Armada antidumping

Existem 38 medidas de defesa comercial em vigor no Brasil

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9 de dezembro de 2004, 14h31

O Brasil, na qualidade de membro da Organização Mundial do Comércio, é signatário do GATT 94, dos seus entendimentos e dos acordos multilaterais celebrados ao final da Rodada Uruguai. Com relação à defesa comercial, o Brasil ratificou e integrou ao ordenamento interno a Ata Final da Rodada Uruguai das negociações multilaterais do GATT 94 (Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994) e também os Códigos de Antidumping, Subsídios e Medidas Compensatórias e Salvaguardas. As legislações sobre medidas antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas são respectivamente, os Decretos nº 1.602/95, nº 1.751 e 1.488/95 e 1.936/96.

O arcabouço institucional no Brasil para investigação e acompanhamento de mecanismos de defesa comercial é estruturado através do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (MDIC), órgão da Administração competente para implementar os mecanismos de defesa comercial. Ligados ao MDIC estão a Secretaria de Comércio Exterior (“Secex”) e o Departamento de Defesa Comercial (Decom).

O Decom é responsável pelas atividades relacionadas à proteção comercial, entre elas: propor a abertura e conduzir a investigação para imposição de medidas antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas, auxiliar a defesa da indústria doméstica nos procedimentos propostos por outros países, bem como acompanhar e participar das negociações da OMC sobre defesa comercial.

Após o encerramento da investigação e a elaboração do parecer final que delibera acerca de imposição ou não dos mecanismos de proteção comercial, o Decom terá sua decisão apreciada pelo Grupo Técnico de Defesa Comercial no âmbito da Câmara de Comércio Exterior (“Camex”), bem como pelo Conselho de Ministros (2), órgão de deliberação superior da Camex.

Conceito Antidumping

Oferta de um produto no comércio de outro país a preço (de exportação) inferior ao preço praticado para o produto similar no curso normal das atividades comerciais para o seu mercado interno, ou seja, preço de exportação menor do que o valor normal.

Além da prática de dumping, durante a investigação deve-se verificar o nexo causal entre tal prática e o dano causado à indústria doméstica.

Legislação

Acordo sobre Implementação do Artigo VI do GATT/94;

Lei nº 9.019/95 e

Decreto nº 1.602/95

Circular Secex nº 21

Processo

Em linhas gerais, o processo administrativo de investigação para imposição de medida antidumping deve seguir os seguintes parâmetros: petição, abertura da investigação a partir da publicação de Circular da Secex no diário oficial, envio de questionários às partes e aos terceiros interessados, análise das respostas aos questionários, vistoria in loco, nota técnica, audiência final, manifestações sobre nota técnica, parecer final, análise pela Camex e publicação da decisão. Note-se que a imposição das medidas poderá ser questionada à OMC pelo país exportador prejudicado, portanto as autoridades nacionais devem observar durante todo o processo administrativo os princípios do devido processo legal e as disposições da legislação aplicável.

O processo de investigação inicia-se com a apresentação de petição (3) da indústria doméstica requerendo o início de investigação de prática de dumping e demonstrando os elementos de existência de dumping, dano à indústria doméstica e nexo causal. O Decom deve fazer uma análise preliminar da petição e, caso necessite de maiores informações, pode solicitá-las à peticionária. Caso os elementos necessários para abertura da investigação estejam presentes, o Decom analisa o mérito da petição, a representatividade da peticionaria (4) e, a partir da publicação no Diário Oficial da Circular da Secex, dá-se início ao processo de investigação.

O Decom fornece aos produtores estrangeiros e exportadores conhecidos e às autoridades do país exportador o texto completo da petição que deu origem ao processo de investigação. Deve também colocar à disposição de outras partes interessadas (demais produtores domésticos, importadores e outras partes, nacionais ou estrangeiras, consideradas pela Secex como interessadas) o texto completo da petição. É possível que o número de produtores e exportadores envolvidos seja alto e, desse modo, poderá o Decom fornecer o texto completo da petição apenas às autoridades do país exportador e à entidade de classe correspondente.

Posteriormente, os questionários a respeito da investigação são encaminhados às partes interessadas que devem restituí-los no prazo de quarenta dias (esse prazo pode ser prorrogado por mais 30 dias). Ressalte-se que o Decom poderá decidir o caso com base na melhor informação disponível (5), cabendo às partes interessadas fornecer no prazo às informações que considerem relevantes. As informações consideradas sigilosas serão tratadas como tal se devidamente fundamentadas. As informações classificadas como sigilosas constituem um processo em separado, devendo um resumo não sigiloso ser apensado aos autos não-confidenciais.


A fim de impedir que ocorra dano durante a investigação, podem ser aplicadas medidas antidumping provisórias (6), as quais não podem ter valor superior à margem de dumping. Essas medidas podem ser aplicadas somente após 60 dias da abertura da investigação e deve ser determinada, preliminarmente, a existência de dumping e conseqüente dano à indústria doméstica.

