Conta pendurada

Brasil Telecom é condenada a devolver assinatura telefônica

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15 de dezembro de 2004, 16h54

A Brasil Telecom está obrigada a ressarcir o valor pago pela assinatura mensal de conta telefônica aos consumidores Sérgio Gomes de Oliveira, Dione Mara Petroski, Roberto Carlos de Souza e Osmar Daltiba. A decisão é do juiz Rinaldo Forti, titular da 2ª Vara Cível da Comarca de Ariquemes, Rondônia. Cabe recurso.

A BrT terá de indenizar o valor correspondente ao que os consumidores pagaram à empresa nos últimos cinco anos, contados a partir do ajuizamento da ação. O valor deverá ser corrigido mensalmente, a partir da data do reembolso, até o efetivo pagamento, acrescidos de juros legais, contados da citação, tudo a ser apurado na liquidação da sentença.

Os autores alegam que a cobrança de assinatura mensal é absolutamente indevida, sem embasamento legal, além de ofender princípios do Código de Defesa do Consumidor. Como todos os serviços utilizados pelo consumidor são medidos, tarifados e cobrados de acordo com a quantidade de pulsos registrados, não há fundamento para a cobrança de assinatura mensal. Alegam também que nada é oferecido ao usuário da assinatura básica e que qualquer tipo de serviço extra é tarifado pela Brasil Telecom.

Em sua defesa, a BrT alega que o juízo da Comarca de Ariquemes não tem competência para julgar a ação e pede que a Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, seja chamada ao processo por ser órgão regulador do setor. Desta forma, a competência para análise e julgamento do caso seria transferida à Justiça Federal.

O juiz Rinaldo Forti considerou que não se figura o interesse da Anatel, já que se trata de uma agência reguladora dos serviços de telecomunicações, à qual cabe os poderes normativo e disciplinar. Para o juiz, a Anatel não executa serviços, mas apenas fiscaliza sua prestação pelas concessionárias.

“Como se não bastasse, a Anatel em nenhum momento participou da relação jurídica entre os autores e a ré (Brasil Telecom), pois foi somente desta que os requerentes solcitaram prestação de serviços e também e só a ela procede a cobrança das assinaturas, o recolhimento dos valores pagos e a emissão da fatura de serviços de telecomunicações”, concluiu.

Leia a íntegra da setença

Feito nº002.04.007374-4

Vistos e examinados.

SÉRGIO GOMES DE OLIVEIRA, DIONE MARA PETROSKI, ROBERTO CARLOS DE SOUZA e OSMAR DALTIBA, inicialmente qualificados, por advogado constituído, ajuizaram a presente ação que denominaram “declaratória de inexigibilidade da cobrança de tarifa de assinatura mensal em conta telefônica c.c. repetição de indébito e tutela antecipada” que endereçaram a BRASIL TELECOM S/A., também regularmente qualificada.

Narram os autores em sua petição inicial de fls. 03/13, que se servem dos serviços prestados pela requerida pois têm em suas residências e/ou estabelecimentos empresariais terminais telefônicos instalados, discriminando o número das linhas e dos contratos.

Sustentam que durante todo o período do contrato pagaram suas contas, de acordo com as faturas mensalmente emitidas, nas quais constam os valores referentes à assinatura da linha, bem como relativos aos serviços efetivamente prestados pela ré.

Asseveram que a cobrança de assinatura mensal é absolutamente indevida, pois não tem embasamento legal, além de ofender a princípios contidos no Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual afirmam que deve ser sustada sua cobrança e devolvidos os valores pagos pelos autores durante o período contratual a título de assinatura, aduzindo ainda que à ré só seria lícito cobrar por serviços prestados.

Argumentam os autores que o objetivo da presente ação é adequar o serviço prestado pela concessionária aos ditames da Constituição Federal e do C.D.C, obtendo provimento judicial que declare a ilegalidade da cobrança da assinatura, ante a inexistência da prestação de qualquer serviço.

Sustentam que todos os serviços utilizados já são cobrados, não havendo fundamento para a cobrança da assinatura, trazendo à colação a definição da tarifa de assinatura dada pela Resolução nº 85 da ANATEL, bem como a Portaria nº216 da Secretaria Nacional de Comunicações, que estabelecem os métodos pelos quais as chamadas locais podem ser tarifadas.

