Direito de não pagar

Locadora de veículos tenta na Justiça ficar isento do ISS

Autor

14 de dezembro de 2004, 15h51

Uma empresa de locação de veículos da cidade de Governador Valadares (MG) está tentando na Justiça cancelar a cobrança de ISS (Imposto Sobre Serviços).

O tributo é municipal, mas, no entendimento da empresa Diver Ltda., a cobrança é irregular já que um veto presidencial na Lei Complementar 116, de 31/07/2003, isenta empresas de locação de bens móveis de recolherem o referido imposto.

O advogado da empresa, Vicente Afonso Gomes Júnior, apelou ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais depois que o juiz de Governador Valadares recusou o pedido da Diver.

Gomes alega que foi equivocada a decisão do juiz em não reconhecer a situação da empresa como isenta do pagamento do imposto. De acordo com ele, o magistrado acatou o argumento da Secretaria da Fazenda de Governador Valadares, segundo a qual, a empresa é uma locadora de serviços, e não apenas de bens móveis — o que justifica a cobrança.

No entanto, o advogado afirma que o argumento não tem sustentação. Ele afirma que o juiz se baseou na Lei Complementar 56, de 1987 — que já não está mais em vigor — e em um acórdão do TJMG que ainda não transitou em julgado e, segundo ele, conflita com um recurso extraordinário do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade da expressão “locação de bens móveis”, que consta na lista de serviços da LC 56/87.

Segundo Gomes, o TJMG já deu provimento mudando sua orientação a respeito do assunto, mas o acórdão ainda não foi publicado.

Leia a ação movida pela empresa

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Governador Valadares – Minas Gerais.

Autos: 105 03 103180-7

Autor: Diver Ltda

Réu: Secretário da Fazenda Municipal

DIVER LTDA., empresa locadora de automóveis sem motorista, inscrita no CNPJ sob o n. 01.381.919/0001-35, com sede em Governador Valadares, na Avenida JK, 1.074, Bairro Vila Bretas, nos autos do Mandado de Segurança, processo em epígrafe, que lhe move Secretário da Fazenda Municipal de Governador Valadares – MG, domiciliado em Governador Valadares, na Rua Marechal Floriano, 905, Centro, CEP 35010-141, não se conformando com a integralidade da sentença de fls 128/132 vem, por seus procuradores e com fincas nos arts 12 da Lei 1.533, de 31.12.1951 e 513 do Código de Processo Civil, apresentar Recurso de Apelação contra a mesma para o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Pede a Vossa Excelência que, recebida a apelação e cumpridas as formalidades legais, sejam os autos remetidos ao Tribunal ad quem.

Governador Valadares-MG, 20 de maio de 2004.

Vicente Afonso Gomes Jr

OAB.MG 81.302

Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Apelante: Diver Ltda

Apelado: Secretario da Fazenda Municipal

Natureza: Mandado de Segurança

Colenda Câmara,

Eméritos Julgadores

TEMPESTIVIDADE

A intimação da sentença foi promovida em 5.5.2004, findando-se o prazo em 24 (1) corrente (CPC, art 506 II e 508), conforme Certidão de fls 132v.

FATOS E ENREDO DOS AUTOS

A Diver foi intimada administrativamente pela Secretaria de Fazenda, no início do mês de outubro de 2003, para recolher um novo montante de Imposto Sobre Serviço (fl 35/36).

Entretanto, a Diver deveria ter sido intimada do cancelamento de sua inscrição no Município como contribuinte de ISS, posto que o veto jurídico da Presidência feito no projeto da Lei Complementar Federal 116, de 31.7.2003 (DOU de 1º.8.2003) impediu que a cobrança desse imposto municipal incidisse sobre locadoras de bens móveis. Sendo que tanto esse veto tem força para invalidar as normas municipais contrárias (fl 10/11 e 68/69) e quanto a própria LCF 116/2003 (fl 54/67) tem esse poder imediato de eliminar a validade das normas tributárias municipais que lhe contraria, por ser uma norma geral tributária (CF, art 145 III a e 24 4º, fl 10).

Tendo em vista esse fato jurídico, a Diver protocolou, no dia 10.10.2003, uma petição perante a Secretaria de Fazenda informando sobre a ilegalidade na cobrança (fl 37/40).

Todavia, o Secretário fez gerar em 17.10.2003 uma guia de recolhimento do ISS em nome da Diver no montante de R$ 803,21(fl 41/42).

