Retrospectiva 2004

Retrospectiva: criminalistas têm dificuldades para trabalhar

Autor

  • José Luís Oliveira Lima

    é advogado criminalista ex-presidente da CAASP e da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP e membro do Instituto dos Advogados e do Conselho Fiscal do Innocence Project Brasil.

13 de dezembro de 2004, 8h04

É importante deixar consignado, desde logo, que todos os crimes que a imprensa vêm noticiando nos últimos tempos, os relacionados na Operação Anaconda, Santo André, crimes praticados por adolescentes, devem ser apurados com rigor, e os acusados, no futuro, deverão receber a sanção adequada. Mas o que é inadmissível, entretanto, é a manifesta e reiterada violação ao direito de defesa, direito básico para a tranqüilidade do estado democrático de direito. Vejamos:

Hoje em dia, ser acusado de um crime que tenha repercussão na mídia, tornou-se requisito básico para se execrar, violar direitos, e negar qualquer acesso ao exercício da defesa. Alguns representantes do Ministério Público, em vez de exercerem o direito de acusar, atingiram o status de artistas, pop star. Convocam a imprensa, antes mesmo de formalizarem suas acusações. O princípio da presunção de inocência é jogado no lixo e a imprensa é “usada” de maneira irresponsável.

Na Operação Anaconda, policiais federais compareceram em São Paulo para cumprir vários mandados de busca e apreensão. De posse da documentação apreendida, a transportaram para outro estado. Pergunto: como advogado contratado de uma das partes, como poderia saber do que o meu cliente está sendo acusado, se as provas não estão disponíveis e nem mesmo relacionadas, conforme dispõe a legislação em vigor? As supostas provas foram “retiradas” do acesso à defesa. Isso é correto, é legal? É lógico que não. Qualquer cidadão que eventualmente seja acusado de um crime, com certeza gostaria que seu advogado pudesse ter acesso as provas produzidas contra ele. É sempre bom o leitor ter isso em mente para fazer um julgamento imparcial dos fatos.

É correto e ético um processo com segredo de justiça decretado e todos os dias a imprensa noticiar as provas nas suas reportagens? Se os advogados não tiveram acesso às provas dos autos, pois seus pedidos não são deferidos, como a imprensa noticiou, transcreveu trechos de fitas, de documentos, que vinham com o carimbo “segredo de justiça”? É inacreditável.

Os advogados, acreditem leitores, atualmente têm dificuldade de serem recebidos pelos juízos dos feitos. Como pode em um regime democrático, um juiz não receber um advogado? Um leitor perguntaria: ora, mas não cabe nenhum recurso, porque os advogados não batem os pés, não têm um chilique? Todos esses procedimentos são tomados, mas levam algum tempo para que produzam algum resultado, como o simples acesso aos autos. Esses comportamentos arbitrários e ilegais maculam, de maneira clara, o direito de defesa.

Vejamos o caso de Santo André. Antes mesmo de a denúncia ser recebida pelo juiz, representantes do Ministério Público convocaram uma “coletiva” para a imprensa e afirmaram que iriam denunciar o suposto mandante do crime. O procedimento é sigiloso, mas para que sigilo se a imprensa pode ser usada para acabar com a vida e os direitos de um cidadão? Sim, um acusado é cidadão, que também têm direitos que devem ser respeitados. E um dos direitos dele, é o de ser defendido com amplitude.

A imprensa noticiou, também, que os advogados do acusado não conseguiram ter acesso ao processo antes da decisão que decretou a prisão preventiva. O Ministério Público pode ter acesso a tudo, a defesa não. Se as provas são seguras, firmes, porque tanto receio ao direito de defesa? Em casos de repercussão, fica mais fácil para a defesa ter acesso aos autos pela imprensa do que nos cartórios dos fóruns onde tramitam esses processos.

Acusados que estão detidos em estabelecimentos cujo regime disciplinar diferenciado é instalado, só podem conversar com seus advogados, se esses agendarem a entrevista, que pode ser marcada até dez dias depois da solicitação. E se o cliente for torturado, com certeza as seqüelas podem desaparecer. É sempre bom lembrar o caso do chinês que foi torturado e morto nas dependências policiais na cidade do Rio de Janeiro. Um inocente. Que loucura, nem nos tempos da ditadura, tal vedação existia. A sensação que fica é que contra o mal vale tudo, pode tudo. Para que direito de defesa, se o acusado praticou um crime bárbaro? É sempre bom lembrar o caso dos acusados da “Escola de Base”, do ex-ministro Alceni Guerra, que tiveram seus nomes noticiados pela imprensa com tanto alarde e depois foram inocentados.

Chega-se ao absurdo de uma apresentadora da TV afirmar que se fosse entrevistar um adolescente que está sendo acusado de um crime bárbaro, o mataria. Depois pede desculpas no mesmo espaço.

Mas o que é importante ressaltar, repito, é que o mais cruel dos acusados, tem o direito de ser defendido, e os magistrados não podem violar tal princípio constitucional.

Hoje está difícil advogar. Não se tem acesso as provas, aos documentos, aos depoimentos. Os advogados não conseguem, sequer, requisitar cópias dos processos que os seus clientes estão respondendo.

É importante que a sociedade fique atenta, que a imprensa relate, critique, e que os advogados tenham mais chiliques, pois só assim o exercício pleno do direito de defesa será assegurado.

Autores

  • é advogado criminalista, membro do Instituto dos Advogados, ex-presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP, ex-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo – Caasp.

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