Após a análise das respostas aos questionários, o Decom poderá solicitar informações adicionais por intermédio de ofícios enviados às partes interessadas, bem como poderá realizar vistorias in loco (nas indústrias domésticas ou nas indústrias exportadoras) para verificação das informações prestadas.

Ao dispor das informações necessárias sobre a prática de dumping, dano à indústria doméstica e nexo causal entre o dumping e o dano, o Decom preparará uma Nota Técnica sobre a investigação. O conteúdo da Nota é analisado pelas partes e suas respectivas manifestações poderão ser feitas oralmente na audiência final, com a ressalva de que sejam entregues por escrito no prazo de 15 dias após a realização da audiência. Além das partes interessadas, são convidados para a audiência, autoridades dos Ministérios do governo brasileiro que possam ter interesse no processo e embaixadores dos países que têm suas indústrias sob referida investigação. As manifestações por escrito supramencionadas são analisadas pelo Decom e, posteriormente, a decisão final é encaminhada à Camex.

Nos termos do Decreto nº 3.981, de 24 de outubro de 2001, compete à Camex fixar os direitos antidumping e compensatórios, provisórios ou definitivos, e salvaguardas; decidir sobre a suspensão da exigibilidade dos direitos provisórios; homologar compromisso de preços (7); e definir diretrizes para a aplicação das receitas oriundas da cobrança dos direitos antidumping e compensatórios.

O processo de investigação encerra-se em 12 meses, podendo ser prorrogado por mais 6 meses. A medida antidumping definitiva poderá permanecer em vigor pelo prazo máximo de 5 anos, sendo prorrogável caso se verifique no curso processo de revisão que a extinção dos direitos provavelmente levaria à continuação ou retomada do dumping e do dano dele decorrente.

A medida antidumping definitiva poderá ser revista desde que haja decorrido, no mínimo, um ano da imposição, e que sejam apresentados os elementos de prova suficientes para demonstrar que:

“I – a aplicação do direito deixou de ser necessária para neutralizar o dumping;

II – seria improvável que o dano subsistisse ou se reproduzisse caso o direito fosse revogado ou alterado; ou

III – o direito existente não é ou deixou de ser suficiente para neutralizar o dumping causador de dano” (8).

O roteiro do processo de investigação permite melhor visualização e conhecimento superficial a respeito da imposição de medida antidumping. Questões processuais relacionadas ao cálculo da margem de dumping, (zeroing e de minimis), à utilização freqüente dos mecanismos de defesa comercial, e ainda reiteradas investigações e revisões não são abordadas no presente artigo, uma vez que são temas ainda objeto de negociações e discussões junto à OMC.

Medidas compensatórias

O Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias tem o objetivo de definir o conceito “subsídio”, estabelecer as regras para sua utilização e assim evitar que o uso de tais contribuições financeiras crie barreiras comerciais e distorça o livre comércio.

Os subsídios são classificados em proibidos, acionáveis e não acionáveis. Subsídios acionáveis são aqueles que causam dano ou grave prejuízo à indústria doméstica de outro país, permitindo que o país-membro prejudicado possa iniciar uma investigação interna para aplicação de medidas compensatórias (9).

Legislação aplicável

Lei nº 9.019, de 30 de março de 1995

Decreto nº 1.751, de 19 de dezembro de 1995

Circular Secex nº 20, de 2 de abril de 1996; e

Decreto nº 4.732, de 10 de junho de 2003.

Processo

O processo administrativo para investigação de subsídio e imposição de medidas compensatórias é muito similar ao processo referente à imposição de medidas antidumping. Inicia-se com petição da indústria doméstica devidamente instruída. Entre o exame inicial e a abertura da investigação, os governos cujos produtos possam vir a ser objeto de investigação são convidados para consultas com o objetivo de esclarecer a situação relativa à matéria e de obter-se uma solução mutuamente satisfatória (10). Ainda que durante a investigação, os governos dos países exportadores terão a oportunidade de prosseguir com as consultas. Outro diferencial do processo de investigação para imposição de medidas compensatórias é o envio dos questionários destinados à investigação aos governos dos países exportadores.


O processo de investigação para imposição de medidas antidumping e o processo de investigação para imposição de medidas compensatórias são similares em vários aspectos: duração da investigação, valores das medidas (que não podem ser superiores à margem de dumping ou ao valor do subsídio) e com relação ao prazo de duração das medidas e suas revisões. A diferença fundamental é que por serem os subsídios concedidos pelos governos, esse processo de investigação tende a ter maior participação dos governos envolvidos.

Salvaguardas

O Acordo sobre Salvaguardas, firmado na Rodada do Uruguai, regulamenta a aplicação do Art. XIX do GATT, o qual dispõe sobre Ações de Emergência em Importações de Produtos Particulares. O objetivo das salvaguardas é aumentar provisoriamente a proteção à industria doméstica que esteja sofrendo ameaça ou grave prejuízo decorrente de aumento substancial das importações, em termos absolutos ou relativos. Dessa forma, visa-se resguardar a competitividade das indústrias domésticas.