Segundo os autores, o serviço prestado é medido e tarifado, de acordo com a quantidade de pulsos registrados e nada é oferecido ao usuário dentro da assinatura básica, reafirmando que qualquer tipo de serviço extra é tarifado pela ré.

Aduzem, assim, que a aludida assinatura nada mais é do que contraprestação pela mera disponibilidade do serviço, concluindo que esta não gera ao consumidor a obrigação de pagar, já que não se trata de fornecimento efetivo de serviço, reafirmando que não existe na legislação pertinente fundamento que embase tal cobrança.


Citam os autores artigos da Constituição Federal, da Lei nº 9.472/97, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, e do Código de Defesa do Consumidor ligados ao tema.

Transcrevem ainda os autores, julgados e artigos doutrinários sobre a matéria. Requereram a antecipação parcial dos efeitos da tutela, de modo a suspender a cobrança da taxa de assinatura.

Ao final, pleitearam a procedência da ação para que fosse declarada a inexigibilidade da cobrança da assinatura mensal, bem como fosse condenada a ré a devolver aos autores, em dobro e de uma só vez, todos os valores pagos a esse título, retroativos aos últimos 10 (dez) anos, acrescidos de juros e correção monetária a partir da primeira cobrança indevida até a data da efetiva restituição.

Pugnou ainda pela condenação da requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, e, pela inversão do ônus da prova, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, atribuindo à causa o valor de R$ 700,00 (setecentos reais).

Juntou os documentos de fls. 14/36.

Citada (fls. 39), a ré apresentou a contestação de fls. 40/75, tecendo, inicialmente, comentários acerca dos requisitos para concessão da tutela antecipada.

Em sede de preliminares, a ré aduz a incompetência do Juízo, alegando que a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL deve necessariamente integrar o pólo passivo da ação, por ser órgão regulador do setor, ao qual a União transfere competência administrativa acerca dos serviços de telecomunicações, requerendo, pois, a inclusão deste órgão na lide e o envio dos autos ao juízo federal.

Ainda em preliminares, afirma a total legalidade da assinatura cobrada, argumentando que se justifica pela necessidade de o usuário se manter habilitado junto ao sistema, para que possa usufruir permanentemente da linha instalada em sua residência, afirmando inclusive que o terminal telefônico instalado na residência do usuário não é dele (usuário), mas da concessionária.

Sugere que o acolhimento da tese dos autores poderá arruinar o sistema de telecomunicações do país, afugentar investimentos e capitais, causar intranqüilidade no mercado, ensejar corrosão das reservas cambiais e aumentar o risco país.

No que denomina mérito, sustenta que a cobrança da tarifa se justifica pela necessidade de manutenção de uma intrincada estrutura de telecomunicação, que fica a disposição do usuário dioturnamente, argumentando que a cobrança do indébito não encontram previsão legal, antes, são contrários ao que estatui a legislação que define a tarifa ou preço de assinatura, mencionando também que a cobrança combatida pelos autores está prevista no contrato de concessão firmado entre a ré e a ANATEL, sendo, portanto, completamente legal.

Assevera que a pretensão dos autores encontra óbice no direito adquirido e no ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CF), além de afetar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, pois o preço da assinatura é um mecanismo assegurado às concessionárias para arcarem com os custos da manutenção contínua da disponibilidade do serviço telefônico.

Segundo a ré, se o pedido for julgado procedente, a resolução nº 85/98 da ANATEL, que estabelece tarifas haverá de ser revista e reformada, sob pena de ser atropelada a competência do órgão regulador.

Ao final requer o acolhimento das preliminares suscitadas e, no caso de exame do mérito, que a ação seja julgada improcedente em todos os seus pedidos. Após vieram os autos conclusos para decisão.

É o relatório.

Decido.

O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, pois versa unicamente matéria de direito, não havendo necessidade de prorrogação da instrução probatória.

Antes de mais nada, necessário se faz o exame das preliminares levantadas pela requerida em sua contestação.