Ante a ilegalidade do ato do Secretário, a Diver interpôs o presente Mandado de Segurança para determinar a correção desse ato de cobrar imposto municipal indevido, porque desde 1º de agosto de 2003 (data da publicação da LC 116/2003) a então impetrante não estava mais obrigada a recolher ISS aos cofres municipais. Como de resto ficou decidido no veto presidencial (fl 49/53), que se embasou no Recurso Extraordinário 116.121/SP, julgado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (fl 43/48) e editado na LC 116/2003 (fl 54/67), que retirou a validade das normas tributárias municipais contrárias aos seus dispositivos gerais (fl 02/14).


No writ a Diver rogou pela concessão liminar da medida para suspender a cobrança do ISS (fl 11/13), bem assim a procedência do pedido para invalidar o ato de cobrar imposto indevido pelo Secretário e impedir novas cobranças posteriores (fl 14).

Conclusos os autos (fl 73), o magistrado indeferiu a liminar por no seu dizer não vislumbrar “lesão irreversível e/ou dano de difícil reparação” (fl 74/75). Sendo essa decisão objeto de Agravo de Instrumento para o Egrégio Tribunal de Justiça (fl 76/90), registrada sob o nº 1.0105.03.103180-7/001que se encontra atualmente com vista à Procuradoria Geral de Justiça (print do SISCOM anexo), porém a decisão hostilizada foi mantida pelo juiz a quo (fl 91).

Notificado (fl 93) o impetrado prestou informações no dia 12.12.2003 (fl 94/112), sendo doravante ouvido o Parquet este afirmou que “em que pese o respeitável entendimento esposado pelo impetrado, há de se reconhecer o direito líquido e certo do impetrante a não pagar o aludido tributo, especialmente ante o veto presidencial citado na inicial” (fl 118), bem assim que “de fato, não há que se confundir locação de serviços com locação de bens móveis” (fl 118), vindo a rechaçar a tese do Secretário e opinar pela concessão da ordem ao fundamento que (fl 119):

“8. Se existem outras hipóteses de locação de bens móveis na lista de serviços tributáveis, não é o caso de utilizá-las de forma a permitir a ampliação do espectro de fatos tributáveis, mas de revê-la para o fim de declarar a inconstitucionalidade de tais disposições que, sendo muito amplas, afrontam o sistema tributário (especialmente o art. 110 do CTN).

9. A matéria em comento sempre foi controvertida, tanto em sede jurisprudencial, quanto em sede doutrinária, mas os julgados citados pelo impetrado dizem respeito à antiga legislação, que albergava o entendimento agora rechaçado pelo Supremo, cuja orientação prevaleceu por ocasião do veto presidencial.”

A Diver informou ao juízo que no dia 14.12.2003 a Câmara Municipal fez editar a Lei Complementar 51, que veio a dar nova redação ao Código Tributário Municipal, eliminando de vez a incidência de ISS sobre a atividade do impetrante (fl 121/126).

Levados à conclusão os autos, houve por bem o magistrado singular a denegar a segurança (fl 128/132), sob o argumento de que a lista da LC 56/87 previu a locação de móveis como hipótese de incidência na qual incluiria o aluguel de veículos (fl 130), bem assim que a impetrante prestaria serviços correlatos e não somente aluguel de veículos (fl 131).

A respeitável sentença não foi proferida com o devido acerto, devendo ser integralmente reformada por esse Egrégio Tribunal, porquanto não atentou para os fatos e fundamentos constantes nos autos, incorrendo em erro in judicando por flagrante ilegalidade e injustiça na sentença.

FUNDAMENTOS DE FATO E DE DIREITO

Egrégio Tribunal, a sentença ora combatida merece reforma total.

O juiz alega, de forma equivocada, que a “Lei Complementar 56/87, elenca, na sua lista definidora de serviços alcançáveis pela incidência do ISS, mas precisamente no item 79, a locação de bens móveis”.

No seu dizer como essa “lei” previu a incidência do imposto sobre serviço a locação de bens móveis, estaria incluído também o aluguel de veículos nesse fato tributável, vindo a citar decisão do TJMG no Acórdão 1.0000.00.320797-4/001 para embasar sua sentença nesse aspecto.

Certamente, o brocardo jurídico “dai-me o fato que lhe darei o direito”, que dá a entender que o juiz conhece as leis e a interpretação pretoriana destas, não teve aqui a mínima validade.

