A constatação

MP omitiu provas que contrariam acusações contra Ali Mazloum

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20 de dezembro de 2004, 16h37

O Ministério Público omitiu provas que contrariam as acusações contidas na denúncia por formação de quadrilha contra o juiz federal Ali Mazloum. Assim, a denúncia feita na Operação Anaconda é inepta por não expor o delito em toda a sua essência e suas circunstâncias. O entendimento é do ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso, ao conceder Habeas Corpus ao juiz para extinguir a ação penal por formação de quadrilha. O caso foi julgado pela 2ª Turma do STF na semana passada.

Ali Mazloum teve seu nome excluído da lista dos 12 acusados pelo MP no primeiro dia do julgamento sobre o caso no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na última terça-feira (14/12). Dois dias depois, os desembargadores condenaram 10 dos acusados. Apenas o delegado Dirceu Bertin se livrou da acusação.

A denúncia do MP contra Ali Mazloum se apoiou na exigência feita ao policial rodoviário federal Wendel Benevides Matos de lhe conceder acesso a todas as interceptações telefônicas que deram origem à denúncia contra Alexandre Morato Crenitte, Wellengton Carlos de Campos, Ari Natalino da Silva e Débora Aparecida Gonçalves da Silva. Ali Mazloum foi designado para o processo. De acordo com o MP, o pedido feito pelo juiz seria indicativo da participação dele na quadrilha que negociava decisões judiciais.

Segundo Velloso, no entanto, não há nexo lógico ou elo causal entre o possível abuso de autoridade e a participação em quadrilha. Para o ministro, a denúncia de abuso de poder é pouco “para sustentar a acusação feita contra o paciente [Ali Mazloum] de integrar quadrilha”. Ainda porque, de acordo com o ministro, é lícito ao juiz ao qual foi oferecida a denúncia “reclamar o conhecimento de todos os fatos apurados em interceptações telefônicas, fatos em que se embasava a denúncia, denúncia que cabia” a ele receber ou rejeitar.

Segundo Velloso, também não ficou esclarecida, na peça apresentada pelo MP, a posição que Ali Mazloum ocupava na quadrilha, quais os serviços prestados, quais as vantagens ou favores ilícitos obtidos por ele, nem que interesses ilícitos foram protegidos ao aproveitar-se de sua função jurisdicional. “A acusação ensaiou uma explicação flagrantemente inconsistente, visivelmente fantasiosa” para o suposto favorecimento de Herman por Ali Mazloum.

De acordo com o ministro, o Ministério Público selecionou as provas e omitiu na denúncia “inúmeros fatos que contrariam e desqualificam a imputação”, como o conhecimento de que juiz federal postergou o recebimento da denúncia até o recebimento das gravações.

Leia o voto do ministro

VOTO

(VISTA)

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de ALI MAZLOUM, com a alegação de que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal por parte do Eg. Superior Tribunal de Justiça, que manteve acórdão proferido pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3a Região, que recebeu denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal imputando ao paciente e a outros co-réus a prática do crime de quadrilha ou bando (Código Penal, art. 288).

Sustenta o impetrante: a) ocorrência de violação das normas do processo; b) falta de justa causa para a propositura da ação penal, em razão da inépcia da denúncia e da inexistência de participação em quadrilha e da descrição da elementar estabilidade; c) existência de omissão na denúncia; d) constrangimento ilegal ocasionado pelo acórdão que recebeu a denúncia.

Requer a concessão da ordem, a fim de que seja trancada a ação penal.

Na sessão em que teve início o julgamento, o Sr. Ministro Joaquim Barbosa, Relator, votou no sentido da denegação da ordem, no que foi acompanhado pela Sra. Ministra Ellen Gracie. O Sr. Min. Gilmar Mendes, por sua vez, votou no sentido da concessão da ordem de habeas corpus.

Pedi vista dos autos e os trago, a fim de retomarmos o julgamento do writ.

Passo a votar.

O paciente está denunciado como incurso nas penas do art. 288 c/c art. 61, II, g e art. 29, todos do Código Penal (crime de quadrilha), esclarecendo o Ministério Público, na denúncia, que a quadrilha é composta por mentores, auxiliares e informantes (fl. 39).

