alteração da volumetria, com o acréscimo de duas lajes planas de cobertura, sobre os estacionamentos existentes nas extremidades da edificação;

4. prevê uma adequação com o projeto da CPTM;

5. prevê o reestudo do bloqueio do acesso de veículos à plataforma norte;

6. mantém o confinamento de grande quantidade de esquadrias, com a criação de vedações internas;

7. mantém a alteração do sistema construtivo das lajes da ala oeste;

À vista das alterações propostas, as quais praticamente não alteram o partido arquitetônico anteriormente adotado, os técnicos abaixo assinalados mantém sua convicção que a magnitude das interferências deve ser precedida do destombamento do interior da edificação.” (grifos nossos).

Novamente reunidos, no dia 24 de setembro de 2002, os técnicos dos órgãos de preservação, integrantes do Grupo de Trabalho, após análise conjunta de toda a documentação relativa ao projeto arquitetônico, apresentado pela Fundação, com vistas à reforma do edifício da Estação da Luz, decidiram que o estudo arquitetônico para intervenção na Estação da Luz não atendia às diretrizes definidas pelos três órgãos de proteção do patrimônio histórico, constante da Ata de Reunião ocorrida em 10 de janeiro de 2002 (Doc. 17).

Por esse motivo, entenderam os técnicos que (Doc. 21).

“2) A Fundação Roberto Marinho deverá apresentar novo estudo que atenda às seguintes diretrizes:

a) prever uma preservação rigorosa para a ala oeste do prédio, recuperando integralmente seus elementos construtivos, arquitetônicos e decorativos, reservando para esta área atividades e funções compatíveis;

b) concentrar no interior da área leste do prédio todas as alterações espaciais que o projeto de adaptação do novo programa de uso vier a requerer;

c) não proceder a alterações de volumetria da edificação;

d) prever procedimentos, serviços e intervenções relacionadas à conservação e ao restauro compatíveis com aquelas já aprovadas ou em processo de aprovação no projeto apresentado pela CPTM;

e) que se defina o mais urgentemente possível o conteúdo e o programa de utilização do prédio.

3) O novo estudo a ser apresentado pela Fundação Roberto Marinho para ser analisado pelo IPHAN, CONDEPHAAT e DPH, deverá ser previamente aprovado pelos órgãos responsáveis pela propriedade do imóvel.” (grifos nossos).

Após esta última reunião mencionada, os integrantes do Grupo de Trabalho não mais se reuniram para o acompanhamento do projeto, eis muitos desses integrantes foram substituídos por outros técnicos, que compareceram à reuniões posteriores, convocadas pela Fundação Roberto Marinho.

D. Do processo de autorização no DPH/CONPRESP:

No DPH foi instaurado, em 19 de fevereiro de 2002, o processo n.º 2002-0.033.259-3 para o acompanhamento e análise do projeto proposto.

Com as conclusões iniciais do Grupo de Trabalho mencionado no item “C” supra, em agosto de 2002, nova versão do projeto, denominado “Estudo Preliminar”, foi encaminhado ao DPH, pela Fundação Roberto Marinho.

Em parecer técnico, elaborado em 25/08/2003, pelos técnicos responsáveis pela análise do projeto (Cássia Regina Carvalho Magaldi e Mauro Pereira de Paula Junior), ambos integrantes do Grupo de Trabalho inicialmente constituído, entendeu-se que:


“(…)

2. Os elementos gráficos constantes no presente se referem à primeira etapa de elaboração de projeto arquitetônico, o que justifica nesse momento de análise a ausência de plantas detalhadas do projeto completo, dos memoriais descritivos de procedimentos, quantificação de serviços e materiais, necessários à compreensão do projeto proposto.

3. O material gráfico encaminhado carece de complementação e não contém plantas da cobertura.

4. Os desenhos encaminhados não correspondem ao compromisso acordado entre o interessado e IPHAN/CONDEPHAAT/CONPRESP no que se refere a preservação da prumada e possível ampliação do elevador existente, uso da prumada de banheiros para nova torre de circulação vertical e inserção de novos banheiros na ala oeste, e a possibilidade de instalação de novos elevadores desde que não venham a substituir áreas ainda preservadas da época da construção do prédio.

A cobertura da ala oeste deverá ter sua volumetria recuperada conforme iconografia disponível, mantendo a iluminação zenital.

5. Os desenhos de estudo preliminar arquitetônico encaminhados às folhas 425 a 431 do presente, demonstram compatibilização parcial entre o programa de intervenção proposto e as restrições exigidas pelo tombamento integral do imóvel, exaradas nas diretrizes encaminhadas por IPHAN /CONDEPHAAT/CONPRESP, e acordadas entre os envolvidos nas diversas reuniões sobre o andamento do projeto.

Todavia o material gráfico aqui encaminhado não permite leitura analítica para que seja elaborado parecer técnico a ser apreciado pelo CONPRESP.

Portanto, para que possamos analisar esse projeto, o interessado deverá ser comunicado a encaminhar o seguinte:

1. Planta de cobertura contendo proposta de restauração da volumetria original na ala oeste, mantendo-se a iluminação zenital.

2. Texto explicativo que justifique a necessidade de inserção de elevadores que implicam na descaracterização dos ambientes originais na ala oeste.

3. Esclarecimentos sobre o tratamento interno das envasaduras do edifício, vedadas em ambientes do primeiro e do segundo pavimentos, tipo de emparedamento proposto, visto que deverá ser observado o princípio da reversibilidade na utilização de materiais construtivos para adequação de ambientas na ala oeste.

Ante o exposto encaminhamos o presente para providências de comunique-se”. (Doc. 22) (grifos nossos).

Não obstante o parecer dos técnicos no sentido de que fossem complementadas as informações, necessárias à análise em questão, o então Diretor da Divisão de Preservação, ofereceu manifestação no sentido da aprovação do projeto, com a transformação das exigências formuladas pelos técnicos, em diretrizes (Doc. 23).

Assim é que, em reunião realizada pelo CONPRESP, no dia 02 de setembro de 2003, o projeto foi aprovado pelos Conselheiros, com diretrizes (Doc. 24).

Em 12/09/2003, a Arquiteta Cássia Magaldi elaborou um Relatório Técnico, no qual resaltou-se a importância da manutenção da cobertura do Edifício da Estação da Luz (Doc. 25).

Segundo o mencionado Relatório:

“O projeto arquitetônico para intervenções de restauro e adaptações internas se encontra em fase de aprovação pelo DPH/CONPRESP, e ante a proposta encaminhada pelo interessado que indica a possibilidade de destruição e descaracterização dos remanescentes originais da cobertura metálica da ala oeste do edifício, encaminhamos a presente manifestação técnica.

Afirmamos que, a partir de iconografia disponível, prospecções arquitetônicas competentes e baseada na documentação fotográfica produzida recentemente, a cobertura da ala oeste poderá ter sua volumetria recuperada, inclusive com a restauração do entelhamento original, detalhes de juntas, cumeeiras e detalhes para ventilação permanente dos forros, que poderão ser refeitos conforme formato e materiais originais existentes no imóvel.

Acompanham o presente, parte de documentação fotográfica comprobatória sobre a existência de elementos originais, suficiente para embasar estudos para restauração criteriosa da cobertura remanescente no imóvel, assim como riscos esquemáticos que demonstram hipóteses e possibilidades para o resgate da volumetria, textura e detalhes construtivos de parte original da monumental arquitetura da Estação da Luz”. (Doc. 25)(grifos nossos).

Posteriormente, em 18 de dezembro de 2003, a Fundação Roberto Marinho encaminhou correspondência ao DPH/CONPRESP, na qual prestou esclarecimentos acerca das diretrizes estabelecidas por ocasião da aprovação efetivada (Doc. 26).

Analisando a documentação encaminhada juntamente com o ofício acima referido, os técnicos do DPH, Arquitetos Cássia Magaldi e Mauro Pereira de Paula Junior, salientaram que:

“a proposta modificativa apresentada pela FRM para a ‘cobertura 3 e para os anexos da ala oeste’, conforme denomina o projeto, não conta com nossa sugestão para aprovação, por implicar em modificações na volumetria do edifício.

Com referência a Proposta de Restauro para o interior da Estação da Luz, a proponente desde os primeiros contatos pretende a implantação de um museu denominado “Estação da Luz da Língua Portuguesa”. O programa deste museu até o presente momento não foi encaminhado ao DPH/CONPRESP de forma objetiva e quantificada, não explica a relação de áreas necessárias à implantação dos novos usos nos ambientes a serem adaptados, e justifica a inserção de dois pares de elevadores baseado na demanda do MASP e da Pinacoteca do Estado que conforme informação do interessado apresentam fluxo de 1000 pessoas/dia. Ocorre que os dois edifícios citados contam com apenas um elevador para a circulação de público visitante, o que ao nosso ver serviria de parâmetro para o dimensionamento da circulação vertical do novo museu pretendido.

Os documentos enviados pela FRM constantes das fls. 490 a 995 e anexos, não justificam a necessidade de quatro novos elevadores para o prédio.

A inserção de elevadores na extremidade da Ala Oeste do edifício apresenta-se como forte intervenção nos ambientes originais da construção. Portanto solicitamos que o CONPRESP avalie a possibilidade de sugerir a revisão do número de elevadores a ser instalado no edifício da Estação da Luz, considerando os números indicativos de público adotados para MASP/PINACOTECA/ESTAÇÃO DA LUZ DA NOSSA LÍNGUA PORTUGUESA.

