Continuam no banco

Supremo nega extensão de Habeas Corpus a acusados na Anaconda

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16 de dezembro de 2004, 19h13

O juiz Casem Mazloum, o advogado Carlos Alberto da Costa Silva e o empresário Vagner Rocha vão permanecer no banco dos réus do julgamento dos acusados pela venda de sentenças e implicados na Operação Anaconda. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, negou no final da tarde desta quinta-feira (16/12) a extensão do Habeas Corpus que fora concedido a outro acusado da Anaconda, o juiz Ali Mazloum na última terça-feira (14/12).

Ali foi liberado pelo STF de ser julgado pelo crime de formação de quadrilha. A decisão veio no primeiro dia de julgamento realizado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região que avaliava a denúncia de formação de quadrilha contra 12 acusados na Operação Anaconda.

O irmão de Ali, Casem Mazloum, além do advogado e do empresário, tentaram fazer com que a concessão do Habeas Corpus fosse estendida a eles. No entanto, o ministro Gilmar Mendes indeferiu os pedidos por entender que a extensão do Habeas Corpus só é válida quando os co-réus estejam em situação objetivamente idêntica à do beneficiado. No caso deles, as situações não são as mesmas.

O STF julgou não haver quaisquer indícios que pudessem incriminar Ali Mazloum por formação de quadrilha. Já a denúncia apresentada pelo Ministério Público contra Casem Mazloum, Costa Silva e Vagner Rocha apresentam elementos suficientes para que eles sejam submetidos a julgamento.

Leia os despachos do ministro Gilmar Mendes

EXT. EM HABEAS CORPUS 84.409-0 SÃO PAULO

RELATOR ORIGINÁRIO: MIN. JOAQUIM BARBOSA

RELATOR PARA O ACÓRDÃO: MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S): ALI MAZLOUM

IMPETRANTE(S): ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de dois pedidos de extensão de decisão proferida pela Segunda Turma, em 14 de dezembro próximo passado, que concedeu ordem de habeas corpus por reconhecer a inépcia da denúncia contra ALI MAZLOUM.

CAZEM MASLOUM sustenta que a denúncia relativamente à sua conduta também não preenche as formalidades legais. Afirma-se que “exatamente como ocorreu com o impetrante Ali Mazloum, a acusação narrou fatos que estão sendo apurados em procedimentos próprios e autônomos, que não guardam qualquer relação com os interesses escusos da suposta quadrilha.” Alega-se que o requerente está em situação idêntica à do co-réu.

CARLOS ALBERTO DA COSTA SILVA assevera, igualmente, que “em relação a este a denúncia sob exame também é inepta pois em momento algum descreve a prática concreta de um único ato sequer que pudesse configurar algum ilícito” por ele (fl. 586). Em seguida, traz uma série de considerações acerca da ilegalidade da decretação da prisão preventiva do requerente.

Inicialmente, destaco que as questões relativas à legalidade da prisão preventiva decretada na ação penal por não ter sido o objeto de exame e decisão da Segunda Turma. Trata-se de matéria nova, razão pela qual dela não conheço.

A Segunda Turma entendeu estar caracterizada a inépcia da denúncia em relação a ALI MAZLOUM, por não preencher os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.

Em meu voto, que iniciou a divergência e restou vencedor, defendi que os requisitos da denúncia referidos no art. 41 do Código de Processo Penal revelam concretização do direito de defesa. Apontei dois acórdãos da relatoria do Ministro Celso de Melo que corroboram esse entendimento (HC 73.271, DJ 04.10.94 e HC 70.763, DJ 23.09.94).

O tema tem, portanto, sérias implicações no campo do Direito Constitucional.

Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. Mais! Quando se fazem imputações vagas está a se violar, também, o princípio da dignidade da pessoa humana, que, entre nós, tem base positiva no artigo 1o, III, da Constituição.

Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana [“Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs.”] (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck , 1990, 1I 18).

Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe a um indivíduo. Daí a necessidade de rigor e prudência por parte daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.

Com esses fundamentos, corroborados com as considerações de Carlos Velloso e Celso de Melo, a Segunda Turma analisou denúncia contra ALI MASLOUM e concluiu pela sua flagrante desconformidade com os postulados processuais-constitucionais.