Se o leigo não pode deixar de cumprir a lei dizendo não a conhecer (LICC, art 3º), quanto mais se dirá da pessoa do juiz – órgão do Poder Judiciário que diz qual a lei deve ser aplicada ao caso concreto, com vistas à justa composição do litígio e a prevalência do império da ordem jurídica. O Código de Processo Civil diz que no julgamento da lide cabe ao juiz aplicar as normas legais (art 126), obviamente as leis que estão em vigor (LICC, art 1º e 6º).

O magistrado deixou de aplicar, como deveria, a Lei Complementar 116, de 31.7.2003, que entrou em vigor no dia 1º.8.2003, data em que foi publicada no Diário Oficial da União, ante o que impõe a Lei de Introdução ao Código Civil nos arts 1º e 6º, os quais dizem, respectivamente, que a lei começará a vigorar em todo o país depois de oficialmente publicado e que a lei em vigor terá efeito imediato e geral.

A Diver interpôs, assim, mandado de segurança pedindo para não pagar mais imposto após a vigência da Lei Complementar Federal 116/2003, ou seja, 1º de agosto de 2003, portanto deveria ter aplicado essa Lei para julgar a lide.

O desconhecimento do juiz sobre o tema sub judice é flagrante, pois diz que a LCF 56/87 e sua lista que seria a legislação definidora da incidência do ISS sobre a atividade exercida pela impetrante, isso mesmo após o advento da LCF 116/2003.


A lista de serviço que era mencionada pelo art 8º do Decreto-Lei 406, de 31.12.1968 (extinto pela art 10 da LC 116/2003) teve sua redação alterada pela LCF 56/87. Ora, a LCF 56/87 determinou que fosse dada uma nova redação à lista anexa ao DL 406/68 e não que essa nova redação teria vigência isolada no ordenamento jurídico.

Portanto, é um tremendo equívoco e uma contrariedade à técnica jurídica dizer que a LCF 56/87 define qual a incidência tributária do ISS, como o faz o magistrado singular, posto que, na verdade, o que definia o ISS era o DL 406/68 (arts 8º a 12) e a sua anexa lista de serviços, sendo suprimido o regramento do ISS pelos arts 8º a 12 do DL 406/68 com a edição da LC 116/2003 que revogou esses dispositivos (art 10), bem como apresentou novos dispositivos acerca do ISS e uma nova lista de serviços.

Além disso, o juiz cita a ementa de o Acórdão 1.0000.00.320797-4/001 do Egrégio TJMG, o qual todavia conflita com RE 116.121/SP, do Plenário do STF, que declarou a “inconstitucionalidade da expressão ‘locação de bens móveis’, constante do item 79 da Lista de Serviços a que se refere o Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, na redação dada pela Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987” (fl 44).

Dessarte, esse Acórdão diverge do entendimento dado na decisão plenária do STF no RE 116.121/SP (CPC, art 557), cujo julgado atrela os casos futuros distribuídos nessa Excelsa Corte (RISTF, art 101). Além do que, esse Acórdão do TJMG sequer transitou em julgado, pois foi objeto de Recurso Especial e Extraordinário (sendo que este foi distribuído para a Primeira Turma do STF e está concluso ao Ministro Marco Aurélio – RE 412.718/MG, conforme se constata pelo print do STF(2)). Ora, se esse acórdão não tem valor nem entre as partes litigantes (CPC, art 468) quanto mais para influir no julgamento em tela, devendo assim ser desconsiderado.

A ilegalidade na cobrança e a ofensa ao direito líquido e certo de não ser cobrado de imposto que não deve pagar é inequívoca.

A Lei Complementar Federal 116/2003, eliminou, desde 1º.8.2003, da hipótese normativa tributária a “locação de bens móveis”, conforme os arts 24 §4º e 146 III a da Constituição Federal e art 1º e 6º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Misabel Abreu Machado Derzi(3) diz com muita propriedade:

“Com o advento da lei federal de normas gerais, que dá critérios de validade à ordem legislativa ordinária parcial, perderá a validade aquela norma editada pelo Município contrária à lei complementar de normas gerais (da União)”.

Sobrevindo, assim, uma Lei Complementar Tributária Federal trazendo normas gerais que, em seu bojo deixa de prever como hipótese de incidência de certa matéria fática, a mesma não pode ser ou continuar sendo tributada pelo Município. A eliminação desse fato (locação de bens móveis) como sendo tributável pelo município, teve por base o veto presidencial lançado no projeto de lei da LCF 116/2003 (fl 52):

MENSAGEM Nº 362, DE 31 DE JULHO DE 2003.

