Esquentando as turbinas

Julgamentos de acusados na Anaconda começam no dia 14

Autor

6 de dezembro de 2004, 12h17

O Ministério Público Federal de São Paulo vai pedir de 1 a 3 anos de cadeia para os 12 acusados de formação de quadrilha para venda de sentenças judiciais, na Operação Anaconda. O pedido será embasado no artigo 288 do Código Penal. Os julgamentos começam no próximo dia 14, às 9h, em São Paulo. Eles duram até o dia 17, uma quinta-feira — véspera da data em que o Judiciário cruza os braços para seu recesso forense.

O julgamento começa no dia 14 — exatamente a data marcada pela Federação Nacional dos Policiais Federais, a Fenapef, para o início das tratativas de uma nova greve.

A revista Consultor Jurídico publica com exclusividade as primeiras peças de embate no julgamento. São documentos (alegações gerais da defesa) a serem tornados públicos na tarde desta segunda-feira (6/12), quando o advogado Ivan Santos do Carmo, que representa o agente federal Cesar Herman Rodrigues, concederá entrevista coletiva.

O advogado diz que apresentará os documentos que, segundo sustenta, comprovam prevaricação do Ministério Público Federal.

Conheça o relatório que acusa o Ministério Público Federal de ter cometido supostas irregularidades nas investigações.

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL DO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA TERCEIRA REGIÃO – RELATORIA DRA. TEREZINHA CAZERTA

AUTOS 2003.03.00.065344-4

CESAR HERMAN RODRIGUEZ, já devidamente qualificado nos autos supracitados, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por intermédio de seus advogados infra-assinados, tendo em vista os docs. Juntados pelo DD. Representante do Ministério Público Federal, às fls 2569/2576, nos autos 2003.03.00.065346-8 ( MPF x Cazem Mazloum e César Herman Rodriguez ) expor e requerer o que segue:

1) Não coaduna com o devido processo legal a juntada de documentos extemporânea, criando embaraços, dificultando a defesa e, principalmente, com intuito único de cobrir lacuna ou falha processual inobservada por mera desídia de quem deveria provar a acusação e não o fez.

2) O fato é que, quando proposta Ação Penal Privada Substitutiva da Pública, por quebra de sigilo de justiça por parte do Procurador da República Matheus Baraldi, que oficia na comarca da Justiça Federal de Guarulhos, rapidamente se “locomoveram” os membros do MPF para obter argumentos e pretextos para defender um de seus pares. A isso se dá o nome de legislar ou advogar em causa própria.

3) Há evidente prevaricação por parte dos Membros do Ministério Público Federal que capitanearam pessoalmente a Operação Anaconda. Há prevaricação por parte do Dr. Emanuel Henrique Balduíno de Oliveira, Delegado da Polícia Federal que coordenou a Operação Anaconda. E há prevaricação por parte da Relatoria desses Autos, haja vista que determinou, na integralidade, os rumos das diligências, do Inquérito e da Ação Penal propriamente dita.

4) O curioso, Excelência, é que a defesa cansou de solicitar providências no sentido de ser trazida aos autos as informações completas acerca do grampo telefônico. E, também, curiosamente, observou o MPF ditando regras neste processo, como se esse r. Juízo não fosse o competente, legalmente se referindo, para requisitar as provas visando à formação de sua convicção.

5) Impossível que o MPF e esse r. Juízo não tivessem realizado a oitiva dos áudios pertencentes à Operação Anaconda. Talvez no recôndito das nossas consciências até possamos reconhecer e justificar que, focados em desígnios outros, esse r. Juízo e o MPF não ouviram os áudios e acreditaram piamente na “fantasiosa megaoperação” capitaneada pela Polícia Federal.