Considere-se que o conceito adotado pela FRM para inserção de elevadores da Ala Oeste do edifício contempla a possibilidade de recomposição dos ambientes atingidos, a preservação da visibilidade dos pisos, forros, e paredes remanescentes ao recorte limite em pisos e forros. Este recorte que se executa na área necessária a passagem do equipamento, se aceito pelo CONPRESP, deverá ser cuidadosamente executado.

Com relação às demais intervenções propostas e considerando as modificações de projeto, relativas ao mezanino destinado a Curadoria/Conselho do primeiro pavimento e a escada antiga de ligação do térreo ao subsolo apresentadas em 18/12/2003 pela FRM, sugerimos o aceite.

Finalmente, entendemos que a proposta de intervenção ora analisada deverá buscar o menor prejuízo aos ambientes originais do bem tombado. Uma vez que o CONPRESP já se manifestou favorável à implantação do museu pretendido para a Estação da Luz, e considerando a complexidade da proposta de implantação da Estação da Luz da Nossa Língua, para o que reafirmamos acontecerão fortes intervenções no edifício, encaminhamos o presente para sua apreciação e deliberação” (Grifos nossos) (Doc. 27).


No verso do mencionado documento, consta, ainda, a seguinte informação, aposta manualmente:

“Em tempo: No intuito de esclarecer nossa manifestação anterior, informamos que as propostas de inclusão de um mezanino para instalações da curadoria/conselho no primeiro pavimentos do futuro museu e da retirada das escadas de comunicação do pavimento térreo com o subsolo da Estação não contam com nossa sugestão de aprovação.

O “sugerido aceite” na manifestação à folha 1623 do presente, refere-se à concordância por parte da FRM em não executar as intervenções acima citadas” (Grifo no original) Doc. 27).

Com o parecer do Conselheiro do CONPRESP (Doc. 28), complementado pela informação posterior dos técnicos (Doc. 29) e seguido de novo parecer do Conselheiro (Doc. 30), o projeto foi, então, submetido ao Colegiado do CONPRESP, em reunião realizada no dia 17 de fevereiro de 2004, que o aprovou, com diretrizes (Doc. 31).

Em nova análise, desta feita, em relação aos documentos referentes às coberturas da Ala Oeste, enviados pela Fundação Roberto Marinho (Doc. 32), manifestaram-se os técnicos (Arquitetos Cássia Magaldi e Mauro Pereira de Paula Junior) (Doc. 33), em 04/04/2004, no sentido de que:

1. A ala Oeste do prédio administrativo da Estação da Luz reúne alguns elementos construtivos originais da época da sua inauguração, apresentando a autenticidade de suas formas, volume, coloração, materiais construtivos e persistência cultural;

2. É desejável e natural, do ponto de vista de intervenções em imóveis singulares e únicos, que sejam restaurados, ao invés de destruídos, os vestígios de persistência da autenticidade arquitetônica;

3. A documentação fotográfica encaminhada pela Fundação não indica fontes, autorias e datação, apresentando, contudo, informações valiosas contidas na iconografia antiga que fortalece a justificativa da preservação dos volumes construídos ali existentes;

4. Algumas conjecturas formuladas pela Fundação, como justificativa para a destruição de partes das coberturas da ala oeste, carecem de tratamento científico pertinente a trabalhos dessa natureza;

5. A cobertura da Ala Oeste deve ter a sua volumetria preservada, inclusive podendo ser resgatada na sua feição mais antiga a partir da demolição de construção nova descarcterizante, e de possível descoberta dos vestígios da cobertura registrada na iconografia pesquisada.

Diante de tais observações, sugeriram os técnicos que:

“6. Portanto sugerimos a preservação integral das características arquitetônicas, textura, coloração e volumetria existente no conjunto em forma de L que compõe as fachadas do quadrante noroeste da Estação da Luz, devendo ser restaurado todo o entelhamento metálico que compõe o telhado encontrado, assim como o entelhamento metálico dos torrões ali existentes, eliminando-se casa de máquinas de elevador instalado nos anos cinqüenta do século passado. Dessa forma, deverá ser garantido a preservação do sistema de ventilação permanente dos forros antigos, composto de envasaduras tipo seteiras enteladas e gradis de ferro, instalados na parede que compõe a platibanda locada na face posterior aos balaústres, que deverão ser recuperados conforme modelo formato e materiais existentes no imóvel.

7. Sugerimos a preservação da volumetria, estrutura de madeira e acabamento cerâmico da cobertura de ambiente justaposto à mansarda e lindeiro à gare, protegido por entelhamento cerâmico tipo francês, assim como sua estrutura de tesouras de madeira, forros originais, e tabeira de madeira para acabamento do beiral.

8. É necessário que seja demolido o volume referente a andar superior construído na segunda metade do século passado, com estrutura de concreto armado, para abrigar ambientes de um terceiro pavimento lindeiro à gare. Esta demolição possibilitará, a partir da leitura em parede original existente, a descoberta de vestígios construtivos referentes à presença da antiga cobertura, declividade das águas do telhado assim como de ponto da cumeeira, e soluções de concordância dos rincões entre a cobertura antiga e a cobertura do terreão original existente, conforme pode ser observado na foto n. 14 encaminhada pela FRM, do documento em questão.

9. Deverá ser preservado o sistema de iluminação zenital original da construção do edifício e existente no piso do corredor central do segundo pavimento.

10. Atentar neste projeto modificativo para a proposta de destruição dos volumes de cobertura persistentes pela tentativa da confecção de terraço que utiliza linguagem arquitetônica decorrente do movimento moderno na arquitetura do século passado, o que incide em descaracterização definitiva da leitura tipológica e referencial da arquitetura ferroviária aqui tratada.

11. Resumindo, encaminhamos desenho esquemático que define as diretrizes técnicas a serem observadas para a restauração das coberturas da ala oeste do edifício administrativo da Estação da Luz.

Protegida legalmente pelo instrumento do tombamento nas três esferas da administração brasileira, com grau de proteção integral, a Estação da Luz carrega consigo a peculiaridade de proibição sobre descaracterização gratuita de sua feição arquitetônica e de elementos construtivos autênticos decorrentes da originalidade da construção.” (grifos nossos).


Posteriormente, em setembro de 2004, a Fundação apresentou ao DPH/CONPRESP, algumas modificações ao Projeto anteriormente aprovado (Doc. 34).

Tais modificações foram objeto de novo parecer elaborado pelos técnicos do DPH (Doc. 35), em 18/10/2004, onde foi esclarecido que:

” Nos pavimentos térreo e primeiro, este projeto modificativo se atém a indicar algumas intervenções que não comprometem a aprovação anterior, carecendo de detalhes construtivos no que diz respeito aos novos ambientes sanitários, depósito do café, e escadas. Sugerimos o aceite dessas modificações.

Com relação aos segundo e terceiro pavimentos, aguardamos manifestação do CONPRESP com relação ao parecer DPH contido às fls. 1869 a 1874 deste, emitido em 04 de maio p.p., já que o projeto modificativo confronta com a nossa negativa à demolição das paredes autoportantes originais, coberturas e forros antigos e autênticos da construção. Sugerimos portanto o indeferimento dessa nova proposta de cobertura da ala oeste.

Observando a nova forma de usos referente ao terceiro pavimento, com a inserção de Galeria de Influências e proposta de novos modos de circulação entre exposições, tomamos a liberdade de sugerir ao Conselho que reavalie a real necessidade de colocação de dois elevadores ao invés de um na ala oeste, tendo em vista não nos ter chegado em mãos textos explicativos referentes a real necessidade da instalação de quatro elevadores”. (grifos nossos).

Não obstante tais conclusões, o órgão colegiado do CONPRESP, em reunião realizada no último dia 14 de dezembro (Doc. 36) o projeto foi aprovado.

De todo este relato, resulta claro que os técnicos do DPH, responsáveis pela análise do projeto, que foi modificado por diversas vezes ao longo do tempo, sempre se manifestaram no sentido de sua não aprovação, e, mesmo assim, o mencionado projeto foi aprovado, em clara violação aos dispositivos do Decreto-lei n.º 25/1937, como adiante se demonstrará.

E. Do processo de autorização no CONDEPHAAT:

No CONDEPHAAT, o projeto denominado “Estudo preliminar” foi encaminhado pela Fundação Roberto Marinho, em 24 de janeiro de 2002, dando origem à instauração do processo n.º 42.835/02.

No parecer inicial, o técnico do CONDEPHAAT, que integrava o Grupo de Trabalho mencionado no item “C” supra, se manifestou da seguinte forma (Doc. 37):

” Lamentamos a intenção de desvincular parte do edifício da Estação da Luz de seu caráter ferroviário, justamente neste momento em que a CPTM encontra-se engatilhada reestruturando e modernizando o transporte coletivo da metrópole.

(…)

… reconhecemos que aonde ele mais transgride é onde ele mais encanta. O terraço proposto que namora o parque e substitui a cobertura original da ala oeste é fascinante.

O térreo integralmente entregue ao público e que como atualmente permite a ligação livre da rua Mauá com a Praça da Luz através do interior do edifício, vai de acordo com nossa leitura do prédio enquanto elemento urbanístico.

Para compreensão do restante do projeto e uma avaliação melhor das intervenções propostas é fundamental alguns esclarecimentos como por exemplo o que vem a ser o Memorial da Língua Portuguesa, ou Estação Luz da Nossa Língua?

Os desenhos apresentados não precedem de uma introdução em texto, de um memorial, sequer um programa.” (grifos nossos).

Elaborado o referido parecer técnico, novo projeto modificativo foi apresentado pela Fundação, assim como também novo parecer, por outro técnico do CONDEPHAAT, no qual entendeu-se pela aprovação do projeto (Doc. 38).

Novamente, em junho de 2003, a Fundação apresentou uma nova versão do projeto (Doc. 39), a qual teve parecer favorável do técnico (Doc. 40).