Todavia, a extensão da decisão em habeas corpus para co-réu somente pode abranger aquele que esteja em situação objetivamente idêntica à do beneficiado.

Esta é a posição da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal relativamente à exegese do art. 580 do Código de Processo Penal:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CUSTÓDIA CAUTELAR. EXTENSÃO AO PACIENTE DE DECISÃO QUE CONCEDEU LIBERDADE PROVISÓRIA A CO-RÉUS. I. – Ausência de isonomia que imponha a extensão da liberdade provisória ao paciente, dado que, com relação a ele, o decreto de prisão preventiva encontra-se suficientemente fundamentado. II. – HC indeferido.” (HC 83.558, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.02.04)

Na espécie, observo que não é comum a descrição da conduta atribuída a ALI MAZLOUM (beneficiado pelo habeas corpus) e dos ora requerentes. Outras passagens da denúncia descrevem condutas atribuídas a CAZEM. Quanto a CARLOS ALBERTO, embora a denúncia seja sucinta, não se trata da mesma situação descrita em relação a ALI.

Para a extensão do habeas corpus, as situações haveriam de ser idênticas, o que não me parece estar demonstrado pelos requerentes.

Nesses termos, indefiro os pedidos.

Publique-se.

Brasília, 16 de dezembro de 2004.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

SEG. EXT. EM HABEAS CORPUS 84.409-0 SÃO PAULO

RELATOR ORIGINÁRIO: MIN. JOAQUIM BARBOSA

RELATOR PARA O ACÓRDÃO: MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S): ALI MAZLOUM

IMPETRANTE(S): ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: VAGNER ROCHA formula pedido de extensão de decisão proferida pela Segunda Turma, em 14 de dezembro próximo passado, que concedeu ordem de habeas corpus por reconhecer a inépcia da denúncia contra ALI MAZLOUM.

O requerente traz várias alegações para demonstrar a inépcia da denúncia em relação a sua pessoa. Todavia, essas considerações não foram as analisadas e decididas pela Segunda Turma.

A Segunda Turma entendeu estar caracterizada a inépcia da denúncia em relação a ALI MAZLOUM, por não preencher os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.

Em meu voto, que iniciou a divergência e restou vencedor, defendi que os requisitos da denúncia referidos no art. 41 do Código de Processo Penal revelam concretização do direito de defesa. Apontei dois acórdãos da relatoria do Ministro Celso de Melo que corroboram esse entendimento (HC 73.271, DJ 04.10.94 e HC 70.763, DJ 23.09.94).

O tema tem, portanto, sérias implicações no campo do Direito Constitucional.

Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. Mais! Quando se fazem imputações vagas está a se violar, também, o princípio da dignidade da pessoa humana, que, entre nós, tem base positiva no artigo 1o, III, da Constituição.

Como se sabe, na sua acepção originária, este princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana [“Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs.”] (MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck , 1990, 1I 18).

Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe a um indivíduo. Daí a necessidade de rigor e prudência por parte daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.

Com esses fundamentos, corroborados com as considerações de Carlos Velloso e Celso de Melo, a Segunda Turma analisou denúncia contra ALI MASLOUM e concluiu pela sua flagrante desconformidade com os postulados processuais-constitucionais.

Todavia, a extensão da decisão em habeas corpus para co-réu somente pode abranger aquele que esteja em situação objetivamente idêntica à do beneficiado.

Esta é a posição da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal relativamente à exegese do art. 580 do Código de Processo Penal:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CUSTÓDIA CAUTELAR. EXTENSÃO AO PACIENTE DE DECISÃO QUE CONCEDEU LIBERDADE PROVISÓRIA A CO-RÉUS. I. – Ausência de isonomia que imponha a extensão da liberdade provisória ao paciente, dado que, com relação a ele, o decreto de prisão preventiva encontra-se suficientemente fundamentado. II. – HC indeferido.” (HC 83.558, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.02.04)

Na espécie, observo que não é comum a descrição da conduta atribuída a ALI MAZLOUM (beneficiado pelo habeas corpus) e a do ora requerente.

Para a extensão do habeas corpus, as situações haveriam de ser idênticas, o que não me parece estar demonstrado pelo requerente.

Nesses termos, indefiro o pedido.

Publique-se.

Brasília, 16 de dezembro de 2004.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

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