6) Não é compreensível, portanto, que um delegado da polícia federal já falecido há 20 anos tenha participado da formação da quadrilha anaconda; não é compreensível que um empresário inocente tenha sido preso na Comarca de Guarulhos; não é compreensível que diversas pessoas alvos de escuta não tenham sido denunciadas; não é compreensível que centenas de áudios envolvendo traficantes e homicidas tenham sido enxertadas na Operação Anaconda como sendo de César Herman sem que se tivesse tomado nenhuma providência.

7) O Dr. Emanuel continua prevaricando. Primeiro, porque o documento juntado, a que se denominou Relatório, não passa de uma simples tentativa de justificação do injustificável. A conclusão de seu “Relatório” é vergonhosa e lamentável, em se tratando de pessoa que tem o dever de primar pela ordem e pelo direito.

8) A má-fé e o desespero encontram morada justamente em sua postura arrogante e desleal, quando, ao invés de simplesmente remeter ao Juízo as investigações e os procedimentos adotados quanto à traficância e à bandidagem, opta por tentar desmoralizar e desqualificar a defesa, taxando-a de mentirosa. A Defesa desafia que se prove, nestes autos, imediatamente, que foram tomadas quaisquer providências quanto ao fato alegado às fls. 12 a 26 das alegações finais da defesa, já que afirma o DD. Delegado Emanuel que:


“documento sigiloso tratou de difundir o conhecimento auferido para o setor responsável (repressão a entorpecentes), preservando o sigilo da operação em curso”.

9. Ora, Excelência, ainda que a declaração do servidor tenha características juris tantum não é possível atribuir a tal informação verdade absoluta, porquanto nem de verdade se trate. Nem sequer juntou uma cópia simples de abertura de inquérito ou de autorização judicial para escuta dos famigerados traficantes e assassinos que planejavam o cometimento de crimes hediondos. E nem se fale de preservação de sigilo, eis que, uma vez que enxertou tais diálogos de traficância nos áudios “pertencentes” a César Herman Rodriguez e considerando, sobretudo, que houve vazamento integral para a mídia da indigitada Operação Anaconda, referir-se, matreiramente, à preservação do sigilo soa, no mínimo, como acinte à inteligência alheia. Há delitos de prevaricação a apurar e a autoridade que tomar ciência de irregularidades em razão do cargo tem o dever funcional de providenciar sua apuração.

10) Ora, tendo havido quebra de sigilo do segredo de justiça no Fórum Federal de Guarulhos, que culminou com a propositura de Ação Penal Substitutiva da Pública em face do comportamento delitivo de Matheus Baraldi Baganni, Procurador da República denunciante que lá oficia, com prova inequívoca da autoria e da materialidade do delito, nada mais natural que o MPF buscasse, no jargão político e popular, “fritar alguém”, e esse alguém é justamente o Delegado Federal Emanuel, que, por razões desconhecidas, findou por assumir a existência de clonagem e a inexistência de autorização judicial para interceptação do telefone de César Herman Rodriguez.

11) A propósito, Excelência, esses autos devem ser arquivados, sem julgamento do mérito, eis que os documentos juntados a destempo dão a exata medida da justeza com que se pautou a defesa de César.

12) É que, em preliminares – 1ª) Obrigatoriedade de Inquérito ou Ação Penal para o Deferimento do Pedido de Autorização da Interceptação Telefônica e 3ª) Ofensa ao Prazo Legal de Duração da Escuta – exaustivamente alegamos que houve grampo e escuta clandestina antes mesmo de quaisquer medidas autorizativas judiciais.

13) Pois o DD. Representante do Ministério Público Federal, ainda que de forma transversa, finalmente atuou como “custus legis”, trazendo ao bojo do processo prova inequívoca de “arapongagem”, corroborada justamente pelo responsável pelo ato ilegal da violação da intimidade sem ordem judicial.

14) Ora direis: ensandecida a defesa? Ao contrário, redargüiremos, haja vista que, “esclarecendo” as perguntas do MPF, a Diretoria de Inteligência da Polícia Federal, por meio do Dr. Emanuel Balduíno, reconhece que no telefone de César Herman, além de ter havido clonagem, houve escuta sem autorização judicial pois “nem mesmo foi solicitada a prorrogação de prazo do monitoramento”.

