Sem privilégio

Militar não tem direito a transferência automática de universidade

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16 de dezembro de 2004, 16h26

Os militares transferidos de cidades e seus dependentes não têm direito a transferência automática de universidade privada para pública. A decisão é do Supremo Tribunal Federal, que julgou procedente, em parte, o pedido para que fosse declarado inconstitucional o artigo de lei que permitia a transferência mesmo que a instituição de destino não fosse congênere a de origem.

O Plenário acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio, que decidiu dar ao artigo 1º da Lei 9.536/97 interpretação conforme a Constituição Federal, de modo a autorizar a transferência obrigatória apenas para universidades congêneres.

A polêmica sobre a transferência de militares e seus dependentes teve início com a decisão da Universidade de Brasília (UnB) de cancelar seu vestibular em virtude de parecer da Advocacia-Geral da União permitindo o benefício. O ofício foi expedido em agosto deste ano. Só a UnB constatou 70 pedidos de transferências de militares.

Em setembro, o juiz federal Aroldo José Washington, da 4ª Vara Federal Cível de São Paulo, concedeu liminar que cassou a possibilidade de garantia de vaga nas universidades públicas aos militares e seus dependentes. A ação foi impetrada pelo Ministério Público Federal.

Segundo Washington , o parecer da AGU comete “nítida ofensa ao princípio da isonomia”. Ele acrescentou que a transferência de um aluno oriundo de uma universidade particular, que registra processo de seleção com concorrência menor que o de uma universidade pública, sem a exigência do vestibular, ofende o princípio da igualdade, previsto no artigo 5º da Constituição Federal.

ADI 3.324

Leia a íntegra do voto do ministro Marco Aurélio

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Esta ação direta de inconstitucionalidade faz-se dirigida contra o artigo 1º da Lei nº 9.536/97:

Art. 1º A transferência ex officio a que se refere o parágrafo único do art. 49 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, será efetivada, entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, em qualquer época do ano e independente da existência de vaga, quando se tratar de servidor público federal civil ou militar estudante, ou seu dependente estudante, se requerida em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício, que acarrete mudança de domicílio para o município onde se situa a instituição recebedora ou para a localidade mais próxima desta.

O artigo 49 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional:

Art. 49. As instituições de educação superior aceitarão a transferência de alunos regulares, para cursos afins, na hipótese de existência de vagas, e mediante processo seletivo.

Parágrafo único. As transferências ex officio dar-se-ão na forma da lei.

Assevera-se que o preceito encerra a possibilidade de egressos de instituições privadas virem a ser transferidos para instituições públicas, com ofensa ao disposto nos artigos 5º, cabeça e inciso I; 37, cabeça; 206, inciso I a VII; 207, cabeça; 208, inciso V, da Constituição Federal.

Eis as razões apresentadas (folha 4):

I – PRINCÍPIO DA ISONOMIA E DA PROPORCIONALIDADE – IGUALDADE DE ACESSO AOS NÍVEIS MAIS ELEVADOS DE ENSINO – ART. 5º, CAPUT E I; 37, CAPUT; 206, I A VII; 208, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

Busca-se demonstrar que o tratamento diferenciado encerra exceção e que há de estar assentado em relação de causa e efeito bem como na proporcionalidade entre o meio utilizado para a tutela de bem individual ou de grupo e os efeitos da medida, considerada a coisa pública. Ter-se-ia o menosprezo aos citados princípios. Daí sustentar-se a violência ao princípio da igualdade de acesso ao ensino, previsto no artigo 206, inciso I, da Constituição Federal, e ao princípio republicano – a coisa pública pertence a todos –, a desaguar no ingresso mediante o critério meritocrático de seleção, via o vestibular, tal como previsto no inciso V do artigo 206 da Constituição Federal, prevalecendo os princípios da impessoalidade e da moralidade, consagrados no artigo 37 do citado diploma. Reconhece-se a freqüência, no caso dos militares, das transferências, em vista da própria carreira, mostrando-se, portanto, aceitável o direito, alcançados os dependentes estudantes, à viabilização da continuidade dos estudos, objetivo maior almejado. Refuta-se a possibilidade de, a partir desse enfoque, chegar-se à transferência de um estabelecimento privado de ensino para uma instituição pública. Evoca-se artigo de ex-Presidente da Corte, ministro Maurício Corrêa, no jornal Correio Braziliense, de 4 de outubro de 2004, sobre a questão, publicado com título sugestivo – “Apelo ao Bom Senso”, segundo o qual a transferência que se pretende glosada extravasa o propósito de assegurar a educação do servidor. Faltaria correlação lógica entre meio e fim, ficando configurada a transgressão do artigo 5º, cabeça e inciso I, e 206, inciso I, da Constituição Federal, implicando o artigo 1º da Lei nº 9.536/97 desrespeito ao princípio da proporcionalidade, com privilégio para determinado grupo social. Absorvidas as vagas existentes, restaria afastada a possibilidade de ingresso do conjunto social, em benefício de alguns poucos. Então, diz-se obstaculizado o acesso da sociedade à educação.