Legislação Aplicável

Acordo sobre Implementação do Artigo XIX do GATT/94;

Decreto n° 1.488, de 11.05.95

Decreto n° 1.936, de 20.06.96

Decreto n° 4.732, de 10 de junho de 2003

Circular SECEX n° 19, de 02.04.96

Processo

Para que sejam implementadas, as medidas de salvaguardas, deve-se seguir um processo que comprove ameaça ou grave prejuízo à indústria doméstica (11). O rito administrativo é iniciado pela petição, seguida do exame e avaliação da Secex. Quando pertinente, esta determinará a abertura da investigação por meio de publicação de Circular, devendo ser notificado o Comitê de Salvaguardas da OMC pelo Ministério das Relações Exteriores.

A investigação é conduzida pela Secex, órgão que dispõe de prerrogativas para solicitar informações adicionais às partes interessadas; verificar as empresas localizadas no Brasil; e avaliar o programa apresentado pela indústria nacional, havendo ainda possibilidade de solicitar detalhes complementares. As partes interessadas podem requerer à Secex a realização de audiências com o objetivo de apresentar novas provas e contestar as alegações das demais partes.

Verificada a existência de nexo causal entre o dano/ameaça de grave prejuízo à industria doméstica e o aumento substancial das importações, em termos absolutos ou relativos, e, por fim, proposta a aplicação de medida de salvaguardas, deve o MRE notificar a OMC sobre a aplicação das salvaguardas e abrir para consultas das partes interessadas.

É possível que seja adotada medida de salvaguardas provisória quando reconhecido iminente risco de dano de difícil reparação, podendo a mesma ser aplicada após a notificação do Comitê; porém antes que o período de consultas (vigência máxima de duzentos dias) seja encerrado.

Encerrada a investigação e aprovada a necessidade de aplicação de salvaguardas, a medida deve ter estrita extensão para prevenir/reparar o prejuízo/ameaça. Salvo algumas condições especiais dos países em desenvolvimento, a medida será imposta independentemente da origem do produto.

As salvaguardas podem propor: a) elevação do tributo de importação, alterando a TEC; e b) restrição quantitativa da entrada do produto. As medidas devem assegurar a manutenção das limitações e obrigações substancialmente equivalentes entre as partes exportadoras interessadas, ou seja, devem preservar a situação de fato que perdurava antes da implementação. A imposição de cotas aos países exportadores deve respeitar os princípios do livre comércio, tais como nação mais favorecida e não discriminação, o que sugere que cotas não podem ser impostas indiscriminadamente aos exportadores.

A medida terá o prazo inicial de até 4 anos, prorrogáveis por mais 8 anos (em casos especiais 10 anos). A vigência da salvaguarda provisória será computado no período total. As medidas com vigência superior a 1 ano deverão ser liberalizadas progressivamente no transcorrer do período proposto.

Por fim, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior disponibiliza periodicamente um relatório sobre as medidas em vigor e as investigações em andamento (12). Atualmente, existem 38 medidas de defesa comercial em vigor, dessas 35 referem-se a medidas antidumping, 2 salvaguardas e 1 direito compensatório.

Notas de rodapé

1- Este texto complementa a apresentação feita no escritório Araújo Policastro pelos Srs. Gesner Oliveira e Mauro Grinberg.

2- Participam do Conselho de Ministros os seguintes Ministérios: do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; das Relações Exteriores; da Fazenda; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; do Planejamento , Orçamento e Gestão; e Chefe da Casa Civil da Presidência da República.

3- Nos termos da Circular SECEX nº 21, de 2 de abril de 1996

4- Entende-se por indústria doméstica a totalidade dos produtores nacionais do produto similar ou cuja produção conjunta constitua parcela significativa da produção nacional total do produto. A petição encontra-se devidamente instruída no que tange a indústria doméstica, se os produtores domésticos, que expressamente apóiam a petição, reúnam mais de 25% da produção total do produto similar realizada pela indústria doméstica – Art. 21, §1º, “c” do Decreto nº 1.620/95.

5- Art. 66 do Decreto nº 1.602/95.

6- Art. 34 do Decreto nº 1.602/95.

7- Nos termos dos artigos 35 e seguintes do Decreto nº 1.602/95.

8- Art. 58, I, do Decreto nº 1.602/95.

9- “Art. 1° Poderão ser aplicados direitos compensatórios com o objetivo de compensar subsídio concedido, direta ou indiretamente, no país exportador, à fabricação, à produção, à exportação ou ao transporte de qualquer produto, cuja exportação ao Brasil cause dano à indústria doméstica.” Decreto nº 1.751, de 19 de dezembro de 1995.

10- Decreto nº 1.751/95 “Art. 27, § 1° O governo do país exportador será notificado da solicitação de abertura de investigação de subsídios e terá prazo de dez dias para manifestar seu interesse na realização de consulta, que deverá ser realizada no prazo de trinta dias.”

11- Entende-se por prejuízo grave a deterioração geral e significativa da situação de uma determinada indústria doméstica e por ameaça de prejuízo grave a clara iminência de prejuízo grave, com base em fatos e não apenas em alegações ou possibilidades remotas.

12- www.mdic.gov.br

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