Reforma do Judiciário

Fim de divisão de competência na Justiça do Trabalho é avanço

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  • Grijalbo Fernandes Coutinho

    é desembargador no TRT-10 (DF e TO) mestre em Direito e Justiça pela UFMG autor da pesquisa e do livro Terceirização: Máquina de Moer Gente Trabalhadora – A inexorável relação entre a nova marchandage e degradação laboral as mortes e mutilações no trabalho (LTR 2015) ex-presidente da Anamatra.

6 de dezembro de 2004, 14h13

Quando a Justiça do Trabalho foi criada como órgão do Poder Judiciário, a realidade do mundo do trabalho era bem distinta da atual, asseguradora da regência da CLT para expressivo número de trabalhadores. Hoje, no entanto, conforme dados do IBGE, cerca de 50% da mão-de-obra, ou seja, 40 milhões de brasileiros trabalham sem qualquer vínculo formal de emprego.

A insensatez do novo modo de produção capitalista penaliza duplamente o cidadão brasileiro antes destacado. Por um lado, o deixa cada vez mais distante dos direitos sociais conferidos aos empregados e, por outro, não permite que ele procure o judiciário especializado em causas do trabalho para resolver os litígios enfrentados com o seu tomador de serviços, mesmo que apenas queira dirimir questões vinculadas a um contrato autônomo e não esteja a reclamar nenhum direito exclusivo de empregado.

Num cenário menos selvagem, deveriam estar garantidos a todos os trabalhadores os Direitos Sociais Humanos previstos no artigo 7°, da Constituição Federal, bem como o acesso ao ramo do judiciário que tem como especialidade a conciliação e o julgamento dos conflitos entre o capital e o trabalho.

É de grande relevância a fixação da competência da Justiça do Trabalho, seja qual for o regime contratual a que esteja submetido o trabalhador, ampliada para analisar todas as controvérsias oriundas da força de trabalho humana, pela sua natural vocação social e pela própria especialização na matéria.

A divisão de competências entre justiças para julgar o valor trabalho, além da notória irracionalidade, consagra a fragmentação obreira verificada na fábrica da nova ordem econômica, reduzindo milhões de pessoas ao patamar dos que não têm acesso ao judiciário que julga as causas dos trabalhadores. Era como se “os sem direitos trabalhistas” também pudessem ser chamados de “os sem justiça”. O que não mudou ao longo dos anos foi a competência da Justiça do Trabalho, restrita à apreciação dos casos entre empregados e empregadores, mas nem mesmo em toda a sua extensão.

Com o término do processo de Reforma do Poder Judiciário, ainda que o Parlamento não tenha atribuído à Justiça do Trabalho todas as competências necessárias para o seu melhor aproveitamento, há alterações significativas, de modo a propiciar aos trabalhadores brasileiros não empregados e aos respectivos tomadores de serviços, a via da Justiça do Trabalho para a solução dos seus conflitos.

Ao invés dos termos restritos do original do artigo 114 da CF, que disciplinava a relação “entre trabalhadores e empregadores”, agora o texto novo da reforma manda julgar “as ações oriundas da relação de trabalho”, sem delimitar os atores deste processo. Havendo relação de trabalho lato sensu , seja de emprego ou não, os seus contornos serão apreciados pelo juiz do trabalho.

Para esses casos, evidentemente, aplicará a Constituição e a Legislação Civil Comum, considerando que as normas da CLT regulamentam o pacto entre o empregado e o empregador. Como conseqüência, a Justiça do Trabalho passa a ser o segmento do Poder Judiciário responsável pela análise de todos os conflitos decorrentes da relação de trabalho em sentido amplo, à exceção dos funcionários públicos estatutários e dos ocupantes de cargos em comissão na Administração Pública Direta.

Os trabalhadores autônomos de um modo geral, bem como os respectivos tomadores de serviço, terão as suas controvérsias conciliadas e julgadas pela Justiça do Trabalho. Corretores, representantes comerciais, representantes de laboratório, mestre-de-obras, médicos, publicitários, estagiários, eventuais, contratados do poder público por tempo certo ou por tarefa, consultores, contadores, economistas, arquitetos, engenheiros, dentre tantos outros profissionais liberais, ainda que não empregados, assim como também as pessoas que locaram a respectiva mão-de-obra (contratantes), quando do descumprimento do contrato firmado para a prestação de serviços, podem procurar a Justiça do Trabalho para solucionar os conflitos que tenham origem em tal ajuste, escrito ou verbal.

Discussões em torno dos valores combinados e pagos, bem como a execução ou não dos serviços e a sua perfeição, além dos direitos de tais trabalhadores, estarão presentes nas atividades do magistrado do trabalho.

Também estão compreendidas como novas competências da Justiça do Trabalho as que tratam dos litígios sindicais, dos atos decorrentes da greve, do Habeas Corpus, do Habeas data, da ação de indenização por dano moral ou patrimonial, das multas administrativas aplicadas pelos órgãos administrativos e dos litígios que tenham origem no cumprimento de seus próprios atos e sentenças.

A Justiça do Trabalho está mais aparelhada para julgar os referidos casos e a sua especialidade é o trabalho humano. Hoje, é verdade, muitos desses trabalhadores autônomos sequer levam os seus litígios para os outros ramos do Judiciário, havendo uma demanda reprimida que será revelada nos próximos meses, propiciando ao trabalhador e ao tomador dos serviços um verdadeiro acesso à justiça. Aliado ao conjunto de fatores que justificam o deslocamento da competência, deve estar presente a garantia de maior rapidez no julgamento dos processos, uma das características Justiça do Trabalho em todo o país, que agora mais do que nunca está a merecer o nome que ostenta.

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