No que concerne ao paciente, Ali Mazloum, e ao seu irmão, Casem Mazloum, ambos juízes federais, está na denúncia:

“Os magistrados CASEM MAZLOUM e ALI MAZLOUM ocupam funções peculiares na quadrilha, pois têm jurisdição em processos de interesse dos mentores daquela, bem como utilizam-se de ‘serviços’ prestados pela quadrilha para obter vantagens e/ou favores ilícitos. Aproveitam-se da função jurisdicional para proteger os interesses ilícitos da quadrilha.” (Fl. 39)

A denúncia, após longas considerações a respeito da participação dos demais integrantes da quadrilha, imputa ao paciente, Ali Mazloum, a prática de ameaça e de abuso de poder. Segundo a denúncia — fl. 89 dos autos, fl. 54 da denúncia — essa ameaça e abuso de poder é que caracterizariam a participação de Ali na quadrilha. Está na denúncia:


“j) ALI MAZLOUM planeja e realiza para a sua proteção e de outro membro da quadrilha o crime de ameaça e abuso de poder (V.l.j).” (Fl. 89 dos autos, fl. 54 da denúncia)

No ponto — Da ameaça e do abuso de poder — consta da denúncia o seguinte:

“(…)

V.l.j) Da ameaça e do abuso de poder

O Ministério Público Federal denunciou ALEXANDRE MORATO CRENITTE, WELLENGTON CARLOS DE CAMPOS, ARI NATALINO DA SILVA e DÉBORA APARECIDA GONÇALVES DA SILVA pela prática dos crimes descritos nos autos n.° 2003.61.81.007078-8 (doc. n.°). Referida denúncia decorre de fatos apurados com base em interceptações telefônicas autorizadas judicialmente em inquérito policial em trâmite perante a 10ª Vara Federal de Brasília e tramita perante a 7ª Vara Criminal Federal, titularizada pelo Juiz Federal ALI MAZLOUM.

Embora a denúncia date de 16.09.03, até o presente momento não foi recebida pelo magistrado. De fato o Juiz Federal ALI MAZLOUM condicionou o recebimento da denúncia ao conhecimento, por ele, da integralidade das gravações realizadas nas interceptações telefônicas pelo Juiz Federal da 10ª Vara de Brasília.

Demonstrando intenso interesse em conhecer totalmente as gravações acima mencionadas, o magistrado ALI MAZLOUM telefonou para o Policial Rodoviário Federal WENDEL BENEVIDES MATOS em 22.09.03. Em 23.09.03, o PRF WENDEL e seu colega MARCOS PRADO (que tem atuação junto às investigações de Brasília) compareceram ao gabinete do Juiz Federal ALI MAZLOUM. O Juiz exigiu, então, ter acesso a todo o material de Brasília, inclusive daquelas feitas sem a concorrência das operadoras de telefonia. Como justificativa, apontava eventuais falhas na investigação, afirmando que não aceitaria intermediários no acesso às degravações das investigações de Brasília.

Em 24.9.03, o inspetor WENDEL recebeu nova ligação de ALI MAZLOUM, que o advertiu sobre o fato dos inspetores terem narrado a conversa do dia anterior a membros do Ministério Público Federal, afirmando que as conversas entre ele e os policiais rodoviários federais deveriam ser sigilosas, advertindo também que se lembrasse que ‘a corda sempre arrebenta do lado mais fraco’.

ALI MAZLOUM perguntou, então, ao inspetor WENDEL, entregando uma lista contendo três números de telefones para saber se aqueles estavam interceptados por ordem do Juiz de Brasília. O próprio Juiz informou ao PRF WENDEL que um telefone era seu e outro de CÉSAR HERMAN. Wendel negou que qualquer um daqueles números tivesse sido interceptado.

Em 1° de outubro de 2003, ALI MAZLOUM ligou novamente e marcou novo encontro, alegando que precisaria de explicações sobre o conteúdo e manuseio dos CD’s que lhe haviam sido enviados pelo Juiz da 10ª Vara Criminal de Brasília. Em 03.10.03, os policiais rodoviários federais WENDEL, AIRTON e PRADO, encontraram-se com o magistrado ALI MAZLOUM. Nesta reunião, agindo com evidente abuso de poder ameaçou de prisão os policiais rodoviários federais caso os mesmos se submetessem às suas ordens.

ALI MAZLOUM, nesse episódio, demonstrava especial interesse em ter acesso a gravações de conversas realizadas com autorização judicial e para a investigação de Brasília do dia 16.5.03. Mais uma vez afirmou aos PRF’s que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco.’