A aprovação do projeto denominado “Estudo preliminar 2” resultou de reunião do Colegiado do CONDEPHAAT, realizada no dia 1º de setembro de 2003 (Doc. 41).

Importante ressaltar que, aproximadamente dois meses antes dessa reunião do Colegiado, uma outra reunião foi realizada no CONDEPHAAT, no dia 08/07/2003, e na qual estiveram presentes o Superintendente do IPHAN, o Presidente do CONDEPHAAT e também o Diretor do DPH, juntamente com alguns técnicos dos referidos órgãos.

Frise-se, entretanto, que nenhuma das pessoas que participou da dita reunião integravam o Grupo de Trabalho constituído inicialmente.

Como resultado dessa reunião, foi lavrada uma Ata, na qual entendeu-se que a nova versão do projeto “…conserva a qualidade do partido anterior, tendo sido adequado, no entanto às recomendações emitidas…” (Doc. 42).

Apresentado o “Projeto Legal” ou “Projeto Executivo” pela Fundação, foi o mesmo apreciado, conforme parecer (Doc. 43), e posteriormente aprovado, em reunião do Colegiado do CONDEPHAAT, realizada no dia 15 de dezembro de 2003 (Doc. 44).


Posteriormente, em setembro de 2004, um Projeto modificativo de reforma da parte interna foi apresentado pela Fundação ao CONDEPHAAT (Doc. 45), tendo sido imediatamente aprovado pela Presidência daquele órgão, tendo em vista a existência de parecer técnico favorável (Doc. 46).

F. Do processo de autorização no IPHAN:

No IPHAN, o pedido de autorização tramitou no bojo do processo de tombamento n.º 0944 T-76.

Ainda antes da criação do Grupo de Trabalho mencionado no item “C” supra, a então Superintendente do IPHAN em São Paulo encaminhou ofício à Fundação Roberto Marinho, datado de 22 de novembro de 2001, pelo qual afirmou que, após vistoria realizada por técnicos daquele órgão, juntamente com técnicos do CONDEPHAAT e DPH, havia sido constatado que:

“A análise dos espaços e elementos construtivos confirmou a hipótese de a ala oeste apresenta um estado de conservação bastante bom, ainda que mascarado por pinturas e pequenas adaptações mais recentes, que permitem concentrar nesta área a preservação das soluções arquitetônicas originais ou pretéritas. Como o mesmo não acontece com a ala leste, atingida por um grande incêndio seguido por uma catastrófica reforma, nos anos 40, que ainda lhe acrescentou um terceiro pavimento. Assim sendo, podem ser adotados para este trecho do prédio, critérios muito mais flexíveis, ai concentrando as alterações e adaptações que a utilização contemporânea exigirá” (Doc. 47).

Posteriormente, em 11/02/2003, através de Memorando, a 9ª Superintendência Regional do IPHAN em São Paulo encaminhou à Presidência do IPHAN, em Brasília relatório no qual foi detalhado o desenvolvimento dos procedimentos destinados ao acompanhamento e aprovação do Projeto referente ao Edifício Administrativo da Estação da Luz (Doc. 48).

Após as reuniões realizadas pelo Grupo de Trabalho conforme mencionado no item “C” supra, que se seguiram à apresentação de algumas versões do Projeto, por parte da Fundação Roberto Marinho, em 28/07/2003, foi elaborado parecer, pelo Arquiteto Antonio das Neves Gameiro, técnico do IPHAN, no qual entendeu-se que:

“Ao confrontarmos o Estudo Preliminar 02, apresentado a 9ª SR/IPHAN, em 26/06/03, com as versões anteriores (cerca de 8) constatamos que os autores do projeto incorporaram as críticas e sugestões apresentadas pelos órgãos de preservação em análises anteriores. Consideramos, também, que o porte do conjunto edificado da Estação da Luz, aliado as necessidades técnicas da manutenção do edifício como espaço destinado ao transporte em seus pavimentos térreo e subsolo, bem como as intransponíveis adequações dos espaços internos voltadas para o funcionamento do novo uso (Estação da Nossa Língua) implicam em soluções de acréscimos e supressões com a intenção de atender os aspectos programáticos e de funcionalidade, especialmente com respeito às circulações horizontais e verticais destinadas ao uso público” (Doc. 49).

Desta forma, contrariando as diretrizes inicialmente colocadas pelo Grupo de Trabalho, o referido técnico do IPHAN ofertou parecer opinando pela aprovação do Projeto apresentado pela Fundação, que, na verdade, pouco diferia da versão inicialmente apreentada, eis que contemplava uma série de alterações expressivas, contrárias àquelas determinações iniciais.

Frise-se, entretanto, que referido técnico não integrava o Grupo de Trabalho formado no início das discussões, fato este que causa grande estranheza.

Referido parecer técnico foi enviado ao Departamento de Proteção – DEPROT, em Brasília, Instância superior do IPHAN, a quem competiria a análise conclusiva do assunto, segundo informou o Superintendente do IPHAN à época (Doc. 50).

O Projeto, denominado “Estudo Preliminar” foi, então, aprovado, conforme noticiou o ofício n.º 106/03, datado de 03/09/03, pelo qual a Procuradora-Chefe do IPHAN de Brasília, informou que “de acordo com os pronunciamentos técnicos, o projeto denominado ‘Luz da Nossa Língua’, na Estação da Luz, São Paulo, foi aprovado por este Instituto, uma vez que as recomendações foram atendidas” (Doc. 51).

Com a aprovação do “Estudo Preliminar” (também denominado de Anteprojeto) e diante da necessidade da aprovação do “Projeto Básico” (também chamado Projeto Executivo), a Fundação Roberto Marinho encaminhou aos órgãos de preservação os documentos relativos à 2ª etapa de aprovação.

Nessa ocasião, a Presidente do IPHAN foi substituída e, em razão de diversos problemas constatados em relação ao processo que tramitava no IPHAN, esta Procuradora encaminhou ofício à Presidência daquele órgão, questionando a existência de eventual ilegalidade, posto que referido processo não teria observado o trâmite previsto na Lei n.º 9784/99, que disciplinou o processo administrativo no âmbito da administração pública federal (Doc. 52).


Na mesma ocasião, foram reiterados os termos da Recomendação MPF n.º 34, anteriormente enviada àquele órgão, e da qual se falará mais adiante (Doc. 53), sendo que, em resposta, informou-se que (Doc. 54):

“De acordo com os esclarecimentos prestados a Vossa Senhoria, por intermédio do Ofício n.º 052/04 – PRESI, de 30.04.2004, e tendo em vista que este Instituto procederá ao reexame técnico do processo que envolve a adaptação do prédio da Estação da Luz, situado no centro da cidade de São Paulo, SP, tombado em nível federal, para abrigar as atividades concernentes ao projeto intitulado “Luz da Nossa Língua”. Informo-lhe que solicitei ao Conselho Municipal Preservação do Patrimônio Histórico de São Paulo – COMPRESP e ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo – CONDEPHAAT, que suspendessem quaisquer medidas relacionadas à implantação do citado projeto, assim como determinei à Fundação Roberto Marinho que se abstivesse de dar prosseguimento a quaisquer procedimentos relativos ao assunto, inclusive aqueles que possam dar lugar à realização das intervenções arquitetônicas, até que este Instituto conclua os trabalhos de reexame técnico.”

Realizado o reexame do processo administrativo pelo IPHAN, verificou-se que, de fato, teriam ocorrido falhas na instauração e instrução do mesmo, “configuradas por vícios menores, restritos à aspectos da formalidade e do próprio procedimento e, por isso, os atos praticados são convalidáveis, ficando afastada a anulação dos mesmos, porque os supostos vícios além de serem sanáveis não causaram prejuízo” (Doc. 55).

A conclusão dos trabalhos de re-análise culminou com elaboração de pareceres, elaborados por consultores externos, e que foram encaminhados a este órgão ministerial pela Presidência do IPHAN (Doc. 56).

Além disso, a partir da apresentação de novo parecer técnico, datado de 27 de setembro de 2004, desta feita elaborado por técnico do IPHAN, especialmente designado para tanto, Arquiteto Victor Hugo Mori (Doc. 57), no qual houve manifestação favorável à aprovação do Projeto Executivo, no qual já estavam incluídas as modificações constantes da última versão apresentada em setembro de 2004.

Referido Arquiteto foi, posteriormente, ouvido na sede deste Ministério Público Federal, oportunidade em que declarou que o Projeto Executivo foi, finalmente, aprovado pela Superintendência do IPHAN em São Paulo, no último mês de outubro (Doc. 58).

G. Das diligências encetadas no bojo do ICP n.º 01/04:

Em 17 de dezembro de 2002, foi expedida, pelo Ministério Público Federal, no bojo da representação n.º 1.34.001.002260/2002-46 (e que posteriormente se transformou no ICP n.º 07/04), a Recomendação MPF/SP n.º 43, pela qual recomendou-se aos órgãos de preservação das três esferas governamentais (IPHAN, CONDEPHAAT e DPH) que se organizassem conjuntamente e realizassem, no mês de fevereiro de 2003, audiência pública com o objetivo de discutir os aspectos arquitetônicos e sociais acerca de utilização do prédio da Estação da Luz, para a implantação do Projeto “Estação Luz da Nossa Língua” (Doc. 59).

Todavia, a audiência, cuja realização foi recomendada, jamais foi realizada.