Diante das limitações do Estado na promoção do ensino público, argumenta-se que há de prevalecer o critério da seleção, concorrendo os candidatos, no vestibular, às vagas existentes. O grande número de instituições privadas estaria a revelar via mais larga de acesso em contraposição às dificuldades do setor público, a tornar menor a entrada nas faculdades públicas. Assim, o ingresso do militar oriundo do estabelecimento particular de ensino superior em instituição de natureza pública acabaria por burlar a igualdade consagrada na Constituição Federal, violando o artigo 208, inciso V, nela contido, presente a ênfase, no acesso aos níveis mais elevados do ensino, da capacidade de cada um. Conclui-se pela necessidade de o artigo 1º da Lei nº 9.536/97 ser interpretado de forma harmônica com os mandamentos constitucionais, colando-se, para a transferência de ofício, o critério da congeneridade. Evoca-se o artigo 99 da Lei nº 8.112/90, no que, relativamente aos servidores civis, prevê a matrícula em instituição congênere – artigo 99. A existência de regime jurídico próprio aos militares não consubstanciaria, consoante as razões expendidas, fator suficiente a respaldar o tratamento diferenciado. Cita-se a análise de Jorge Miranda à norma do artigo 13 da Carta da República de Portugal, salientando-se o destaque dado à capacidade própria de cada indivíduo bem como à preservação da qualidade do ensino.

II – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA – VIOLAÇÃO AO ARTIGO 207 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

De acordo com a inicial, o princípio repousaria na liberdade de convicção e expressão, afastando-se ingerências e assegurando-se a liberdade. Por isso, assevera-se que as restrições decorrentes da lei deveriam estar lastreadas no princípio da proporcionalidade, utilizando-se os meios menos gravosos para a realização do fim buscado. A transferência de instituição privada para a pública estaria a desatender a esse princípio. Daí a vulneração ao artigo 207 da Carta Federal. Esclarece-se que, ante a divergência entre as consultorias jurídicas do Ministério da Defesa e do Ministério da Educação, a Advocacia-Geral da União veio a emitir parecer –AGU/RA — 02/2004 – que ficou assim sintetizado (folha 84):

I – O servidor militar transferido ex officio, bem como seus dependentes, têm direito à matrícula em estabelecimento de ensino superior público, mesmo na hipótese de ter ingressado originariamente em faculdade particular, ainda que no novo domicílio exista instituição de ensino privado.

II – O servidor militar e seus dependentes estão sujeitos exclusivamente à disciplina da Lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 1997, a qual não faz referência ao termo “congênere”.

III – O termo “congênere”, previsto no art. 99 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, não deve ser aplicado nas hipóteses em que o servidor militar é transferido, consoante a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça.

Sob o ângulo da concessão da medida acauteladora, assevera-se a relevância do tema e o risco de manter-se com plena eficácia o quadro. O processo seletivo de alunos para as universidades federais já estaria em andamento, podendo vir a ser prejudicado. Alude-se ao exemplo verificado na Universidade de Brasília – UnB, no que suspenso o vestibular para o curso de Direito e sinalizada a adoção de idêntica medida relativamente aos cursos de Administração e Medicina. Afirma-se que no curso de Direito, apenas em 2004, setenta e nove alunos ingressaram por transferência obrigatória, cinqüenta deles originários de instituições particulares. Em 2003, o saldo fora de cento e onze estudantes militares transferidos, conforme notícia do Decanato de Ensino de Graduação da UnB, havendo sido oferecidas apenas cinqüenta vagas para cada vestibular, configurando-se, como regra, o ingresso de estudantes por transferência e, como exceção, a entrada mediante vestibular; o privilégio tornara-se regra e o mérito, a exceção. Alega-se que as universidades públicas estão compelidas a observar o parecer da Advocacia-Geral da União, por força do artigo 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73/93.