Verifica-se a atuação do magistrado ALI MAZLOUM, valendo-se de sua condição de membro do Poder Judiciário, para obter informações de interesse próprio não atinente a processos sob sua jurisdição e de outro integrante da quadrilha (CÉSAR HERMAN).

(…).” (Fls. 62-64)

É dizer, o Ministério Público apresentou denúncia contra as pessoas referidas, decorrendo a denúncia de “fatos apurados com base em interceptações telefônicas autorizadas judicialmente em inquérito policial em trâmite perante a 10ª Vara Federal de Brasília e tramita perante a 7ª Vara Criminal Federal, titularizada pelo Juiz Federal ALI MAZLOUM”.

O Juiz Federal Ali Mazloum, segundo a denúncia, “condicionou o recebimento da denúncia ao conhecimento, por ele, da integralidade das gravações realizadas nas interpretações telefônicas pelo Juiz Federal da 10ª Vara de Brasília”.

Exigiu o Juiz Ali Mazloum, está na denúncia, do Policial Rodoviário Federal Wendel Benevides Matos e de seu colega Marcos Prado “ter acesso a todo o material de Brasília”, apontando como justificativa “eventuais falhas na investigação, afirmando que não aceitaria intermediários no acesso às degravações das investigações de Brasília”.

Tendo o inspetor Wendel dado ciência a membros do Ministério Público Federal da conversa havida, acrescenta a denúncia, Ali teria dito que as conversas deveriam ser sigilosas. Teria, então, ameaçado: “a corda sempre arrebenta do lado mais fraco”.

Em 1º.10.2003, informa a denúncia, Ali ligou para os policiais mencionados, alegando que precisaria de explicações sobre o conteúdo e manuseio dos CD’s que lhe haviam sido enviados pelo Juiz da 10ª Vara de Brasília. Os policiais foram ao encontro de Ali. Na reunião, Ali teria ameaçado de prisão os policiais caso não se submetessem às suas ordens.


Ali manifestava interesse em ter acesso às gravações de conversas realizadas com autorização judicial e para a investigação de Brasília do dia 16.5.03. E teria mais uma vez afirmado que a corda arrebenta do lado mais fraco.

Segundo consta da denúncia, Ali Mazloum, por tais fatos, foi denunciado, pelo Ministério Público Federal, pela prática dos crimes de ameaça e abuso de poder (fl. 29 da denúncia, fl. 64 destes autos).

É dizer, existe ação penal promovida contra Ali Mazloum pelos crimes de ameaça e abuso de poder. Noutras palavras, os fatos referentes à ameaça e abuso de poder estão sendo apurados em sede própria.

No caso, a questão a saber é esta: a ameaça e o abuso de poder estariam a demonstrar a participação de Ali na quadrilha referida pelo Ministério Público? Ou, como argumenta e indaga o eminente advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, impetrante da ordem de habeas corpus, “em que medida esta eventual ameaça é indicativo de participação em quadrilha? Qual o liame, o nexo lógico, o elo causal entre o possível abuso de autoridade e a participação em quadrilha?”

A denúncia, conforme já anotado, responde assim: “j) ALI MAZLOUM planeja e realiza para a sua proteção e de outro membro da quadrilha o crime de ameaça e abuso de poder (V.l.j)”. Consta, mais, da denúncia, no item V.l.j — fl. 27 da denúncia, fl. 62 dos autos — que Ali teria perguntado “ao inspetor WENDEL, entregando uma lista contendo três números de telefones para saber se aqueles estavam interceptados por ordem do Juiz de Brasília. O próprio Juiz informou ao PRF WENDEL que um telefone era seu e outro de CÉSAR HERMAN. Wendel negou que qualquer um daqueles números tivesse sido interceptado”.

Ora, força é convir que isso é muito pouco para sustentar a acusação feita contra o paciente de integrar quadrilha.

E convém registrar que a denúncia oferecida contra Alexandre Morato Crenite e outros, embasada em fatos apurados em interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, o foi perante o Juiz Ali, vale dizer, perante a Vara Federal “titularizada pelo Juiz Federal ALI MAZLOUM”. (fl. 27 da denúncia, fl. 62 dos autos).

Pergunta-se: ao juiz perante o qual foi oferecida a denúncia era lícito reclamar o conhecimento de todos os fatos apurados em interceptações telefônicas, fatos em que se embasava a denúncia, denúncia que ao referido juiz cumpria receber ou rejeitar? Penso que qualquer operador do direito responderá afirmativamente. Era mesmo dever do juiz reclamar essa prova.

