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Atuais órgãos especiais dos TJs devem ser extintos com reforma

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14 de dezembro de 2004, 10h57

A Emenda Constitucional nº 29, acrescentou ao artigo 93, inciso XI, da Constituição Federal, a obrigatoriedade da eleição de metade dos integrantes do Órgão Especial dos Tribunais, com a seguinte redação:

XI- nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o número de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno.

Compare-se com o texto primitivo:

XI- nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais da competência do tribunal pleno.

Uma simples leitura comparativa já revela as substanciais alterações levadas a efeito pelo texto atual, notadamente quando se refere às expressões “atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas” e “a outra metade por eleição pelo tribunal pleno”.

De início, é de se lembrar, muito embora fosse dispensável, que o emprego do verbo poder em texto legal significa faculdade de agir concedida ao destinatário da norma jurídica e, no caso, os destinatários são os Tribunais de Justiça do País, tem-se que a expressão “poderá ser constituído órgão especial” é uma faculdade a ser concretizada ou não pelo Tribunal de Justiça Pleno, este constituído pela totalidade de seus desembargadores.

Portanto, segue-se que, pelo princípio aristotélico-tomista da causalidade, segundo o qual não pode haver criatura sem criador, no caso da norma em questão, o criador é o Tribunal Pleno e a criatura, o Órgão Especial posto que seria uma arrematada heresia jurídica entender-se que a criatura (órgão especial) preceda ao criador (órgão pleno) e de vida a si mesmo, como Deus Todo Poderoso, tornando-se criador e criatura.

Logo é impositivo que se entenda que o novo texto constitucional extinguiu os órgãos especiais dos Tribunais, determinando, como não poderia deixar de ser, que o criador, o Tribunal Pleno, que detém o poder originário e soberano de delegar funções administrativas e jurisdicionais, crie um novo Órgão Especial para que funcione conforme as novas regras constitucionais.

Para tanto é dever dos Presidentes dos Tribunais de Justiça convocar, para dar cumprimento à facultatividade da norma em exame, no caso de São Paulo, os 360 desembargadores para: primeiro – aprovar ou não a criação do Órgão Especial para o exercício das atribuições administrativas delegadas da competência do tribunal pleno; segundo – eleger a metade de seus membros; e terceiro – dizer quais serão as funções administrativas e jurisdicionais que lhe serão delegadas.

Mais claro é impossível.

As funções administrativas e jurisdicionais devem ser necessariamente delegadas pelo Tribunal Pleno posto que a competência originária, tanto em matéria administrativa, quanto jurisdicional, é só dele.

O Tribunal de Justiça é órgão colegiado do poder original constitucional (art. 92, CF) que lhe autoriza (poder-dever) se auto-organizar administrativamente para o exercício da atividade jurisdicional e é constituído de cargos que são ocupados por desembargadores que tornam o mesmo Tribunal corpo ativo que age e se relaciona nos limites de sua competência e atribuição originalmente outorgadas pela Constituição Federal.

Isso significa que o desembargador que ocupa uma cadeira no Órgão Especial não possui e nem é titular do cargo de Desembargador do Órgão Especial, mesmo porque seria absolutamente injurídico que assim fosse entendido, uma vez que isso equivaleria dizer que o Órgão Especial é um Tribunal Especial autônomo dentro do próprio Tribunal. Tanto não é assim que a norma constitucional em apreço fala expressamente em atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas pelo Tribunal Pleno.

Por conseguinte, em sendo elementar que o Órgão Especial tão somente exerce funções delegadas, há de haver, por pressuposto lógico e irrefutável, quem as delegue que, no caso, só pode ser o Tribunal Pleno, único e exclusivo Órgão do Poder Judiciário com competência jurisdicional e atribuições administrativas originárias que podem, repito, podem ser delegadas a um Órgão Especial interna corporis criado pelo próprio Tribunal Pleno.

O preceito normativo constitucional, em exame, é revolucionário na medida em que democratiza, coerente com o princípio encartado no artigo 1º, da Constituição Federal, o funcionamento administrativo e jurisdicional dos Tribunais.