Senhor Presidente do Senado Federal,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse público e por inconstitucionalidade, o Projeto de Lei no 161, de 1989 – Complementar (no 1/91 – Complementar na Câmara dos Deputados), que “Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências”.

Já o Ministério da Fazenda optou pelo veto aos seguintes dispositivos:

Itens 3.01 e 13.01 da Lista de serviços

“3.01 – Locação de bens móveis.”

Razões do veto

Verifica-se que alguns itens da relação de serviços sujeitos à incidência do imposto merecem reparo, tendo em vista decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. São eles:

O STF concluiu julgamento de recurso extraordinário interposto por empresa de locação de guindastes, em que se discutia a constitucionalidade da cobrança do ISS sobre a locação de bens móveis, decidindo que a expressão “locação de bens móveis” constante do item 79 da lista de serviços a que se refere o Decreto-Lei no 406, de 31 de dezembro de 1968, com a redação da Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987, é inconstitucional (noticiado no Informativo do STF nº 207). O Recurso Extraordinário 116.121/SP, votado unanimemente pelo Tribunal Pleno, em 11 de outubro de 2000, contém linha interpretativa no mesmo sentido, pois a “terminologia constitucional do imposto sobre serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo a contrato de locação de bem móvel. Em direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprios, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável.” Em assim sendo, o item 3.01 da Lista de serviços anexa ao projeto de lei complementar ora analisado, fica prejudicado, pois veicula indevida (porque inconstitucional) incidência do imposto sob locação de bens móveis.


No veto presidencial, consta que o Plenário da Excelsa Corte, quando do julgamento do RE 116.121/SP, decidiu ser inconstitucional a expressão “locação de bens móveis”, constante no item 79 da Lista de Serviços a que se refere o DL 406/68, na redação dada pela Lei Complementar 56/87, ato contínuo, pronunciou, a inconstitucionalidade da mesma expressão contida no item 78 do § 3º do art. 50 da Lista de Serviços da Lei municipal paulista 3.750/71 (fl 44 e 46):

TRIBUTO – FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos.

IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável – artigo 110 do Código Tributário Nacional.

Com essa decisão plenária que declarou essa inconstitucionalidade, o próprio STF a ela está vinculado, pois de acordo com o art 101 do RISTF(4) deve ser aplicada aos novos feitos submetidos às Turmas ou ao Plenário

Referida foi reproduzida no item 79 na “tabela” do art 80 do Código Tributário do Município de Governador Valadares (LCM 54/2001 então vigente), cópia anexa:

Art. 80 – O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo de serviços constantes da tabela abaixo, independentemente do objetivo social, da atividade econômica, do nome do serviço e de sua localização contábil, com as respectivas alíquotas:

79 – Locação de bens móveis, inclusive arrendamento mercantil. …….. 5%

A Câmara Municipal valadarense, como dito à fl 121/126, em sintonia com a LCF 116/2003, editou em 29.12.2003, a Lei Complementar Municipal nº 51 que veio dar nova redação ao art 80 da Lei Complementar Municipal 34, de 14.12.2001 e sua Lista de Serviços. Essa LCM 54/2001, alterada pela LCM 51/2003, sequer fez constar o “item 3.01”, com expressão vetada, posto que a tributação de locação de bens móveis, que nada tem a ver com locação de serviços (fl 118), prevista na LCM 34/2001 passou a contrariar a LCF 116/2003.

Impende dizer que o veto presidencial e a LCF 116/2003, tem efeitos imediatos(5):

1 – EFEITOS IMEDIATOS DA LEI COMPLEMENTAR 116

A Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, é norma geral sobre direito tributário a que se refere o art 146 da Constituição Federal. De fato, ela estabelece normas gerais sobre o exercício da competência outorgada aos Municípios, pelo artigo 156, II, da Constituição Federal, para instituição e cobrança de imposto sobre serviços de qualquer natureza. Dela constam “normas de estrutura” ou de “competência” que prescrevem critérios formais e materiais que devem ser observados pela legislação de cada Município. É a LC nº 116 é uma lex legum que dá ou retira o fundamento de validade de todas as leis municipais já editadas ou que vierem a ser publicadas após o seu advento.