A denúncia afirma que o paciente ALI ocupa posição peculiar na quadrilha.

Mas que posição é essa? A denúncia não esclarece.

Ali teria se utilizado de “serviços” prestados pela quadrilha, está na denúncia. Que “serviços” são esses? A denúncia também não esclarece.

Os “serviços” prestados pela quadrilha seriam “para obter vantagens e/ou favores ilícitos”. Que vantagens e/ou favores ilícitos foram obtidos? A denúncia também silencia no ponto.

Ali aproveita-se “da função jurisdicional ‘para proteger os interesses ilícitos da quadrilha”, está na denúncia. Que interesses ilícitos foram protegidos por Ali? De que forma Ali aproveita-se ou aproveitou-se da função jurisdicional? A denúncia também não esclarece. É certo que afirma que “planeja e realiza para a sua proteção e de outro membro da quadrilha o crime de ameaça e abuso de poder.” Isso, entretanto, foi analisado linhas atrás e vimos a inconsistência dessa afirmativa constante da denúncia.

Voltemos ao caso da ameaça e do abuso do poder.

O paciente, ficou esclarecido, exigiu que viessem para os autos da ação penal, que corria sob sua direção, todos os fatos apurados em interceptações telefônicas, fatos em que se embasava a denúncia, que deveria receber ou rejeitar.

Vale salientar, a propósito, o que, no memorial que nos foi apresentado pelo ilustre advogado Mariz de Oliveira, está escrito:

“(…)

A acusação ensaiou uma explicação flagrantemente inconsistente, visivelmente fantasiosa, no sentido de que o objeto de ALI MAZLOUM seria o de saber se CÉSAR HERMAN, suposto membro da quadrilha, teria sido alvo de monitoramento telefônico. Queria, assim, ‘proteger’ membros da quadrilha.

Já foi afirmado e reafirmado, está cabalmente provado que, antes de conversar diretamente com os policiais rodoviários, o paciente já havia oficiado ao Juiz de Brasília cobrando a totalidade das interceptações. Afinal, era um processo de sua competência, em relação ao qual lhe fora solicitado o recebimento de uma denúncia é até prisão cautelar. O raciocínio que a lógica impõe é o seguinte: se quisesse proteger membros da quadrilha de possíveis gravações comprometedoras, teria requisitado oficialmente as interceptações? Ele gostaria que esta prova, até então distante e desconhecida, integrasse oficialmente o processo, para ciência das partes e do Ministério Público?

Cabe reconhecer, além do mais, que a própria decisão de postergamento de recebimento da denúncia até a vinda das gravações, postura esta, aliás, também adotada por seu sucessor Caio Moyses de Lima — e em relação a ele ninguém suspeitou de seu desiderato –, é mais uma demonstração clara de que ALI não tinha qualquer temor quanto o teor das gravações.

(…).” (Fl. 02 do memorial)


Importante trazer ao debate, também, os fatos indicados na inicial, devidamente documentados, e que vêm em socorro da defesa do paciente:

“(…)

Cumpre, nesta oportunidade, mostrar que dentro do ilegal critério seletivo de provas, foram omitidos pela denúncia inúmeros fatos que contrariam e desqualificam a imputação. Pedimos vênia para mencionar alguns desses aspectos que militam a favor de Ali Mazloum:

– Em 19.02.03 ele decretou a prisão preventiva de Ari Natalino da Silva nos autos do processo n° 2003.61.81.001098-9 (Doc. 12). Ari Natalino seria um dos protegidos da quadrilha.

– Neste mesmo feito, Ari foi condenado em 29.08.03, em sentença da lavra do requerente, à pena privativa de liberdade de 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão, uma sanção próxima à pena máxima cominada para o delito (Doc. 13).

– Nos autos do processo n° 2003.61.81.001439-9, onde figura como acusada a esposa de Ari Natalino, Sra. Aparecida Maria Pessuto, ALI MAZLOUM decretou sua prisão preventiva, estando a ação penal ainda em trâmite com a ré presa (Doc. 14).