Não se afigura evidente o interesse da ANATEL, que é agência reguladora dos serviços de

telecomunicações, à qual cabe os poderes normativo e disciplinar, não executando os serviços, mas apenas fiscalizando sua prestação pelas concessionárias.

Por não se tratar de hipótese de litisconsórcio necessário, tenho que o requerimento da ré tem por desiderato tão somente dificultar a defesa dos interesses dos consumidores em juízo, pois a inclusão da ANATEL no pólo passivo deslocaria a competência para a Justiça Federal, inexistente em nossa comarca.

Como se não bastasse, a ANATEL em nenhum momento participou da relação jurídica entre os autores e a ré, pois foi somente desta que os requerentes solicitaram a prestação de serviços e também é só ela que procede à cobrança das assinaturas, o recolhimento dos valores pagos e a emissão de fatura de serviços de telecomunicação.


Sobre a competência em hipótese semelhante, já se pronunciou o e. STJ:

“Competência. Conflito negativo. Empresa de telefonia.

Ainda que parte no feito companhia de serviços telefônicos, versando a causa sobre atividade simplesmente empresarial e sem presença da União, da Justiça Estadual é a competência. Unânime” (STJ, Ccomp 2598/RS, Rel. Min. Fontes de Alencar, 2ª Seção, decisão: 9.9.1992, DJ 1, de 9.11.1992, p. 20328)”

Assim, por ser a ré pessoa jurídica de direito privado, não se enquadrando em nenhuma das hipóteses descritas no artigo 109 da Constituição Federal, rejeito a preliminar argüida, pelos motivos retro expendidos.

Quanto à segunda preliminar suscitada, percebe-se que diz respeito tão somente à legalidade da assinatura básica e, tal fato, guarda relação justamente com o mérito da questão, não sendo cabível sua análise em sede de preliminar, razão pela qual também a rejeito.

A exploração dos serviços de telecomunicações é de competência da União, que pode fazê-lo diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, a teor do ar. 21, XI da CF.

No Brasil optou-se pela prestação deste serviço de forma indireta, ou seja, delegada, transferindo para empresas privadas a exploração da atividade, que, não obstante, continua sujeita aos princípios que informam a Ordem Jurídico Financeira inscritas na Carta Constitucional, pois a titularidade do serviço continua pertencendo ao Estado.

A pretexto de cobrar pelo serviço público cuja exploração lhe foi delegada, a requerida inclui nas faturas telefônicas dos consumidores um determinado valor sob a denominação de assinatura, termo que será doravante utilizado em prol da objetividade redacional.

A aludida assinatura tem contudo duas características peculiares: a compulsoriedade, posto que é impositiva, alijando de acesso ao serviço o consumidor inadimplente e a cobrança pela mera disponibilidade, impondo-se ao consumidor o pagamento independentemente da utilização do serviço, ou seja, pela simples colocação à sua disposição.

As aludidas características no entanto, são tipicamente de direito público, mais precisamente tributário, exigindo-se para melhor elucidação do tema uma breve, mas necessária digressão sobre uma espécie tributária, qual seja, a taxa.

Sobre a forma de remuneração dos serviços públicos, ensejadora de uma tormentosa teoria sobre preços públicos e sua distinção com as taxas, pontifica Kiyoshi Harada:

“A taxa como espécie tributária que é, tem sua cobrança inteiramente submetida ao regime de direito público, mais precisamente ao regime tributário. É uma obrigação ex lege, só podendo ser exigida dos particulares ‘em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição’ (art. 145, II, da CF)” Logo a seguir o ilustre doutrinador faz o contraponto com o preço público:

“Preço público é sinônimo de tarifa ou simplesmente preço que, no dizer de Alberto Deodato, “nada mais é do que a contraprestação para pelos serviços pedidos ao Estado ou pelos bens por ele vendidos e que constitui a sua receita originária”.

Verifica-se pois, que para haver preço é necessário haver um contrato, que nada mais é do que “o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito”. O preço é, portanto, uma obrigação ex voluntate. Seu regime jurídico é de direito privado, informado pelo princípio da autonomia da vontade.”