Posteriormente, nova Recomendação, de n.º 19/03, foi expedida pelo Ministério Público Federal, cuja finalidade era alertar os órgãos de preservação no sentido de quer não deveriam aprovar o projeto sem que as diretrizes e recomendações estabelecidas pelos técnicos integrantes do Grupo de Trabalho e responsáveis análise do projeto, fossem atendidas. Nessa ocasião foi reiterada a necessidade de realização de audiência pública, com o objetivo de discutir com a sociedade civil os aspectos arquitetônico, histórico e culturais acerca da destinação do uso do prédio da Estação da Luz, para a implantação do projeto “Luz da Nossa Língua” (Doc. 60).

O CONDEPHAAT, por meio de seu Presidente, informou, em 16/08/03, que, com a apresentação pela Fundação de uma versão final, que atendeu plenamente à todas as determinações e diretrizes que lhe foram submetidas, tornou-se possível a implantação do projeto (Doc. 61).

No mesmo sentido foi também o ofício conjunto, firmado pelo IPHAN, CONDEPHAAT e DPH/CONPRESP, pelo qual os representantes desses órgãos enfatizam que:

“Particularmente no que tange ao Projeto “Estação Luz da Nossa Língua”, tais trabalhos conjuntos demoraram-se durante meses seguidos, até que os arquitetos responsáveis pelo mesmo chegassem a uma versão final do projeto que atende a todas as restrições e exigências técnicas que lhes foram feitas, colocando-o em condições de receber aprovação pelos EE. Conselhos dos três entes preservacionistas” (Doc. 62).


Posteriormente, no exercício de suas funções constitucionais e legais, este parquet expediu nova Recomendação, de nº 34/2003, desta feita, dirigida à Presidência do IPHAN, recomendando que o Anteprojeto e/ou Projeto Executivo relativo ao Projeto “Luz da Nossa Língua” não fosse aprovado, uma vez que o mesmo previa significativa destruição da Ala Oeste, bem como para que se determinasse a realização de audiência pública (Doc. 53).

Em resposta, a Presidência do IPHAN à época, informou que deixaria de adotar os procedimentos contidos na Recomendação aludida, tendo declarado que o Projeto Executivo referente à intervenção deveria obedecer ao segundo Anteprojeto apresentado e aprovado e que, se assim fosse, receberia, por sua vez, a conseqüente aprovação (Doc. 63).

No curso do ICP n.º 01/04, diversas pessoas, de alguma forma relacionadas ao processo de análise e aprovação do projeto, foram ouvidas pelo Ministério Público Federal, com o objetivo de se coletar maiores informações.

Dentre as pessoas ouvidas, pode-se mencionar as seguintes: José Saia Neto, Cássia Regina Carvalho Magaldi, Helena Saia, Tamara Roman, Mauro Pereira de Paula Junior, Roberto Leme Ferreira, Maria Inês Dias Mazzoco, Leila Regina Diegoli, Haroldo Gallo, José Geraldo Simões (Doc. 64).

Da leitura de tais depoimentos depreende-se que, para aprovação do Projeto em questão houve grande pressão política sobre os técnicos dos órgãos de preservação; vários dos técnicos inicialmente designados para o acompanhamento dos trabalhos relativos à análise do projeto foram substituídos ao longo do tempo, sem motivo justificável para tanto; e que, apesar da existência de posicionamentos iniciais contrários à aprovação, esta foi efetivada, com a manutenção daqueles problemas inicialmente detectados.

No curso do referido ICP também foi elaborado um parecer, pela Arquiteta e Professora Doutora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Beatriz Mugayar Kühl, Mestre em “Preservação de Monumentos e Sítios Históricos pela Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, e Doutora pela FAU-USP, a qual foi requisitada àquela Universidade, a fim de que se manifestasse sobre as propostas sobre a Estação da Luz, apresentadas pela Fundação Roberto Marinho tendo em vista o Projeto de adaptação do Edifício Administrativo da Estação da Luz.

H. Constatações e conclusões contidas no parecer apresentado pela Arquiteta Beatriz Mugayar Kühl:

O parecer elaborado pela Arquiteta Beatriz Mugayar Kühl, em 30 de março de 2004, analisou, especificamente, todas as alterações propostas para intervenção no edifício administrativo da Estação da Luz e comparando-as com a situação até então existente, constatou o seguinte (Fls. 26/29 do Doc. 65):

“Circulação vertical

Atualmente:

– circulação do edifício administrativo é composta de dois elevadores e duas escadas principais (excluindo-se as escadas que dão acesso às plataformas e a escada da torre do relógio), distribuídos nas duas alas do edifício

Proposta:

– passa-se a ter cinco elevadores, um em cada ângulo do perímetro do edifício e um na torre do relógio

– duas novas escadas: uma na ala leste, e outra em sala contígua à torre do relógio (que passa a abrigar um dos elevadores), mantendo-se apenas a escada original da ala oeste;

Algumas implicações dessa proposta:

– a instalação dos elevadores e da nova escada na ala oeste, implica a remoção e destruição de pisos, forros e elementos estruturais originais nos vários andares e a inserção de novos elementos estruturais para sustentar o que permanece da estrutura primitiva, que será seccionada, e para reger as novas escadas e elevadores;

– há ainda o comprometimento das salas da ala oeste, norte e sul, em que os elevadores serão instalados, nos vários pavimentos, tornando-se salas para os elevadores, o mesmo acontecendo em relação ao ambiente em que será implantada a escada;

– na ala oeste, o elevador existente será retirado, sendo demolidas as paredes do poço do elevador e fechados vãos correspondentes à porta do elevador;

– na ala leste, afetada pelo incêndio, nenhum dos elementos de circulação vertical será aproveitado resultando na demolição do elevador e da escada existentes e na destruição de trechos de lajes para que sejam implantados os novos elevadores e a nova escada;

Vãos

A proposta altera de modo substancial o modo de articulação e a própria função dos vãos do edifício. Citam-se alguns exemplos:

– cabe lembrar que várias portas e janelas serão devidamente restauradas, sendo um exemplo no pavimento térreo, na sala em que será efetuada a entrada na extremidade oeste do edifício, onde quatro portas existentes serão restauradas, além de serem recolocadas quatro portas que haviam sido retiradas para o acesso à plataforma de embarque; mas nesse ambiente será implantada uma porta antiga no vão central da fachada lateral e serão removidas as bandeiras de ferro trabalhado, para colocação dos elevadores; essas mesmas bandeiras serão reaproveitadas em outros vãos da fachada principal;

– nos vários pavimentos, em função da proposta de utilização de diversos ambientes, numerosos vãos serão tamponados (existem alguns ensaios já efetuados), mudando de maneira contundente a forma como o edifício “dialoga” com a área em que está inserido, tornando muitos dos vãos sem função, a não ser a de dar ritmo às fachadas, e vários ambientes totalmente impermeáveis ao entorno.

Pavimento térreo.

Algumas alterações propostas, além das já citadas sobre a circulação vertical:

– as entradas principais da Estação Luz da Nossa Língua, passam a ser feitas também pelas faces leste e oeste, em vez de pela fachada norte, voltada para o Jardim da Luz, havendo entre essas duas alas um setor que permanece para uso da CPTM e usuários dos trens;

– demolição de alguns anexos identificados como de construção recente;

– implantação, nas extremidades leste e oeste do edifício, de novas rampas e patamares de acesso aos elevadores e às portas de entrada;

– instalação de novas coberturas com grelha metálica e vidro temperado para cobrir e evidenciar as novas entradas, nas faces leste e oeste, inserindo os novos elementos segundo o princípio da distinguibilidade e reversibilidade; no entanto, apesar do emprego de elementos de vidro, a presença da grelha metálica resulta em segmentação da visibilidade daquelas fachadas;

– elementos de circulação vertical e paredes divisórias da ala leste serão removidos;

Primeiro pavimento

Algumas ações propostas, além das já citadas sobre a circulação vertical:

Ala oeste:

– a disposição dos ambientes será preservada, com exceção das salas comprometidas com a presença dos elevadores e da nova escada e a remoção do elevador existente;

– esse é o trecho do edifício que será restaurado de modo mais amplo, lembrando-se que também nos outros pavimentos, em certas partes, é proposta a restauração de pisos, caixilhos, forros etc.

– desse modo serão removidas algumas divisórias leves acrescentadas com o tempo, que não permitiam a apreciação de salas em sua inteireza, facilitando a leitura desses ambientes;

– serão removidos pisos vinílicos ou carpetes sobre pisos originais de madeira ou ladrilho hidráulico, sendo proposta a recuperação dos elementos primitivos;

– recuperação de forros e esquadrias originais;

– feitas, em algumas das salas, pintura decorativa com mesmo padrão da original;

Ala leste:

– a distribuição interna é desconsiderada e suas partições, construídas após o incêndio, serão demolidas.

Segundo pavimento

Algumas ações propostas, além das já citadas sobre a circulação vertical.

Ala Oeste:

– desta feita, pouco do existente será preservado; além das questões já citadas do ambiente comprometido com os elevadores e da nova escada;

– pisos, forros e coberturas originais serão removidos para instalação de novos pisos, lajes e forros;

– na face voltada para o sul, paredes que separam os ambientes – muitas originais e que apresentam pinturas, senão “artísticas”, pelo menos consideradas “especiais” – serão demolidas, criando-se uma galeria (galeria anexa de imagens) que se prolonga por todo o comprimento do edifício, com 120 metros lineares

– cabe destacar que esse tipo de solução absolutamente não se prefigurava na Estação da Luz tal como chegou a nossos dias, resultando na demolição de várias paredes ou trechos de paredes (a exemplo daquelas que se encontram sobre o saguão central) ao longo de todo o edifício; a circulação do edifício no térreo e no primeiro pavimento (e também no segundo pavimento, antes do incêndio), se dá através do bloco central, que articula ala leste e ala oeste; no segundo pavimento, após o incêndio, a ligação é feita através de corredores centrais que se comunicam e não possuem a extensão de todo o edifício, e não através de um único grande eixo transversal que atravessa todo o prédio, voltado a uma das faces, a sul;

– parte da cobertura do bloco voltado para o norte será removida, criando-se um vestíbulo-terraço; ou seja, mantém-se uma água da cobertura – o pano do telhado voltado para a fachada norte – e remove-se a outra.