Para que sejam determinados os efeitos imediatos da LC nº 116, será necessário fazer o confronto das leis municipais já publicadas com os seus preceitos. As leis municipais em vigor ao tempo da edição da LC nº 116 serão recebidas ou não pela nova ordem legal instaurada. Note-se que esse confronto deverá ser balizado pela observância dos princípios constitucionais tributários pertinentes; assim sendo, a exigência de ISS sobre um serviço que não constava da lista anexa à LC 56/87 ou qualquer forma de aumento de tributo, será necessária a observância do princípio da anterioridade.

Em face do princípio da recepção, acima apontado, parece claro que a LC nº 116 retira, imediatamente, o fundamento de validade de leis municipais que exigem o ISS sobre serviços não listados. É o ocorre, por exemplo, com todos as leis municipais que exigiam ISS sobre “serviço de locação de bens móveis”.

[…]

2 – EFEITOS DO VETO PRESIDENCIAL

Louvando-se na existência de precedentes da Suprema Corte, o Presidente da República resolveu vetar alguns dispositivos da LC nº 116. Dentre os vetos está aquele que retira da lista de serviços tributáveis “as locações de bens móveis”.

O veto, no caso, tem o efeito de recortar o campo material de incidência do ISS, retirando dos Municípios a competência para tributar tais serviços ainda que a tributação estivesse prevista em lei anterior ao advento da LC nº 116 e que não estivesse sendo contestada perante o Poder Judiciário. Assim, o veto presidencial veicula norma jurídica que dá efeitos erga omnes e pro omnes à decisão da Suprema Corte que decidiu pela inconstitucionalidade da cobrança do ISS sobre serviços de locação.


O efeito imediato do veto é o de proscrever (invalidar) todas as normas constantes das legislações dos Municípios em sentido contrário, como acima explicitado. As primeiras perderam o fundamento de validade com o advento da nova ordem legal.

Há que se ter, ainda, que o alcance do veto, no entanto, é maior que a simples exclusão do “item” específico ao qual refere-se. Interpretando a norma jurídica (veto) de acordo com o princípio “ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio” (onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de direito), chega-se imediatamente à conclusão que os Municípios não poderão exigir ISS sobre qualquer outra forma de “locação” prevista em qualquer outro item da Lista anexa à LC nº 116 e onde houver a mesma materialidade sob outro nome.

Portanto, está explícita a violação dos direitos individuais, líquidos e certos da apelante garantidos na Constituição, em Lei Complementar Federal e na Jurisprudência da Excelsa Corte, ao cobrar-se imposto que sobre fato não tributável pela norma tributária federal referente ao imposto sobre serviço, rendendo assim a concessão da ordem rogada para eliminar a ilegalidade desse ato.

Noutro norte, o juiz monocrático alega que a empresa prestaria outros serviços, por isso deveria continuar sendo tributada pela locação de veículos, citando para tanto uma decisão do TJMG.

Essa argumentação não tem fundamento algum e é contrária aos elementos e pedidos dos próprios autos.

A apelante informou que loca automóveis sem motorista, o que não foi impugnado pelo impetrado, e pediu para que fosse impedida a cobrança de ISS referente a locação de automóveis e cancelada sua inscrição no Município como sendo contribuinte por locar veículos (fl 02 e 13).

Nos documentos emitidos pela Secretaria Municipal de Fazenda (fl 22, 36 e 42) consta que a apelante seria contribuinte do Município por locar veículos, nada mais. Tanto que recolhia imposto somente sobre a locação de veículos (fl 28/34 e 24/26). Dessarte, a essência da atividade desenvolvida pela apelante é locação de veículo, tanto que ela está caracterizada, até pelo próprio Município valadarense, como pura e simples empresa de “Locação/Veículos” (fl 22).

Portanto não há provas nos autos de que a locação de veículos viesse ligada com outros serviços, como diz o magistrado singular.

Dizem os arts 128 e 131 da Lei de Ritos que é vedado ao juiz conhecer de questões não suscitadas, pelo contrário deve julgar dentro dos limites da lide, bem como que deve motivar fatos não alegados pelas partes que o convenceram no julgamento. O juiz a quo menciona que o contrato social cita que a apelante prestaria serviços, mas não há prova ou fundamento, produzida e exposto por ele, que demonstre efetivamente que a apelante preste outros “serviços correlatos”, para que julgasse da forma como o fez.

Notório que os atos constitutivos se referem ao ramo de atividade da empresa e fazem menções genéricas, porém efetivamente a atividade da apelante se resume, como demonstrado, ao simples e puro aluguel de veículos. Por sua vez, restou demonstrado nos autos que a apelante somente loca veículos para os clientes que se dirigem à sede de sua empresa, o que diverge da hipótese fática do Acórdão citado pelo juiz.