Conclui-se que o Poder Público, ao executar pessoalmente as atividades de sua competência pode cobrar taxa, ou preço, segundo a natureza da atividade, se essencial (somente taxa) ou secundária (taxa ou preço).

No entanto, quando o serviço público for delegado, ou seja, executado indiretamente por ente privado, obrigatoriamente o pagamento se dará por preço, jamais por taxa.

Isso porque a taxa, como já dito, é espécie tributária que tem sua cobrança submetida unicamente ao regime de direito público, mais especificamente ao regime tributário.

Exatamente neste ponto inicia-se a distinção dos tributos e das obrigações civis.

Aliomar Baleeiro com singular maestria abordou o tema da seguinte forma:

“O CTN adotou a teoria segundo a qual os tributos se caracterizam pelo caráter compulsório, e, para distingui-los das multas e penalidades, inseriu a cláusula ‘que não constitua sanção de ato ilícito’ Não são tributos, quer do ponto de vista teórico, quer do jurídico, no Brasil, as prestações de caráter contratual, como os ‘preços’ (quase privados, públicos e políticos).”

Depreende-se do aludido ensinamento que preço não se confunde com taxa, que tem caráter compulsório decorrente de sua natureza tributária, enquanto aquele decorre de obrigação civil.


Pois bem, se confrontarmos a definição de taxa, tão bem cunhada pelo mestre Kiyoshi Harada, segundo o qual, taxa é “…um tributo que surge da atuação estatal diretamente dirigida ao contribuinte, quer pelo exercício do poder de polícia, quer pela prestação efetiva ou potencial de um serviço público específico e divisível, cuja base de cálculo difere, necessariamente, da de qualquer imposto…” vê-se que a malsinada assinatura em tudo se assemelha a aludida definição, numa flagrante tentativa de se assenhorar das características de direito público do tributo (taxa) pois cobrada de forma compulsória – uma vez que não pago, o serviço é interrompido – e independentemente de utilização, ou seja, pela mera disponibilidade do serviço.

Já os preços e tarifas públicas, regidas que são pelas normas e princípios de direito privado, decorrentes de contrato, somente poderão ser cobrados se e quando ocorrer a efetiva utilização do serviço pelo consumidor.

Não há que se falar na hipótese de compulsoriedade, pois a relação é contratual, visto tratar-se de acordo de vontade entre as partes, onde impera a liberdade de contratar e de discutir o conteúdo do contrato, decorrendo daí que a relação jurídica estabelecida é de consumo.

A aludida questão é bem apreciada e sintetizada no seguinte trecho da valiosa lição do promotor de justiça Renato Franco de Almeida e da advogada Aline Bayerl Coelho:

“Destarte, ao cobrar quantias de forma compulsória e pela simples disponibilidade do serviço através da chamada assinatura, as operadoras auferem vantagens duas vezes: uma porque cobram valores sem que haja a efetiva utilização do serviço pelo consumidor, ou seja, pela mera disponibilidade, como se verdadeira taxa fosse – o que no caso deste serviço ensejará enriquecimento sem causa para as respectivas operadoras, uma vez que efetivamente não prestarão serviço algum; duas, não arcam com as agruras próprias das taxas como espécie tributária, quais sejam, previsão e majoração somente através de lei em sentido estrito (princípio da legalidade tributária), aumento do valor somente de forma anual (princípio da anuidade), desembaraço das regras constitucionais limitatórias do poder de tributar (limites ao poder de tributar), etc.”

Cabe dizer que a requerida é empresa de natureza privada que, por integrar a economia de mercado, como ela mesmo afirma em sua contestação às fls. 61, visa à obtenção de lucro, não se prestando a fins assistenciais.

Justamente por ter como objetivo o lucro, que diga-se de passagem não é ilegal, a requerida cobra por seus serviços não exatamente o quanto estes custam para ela, mas sim um valor superior, no qual já está embutido o custo da produção e manutenção do serviço, bem como determinada margem de lucro.

Assim, partindo deste raciocínio, tenho que a ré não pode cobrar a assinatura mensal dos consumidores, sob a alegação de que o valor desta serve para cobrir os custos de produção e manutenção do serviço de telefonia, que necessita de toda uma estrutura física para ser prestado.