15) A confissão é grave, diga-se, gravíssima. A confissão do Delegado Emanuel, principal testemunha de acusação, coordenador direto da arapongagem, macula a prova, contamina o processo e tornam nulas todas as demais escutas, supostamente autorizadas.

16) Neste particular aspecto da confissão expressa da existência de grampo, clonagem e ausência de autorização e/ou prorrogação da interceptação do telefone de César Herman Rodriguez, devemos relembrar o teor do pensamento do DD. Delegado, remetido a esse Juízo às Fls 1256:

“No campo teórico, vale expor a diferença entre o grampo telefônico, gravação telefônica e interceptação ou monitoramento telefônico, a saber:

GRAVAÇÃO TELEFÔNICA é quando um dos interlocutores grava a conversa sem que o outro tenha conhecimento da gravação.

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA é quando uma pessoa legalmente autorizada intercepta uma chamada telefônica, sem o conhecimento dos interlocutores, e grava uma duplicata de chamada efetuada ou a encaminha a um órgão de segurança pública para que o faça.

GRAMPO TELEFÔNICO é a interceptação sem autorização judicial.”

17) Ainda que despidos de fundamentos científicos, tais conceitos permitem visualizar efetivamente os parâmetros ilegais que norteiam a atividade policial.

18) Realizar uma interceptação é, pois, de forma simplória, duplicar uma ou mais chamadas telefônicas, gravando-a sem o conhecimento dos interlocutores.

Ultima ratio, será interceptação se for legal e será grampo acaso sem autorização judicial a realização de gravação de conversas telefônica.

19) Os meios de busca da verdade, além de não deverem ser implementados pela mídia, não devem ser utilizados, nem sequer pelos órgãos oficiais, de forma ilimitada. As provas ilícitas, portanto, não podem servir de sustentáculo do processo judicial.


20) O próprio texto constitucional brasileiro de 1988, no art. 5º, LVI, inibe a prática de abusos – por particulares ou autoridades oficiais – na perquirição da verdade, tanto no âmbito penal quanto no civil, determinando que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

21) Vem de longe o entendimento de que “Os meios de prova ilícitas não podem servir de sustentação ao IP ou à ação penal” (RTJ 122/47). A doutora ADA PELLEGRINI GRINOVER, Professora Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sem dúvida alguma, uma das maiores, se não a maior, estudiosa do assunto, fazia já nos idos de 1984, com a autoridade de seu magistério, a diferenciação entre provas ilícitas e ilegítimas, sendo certo que:

“Quando a prova é feita em violação a uma norma de caráter material, essa prova é denominada por NUVOLONE ‘prova ilícita’. Quando a prova, pelo contrário, é produzida com infringência a uma norma de caráter processual, usa ele o termo ‘prova ilegítima’. Vê-se daí que a distinção entre prova ilícita e prova ilegítima se faz em dois planos. No primeiro enfoque, a distinção diz com a natureza da norma infringida ou violada sendo este de caráter material, a prova será ilícita; sendo de caráter processual, a prova será ilegítima. No segundo plano, a distinção é estabelecida quanto ao momento em que se dá a violação, isso porque a prova será ilícita, infringindo, portanto, norma material, quando for ‘colhida’ de forma que transgrida regra posta pelo direito material; será, ao contrário, ilegítima, infringindo norma de caráter processual, quando for ‘produzida’ no processo, em violação à regra processual.” (Provas Ilícitas. Seleções Jurídicas – Advocacia Dinâmica. ADV. Set./1984, São Paulo, p. 5-6).