A ementa do Acórdão 1.0000.00.354053-1 citado pelo juiz monocrático, além de divergir da decisão plenária do STF no RE 116.121/SP (CPC, art 557), a qual vincula essa Excelsa Corte nos casos similares futuros (RISTF, art 101), sequer transitou em julgado, pois foi objeto de Recurso Especial e Extraordinário (estes atualmente conclusos com o 1º Vice-Presidente do TJMG, conforme se constata pelo print do SISCOM (6)). Ora, se esse acórdão não tem valor nem entre as partes litigantes (CPC, art 468) quanto mais para influir no julgamento em tela, devendo assim ser desconsiderado.

Para demonstrar a “divergência” havida nesse Acórdão 1.0000.00.354053-1 do TJMG, cumpre citar trecho do voto do revisor, eminente Desembargador Eduardo Andrade:

[…] a tendência é de se afastar, vez por todas, a incidência do ISSQN sobre ‘locação de bens móveis’, seja por prevalecer, em última instância, o entendimento de inconstitucionalidade da expressão no item 79, da antes vigente Lista de Serviços, seja por não mais se a encontrar listada (posto que vetada) na hoje vigente L C. nº 116/03.

Recomendável, se me parece, pois, que se deva curvar à orientação do Pleno do STF, e assim o faço, sobretudo porque também a meu sentir, a locação de bens móveis não se apresenta como prestação de serviços.

Transcreve-se, por oportuno, a ementa do Acórdão 1.0000.319.893-4/00 (1a Câmara Cível, Rel. Des. Eduardo Andrade, DJ de 25.4.2003), em que figuram como partes Lokamig Rent a Car Ltda (apelante) e o Município de Cofins (apelado), verbis:

“EMENTA: TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISSQN) – ITEM 79 DA LISTA ANEXA AO DEC-LEI 406/68 – LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS – INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA.

Segundo entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal (RE nº 116.121- 3/SP), mostra-se inconstitucional a expressão “locação de bens móveis”, constante da Lista anexa ao Decreto-lei nº 406/68, com a redação conferida pela Lei Complementar nº 56/87. Assim, de se provir a ação declaratória c/c repetição de indébito, eis que consideradas indevidas as exigências e os pagamentos inerentes ao ISSQN.”

Diante dessas razões recursais e de tudo que nos autos consta, tem-se que o ato do apelado de cobrar imposto sobre serviço do apelante é ilegal e ofensivo aos direitos da apelante, mormente de não pagar imposto que não incida sobre seu ramo de atividade, devendo pois ser reformada a sentença com vistas à correção do ato ilegal através da concessão da segurança rogada.

PEDIDO DE NOVA DECISÃO

Ante a tais considerações, aguarda o Apelante seja o presente apelo conhecido, pois presentes se fazem os requisitos de sua admissibilidade e provido, para cassar a respeitável sentença de fl 128/132, e proferir outra que julgue totalmente procedente os pedidos aviados na inicial do writ (fl 13), invertendo-se os ônus sucumbenciais, por ser medida de Direito e inteira Justiça.

Ad cautelam, cabe alertar que a sentença monocrática viola tantos os arts 150 I, 156 III, 146 III a, 24 §4º da Constituição Federal como os arts 1º e 6º da Lei de Introdução ao Código Civil e arts 3º, 97, 119, 121, 110, 113 §1º do Código Tributário Nacional e diverge da interpretação dada pelo Plenário da Excelsa Corte no RE 116.121/SP ao caso sub judice.

Governador Valadares – MG, 20 de maio de 2004.

Vicente Afonso Gomes Jr

OAB.MG 81.302

Notas de rodapé

1. Resolução 270/95 da Corte Superior do TJMG e a Instrução nº 229/GACOR/95 da CJMG

2. http://www.stf.gov.br/processos/processo.asp?PROCESSO=412718&CLASSE=RE&ORIGEM=AP&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M

3. Aliomar Baleeiro. Direito Tributário Brasileiro. 11a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, 40p.

4. http://www.stf.gov.br/institucional/regimento/p2t1c4.asp

5. Edmar Oliveira Andrade Filho. “Algumas questões polêmicas sobre a Lei Complementar Nº 116/03”. Disponível em www.fiscosoft.com.br/index.php?PID=112957.

6. http://200.202.197.101/sf/proc_resultado2.jsp?grupoLigado=95326

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