Ala leste:

– na ala leste e nas salas sobre o saguão central divisórias serão removidas e paredes demolidas.

Terceiro pavimento

Ala oeste:

– serão demolidas as paredes e coberturas existentes de um anexo construído em um momento mais recente, que alterava de modo negativo a conformação do conjunto, resultando na criação de um pátio descoberto para o restaurante;

– no entanto, será também demolido o telhado, ainda com a conformação original, da sala contígua, para dar prosseguimento ao terraço, que continua também sobre o corredor, chegando até a água remanescente do telhado voltado para o norte;

– desse modo, será alterada de modo significativo a volumetria da parte superior da ala oeste

Ala Leste:

– serão demolidos os elementos divisórios.

Pelo exposto, nota-se que a função útil proposta é difícil de ser enquadrada no enunciado “não pode nem deve alterar a disposição” do artigo 5º da Carta de Veneza, e sobretudo no artigo 17º do Decreto-Lei no 25/1937, em que as coisas tombadas não poderão “ser destruídas, demolidas ou mutiladas”. Lembre-se que a resolução do tombamento federal (e também estadual e municipal) se aplica à edificação como um todo, edifício administrativo – alas leste e oeste, exterior e interior – torre, gare etc”. (grifos nossos).


Posteriormente, em 30/12/04, tendo em vista a apresentação de novo Projeto pela Fundação Roberto Marinho, a mencionada Arquiteta foi chamada a prestar esclarecimentos a este órgão ministerial, ocasião em que informou que (Doc. 66):

“Tem conhecimento de que foi apresentado um novo projeto, pela Fundação Roberto Marinho, com algumas alterações em relação ao conjunto das obras pretendidas. O novo projeto, em relação ao anterior, é menos prejudicial para aquilo que lá existe atualmente, porém as considerações em relação à parte voltada para a GARE, no segundo e terceiro pavimentos da Ala Oeste continuam as mesmas constantes do seu parecer sobre o primeiro projeto apresentado, ou seja, mantém-se a demolição das paredes do bloco voltado para a GARE, no segundo pavimento, bem como a demolição de cobertura de telha francesa, pertencente à parte deste bloco. Apesar do novo projeto ter suprimido o quinto elevador hidráulico, localizado na Torre do Relógio, a declarante mantém suas considerações feitas no tocante ao conjunto dos elevadores que conta do parecer.” (grifos nossos).

Desta feita, observa-se que as considerações tecidas pela Professora-Doutora Beatriz em seu parecer continuam perfeitamente válidas, uma vez que a última versão do Projeto de intervenção no Edifício da Luz foi aprovada com alterações pouco significativas em relação ao projeto anteriormente previsto.

Resulta daí que a versão final de “Projeto Executivo” apresentada aos órgãos de preservação, e que obteve aprovação até o presente momento, contempla diversas alterações expressivas, as quais não correspondem às diretrizes de preservação previamente estabelecidas, tampouco às normas vigentes que resguardam o bem tombado.

3) DO DIREITO:

3.1 – DAS NORMAS QUE PROTEGEM O BEM TOMBADO:

O tombamento, como proteção constitucional ao Patrimônio Cultural, tem suas prerrogativas consolidadas no Decreto Lei nº 25, de 1937, o qual dispõe expressamente:

“Artigo 17º. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinqüenta por cento do dano causado.” (grifo nosso).

Em nível estadual, existe a Lei Estadual no 10.247, de 22 de outubro de 1968, bem como os Decretos Estaduais n.º 13.426, de 16 de março de 1979 e n.º 20.955, de 1º de julho de 1983.

Conforme dispõe o artigo 134 do Decreto Estadual n.º 13.426, de 16 de março de 1979:

“Artigo 134 — Os bens tombados não poderão ser destruídos, demolidos, mutilados ou alterados, nem sem prévia autorização do Conselho, reparados, pintados ou restaurados, sob pena de multa a ser imposta pelo mesmo Conselho de at 20 (vinte) por cento do respectivo valor, neste incluído o do terreno, se for o caso, e, sem prejuízo das demais sanções aplicáveis ao infrator” (grifo nosso).

A regra acima transcrita é retomada ipsis litteris pelo Decreto Estadual no 7.730, de 23 de março de 1976:

“Artigo 120 – Os bens tombados, não poderão ser destruídos, demolidos, mutilados ou alterados, nem, sem prévia autorização do Conselho, reparados, pintados ou restaurados sob pena de multa a ser imposta pelo mesmo Conselho de at 20% (vinte por cento) do respectivo valor, neste incluído o do terreno, se for o caso, e, sem prejuízo das demais sanções aplicáveis no infrator.

§ 1º – Na hipótese de alienação onerosa dos bens referidos neste artigo, de propriedade de pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, a União o Estado e os Municípios terão nessa ordem, direito de preferência para aquisição, obedecido o processo estabelecido para a espécie, pelo Decreto-lei Federal nº 25, de 30 de novembro de 1937”. (grifo nosso).

No âmbito municipal, o tombamento é regido pelas Leis Municipal nº 9.725, de 02 de julho de 1984 e nº 10.032, de 27 de dezembro de 1985, esta última alterada posteriormente, pela Lei Municipal 10.236, de 16 dezembro de 1986.

Conforme estabelecem os artigos 20 e 21 da Lei Municipal n.º 10.032/85:

“Artigo. 20- Em nenhuma circunstância o bem tombado poderá ser destruído, demolido, mutilado.

Artigo 21 – O bem tombado só poderá ser reparado, pintado, restaurado, ou por qualquer forma alterado, com prévia autorização do órgão técnico de apoio e, se necessário do Conselho, aos quais caberá prestar a conveniente orientação e proceder ao acompanhamento da execução.

Parágrafo único: Sempre que for conveniente, deverá o órgão técnico de apoio vistoriar o bem tombado, indicando, se julgar necessário, os serviços e obras que devam ser executados ou então desfeitos.” (grifo nosso).

3.2 – DO ALCANCE DAS RESTRIÇÕES LEGAIS:


Das normas citadas no item anterior sobressaem comandos cogentes que proíbem a destruição, mutilação e/ou demolição dos bens tombados, proibições que, entretanto, aparecem com regular destaque no projeto final aprovado para intervenção no edifício administrativo da Estação da Luz.

Depreende-se da leitura das normas supra enunciadas que o Poder Público não tem qualquer margem de discricionariedade para avaliar e autorizar obras que conduzam à demolição, destruição ou mutilação do bem tombado.

Conforme lição de Paulo Affonso Leme Machado:

“O artigo 17 do Decreto-lei 25/37 faz uma divisão realmente importante na atuação do órgão estatal protetor do patrimônio cultural (na primeira parte e na segunda parte desse artigo). Assim, o Poder Público está vinculado a não autorizar atividades que conduzam à destruição, demolição e ou à mutilação do bem. O texto da lei federal diz “ em caso nenhum”. Portanto, em caso de ação judicial o juiz pode apreciar se o ato administrativo ocasionou estes prejuízos à coisa tombada. Somente surge discricionariedade quando se trata de “reparação, pintura ou restauração”.

Nesses casos trata-se de medidas conservativas não “destrutivas, mutiladoras ou demolidoras” do bem. A concessão de liminar suspendendo autorização pelo Judiciário, em ação judicial utilizada pelos cidadãos e pelas associações, será importante para que se examine, depois, em profundidade, se o ato administrativo não está mascarando uma ação mutiladora do bem a ser protegido.”(8) (grifos nossos).

No mesmo sentido é o entendimento de Luís Paulo Sirvinskas, segundo o qual:

“Em hipótese alguma o Poder Público concederá autorização para destruição, demolição ou mutilação. Trata-se de ato administrativo vinculado. No entanto, o bem tombado poderá ser reparado, pintado ou restaurado mediante prévia autorização. Cuida-se, neste último caso, de ato de discricionário do Poder Público.”(9) (grifo nosso).

Neste contexto, a proibição da destruição, demolição e mutilação decorre de princípios constitucionais, que vinculam o ato administrativo.

Ademais, dado o caráter de vinculação deste ato administrativo, conforme já exposto, a sua validade fica adstrita aos pressupostos legais, que fixam os requisitos e condições para a sua realização, absorvendo totalmente a liberdade do administrador.

Como resultado disso, constata-se que no presente caso, os processos administrativos e as conseqüentes autorizações expedidas pelos órgãos de preservação, nas três esferas competentes, ofendem, nitidamente, o princípio da legalidade, pelo qual a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina.

A legalidade administrativa é princípio capital do regime jurídico administrativo, que qualifica e identifica o Estado de Direito, tendo como fruto a submissão do Estado à lei.

No Brasil, o princípio da legalidade administrativa, está radicado especificamente no artigo 37, caput, da Constituição Federal, in verbis:

” Artigo 37: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e também, ao seguinte” (grifo nosso).

Adequadamente, Celso A.B. de Mello aduz que:

“Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito Brasileiro.” (grifos nossos).

Assim, o administrador deve tão somente cumprir o que a lei determina, sendo nulo, portanto, qualquer ato administrativo que aprove a demolição, destruição e/ou mutilação de bem tombado, uma vez que contrário à égide normativa vigente.

O desatendimento das disposições legais sujeita o ato a controle de legalidade pelo Poder Judiciário , que pode anulá-lo.