O item concernente ao pleito final mereceu desmembramento, formulando-se pedidos sucessivos. Na hipótese de não se decidir pela interpretação conforme a Constituição do artigo 1º da Lei nº 9.536/97, adotando-se a óptica da transferência segundo a espécie de instituição na origem, requer-se seja declarada a inconstitucionalidade do teor do artigo – folha 2 a 28. À inicial juntaram-se os documentos de folha 29 a 122.

À folha 125, prolatei decisão, acionando a norma do artigo 12 da Lei nº 9.868/99, isso em 11 de outubro de 2004.

As informações do Presidente da República estão calcadas em pronunciamento do Consultor-Geral da União, doutor Manuel Lauro Volkmer de Castilho, que, por sua vez, reporta-se à manifestação da Advocacia-Geral da União. Argúi-se a impossibilidade jurídica do pedido. O Procurador-Geral da República não teria demonstrado divergência na interpretação do artigo 1º da Lei nº 9.356/97, formulando pleito que, a rigor, estaria voltado à declaração de constitucionalidade do texto. Indispensável seria atentar para o disposto nos artigos 13 e seguintes, especialmente o 14 da Lei nº 9.868, de 1999. Em última análise, o pedido alcançaria a introdução, no texto, de restrição não prevista, descabendo ao Supremo atuar como legislador ativo. Assevera-se, então, que “a interpretação pretendida pelo autor incorre em dois equívocos, pois, a um só tempo, afasta a lei posterior (Lei nº 9.356/97), que resumidamente revogou a lei anterior (Lei nº 8.112/90), porque com ela é incompatível, e propõe interpretação da lei posterior com a restrição da lei anterior, o que se revela inteiramente inadequado. A garantia contida no artigo 1º da Lei nº 9.536/97 de transferência independentemente de vagas preserva aquelas destinadas ao vestibular” – folha 132 a 189.


Ao processo veio a informação do Legislativo – folha 191 a 200. Sob o ângulo da concessão de medida acauteladora, argumenta-se com a falta de urgência e do bom direito. Consoante as razões expendidas, não se tem, no texto atacado, o estabelecimento de privilégio, a revelar o favorecimento com um sistema de ensino gratuito quando, na origem, fora obtido o direito ao ensino pago. Assevera-se que a interpretação conforme pretendida resulta na inobservância da separação dos Poderes.

À folha 202 à 214, está a manifestação do Advogado-Geral da União, segundo a qual o pedido não encontra amparo no direito em vigor. Assevera-se que somente poderia ser veiculado caso acionado o antigo instituto da representação interpretativa, abolido pela Carta de 1988. Evoca-se o que externado pelo ministro Moreira Alves na Representação nº 1.417/DF. Aduz-se que os limites da interpretação conforme à Constituição inviabilizam o julgamento do pleito formalizado. A impossibilidade jurídica adviria de se pretender interpretação que estaria a contrariar o entendimento comum sobre o alcance do texto. Quanto ao segundo pedido, formulado para o caso de não se acolher o de interpretação conforme a Carta, aponta-se a inconveniência de desaguar em vácuo legislativo. Evoca-se o que decidido no Recurso Extraordinário nº 174.516/SP, relatado pelo ministro Carlos Velloso, que lhe negou seguimento, ante a preservação dos princípios da isonomia e da autonomia universitária.

No precedente, teria sido discutida a possibilidade de transferência de alunos e a preservação da autonomia universitária. No Recurso Extraordinário nº 134.795-3/DF, por mim relatado, mais uma vez fora proclamado que a transferência de alunos não conflitaria com a autonomia universitária. Busca-se apoio no inciso X do § 3º do artigo 142 da Constituição Federal, no que remete à lei a consideração de situações especiais dos militares. Transcreve-se parte da Exposição de Motivos nº 152, de 25 de março de 1996, relativa à Emenda nº 18, de 5 de fevereiro de 1998. A lei atacada não disciplinaria o acesso, em si, ao ensino superior, cuidando apenas de transferência entre instituições.

O Procurador-Geral da República emitiu o parecer de folha 224 a 248, pela procedência do pedido, ficando a peça assim sintetizada:

Ação direta de inconstitucionalidade contra o art. 1º da Lei nº 9.536/97, que dispõe sobre transferências de estudantes entre instituições de ensino superior.