Isto porque tais custos devem ser, e presumivelmente são, retirados dos próprios preços atribuídos aos serviços, constituindo a assinatura mensal verdadeiro bis in idem, já que o consumidor acaba pagando duas vezes pelos mesmos serviços, pois paga quando faz a ligação, quando usa o identificador de chamada, quando usa o serviço de despertador, quando solicita transferência de endereço etc, pagando mês a mês também a famigerada assinatura.

Visando à garantia dos direitos dos consumidores, estes devem pagar somente pelos serviços que realmente utilizam e não pela manutenção de tais serviços, já que esta é obrigação da concessionária, que obviamente aufere lucro com a exploração da atividade delegada.

Exatamente por isso é que o argumento utilizado pela ré – de que o valor pago a título de assinatura seja imprescindível para a manutenção da portentosa infra-estrutura – não convence.

Isso porque a manutenção da estrutura e, conseqüentemente, da continuidade do serviço é inerente a atividade explorada pela requerida, mormente considerada na natureza pública do serviço.

Portanto, o preço pelo serviço deve ser composto de modo a fazer frente a todas as despesas, inclusive investimento na manutenção e ampliação da infra-estrutura, bem como proporcionar lucro.

Assim o é em todas as atividades delegadas, afigurando-se ilógico raciocínio diverso, como bem ilustra em feliz exemplo o advogado prudentino Márcio Adriano Caravina, em matéria publicada em conceituado site jurídico:

“A título de exemplo e para melhor compreensão da questão, cite-se o serviço de transporte público coletivo urbano (ônibus). A taxa de assinatura telefônica seria o mesmo que a empresa de ônibus além de cobrar a passagem (serviço efetivamente prestado), exigir uma mensalidade dos usuários para que o serviço seja ininterrupto, ou seja, para que eles não corram o risco de irem no ponto/terminal e não passar nenhum ônibus (serviço em potencial posto à disposição).”


Outro exemplo é o dos telefones públicos, que estão sempre à disposição dos usuários, sem que para tanto a companhia telefônica cobre assinatura mensal de quem os utiliza.

Em verdade, ao cobrarem a assinatura, as empresas garantem um lucro mínimo para cada linha instalada, assegurando-se da rentabilidade independentemente do uso do serviço.

De igual modo, não se vê no pedido dos autores, bem como do de tantos quantos forem os usuários que porventura pleitearem igual direito, as conseqüências apocalípticas narradas pela ré (afugentamento dos investimentos e investidores, intranqüilidade do mercado, fuga de capitais, corrosão das reservas cambiais do país, aumento do risco país). Isso porque as despesas e os lucros das empresas do ramo estão e deverão se restringir aos serviços efetivamente prestados, tais como tarifa de habilitação, pulsos, chamadas à longa distância, internacionais, chamada em espera, agenda eletrônica, despertador, identificador de chamadas, entre outros.

A dúplice cobrança pela manutenção do serviço foge ao preceito da boa-fé que deve reinar nas relações de consumo, mormente quando envolvem concessionárias de serviço público, afigurando-se o pagamento mensal da assinatura bis in idem, verdadeiro fator de enriquecimento sem causa por parte da concessionária.

Na mesma linha de raciocínio a requerida sustenta a legalidade da cobrança em resoluções e portarias da agência reguladora (ANATEL), olvidando-se, contudo, da necessidade de existência de lei stricto sensu prevendo a cobrança, posto que a famigerada assinatura, como já dito, tem característica de tributo (taxa) e, como se não bastasse, necessariamente teria que ser exercida diretamente pelo poder público.

O argumento de que o usuário disporia de um terminal que constituiria parte do hardware do sistema de telecomunicações e, portanto, propriedade da União é, para dizer pouco, extremamente confuso.

Primeiro, porque se de propriedade da União não poderia ser ela (empresa privada) a beneficiária, salvo se expressamente avençado em contrato decorrente de processo licitatório. Segundo, porque o único terminal telefônico conhecido dos usuários é o aparelho telefônico, notoriamente comprado por todos os que pretendem dispor do serviço.