Os órgãos especiais dos Tribunais de Justiça do País estão, pois, todos extintos pela Emenda Constitucional n. 29 e se se pretender criar um novo Órgão Especial, com atribuições e competências delegadas, há de ser convocado o Tribunal de Justiça Pleno para assim decidir, sob pena de a legítima vontade do Tribunal de Justiça Pleno, realizada e concretizada pela vontade individual dos desembargadores que o compõem, ser arbitrária e inconstitucionalmente usurpada.

Usando de uma expressão popular, mas que claramente expressa a questão, o novo artigo 93, inciso XI, da Constituição Federal “zerou” a organização interna dos Tribunais de Justiça do País, devendo, pois, estes se organizarem conforme dispõe o revolucionário e democrático preceito constitucional, assentado no princípio elementar da prevalência da vontade da maioria.

Permanecem hígidas e constitucionalmente válidas, entretanto, as funções administrativas e jurisdicionais da Presidência, das respectivas Vice-presidências, Corregedoria Geral e Conselho Superior da Magistratura, mesmo porque os ocupantes de tais funções (não cargos!) foram legitimamente eleitos pela vontade da maioria dos desembargadores.

Por outro lado, seguindo o mesmo princípio democrático de que o Órgão Especial não é um Tribunal Especial dentro do Tribunal de Justiça, mas apenas um Órgão Especial que exerce funções delegadas, é evidente, lúcido e inequívoco, que não há de se obedecer o injusto e antidemocrático critério de se reservar um quinto das vagas do dito Órgão Especial aos desembargadores oriundos do chamado “quinto constitucional”. Ora, a partir do momento em que o advogado ou promotor de justiça é nomeado e empossado no cargo de desembargador ele assume a função e competência próprias do cargo de desembargador, sob pena de, não sendo assim, criar, ao avesso da Constituição Federal, privilégio inadmissível, injusto e discriminatório contra os próprios desembargadores de carreira. Enfim, o preceito constitucional em exame eliminou a injustiça flagrante de um desembargador de carreira se ver ultrapassado na antiguidade por um desembargador muito mais novo e sem a experiência própria da carreira judicante, no acesso ao órgão administrativo jurisdicional máximo de um Tribunal de Justiça.

Fica evidente que os doze desembargadores mais antigos do Tribunal Pleno, por força do dispositivo constitucional acima transcrito, têm direito líquido e certo à função no Órgão Especial, caso este seja criado. Nesses termos, os desembargadores do quinto só poderão integrar o Órgão Especial desde que eleitos, ou então em igualdade de condições com os desembargadores de carreira, seguindo a lista de antiguidade de ingresso no cargo de desembargador.

Por derradeiro, não é demais dizer que os atuais componentes do Órgão Especial não têm direito líquido e certo à permanência nele, já que, como se vem repetindo, o Órgão Especial não é um Tribunal dentro do outro e por isso mesmo os que lá estão exercem apenas funções delegadas.

Em sendo de elementar princípio de Direito Administrativo que o agente público não tem direito adquirido ao exercício de função pública, muito menos ao cargo público, uma vez que se insere dentro da discricionariedade constitucional da Administração Pública o poder-dever de extinguir funções ou cargos públicos, o que se pode dizer de uma Emenda Constitucional que obriga que a metade dos membros do Órgão Especial seja eleita entre os seus pares?

A meu ver, portanto, deverão os Presidentes dos Tribunais de Justiça do País convocar os respectivos Tribunais Plenos para reestruturarem e se organizarem segundo o novo preceito constitucional, começando com a aprovação ou não de Órgão Especial, eleição de desembargadores para cumprir a metade deste e a discriminação das funções administrativas e jurisdicionais delegadas.

Qualquer outra interpretação que se venha dar ao preceito constitucional emendado, com o objetivo de manter a estrutura organizacional atual será apenas, sem dúvida, para satisfazer vaidades pessoais, em flagrante prejuízo do princípio constitucional democrático da prevalência da vontade da maioria.

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