Caminho certo

Especialista aponta soluções para a questão penitenciária

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12 de dezembro de 2004, 6h00

A solução para a superlotação nos presídios de São Paulo está na adoção de penas alternativas, como a oferta de trabalho comunitário e remunerado para os condenados. A prática já conta com bons resultados em países da África e do leste europeu e tem tudo para funcionar também no Brasil.

A opinião é de Andy Barclay, diretor do Centro Internacional de Estudos sobre Presídios da Escola de Direito da Universidade de Londres e diretor de Projetos do Conselho Britânico. Sua experiência vem dos 27 anos de atuação em diversas funções no Serviço Penitenciário da Inglaterra e País de Gales, como ministro do interior do Reino Unido e em projetos de treinamento em presídios da Rússia, Ucrânia, Romênia, Cazaquistão, Mongólia, Nepal e Índia.

“Um responsável por delito leve não precisa cumprir sua pena ao lado de criminosos de alta periculosidade”, disse Barclay, em entrevista à revista Consultor Jurídico. Ele participa do projeto “Melhoria na Gestão Penitenciária de São Paulo” — que tem o apoio de representantes dos governos federal e estadual de São Paulo e da Embaixada Britânica no Brasil. Barclay afirmou, ainda, que as decisões judiciais “devem obedecer a um sistema mais rápido e ágil” do que o atual.

Foram objeto de estudo e de aplicação das soluções apresentadas pelos especialistas ingleses o Centro de Detenção Provisória (CDP) do Belém II, a Penitenciária Feminina da Capital, o Centro de Progressão Penitenciária de Tremembé e a Penitenciária Casa Branca, todos em São Paulo.

Teoria e prática

Na Penitenciária Feminina, por exemplo, foi aplicada uma alternativa simples à primeira vista, mas com bons efeitos práticos, para o problema da disputa pela comida entre as presas: os refeitórios de cada pavilhão foram ampliados para todas se sentarem e as refeições passaram a ser distribuídas em marmitas. Todas as soluções têm sido apresentadas aos dirigentes das penitenciárias em workshops.

Segundo o Conselho Britânico, o objetivo do programa não é oferecer soluções prontas mas apresentar ferramentas de gestão para atacar os problemas dos presídios de forma eficiente. Nesse contexto está, também, o respeito aos direitos humanos. “Temos de tratar os prisioneiros com humanidade em respeito aos padrões internacionais de Direitos Humanos”, diz Barclay. “Não que a prisão seja completamente eficiente para acabar com a criminalidade. Mas ela também não pode ser prejudicial às pessoas”, que “em pouco tempo respondem” de forma positiva às iniciativas.

Além de melhorar a situação dos presos, o projeto tem o objetivo de oferecer condições de trabalho aos servidores. Para tanto, foram aplicadas iniciativas como a criação de um espaço de lazer para os funcionários, com churrasqueira, bilhar e campo de futebol no presídio de Tremembé.

No CDP do Belém, as mudanças aplicadas a partir das soluções apresentadas pelos especialistas ajudaram a diminuir a tensão no presídio e a criar um ambiente mais seguro. As paredes da instituição foram pintadas pelos presos, que também passaram a cuidar da organização de eventos esportivos e culturais, como campeonatos e apresentações de música.

Iniciado em dezembro de 2002, o projeto conta com workshops de três em três meses, ministrados por especialistas do Centro Internacional de Estudos sobre Presídios da Escola de Direito da Universidade de Londres, para grupos de funcionários de cada penitenciária. O próximo passo, agora, será implementar a iniciativa em Brasília. O governo federal, por meio do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), órgão do Ministério da Justiça, pretende aplicar o programa em outros Estados.

A base das soluções apresentadas são as normas internacionais de direitos humanos, contidas em tratados multilaterais e manuais elaborados pela ONU.

Conheça algumas iniciativas adotadas nos presídios

Casa Branca

Plantões com assistentes sociais

Assistentes sociais são colocados à disposição dos presos e seus familiares em dias de visitas.

Procedimentos de admissão de novos presos

A revista de cada preso é feita individualmente em uma sala, ao contrário do que acontece em outras unidades. Em seguida, há uma palestra de inclusão, dada em uma sala de aula, na qual se explica aos presos seus direitos e deveres. Há ainda atendimento individualizado com o assistente social, psicólogo, e funcionários da área da saúde e judiciária, que o orienta sobre o cumprimento da pena.

Mural de informações

Em cada pavilhão foi implantado um mural que orienta os sentenciados sobre quem deve procurar ou escrever para resolver os seus problemas.