Preliminar. Possibilidade jurídica do pedido.

Interpretação conforme a Constituição.

Mérito. Princípios da igualdade, proporcionalidade e autonomia universitária. A realidade do processo de transferências nas universidades. Cláusula da reserva do possível.

Necessidade de se dar à norma impugnada interpretação conforme à Constituição para que as transferências obedeçam à regra da congeneridade dos estabelecimentos de ensino.

Esclareço que, antes desse pronunciamento, despachei, atendendo a pedido formulado pelo Fiscal da Lei no sentido de se afastar o julgamento final, examinando-se o pleito de concessão de medida acauteladora – folha 282.

O Presidente da República, representado pelo Advogado-Geral da União, voltou a peticionar, ressaltando, quanto ao julgamento da medida liminar, não se encontrarem presentes os pressupostos que lhe são próprios, evocando-se os dois precedentes citados – Recurso Extraordinário nº 174.516/SP e Recurso Extraordinário nº 134.795-3/DF – e a jurisprudência sobre a importância da data da edição do ato impugnado. A Lei nº 9.536/97 teria alcançado aperfeiçoamento em 11 de dezembro de 1997.

O processo veio-me concluso em 1º de dezembro de 2004, e, em 6 imediato, lancei visto, indicando a inclusão em pauta para julgamento definitivo do pedido.

V O T O

Afasto a impossibilidade jurídica aventada. O Direito conta com instrumentos, expressões e vocábulos com sentido próprio, não cabendo a mesclagem, quando esta se faz a ponto de ensejar regime diverso, construção que não se afina com o arcabouço normativo. Há de se distinguir a ação direta de inconstitucionalidade da ação declaratória de constitucionalidade. São irmãs, cujo alcance é chegar-se à conclusão quer sobre o vício, quer sobre a harmonia do texto em questão com a Carta da República. O que as difere é o pedido formulado. Na ação direta de inconstitucionalidade, requer-se o reconhecimento do conflito do ato atacado com a Constituição Federal, enquanto, na declaratória de constitucionalidade, busca-se ver proclamada a harmonia. A nomenclatura de cada qual das ações evidencia tal diferença.

Pois bem, os artigos 13 e seguintes e, como dito, especialmente o 14, todos da Lei nº 9.868/99, cuidam da ação declaratória de constitucionalidade, e o pedido formulado neste processo não a revela. A ambigüidade que pode suscitar o pleito de julgamento visando à interpretação conforme a Carta longe fica de implicar a confusão. Se julgado procedente, chega-se, sem redução do texto, ao afastamento de regência tida por inconstitucional e esta é, justamente, de acordo com a peça inicial, a de viabilização, pelo artigo 1º da Lei nº 9.536/97, de transferência de instituição particular para pública. O que se busca ver assentado é que, à luz dos textos constitucionais aludidos, a cláusula “… entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino…” não alberga a transferência sem a observância necessária do caráter privado ou público das instituições envolvidas. Rejeito a preliminar evocada.


Antes de adentrar o exame de fundo, esclareço que os precedentes evocados e referidos no relatório não têm a especificidade que os tornaria afinados com a matéria em discussão neste processo. Tanto o de minha lavra, quanto o da relatoria do ministro Carlos Velloso, ambos formalizados em processos subjetivos e não objetivos, longe ficaram de envolver a matrícula em instituição pública quando, na origem, integrado o servidor ou o dependente em estabelecimento particular. Sob o ângulo da dualidade de regência, considerado o artigo 99 da Lei nº 8.112/90 e o artigo 1º da Lei nº 9.536/97, afasto a conclusão sobre a revogação do primeiro diploma. As leis cuidam de temas diversos, ou seja, a 8.112/90, da transferência de servidor civil, e a 9.536/97, de servidor militar.

Realmente, o princípio da isonomia não encerra identidade absoluta, deixando de prevalecer se razoável o fator de discriminação. Então é dado encontrar o ponto em comum da normatização considerados servidores públicos civis e servidores públicos militares, isto é, a transferência do local de trabalho. O artigo 99 da Lei nº 8.112/90 e o 1º da Lei nº 9.536/97 repousam em razão de ser única – a conveniência e, diria mesmo, a necessidade de ato da Administração Pública, de ato de interesse do Estado, não resultar em prejuízo na área sensível que é a da educação. A nova matrícula do servidor ou do dependente, seja ele civil ou militar, é, social e constitucionalmente, aceitável, preservando-se a situação existente e, com isso, eliminando-se o prejuízo, no que buscado aperfeiçoamento que, em última análise, reverte em benefício da administração pública, alfim da própria sociedade. É dado assentar uma premissa: mostra-se em harmonia com a Carta da República texto que assegure a matrícula em instituição de ensino no local de destino, evitando-se o dano que adviria do fato de a Administração Pública haver exigido a prestação de serviços, o trabalho, em outra localidade.