– No inquérito policial n° 2002.61.81.003540-4, investigação na qual se apuram diversos delitos em tese cometidos por Ari Natalino da Silva e pessoas a ele ligadas, o ora requerente decretou quebras de sigilo bancário e fiscal de dezenas de pessoas físicas e jurídicas ligadas ao grupo de Ari. Além disso, determinou a expedição de inúmeros mandados de busca e apreensão, em diversos endereços de pessoas físicas e jurídicas, inclusive em outros Estados. E, ainda autorizou a interceptação telefônica de várias pessoas, procedimento este que inclusive possibilitou a localização e prisão da ex-mulher de Ari Natalino, foragida até então (Doc. 15).

– No procedimento 2003.61.81.007078-0 o paciente decretou a prisão temporária do Delegado Alexandre Morato Crenite em 08.09.03 (Doc. 6), a renovou em 12.09.03 (Doc. 7), e, depois, quando vencido o prazo da temporária, determinou a sua soltura já que não lhe foram encaminhadas todas as interceptações telefônicas (Doc. 8). Alexandre Crenite também teria ligações com alguns dos co-denunciados.

– Outro suposto contato do bando seria Law Kin Chong (Doc. 1 – fls. 33). Consta ainda da inicial que tal pessoa teve suas atividades investigadas por meio de Inquérito Policial que tramita pela 7ª Vara Federal, cujo titular é o Juiz aqui acusado. Omitiu a inicial que ALI MAZLOUM determinou, por três vezes, busca e apreensão em estabelecimentos ligados ao Sr. Law, deferindo pleito ministerial que visava angariar provas que o incriminassem (Doc. 16).

(…).” (Fls. 25-26)

O art. 41 do Código de Processo Penal estabelece que “a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

A denúncia conterá, pois, “a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias”, lecionando Mirabete que “é indispensável que na denúncia se descreva, ainda que sucintamente, o fato atribuído ao acusado, não podendo ser recebida a inicial que contenha descrição vaga, imprecisa, de tal forma lacônica que torne impossível ou extremamente difícil ao denunciado entender de qual fato preciso está sendo acusado” (Julio Fabbrini Mirabete, “Código de Processo Penal Interpretado”, Ed. Atlas, 8ª ed., 2001, pág. 171). Registra Mirabete que as circunstâncias do fato criminoso se resumem nas “seguintes indagações: quis (o sujeito ativo do crime); quibus auxiliis (os autores e meios empregados); quid (o mal produzido); ubi (o lugar do crime); cur (os motivos do crime); quomodo (a maneira pela qual foi praticado) e quando (o tempo do fato). Assim havendo concurso de pessoas, é necessário que a denúncia especifique qual o comportamento de cada um dos co-autores ou partícipes e como ele concorreu para o resultado” (ob. cit., págs. 172-173).

No HC 73.271/SP, Relator o eminente Ministro CELSO DE MELLO, mencionado pelo Sr. Ministro Gilmar Mendes, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“(…)

PERSECUÇÃO PENAL – MINISTÉRIO PÚBLICO – APTIDÃO DA DENÚNCIA.

O Ministério Público, para validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma necessária base empírica, a fim de que o exercício desse grave dever-poder não se transforme em instrumento de injusta persecução estatal. O ajuizamento da ação penal condenatória supõe a existência de justa causa, que se tem por inocorrente quando o comportamento atribuído ao réu ‘nem mesmo em tese constitui crime, ou quando, configurando uma infração penal, resulta de pura criação mental da acusação’ (RF 150/393, Rel. Min. OROZIMBO NONATO).

A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o pleno exercício do direito de defesa. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é denúncia inepta. Precedente.

(…).” (“DJ” de 04.10.96)

A denúncia, no caso sob exame, bem anotou o Ministro Gilmar Mendes, é inepta. A ameaça e o abuso de poder estão sendo investigados em sede própria, por isso que ficou esclarecido que contra o paciente foi instaurada ação penal. O que não é possível é a inclusão do paciente numa denúncia por formação de quadrilha sem que sejam apontados os fatos, como linhas atrás tentamos demonstrar, que indicariam a participação do paciente nessa quadrilha, ou, como bem sustenta o ilustre impetrante, o Dr. Mariz de Oliveira, sem que se demonstre “em que medida esta eventual ameaça é indicativo de participação em quadrilha”, ou “qual o liame, o nexo lógico, o elo causal entre o possível abuso de autoridade e a participação em quadrilha”.

Do exposto, com a vênia do Sr. Ministro Joaquim Barbosa e da Sr. Ministra Ellen Gracie, adiro ao voto do Sr. Ministro Gilmar Mendes e concedo a ordem de habeas corpus.

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