22) O STF, quando do julgamento do HC 69.912-0/RS, teve a oportunidade, como já assinalamos, de anular um processo penal em que certo traficante gaúcho havia sido condenado com base em interceptação telefônica clandestina, aplicando ali a doutrina dos frutos da árvore envenenada. Esclareceu o então Presidente Min. SEPÚLVEDA PERTENCE que:

“(…) o caso demanda a aplicação da doutrina que a melhor jurisprudência americana constituiu sob a denominação de princípios dos fruits of the poisonous tree: é que às provas diversas do próprio conteúdo das conversações telefônicas só se pode chegar, segundo a própria lógica da sentença, em razão do conhecimento delas, isto é, em conseqüência da intercepção ilícita de telefones. (…)

“Estou convencido de que essa doutrina da invalidade probatória do fruits of the poisonous tree é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita”.

23) De fato, vedar que se possa trazer ao processo a própria ‘degravação’ das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que sem tais informações, não colheria, evidentemente, é estimular e, não, reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas.”(HC 69.912-0/RS, TP, J. 16.12.1993, m.v., DJU 25.03.1994)

Filiaram-se ao judicioso voto do Presidente PERTENCE os Ministros FRANCISCO REZEK, ILMAR GALVÃO e CELSO MELLO, os quais, em seus não menos judiciosos votos, sustentaram, respectivamente, com total acerto, que:

“Se estimássemos que a intromissão na comunicação telefônica de outrem é em si mesma inválida, mas que o produto investigatório nela pode valer em juízo, estaríamos esvaziando o efeito útil da norma protetiva que a CF de 1988 estabeleceu…

(…). Mas tudo quanto a Carta, no particular, protege, estaria reduzido a zero caso se estimasse que a escuta telefônica, quando ilícita, pode não obstante gerar medidas investigatórias válidas em juízo. Tese que me parece inadmissível.”

“(…) a prova colhida pelo meio ilícito contamina de nulidade insanável todas as demais provas dela conseqüentes, sob pena de – como advertiu S. Exa. – abrir-se uma larga porta para a burla da vedação constitucional.” “A prova ilícita, Sr. Presidente, não se revela idônea, ainda que – a partir dos elementos de informação que eventualmente ministre aos órgãos da persecução penal – possa produzir dados novos que atestem a materialidade ou a autoria do fato delituoso. A ilicitude original da prova transmite-se, por repercussão, a outros dados probatórios que nela se apóiem, dela derivem ou nela encontrem o seu fundamento causal.”

Ante todo o exposto, requer a Vossa Excelência:

a) a expedição de requerimento à Superintendência da Polícia Federal para que apresente, em Juízo, prova de que o Ministério Público requereu e/ou a Polícia Federal inaugurou Inquérito Policial ou autorização judicial de interceptação telefônica quanto aos fatos narrados envolvendo traficância e homicídio, cujos diálogos foram enxertados nos áudios como pertencentes a Cesar Herman Rodriguez;

JUSTIFICATIVA: antecipando-se à habitual e contumaz denegação de Vossa Excelência quanto aos requerimentos formulados para o exercício da ampla defesa e do contraditório, justifica-se o pedido ante a imperiosa necessidade de ser demonstrada a prevaricação, o cometimento de falso testemunho e de se provar que a defesa não mentiu, mas pautou-se de forma escorreita e com lealdade processual;

b) em diligências do Juízo, convocar novamente o Dr. Emanuel Balduíno para prestar depoimento por ocasião da instalação do Julgamento, em função do surgimento de fatos novos, e gravíssimos, que finalmente trazem aos autos oportunidade de se provar a ilicitude e a ilegitimidade da Operação Anaconda, cuja confissão expressa contamina todas as demais supostas provas carreadas aos autos;

c) em face da confissão da principal testemunha de acusação, Dr. Emanuel Balduíno, sejam distribuídas cópias do teor do presente Relatório, que ora se junta, aos demais Desembargadores do Órgão Especial, para que tomem conhecimento da existência de fraude processual.

Termos em que pede deferimento.

São Paulo, 1º de dezembro de 2004.

IVAN SANTOS DO CARMO

OAB/SP 230.902

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!