Como se não bastasse, mesmo que confirmada a excêntrica versão da requerida, deveria o consumidor ser previamente cientificado exatamente pelo que está pagando, sob pena de afronta ao princípio da informação, insculpido no art. 14 do CDC.

A preocupação com a diminuição na arrecadação e com o equilíbrio econômico e financeiro do contrato não é justificativa para a perpetuação de uma ilegalidade, mormente contra o consumidor, cujos direitos têm status constitucional de cláusula pétrea (CF. art. 5º,XXXII).

Se desequilíbrio econômico e financeiro há, está a pesar contra o consumidor, pois a comutatividade dos contratos telefônicos quanto a assinatura foi arredada há muito e em prejuízo dos usuários, amoldando-se a hipótese de nulidade prevista no art 51, IV do CDC.

Aliando a preocupação tributária da requerida com a evidência de que a assinatura não é serviço prestado, veja-se o seguinte julgado da 1ª Turma do e. Superior Tribunal de Justiça, em recurso interposto pela Telebrasília, que se insurgiu justamente contra a incidência de ICMS sobre o valor da assinatura:

“TRIBUTÁRIO – ICMS – “SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO” – CONCEITO – INCIDÊNCIA – AMPLIAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO – CLÁUSULA PRIMEIRA DO CONVÊNIO 69/98.

Há ‘serviço de comunicação’ quando um terceiro, mediante prestação negocial-onerosa, mantém interlocutores (emissor/receptor) em contato ‘por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza”. Os meios necessários à consecução deste fim não estão ao alcance da incidência do ICMS-comunicação.

A hipótese de incidência do ICMS-comunicação (LC 87/96; art.2º, III) não permite a exigência do tributo com relação a atividades meramente preparatórias ao ‘serviço de comunicação’ propriamente dito, como são aquelas constantes na Cláusula Primeira do Convênio ICMS 69/98.

No Direito Tributário, em homenagem ao Princípio da Tipicidade Fechada, a interpretação sempre deve ser estrita, tanto para a concessão de benefícios fiscais, quanto pra exigência de tributos. À míngua de Lei não é lícita a dilação da base de cálculo do ICMS-comunicação implementada pelo Convênio ICMS 69/98 (art.97, §1º, do CTN)”

Portanto, o Estado não faria jus ao ICMS mesmo que a cobrança da assinatura fosse legal.

Por todas as razões expostas, conclui-se que a cláusula que insere a cobrança da assinatura mensal é nula de pleno direito, por ser abusiva e incompatível com os princípios da boa-fé, nos termos do artigo 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, considerando ser realmente indevida a cobrança da assinatura mensal, passo à análise do pedido referente à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagaram em excesso, acrescido dos consectários legais.

Embora pela presente se afirme ilegal, a cobrança decorre de resoluções e portarias de orgão público (ANATEL), que inegavelmente conferem-lhe uma aura de legalidade.

Ademais, a questão é reconhecidamente polêmica, de modo que o erro deve ser tido como escusável e, portanto, não passível de aplicação da dobra prevista no art. 42, parágrafo único do CDC.

De igual modo, a retroação do indébito deverá alcançar apenas os 5(cinco) últimos anos, pois tratando-se de relação consumerista, aplicável o prazo prescricional previsto no art 27 do CDC.

Isto posto e por tudo o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido contido na inicial, para declarar a inexigibilidade da cobrança mensal da assinatura dos requerentes, bem como para condenar a BRASIL TELECOM S/A. a ressarcir aos autores o valor correspondente ao que pagaram a tal título nos últimos 05 (cinco) anos, contados do ajuizamento da ação, corrigido mensalmente a partir da data do efetivo desembolso até o efetivo pagamento, acrescido de juros legais, contados da citação, tudo a ser apurado em liquidação de sentença.

Em virtude da sucumbência recíproca condeno a requerida ao pagamento das custas finais – já que as iniciais foram custeadas pelos autores.

Arbitro os honorários advocatícios em 15% (quinze por cento) do valor da condenação (art.20, § 3º do CPC), os quais, no entanto, deverão ser compensados na forma do art. 21 do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Rinaldo Forti Silva, Juiz de Direito.

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