Sistema de cotas

UFPR pode reservar vagas para negros e alunos do ensino público

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14 de dezembro de 2004, 11h43

A Universidade Federal do Paraná poderá reservar vagas para negros e alunos do ensino público. O presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, desembargador federal Vladimir Passos de Freitas, suspendeu a liminar que impediu a UFPR de reservar 20% das vagas oferecidas em seu vestibular para estudantes afros-descendentes e outros 20% a alunos da rede pública de ensino. Ainda cabe recurso.

Segundo Freitas, a medida judicial deve ser suspensa por manifesto interesse público, de modo a permitir que o processo seletivo prossiga na forma prevista no edital nº 01/04-NC.

A liminar foi concedida pela 7ª Vara Federal de Curitiba, na semana passada. Ela atendia o pedido do Ministério Público Federal, autor da Ação Civil Pública. O juiz federal substituto Mauro Spalding, ao determinar o fim das cotas, entendeu que a reserva afronta o princípio constitucional da isonomia, além de reforçar práticas sociais discriminatórias.

A UFPR contestou a decisão no TRF-4 através de uma Suspensão de Execução de Liminar. A universidade argumentou que os candidatos que participam das provas ficariam submetidos a uma profunda insegurança jurídica. Outra alegação apresentada foi a de que, como não existe legislação sobre o assunto, a universidade teria agido nos limites de sua autonomia e “a reserva de cotas demonstra o pioneirismo da UFPR”.

O presidente do TRF-4 considerou que a instituição de ensino, ao se valer da autonomia administrativa garantida pela Constituição Federal no artigo 207, “agiu acertadamente ao expedir o edital 01/04-NC, referente ao exame vestibular de seus cursos para 2005”. Freitas lembrou que a liminar se baseou na ofensa ao princípio da isonomia e no argumento de que a decisão administrativa da UFPR trataria desigualmente negros e brancos. No entanto, para o desembargador, “a distinção feita administrativamente e a ser disciplinada por lei trata igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”.

Freitas ressaltou, ainda, que “a Carta Magna persegue também a redução das desigualdades sociais (artigo 3º, inciso III) e a igualdade de condições para acesso e permanência na escola (artigo 206, inciso I)”.

“Uma das maiores aspirações da sociedade brasileira atualmente é a da igualdade de oportunidade a todos”, observou. Além disso, afirmou, a decisão da Justiça Federal de Curitiba acabou por definir política de educação superior, “tarefa que não se situa exatamente entre as do Poder Judiciário”.

Freitas recordou que o tema das cotas por origem racial é polêmico e teve origem nos Estados Unidos, “onde tal tipo de problema é sabidamente grave”. O desembargador federal destacou que no Brasil a discussão é mais recente e esbarra em duas dificuldades: a mistura de etnias, que acaba por dificultar a definição do que seja um ser humano branco ou negro, e a baixa qualidade no ensino público fundamental, “fato que iguala, independentemente de cor, todos os brasileiros de origem social modesta”.

Freitas citou, quanto ao segundo aspecto, notícia publicada no último dia 10 no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, sobre os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, em que “ficou flagrante a diferença entre os alunos de escolas públicas e particulares”.

“É inegável”, afirmou ele, “que o ensino público básico é ineficiente e por isso os que buscam as universidades públicas e têm sucesso, na maioria dos casos, são egressos de escolas particulares e, conseqüentemente, de classe social mais alta”. Segundo ele, não seriam necessárias longas discussões acadêmicas para se chegar a essa conclusão. “Basta visitar os estacionamentos que abrigam os carros dos estudantes das universidades públicas, federais ou estaduais”, explicou.

Conforme Freitas, a discussão avança em áreas interdisciplinares, a começar pela história do Brasil, com a escravatura. “Apesar do longo tempo passado, o desequilíbrio social entre brancos e negros persiste”, ressaltou.

Propor soluções concretas, como a existência de cotas, lembrou o desembargador, “encontra resistências inclusive de pessoas de origem negra, que nisto vislumbram uma forma de discriminação”. No Brasil, não existe lei federal sobre cotas raciais, considerou Freitas. “Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.627/2004, que institui o Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior”, concluiu.

SEL 2004.04.01.054675-8/PR

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