Segundo Hely Lopes Meirelles:

“Atos vinculados são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria de atos, as imposições legais absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para a validade da atividade administrativa. Desatendido qualquer requisito, compromete-se a eficácia do ato praticado, tornando-se passível de anulação pela própria Administração, ou pelo Judiciário, se assim o requerer o interessado.” (grifo nosso).


As autorizações concedidas pelos órgãos de preservação competentes implicam em destruição, mutilação e/ou demolição, encontrando-se fora da sua obrigatoriedade vinculatória de submissão e cumprimento do comando legal, viciando o ato sob o prisma da arbitrariedade.

Conforme lição do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Não se confundem discricionariedade e arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em conseqüência, é ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente.” (grifo nosso).

Nulos, portanto, os processos administrativos e, conseqüentemente, as aprovações concedidas pelas autoridades incumbidas da preservação do patrimônio histórico.

Assim, das conclusões alcançadas no parecer elaborado pela Professora Beatriz Mugayar Kühl, resulta claro que a proposta aprovada:

“altera veementemente a circulação e organização do edifício, remove escadas e elevadores existentes e instala cinco novos elevadores – dois dos quais destruindo pisos e forros e elementos estruturais de sustentação da parte não afetada pelo incêndio, ou seja, elementos de interesse histórico e artístico, o mesmo ocorrendo com a nova escada proposta na ala oeste –, modifica completamente a circulação e distribuição dos espaços da ala leste, propõe uma galeria que atravessa de leste a oeste o edifício no segundo andar na face voltada para o sul, forçando uma circulação no edifício que absolutamente não se prefigurava e não tem relação com aquilo que lá está, que acarreta a destruição de várias paredes pelo seu caminho, fecha numerosos vãos que passam a ter o papel apenas de dar ritmo à fachada, tornando o interior do edifício em grande parte impermeável ao seu entorno, e remove extensas partes da cobertura, com conformação original, do segundo pavimento da ala oeste para ampliar um terraço. Essas propostas resultam na destruição irreversível de vários elementos de relevância histórica, alteram de modo vultoso a forma de organização do edifício e de articulação de seus espaços, e a sua volumetria” (fls. 48 do Doc. 65). (grifos nossos).

Ainda que se afirme que, para a utilização do edifício como espaço destinado à celebração da língua portuguesa, é imprescindível a sua adaptação para atender a esse novo uso proposto .

Ressalte-se, ademais, que exatamente no sentido de ser impossível qualquer intervenção que implique em mutilação, destruição ou demolição, é que, em 1997, quando se pretendeu realizar obras na Ala Leste do Edifício administrativo, com a remoção de divisórias ali existentes, o próprio IPHAN embargou a obra, eis que a mesma descaracterizava e destruía elementos do bem tombado (Doc. 67).

Conforme dispõe o já mencionado artigo 216 da Constituição Federal:

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material ou imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória os diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

(…)

V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Analisando referido dispositivo, José Afonso da Silva afirma que o meio ambiente cultural “é integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial.”(10)

Nas palavras de Celso A. Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues, o bem que compõe o chamado patrimônio cultural traduz a história de um povo, a sua formação, cultura e, portanto, os próprios elementos identificadores de sua cidadania, que constitui princípio fundamental norteador da República Federativa do Brasil.(11)

Neste caso, o valor tornado relevante pela Constituição é a cultura, a cidadania e, conseqüentemente, a dignidade da pessoa humana, afirmando-se a identidade, a ação e a memória do povo brasileiro.

Sobre a razão de ser de uma política preservacionista, afirma Teixeira Coelho:

“(…) o grande papel do patrimônio cultural é o da manutenção, construção ou reconstrução da identidade (pessoal e coletiva) de modo sobretudo a proporcionar, ao indivíduo e ao grupo: a) um sentimento de segurança, uma raiz, diante das acelerações da vida cotidiana na atualidade; b) o combate contra o estranhamento das condições de existência, ao proporcionar a vinculação do indivíduo e do grupo a uma tradição, e, de modo particular, a resistência contra o totalitarismo, que faz da criação de massas desenraizadas o instrumento central de uma manipulação em favor da figura atratora do ditador apresentado como único ponto de referência e orientação.”(12)


Ainda que do ponto de vista técnico-arquitetônico seja admirável a proposta elaborada pela Fundação Roberto Marinho, com a readaptação arquitetônica do Edifício administrativo, observa-se, contudo, que tal proposta é dirigida considerando-se o caráter artificial e não o caráter cultural do bem.

Com efeito, o caráter artificial é suplantado pelo bem cultural que Estação da Luz representa, como forma de expressão, em suas linhas arquitetônicas, dos sentimentos da época de sua construção.

É bem verdade que a utilização de um bem tombado é a forma mais eficaz para garantir a sua preservação, pois um monumento sem uso se deteriora de modo rápido, enquanto que aquele mantido em funcionamento pode durar séculos.

No entanto, a utilização é um meio para preservar o bem, e não a finalidade em si da intervenção.

A manutenção constante, garantida através de um uso compatível, é a melhor forma de assegurar a sobrevivência de uma construção.

É necessário, em primeiro lugar, que se avaliem as características do bem, para, depois, definir-se uma função compatível, e não o contrário, adaptar um dado edifício a um uso preestabelecido ou submetê-lo a transformações massificadas nem sempre de acordo com suas particularidades, cuja implementação é sempre feita em prejuízo do próprio monumento.

Em síntese, não é o bem tombado que deve ser adaptado ao uso que se pretende dar a ele, mas sim é o uso que se pretende que deve ser adequado ao bem tombado.

Conforme ressalta Paulo Affonso Leme Machado:

“A utilização de bens públicos tombados há de ser direcionada não só no sentido coletivo de sua preservação mas de sua permanente fruição por toda a coletividade, procurando-se conciliar o uso normal dos bens com sua visitação e estudo, ou então sua plena utilização para o desenvolvimento cultural de todas as gerações”(13) (grifo nosso).

Assim, a intervenção arquitetônica, quando necessária, dá-se sem prejuízo do patrimônio existente.

Como bem salienta a Arquiteta Beatriz Mugayar Kühl, à fls. 35 do seu parecer (Doc. 65):

“De qualquer modo, para promover alterações de vulto num edifício considerado, como um todo, monumento histórico, deveria ser provada a irrelevância daquilo que lá se encontra e a impossibilidade de conservá-lo e utilizá-lo, preservando as suas atuais características, para qualquer tipo de uso. Isso é negado pelo fato do próprio tombamento Federal, Estadual e Municipal proteger o edifício em sua inteireza, exterior e interior, e pela permanência de atividades administrativas no edifício por mais de um século, apesar de todas as vicissitudes por que passaram as companhias ferroviárias.”

Um projeto de valorização da Língua Portuguesa é, sem dúvida, louvável culturalmente. Não se pode, entretanto, promovê-lo às expensas do patrimônio cultural nacional, consolidado na memória existente nos traços arquitetônicos do Edifício da Luz.

Além disso, o espaço atinente ao bem tombado deve guardar correlação lógica com os pressupostos que ensejaram o seu tombamento. Preserva-se o patrimônio cultural valorizando o bem com atividades inerentes à sua condição, que no caso da Estação da Luz, se refere à memória ferroviária nacional.

4 – DO DANO AMBIENTAL MATERIAL E MORAL:

A Constituição Federal, nos incisos V e XI, do artigo 5º, dispõe que:

“V – é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(…)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

Tais incisos constituem os alicerces fundamentais das pretensões adiante expostas, ou seja, a reparabilidade do dano patrimonial e do dano extrapatrimonial, causados com as intervenções já realizadas no patrimônio cultural, que configura a Estação da Luz.

No que se refere à cumulação, vale mencionar a Súmula nº 37, do Superior Tribunal de Justiça:

“São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”

Ademais, o art 1º da Lei nº 7.347/85 é cristalino na questão da cumulação pretendida, ao dispor que:

“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I – ao meio ambiente;

(…)

IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.”

Como elemento integrante do meio ambiente cultural, aplicam-se ao patrimônio cultural as normas atinentes à Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), a qual prevê como um de seus objetivos “a imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados” (art. 4º, inciso VII).


Além disso, o artigo 14, § 1º, da referida Lei possibilita o reconhecimento da responsabilidade dos transgressores em reparar os danos causados ao meio ambiente e aos terceiros lesados por sua atividade, independentemente da existência de culpa.

Desta forma, não se deve apreciar subjetivamente a conduta do transgressor, mas a ocorrência do resultado prejudicial à população de uma forma geral e ao meio ambiente.

Como ensina Paulo Affonso Leme Machado:

“A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos “danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade” (art. 14, § 1º, da Lei 6938/81). (…) É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente”14 (grifo nosso).

Prossegue renomado jurista afirmando que:

“Dúvida, contudo, não há com referência ao patrimônio natural tombado: a responsabilidade é objetiva frente à nova disposição do artigo 14,§ 1º, da Lei 6.938/81.

É de se mencionar a lei paulistana (n. 10.032/85) que assim dispôs: As sanções e penalidades constantes deste título são aplicáveis com base na responsabilidade objetiva do proprietário do bem tombado, na simples ocorrência de fato que viole qualquer dispositivo desta lei, não excluindo o direito do Município ao ressarcimento de perdas e danos eventualmente apurados.” (grifos nossos).

4.1 – DO DANO MATERIAL:

Conforme estabelece o artigo 927 do Código Civil em vigor:

“Artigo 927: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano

Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem ”.

No tocante ao parágrafo único, que estabelece a responsabilidade independentemente de culpa, em matéria ambiental, existe a Lei n.º 6.938/81, que no seu artigo 14, § 1º, prevê a responsabilidade objetiva do causador do dano, conforme acima exposto.