O teor do artigo 1º da Lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 1997, presente a referência a instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, viabiliza entendimentos diversos. A Advocacia-Geral da União, no Parecer RA–02/2004, concluiu estar contemplada a transferência de instituição particular para pública. Sob essa óptica, surge o conflito do texto em exame com a Lei Máxima, considerados valores maiores nesta previstos. O trato dos efeitos da transferência no campo da educação afigura-se desigual, favorecendo servidores militares em detrimento do grande todo, ou seja, do acesso à universidade pelo critério que norteia a realização do vestibular. É sabido que este, em instituição privada, não apresenta as mesmas dificuldades notadas no ingresso em instituição pública. Pois bem, abandonando-se a relação de causalidade própria aos diplomas legais, ter-se-á que, a persistir o artigo 1º da Lei nº 9.536/97, na óptica da Advocacia-Geral da União, o ato de transferência do servidor resultará em vantagem que não encontra justificativa, fugindo à simples razão de ser do texto – preservar a continuidade dos estudos. A matrícula logicamente sempre será pretendida na instituição pública, levando em conta não só a envergadura do ensino, como a própria gratuidade, absorvendo-se vagas que devem e precisam, de acordo com a Constituição Federal, ser oferecidas, presente o mérito dos candidatos, a toda a sociedade, viabilizando-se a participação igualitária em disputa que hoje é acirrada, ante a situação precária do ensino público, notada a flagrante escassez de vagas oferecidas.

Sim, é consentânea com a Carta da República previsão normativa asseguradora, ao militar e ao dependente estudante, do acesso a instituição de ensino na localidade para onde é removido. Todavia, a transferência do local do serviço não pode se mostrar verdadeiro mecanismo para lograr-se a transposição da seara particular para a pública, sob pena de se colocar em plano secundário a isonomia – artigo 5º, cabeça e inciso I -, a impessoalidade, a moralidade na Administração Pública, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola superior, prevista no inciso I do artigo 206, bem como a viabilidade de chegar-se a níveis mais elevados do ensino, no que o inciso V do artigo 208 vincula o fenômeno à capacidade de cada qual. Há mais. Sobressai a contrariedade ao princípio isonômico, no que vieram a ser tratados, de forma desigual, civis e militares, sem que o fator de discriminação mereça agasalho. Enquanto, à luz do artigo 99 da Lei nº 8.112/90, a transferência de civis há de observar a similitude, a igualdade de situações, procedendo-se à matrícula em instituição congênere àquela de origem, os servidores militares têm algo que não lhes homenageia a postura elogiável notada na defesa do respeito a prerrogativas e direitos, ou seja, contam com verdadeiro plus, que é a passagem automática, em virtude da transferência, de uma situação onerosa e que veio a ser alcançada ante parâmetros singulares, para a reveladora de maior vantagem, presentes a gratuidade e a envergadura do ensino. Considerada a autonomia universitária, tomada em sentido maior, admite-se, é certo, o adequação do princípio da legalidade, a submissão à lei, mas indispensável é que se tenha disciplina calcada na proporcionalidade.

Quanto aos pedidos sucessivos, e não alternativos, já que não cabe a terceiro a escolha do cumprimento do que vier a ser decidido, acolho o que se mostrou, ao requerente, ao Procurador-Geral da República, de maior importância e que, portanto, foi formalizado em primeiro lugar. Julgo-o procedente para, sem redução do texto do artigo 1º da Lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 1997, assentar-lhe a inconstitucionalidade, no que se lhe empreste o alcance de permitir a mudança, nele disciplinada, de instituição particular para pública, encerrando a cláusula “entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino” a observância da natureza privada ou pública daquela de origem, viabilizada a matrícula na congênere. Em síntese, dar-se-á a matrícula, segundo o artigo 1º da Lei nº 9.536/97, em instituição privada, se assim o for a de origem, e em pública, caso o servidor ou dependente for egresso de instituição pública.

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