Vigilância Sanitária

Foi solicitada a visita de técnicos da Vigilância Sanitária do município. A partir das falhas apontadas, foram feitas as mudanças na cozinha, como a compra de uniformes para presos que ali trabalham e desratização do local.

Troca de colchões, materiais de limpeza e uniformes

Foram comprados colchões novos e materiais de limpeza para as celas, melhorando as condições de higiene e saúde. Também foram disponibilizados novos uniformes para os sentenciados (calça bege e camiseta branca).

CPD Belém

Mesas de pingue-pongue

Foi colocada uma mesa de pingue-pongue em cada pavilhão, como opção de lazer para os detentos.

Espaço cultural e espaço do esporte

Em cada pavilhão, há um grupo de presos encarregados de esportes e outro responsável pelos eventos culturais. Eles programam campeonatos e apresentações.

Cobertura com bancos para receber as visitas na Ala de Progressão

Foi construída uma área coberta e com bancos para os presos receberem as visitas, pois muitos deles não se sentem confortáveis em levá-las até a cela.

Filtro de água

Foi colocado um filtro de água para uso de funcionários na entrada da galeria. Com isso, evita-se que o funcionário percorra um longo caminho para buscar água. É planejada a colocação de mais três filtros, na entrada de cada pavilhão.

Sala de recebimento de Sedex

Foi construída uma sala adequada para o recebimento de Sedex. Antes, a abertura dos pacotes era feita em um local inadequado. Hoje, há uma sala em que o preso acompanha a abertura do Sedex por meio de uma tela e autoriza ou não o seu recebimento.

Penitenciária Feminina

Box para recebimento de jumbo na Ala de Progressão

Foi construído um box coberto em que os visitantes fazem a entrega do jumbo (produtos para uso pessoal do sentenciado), pois antes não havia um local específico para isso.

Pintura e reforma dos pavilhões

Em março de 2004, foi feita uma reforma e pintura em todos os pavilhões. A administração promoveu a compra dos produtos e os serviços foram executados pelos sentenciados.

Divisão da sala de audiência

Havia uma única sala de audiência, que muitas vezes não comportava as diversas reuniões diárias na unidade. Com a divisão, em uma das salas foi colocado um estrado elevado para o recebimento de juízes.

Consultório odontológico

O consultório odontológico, que estava desativado, começou a funcionar em abril de 2004. Os equipamentos estavam na unidade havia algum tempo, mas as verbas disponíveis não eram suficientes para colocá-lo em funcionamento.

Informatização para agilizar a entrada de visitas

Foi colocado um computador para agilizar a entrada de visitantes nos domingos. Assim, aumentou o tempo que a presa passa com os seus familiares.

Mudança e construção do canil

O canil ficava atrás do setor inclusão, e o espaço para os cães era pequeno. A mudança, além de permitir mais espaço para os animais, vai evitar que os latidos assustem as presas que acabaram de chegar na unidade e estão desorientadas.

Construção de bancos nos pátios

Em dia de visitas, as presas colocavam cobertores no chão dos pátios dos pavilhões para se reunir com os familiares.

Refeitório para os funcionários

Está em fase de construção o refeitório para os funcionários, hoje inexistente na unidade.

Tremenbé

Espaço de lazer para os funcionários

Foi construído um espaço, com churrasqueira, bilhar e campo de futebol, para promover a integração entre os funcionários.

Reforma do refeitório

Foram colocados azulejos no piso do refeitório dos funcionários, que antes era de cimento e a pintura na parte interna. Foi colocado também um toldo na entrada do local para a proteção contra chuvas e sol.

Reorganização do sistema de troca de plantão

As trocas de plantões que antes eram irregulares, agora foram acertadas.

Reativação da horta

Em parceria com uma ONG, a unidade está recuperando o solo da horta para que futuramente o preso possa trabalhar nela. O objetivo é fazer convênio para vender os produtos no comércio local.

Aulas de informática

Em parceria com o Comitê para Democratização da Informática, foi implantado um curso para os sentenciados. As aulas têm duração de uma hora e meia por dia, durante cerca de dois meses. São 15 alunos por aula.

Aumento de vagas para trabalho

A construção de um barracão de triagem de lixo reciclável, em parceria com uma ONG, promoveu a abertura de novas vagas e o lixo da unidade passou a ser totalmente reaproveitado. O lixo orgânico é usado na horta e o reciclável é vendido. Nesse serviço trabalham os presos que chegaram há pouco tempo na unidade e ainda não conseguiram uma vaga em uma ocupação remunerada.

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