Neste contexto, o dano é evidente, materializado nas obras já realizadas no Edifício da Luz, resultando em derrubada de paredes na Ala Leste e preparação para a instalação dos elevadores nas Alas Leste e Oeste, com a conseqüente retirada dos forros e pisos, conforme Relatório Técnico de Vistoria (Doc. 68), realizado por servidores deste Ministério Público Federal, bem como das fotos que o acompanham:

“Logo na chegada, observamos que já estão instalados andaimes de sustentação e escora, em frente às quatro bilheterias de embarque da ala oeste. Essa característica intervencionista no interior do prédio, com alterações nas duas divisões internas, repete-se em ambas as salas, conforme veremos.

(…)

O trabalho de demolição encontra-se bastante adiantado. A escada de acesso aos vários pavimentos já está com sua demolição em vias de finalização, a abertura de um fosso percorrendo os três pavimentos dessa ala para a instalação de um elevador hidráulico, com capacidade para 45 pessoas, segue a pleno curso. Conforme atestam as fotos, no mezanino da mansarda está instalada uma vitrine de exposição numa coluna que, em meio a todas aquelas ruínas, aparentemente tem um papel meramente projetivo de cenário futuro. Assim, ficou constatada a derrubada de paredes na Ala leste e preparação para a instalação dos elevadores nas últimas salas da Ala Leste (2º PL 01B – Código do Projeto).

Em cada uma das duas últimas salas da Ala Oeste (salas 1º PO 29 e 1º PO32 – Código do Projeto), do térreo para o primeiro pavimento, há também uma preparação para a construção dos elevadores. Nesse extremo da ala, restam apenas os travejamentos de madeira, sem a existência das lajes separando os pavimentos.” (grifos nossos).

Desta forma, evidente os danos perpetrados, e conseqüentemente, o dever de indenizar, oriundo da responsabilidade objetiva, conforme já exposto.

4.2 – DO DANO MORAL:

O Edifício da Luz, como reconhecido patrimônio cultural, faz parte do meio ambiente cultural, conforme o já citado artigo 216 da Constituição Federal.

Dentro deste contexto, o direito ao meio ambiente cultural é, essencialmente, um bem difuso e pertencente à coletividade de maneira indeterminada, anônima e indivisível.

Dessa forma, ao se lesar o meio ambiente, ofende-se um direito ou interesse dúplice e concomitante, isto é, da pessoa singular indeterminada e de toda a coletividade.


Tanto é assim que o artigo 1º, da Lei n.º 7.347/85, com a redação dada pela Lei n.º 8.884, de 1994, estabelece a reparabilidade dos danos morais causados ao meio ambiente e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

Verificado o dano, comprovado através de demolições, destruições e mutilações, ocorre uma lesão que traz desvalorização imaterial ao meio ambiente cultural, que é um dos valores indispensáveis à personalidade humana, considerada essencial à sadia qualidade de vida, portanto, à dignidade social.

Tal desvalorização deduz-se a partir da função cultural do bem tombado, o qual traduz a história de um povo, a sua formação, cultura e, portanto, os próprios elementos identificadores de sua cidadania, que constitui princípio fundamental, norteador da República Federativa do Brasil.

Ocorre, portanto, a violação da identidade, da ação e da memória do povo brasileiro, garantidos através do tombamento, e da conseqüente declaração pelo Poder Público, do valor histórico, artístico, paisagístico, cultural ou científico de bens móveis ou imóveis, existentes no país, cuja conservação é de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria.

Evidente pois o dano extrapatrimonial ambiental, em sua acepção coletiva, como direito difuso que o meio ambiente representa.

Neste sentido Luis Henrique Paccagnella quando argumenta que:

“Em resumo, sempre que houver um prejuízo ambiental de comoção popular, com ofensa ao sentimento coletivo, estará presente o dano moral ambiental. A ofensa ao sentimento coletivo se caracteriza quando o sofrimento é disperso, atingindo considerável número de integrantes de um grupo social ou comunidade.”(15) (grifo nosso).

Ainda neste sentido, Carlos Alberto Bittar Filho, que adequadamente preleciona que dano moral coletivo:

“é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos.”(16)

E prossegue o ilustre jurista:

“Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerada, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a cultura, em seu aspecto imaterial.”(17) (grifo nosso).

A jurisprudência pátria tem se posicionado admitindo o dano moral coletivo, referindo-se aos bens de natureza cultural.

Como exemplo, cite-se o brilhante Voto, proferido pelo Desembargador Relator Silvério Ribeiro, no Acórdão da Terceira Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento da Apelação n.º 163.470-1/8:

” (…)

O dano moral, consoante define Rubens Limongi França, “é aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa, física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre, no aspecto não econômico dos seus bens jurídicos” (in RT, 631/31)…

(…)

A reparação do dano moral (sentença fls. 1255, in fine) não se estriba, somente, no pretium doloris, aí considerada a dor estritamente moral ou dor física), podendo se caracterizar sem ter por pressuposto qualquer espécie de dor (sendo uma lesão extrapatrimonial, o dano moral pode se referir, por exemplo, aos bens de natureza cultural ou ecológica).

(…)

A indenização do dano moral, contudo, não se resolve pela reparação (a dor não tem preço e bens jurídicos de substância cultural ou ecológica também são incomensuráveis). Os danos morais, portanto, irreparáveis por natureza, são indenizáveis pela compensação (…).” (grifos nossos).

Diante de tais argumentos, a tutela jurisdicional do dano extrapatrimonial está plenamente justificada e apta à consecução de seus fins, quais sejam, o direito ao meio ambiente cultural – essencial à personalidade individual – como dignidade pessoal e, ao mesmo tempo, o direito ao meio ambiente, essencial à personalidade difusa, como qualidade de vida de uma coletividade.

5) DO PEDIDO LIMINAR:

Qualquer que seja o direito material que se busca tutelar através da via judicial, a prevenção do dano se constitui como a providência mais adequada e eficaz a alcançar uma efetiva proteção.

Nessa linha de raciocínio, a moderna ciência processual procura garantir, ao titular do direito substantivo exatamente, aquilo que lhe pertence, da forma mais célere possível, residindo nesse desafio o que se convencionou chamar de efetividade do processo.

Assim, sobressaem mecanismos de tutela diferenciada, a exemplo da antecipação dos efeitos da tutela, que objetiva socorrer o bem da vida antes mesmo de ocorrer a lesão, de maneira a minorar os efeitos nefastos da demora de uma prestação jurisdicional definitiva.


Para que seja deferida a antecipação da tutela em sede de decisão liminar, faz-se mister a presença de dois pressupostos: o periculum in mora e o fumus boni iuris.

O primeiro caracteriza-se como perigo, consistente na probabilidade de dano decorrente da demora no processamento da medida judicial definitiva.

Na lição de Humberto Theodoro Júnior o “perigo de dano refere-se, portanto, ao interesse processual em obter uma justa composição do litígio, seja em favor de uma ou de outra parte, o que não poderá ser alcançado caso se concretize o dano temido.”(18)

É o que se observa nos fatos ora relatados, posto que a intervenção arquitetônica que está sendo realizada no Edifício da Luz contempla diversas alterações de monta, com a demolição de pisos, forros e coberturas originais, destruição de paredes para a criação de uma galeria (galeria anexa de imagens) e que se prolonga por todo a extensão do edifício, com 120 metros lineares, sendo subdividida em 3 partes: parte leste, parte central (galeria das influência) e parte oeste, bem como a inserção de 04 elevadores e a respectiva destruição das salas, forros e pisos necessários àquela inserção.

Já o fumus boni juris, de acordo com o entendimento de Vicente Greco Filho “é a probabilidade da existência do direito invocado(…).Para a aferição dessa probabilidade não se examina o conflito de interesses em profundidade, mas em cognição superficial e sumária, em razão mesmo da provisoriedade da medida(19),

Ora, no caso em análise, a fumaça do bom direito, encontra-se mais do que comprovada, pelos mesmos motivos acima expostos, posto que as ações de demolição, destruição e mutilação do bem são vedadas pelo ordenamento jurídico vigente.

Assim, demonstrada a relevância da demanda, a plausibilidade do direito invocado e o manifesto perigo de perecimento do bem jurídico tutelado, com a conseqüente ineficácia do provimento final, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com esteio no artigo 12, “caput” da Lei 7347/85, que inaudita altera pars, seja DEFERIDA LIMINAR, a título de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, a fim de que:

1. sejam suspensas as autorizações concedidas pelos órgãos de preservação (IPHAN, CONDEPHAAT e DPH/CONPRESP) relativas às obras de restauração/revitalização e adaptação arquitetônica no Edifício Administrativo da Estação da Luz, até julgamento definitivo da presente Ação Civil Pública, comunicando-se os órgãos mencionados;

2. em razão do pedido constante no item supra, seja determinado à Fundação Roberto Marinho a imediata paralisação das obras que se encontram em curso no Edifício Administrativo da Estação da Luz;

3. seja, nos termos do artigo 11, da Lei nº 7.347/85, cominada multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) à Fundação Roberto Marinho, para a hipótese de descumprimento da liminar ora requerida, o que se justifica em face da relevância do bem que se visa preservar;

4. seja deferida a utilização de qualquer outra medida de apoio, prevista no artigo 84, e seus parágrafos, da Lei nº 8.078/90, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

Diante da urgência do caso concreto e do fato requer-se a concessão da medida liminar inaudita altera pars conforme a jurisprudência tem admitido em casos excepcionais.

