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Justiça dosou proteção de consumidores e de empresas

9 de dezembro de 2004, 9h09

Por Luiz Virgílio Pimenta Penteado Manente, Patrícia Helena Marta

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A consolidação do processo de industrialização e o avanço do capitalismo ocorridos na segunda metade do século XIX impulsionaram a criação da defesa do consumidor nos Estados Unidos. Desde então, presencia-se o constante desenvolvimento do movimento consumerista, com a edição de inúmeros atos legislativos e formação de associações civis, o que acabou por difundir esse movimento em todo o mundo. No Brasil, a ainda incipiente defesa do consumidor tomou força em 1990, com a edição do Código de Defesa do Consumidor.

Durante os anos 90, os consumidores brasileiros passaram a melhor conhecer os seus direitos, o que, evidentemente, incentivou-os a litigarem com os fornecedores de bens e serviços quando tais direitos não fossem observados.

Nossa experiência e forte atuação na área de Direito do Consumidor, tanto no âmbito administrativo como judicial desde o início da vigência do Código de Defesa do Consumidor, mostrou que o ano de 2004 foi marcado não só pela proteção aos consumidores mas também, e principalmente, pela preservação do desenvolvimento da atividade econômica no país. Indicaremos, neste artigo, alguns precedentes judiciais que demonstram tal assertiva.

No decorrer deste ano, tanto os Tribunais Estaduais como o próprio Superior Tribunal de Justiça consolidaram entendimento no sentido de que os serviços públicos, tais como fornecimento de água e energia elétrica, podem ser suspensos ante o inadimplemento do usuário. O Poder Judiciário compreendeu que a não suspensão do fornecimento dos serviços públicos prestados por empresas privadas romperia o equilíbrio econômico financeiro dos contratos de concessão, comprometeria a capacidade financeira das empresas concessionárias e prejudicaria a qualidade dos serviços. Enfim, poderia levar ao colapso dos serviços públicos, em prejuízo não só das empresas concessionárias, mas de toda a coletividade consumidora.

Nessa mesma linha, em 28 de abril de 2004 o Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula 283, por meio da qual firmou seu entendimento de que “as empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura”.

O Poder Judiciário, neste caso, reconheceu que as administradoras de cartão de crédito não sofrem limitação na estipulação da taxa de juros porque (i) somente assim podem praticar taxas efetivas de mercado e (ii) foram os próprios consumidores que procuraram o financiamento de parte de sua dívida, concordando com as taxas que lhes foram previamente informadas na fatura mensal.

Se as administradoras de cartão de crédito fossem obrigadas a respeitar o patamar de juros aplicável a credores em geral, simplesmente não mais poderiam financiar as aquisições feitas pelos consumidores. Isso, sem sombra de dúvida, limitaria o crédito dos consumidores e seu poder de consumo e, em uma visão macroeconômica, prejudicaria o desenvolvimento de toda a economia nacional.

De outro lado, o ano de 2004 também foi pautado pelo aumento significativo do número de litígios entre consumidores e fornecedores resolvidos através da arbitragem. De acordo com dados apurados pelo Conselho Arbitral do Estado de São Paulo (Caesp), apenas entre os meses de janeiro a junho deste ano, os procedimentos arbitrais envolvendo relação de consumo cresceram mais de 100%, se comparados com o mesmo período do ano anterior.

Esse aumento deve-se, em grande parte, ao fato do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor ter reconhecido, por meio da Nota Técnica 167/2003, emitida no final de 2003, que o Juízo Arbitral é competente para resolver litígios de consumo, desde que não imposto de forma compulsória e unilateral pelo fornecedor.

Os fornecedores já possuem, portanto, segurança jurídica para acordar com seus consumidores a instituição da arbitragem em contratos de consumo, possibilitando a resolução dos conflitos de forma mais célere e especializada, e evitando também a sobrecarga do Poder Judiciário que, como é sabido, encontra-se assoberbado de trabalho.

Em suma, se de um lado, durante o ano de 2004, foram prolatadas inúmeras decisões administrativas e judiciais fortalecendo a proteção e defesa dos consumidores, tutelando os legítimos interesses destes, é certo que, de outro lado, essas mesmas decisões administrativas e judiciais também se preocuparam sobremaneira em compatibilizar a proteção do consumidor com o desenvolvimento da atividade empresarial brasileira, nos exatos termos do princípio insculpido pelo artigo 4º, III do Código de Defesa do Consumidor.