É insustentável a tese de que só é possível fazer saques em conta corrente de cliente bancário com cartão magnético e senha pessoal. O próprio site da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) reconhece a ocorrência freqüente de falhas e fraudes que causam prejuízos ao consumidor dos serviços bancários.
O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. A Turma, em decisão unânime, não conheceu o recurso do banco Itaú e manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro favorável a um casal de irmãos de Campo Grande, no Rio de Janeiro.
O policial militar Alex Brasil Filgueira de Menezes e sua irmã, a estudante Karla Brasil Filgueira de Menezes, entraram na Justiça do Rio de Janeiro, sob o benefício da justiça gratuita, com um processo contra o banco Itaú, para se livrarem do dever de pagar R$ 3 mil em razão de saques indevidos em sua conta conjunta.
Pediram, também, que o banco lhes devolvesse em dobro o valor cobrado, além de reparação por danos morais, no valor de cem salários mínimos por todo o sofrimento e humilhação causado no episódio.
Segundo o processo, o policial militar e sua irmã mantinham uma conta corrente conjunta no banco Itaú, desde agosto de 1998. Do dia 31 de agosto a 23 de setembro, cerca de 24 dias, foram feitos cinco saques indevidos de R$ 500, totalizando R$ 3 mil. Eles alegam que nas datas dos saques, o policial militar sequer estava no estado do Rio de Janeiro. Após várias tentativas de solucionar a questão amigavelmente, os dois entraram na Justiça contra o banco.
A primeira instância acolheu parcialmente o pedido dos autores da ação. O juiz declarou a inexistência do débito e condenou o banco a pagar os R$ 3 mil exigidos, por danos materiais e R$ 3,6 mil para cada um dos autores como reparação por danos morais.
O banco recorreu. O Tribunal de Justiça fluminense rejeitou a apelação do Itaú e manteve integralmente a sentença. Os desembargadores entenderam terem ficado provadas no processo a cautela do consumidor na guarda do cartão magnético e a falha na prestação do serviço pela instituição bancária. Para o TJ-RJ, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, o banco é que deveria ter provado que houve desleixo na guarda do cartão, mesmo porque constitui direito básico do consumidor a facilitação de sua defesa, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor.
A instituição financeira apelou então ao STJ. Alegou que agiu no legítimo exercício do seu direito quando debitou os saques da conta dos clientes. Argumentou também ser desnecessário provar a segurança operacional do sistema de saque bancário por meio de cartão magnético, que garantiu ser incólume a falhas.
Sustentou ainda ser fato incontestável que, somente quando revelada a senha pessoal pelo cliente por descaso, negligência ou até mesmo força maior, é que é possível realizar operações na conta bancária por meio de cartão magnético. O banco se posicionou contra a condenação por dano moral por entender não haver existido na hipótese algo assegurasse verba indenizatória. E completou seus argumentos dizendo que competia aos usuários do cartão provar a falha no sistema, o que não foi feito.
Ao rejeitar o recurso do banco e manter integralmente a decisão recorrida, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, considerou que a ocorrência de seis saques do mesmo valor em curto espaço de tempo e os depoimentos produzidos pelos correntistas e suas testemunhas autorizavam, na hipótese, a inversão do ônus da prova.
Para a ministra, é preciso considerar, na questão, que o sistema de cartão magnético foi instituído pelo banco não por motivo altruísta, mas buscando se igualar à concorrência e a agilizar seus procedimentos operacionais.
A ministra enfatizou que a operacionalização desse procedimento é de responsabilidade da instituição bancária e o consumidor não detém nenhuma forma de participação ou monitoramento sobre ele. Ela rejeitou a tese defendida pelo banco de que só com o uso do cartão magnético e da senha pessoal é possível fazer retiradas na conta corrente.
Segundo Nancy Andrighi, essa tese não passa de um dogma que não resiste a crescente descoberta de fraudes e golpes contra correntistas e instituições financeiras, fato inclusive admitido pela Febraban em seu site.
A ministra finalizou ressaltando que, mesmo que não se aplique ao caso a inversão do ônus da prova, ainda assim, com base no artigo 14 do CDC, incumbiria ao fornecedor produzir prova capaz de demonstrar o mau uso do cartão ou a negligência na sua guarda pelo correntista. Por isso, a Turma não conheceu do recurso do banco e manteve o acórdão do TJ-RJ que beneficiou os clientes.
REsp 557.030