“MEDIDA CAUTELAR – LIMINAR – DEFERIMENTO INAUDITA ALTERA PARS – ADMISSIBILIDADE – PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO – EXCEPCIONALIDADE – Justifica-se a concessão da medida liminar sem audiência da parte contrária sempre que, a par de prova inequívoca, aliada à plausibilidade jurídica do alegado na inicial, houver perigo de dano irreversível para o requerente caso a medida não seja deferida de imediato. As restrições legais ao poder cautelar do Juiz, dentre as quais sobreleva a vedação de liminares contra atos do Poder Público (art. 1º da Lei nº 8.437/92), consoante orientação do STF (RTJ 132/571), devem ser interpretadas mediante um controle de razoabilidade da proibição imposta, a ser efetuado em cada caso concreto, evitando-se o abuso das limitações e a conseqüente afronta à plenitude da jurisdição do poder judiciário. Agravo de Instrumento – Cautelar Inominada – Liminar determinando ao Estado o fornecimento de medicamentos a paciente de AIDS – Imprescindibilidade da medida – Recurso desprovido. O fato de necessitar o agravado, pessoa pobre e doente de AIDS, de tratamento inadiável, disponível no mercado e que se revela essencial à preservação de sua própria vida, aliado ao impostergável dever do Estado de assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde (arts. 6º e 196 da CF/88), justifica a concessão de liminar impondo ao ente público a obrigação de fornecer os medicamentos capazes de evitar-lhe a morte (TJSC – AI 97.002945-4 – 3ª C.C. – Rel. Des. Eder Graf – j. 10.06.1997).” (grifo nosso).


“TUTELA ANTECIPATÓRIA – DEFERIMENTO INAUDITA ALTERA PARS – ADMISSIBILIDADE – PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO – EXCEPCIONALIDADE.

Justifica-se a concessão da tutela antecipatória sem audiência da parte contrária sempre que, a par da inequívoca e da alta plausibilidade jurídica do alegado na inicial, houver perigo de dano para o requerente caso a medida não seja deferida de imediato.

Entendimento contrário conduziria à própria inoperância do novel instituto processual, em cujo regramento legal encontram-se inseridas exigências específicas ao resguardo dos interesses em confronto, revestindo de extrema segurança as decisões desta natureza.

As restrições legais ao poder cautelar do Juiz, dentre as quais sobreleva a vedação de liminares contra atos do Poder Público (art. 1o, da Lei nº 8.437/92), consoante orientação do STF (RTJ – 132/571), devem ser interpretadas mediante um controle de razoabilidade da proibição imposta, a ser efetuado em cada caso concreto, evitando-se oi abuso das limitações e a conseqüente afronta à plenitude da jurisdição do Poder Judiciário.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento nº 97.001945-9, da Comarca de Blumenau (3a Vara), em que é agravante o Estado de Santa Catarina, sendo agravada N. B. Falce e Cia. Ltda.” (grifo nosso).

6 – DOS PEDIDOS PROCESSUAIS E DO PEDIDO FINAL:

Ante os fatos descritos e os argumentos articulados nesta inicial, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer:

1) a citação dos réus para contestar, com as advertências de praxe, inclusive quanto à confissão da matéria de fato, em caso de revelia, e para produzirem a prova que quiserem, e se verem processar até a condenação final;

2) seja a presente Ação Civil Pública julgada totalmente procedente, conforme pedidos abaixo especificados:

– a declaração de nulidade dos processos administrativos e, conseqüentemente, das autorizações expedidas pelos órgãos de preservação das três esferas competentes – IPHAN, CONDEPHAAT e CONPRESP/DPH, referentes ao patrimônio tombado do Edifício da Luz, tendo em vista que tais processos e atos administrativos encontram-se eivados do vício da ilegalidade;

– a condenação da ré Fundação Roberto Marinho em obrigação de fazer, consistente na elaboração de um Plano de Recuperação do Edifício Administrativo da Estação da Luz, que contemple a reconstrução das partes do edifício que foram indevidamente demolidas, destruídas ou mutiladas, por ocasião da execução das obras relativas ao Projeto “Luz da Nossa Língua”, incluindo paredes, divisórias, telhas, forros, lajes, pisos e/ou quaisquer outros elementos que constavam da estrutura existente quando do seu início. Referido plano também deve incluir nova proposta de restauração, elaborada dentro dos parâmetros legais, e deverá ser executada totalmente às expensas da Fundação Roberto Marinho (ou seja, sem a possibilidade de utilização de incentivos fiscais);

– condenação da ré Fundação Roberto Marinho na obrigação de fazer, consistente na implementação dos termos do Plano de Recuperação do Edifício Administrativo da Estação da Luz, conforme mencionado no item anterior, após a devida homologação judicial do mesmo, com a sua execução acompanhada por perito judicial e pelo Ministério Público Federal, de forma a monitorar e fiscalizar o seu integral cumprimento;

– condenação dos réus ao pagamento de uma indenização, pelos danos patrimoniais e morais causados ao bem tombado e a toda coletividade. O dano patrimonial deve ser arbitrado judicialmente, a partir de laudo elaborado por perito judicial, que apure o montante do dano materializado nas obras ilegalmente realizadas no Edifício da Luz. Relativamente ao dano extrapatrimonial impede salientar que, independentemente do dano material, a destruição de elementos arquitetônicos integrantes do Edifício da Luz atinge a moral coletiva da população, dentro do pressuposto de respeito à dignidade humana, assegurada através da preservação da memória, ação e identidade do povo brasileiro. Para a estimativa deste valor, requer-se a adoção, como paradigma, da regra contida no artigo 17 do Decreto 25/1937, que estabelece multa de 50% do dano causado às coisas tombadas que forem destruídas, demolidas ou mutiladas. Assim, como a degradação ao meio ambiente cultural traz prejuízos ao bem que pertence a toda a coletividade, requer-se que as somas em dinheiro que os réus devem ressarcir, pelos danos morais e materiais, sejam revertidas para o “Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados”, de que trata o art. 13, da Lei nº 7.347/85, regulamentado pelo Decreto Presidencial nº 1306, de 09 de novembro de 1994;

– a condenação da ré Fundação Roberto Marinho, em obrigação de fazer, consistente no patrocínio e na divulgação da sentença condenatória proferida, pela imprensa escrita e televisionada, de âmbito nacional.


Requer-se, ainda, a cominação de multa diária à ré Fundação Roberto Marinho, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), conforme previsto no artigo 11 da Lei nº 7347 de 24-07-1985, para a hipótese de não cumprimento das obrigações de fazer acima requeridas.

Por fim, requer-se a condenação dos réus ao pagamento das custas e demais despesas processuais, inclusive honorários de advogado, cujo valor será revertido em favor do Fundo, previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85.

Protesta-se por provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, em especial, mediante prova documental, pericial, testemunhal e mediante inspeção judicial.

Dá à presente causa o valor estimado de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), em razão do valor incomensurável do bem tombado.

São Paulo, 17 de dezembro de 2004.

ADRIANA ZAWADA MELO

Procuradora da República

ROSANE CIMA CAMPIOTTO

Procuradora da República

Notas de rodapé

1. Manual de direito ambiental e legislação aplicável, p. 61-62.

2. Adolpho Augusto Pinto, História da Viação Pública de S. Paulo, Apud Beatriz Mugayar Kühl, Arquitetura do ferro e Arquitetura Ferroviária em São Paulo, p. 131.

3. Beatriz Mugayar Kühl, Arquitetura do ferro e Arquitetura Ferroviária em São Paulo, p. 131.

4. Conforme estudo denominado A estrada de Ferro Inglesa, a Estação da Luz e a influência Inglesa no Brasil dos Barões do Café, p. 68, elaborado, em 1995, por Adler Homero Fonseca de Castro, Assistente Técnico de Pesquisa do IPHAN e que se encontra encartado aos autos do processo 944-T76, referente ao tombamento da Estação da Luz.

5. Luiz Octavio Lima, Inaugurada a primeira Estação da Luz, jornal “O Estado de São Paulo”, disponível em .

6. Conforme estudo denominado A estrada de Ferro Inglesa, a Estação da Luz e a influência Inglesa no Brasil dos Barões do Café, p. 71, elaborado, em 1995, por Adler Homero Fonseca de Castro, Assistente Técnico de Pesquisa do IPHAN e que se encontra encartado aos autos do processo 944-T76, referente ao tombamento da Estação da Luz.

7. Apud Adler Homero Fonseca de Castro, A estrada de Ferro Inglesa, a Estação da Luz e a influência Inglesa no Brasil dos Barões do Café, p. 82.

8. Direito Ambiental Brasileiro – 11ª edição – Editora Malheiros, p. 906

9. Manual de Direito Ambiental – Editora Saraiva, p. 244.

10. José Afonso da Silva, Direito Constitucional Ambiental, pag.03

11. Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues, Manual de direito ambiental, pg. 61.

12. Dicionário Crítico de política cultual, pg. 288

13. Direito Ambiental Brasileiro, 11ª edição – Ed. Malheiros, p. 894.

14. Direito Ambiental Brasileiro, Ed. Malheiros 2003

15. PACCAGNELLA, Luis Henrique. Dano moral ambiental apud José Rubens Morato Leite, Dano Ambiental: do individual coletivo extrapatrimonial – Editora RT – 2003, p. 295

16. BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo, no atual contexto jurídico brasileiro. Apud José Rubens Morato Leite, Dano Ambiental: do individual coletivo extrapatrimonial – Editora RT – 2003, p. 296

17. BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo, no atual contexto jurídico brasileiro. Apud José Rubens Morato Leite, Dano Ambiental: do individual coletivo extrapatrimonial – Editora RT – 2003, p. 296.

18. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo cautelar. Leud. 14 ed. p. 77.

19. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. Saraiva. v. 3. 13. ed. p. 154

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