Entre calvário e paraíso

Imprensa faz questão de mostrar que advogado é defensor do crime

Autor

  • Antônio Cláudio Mariz de Oliveira

    é ex-presidente da OAB-SP da Aasp (Associação dos Advogados de São Paulo) ex-secretário de Justiça e de Segurança do estado de São Paulo e membro do conselho deliberativo do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa).

4 de dezembro de 2004, 8h20

A incompreensão acompanha a advocacia desde os seus primórdios. O conceito público da profissão oscila de acordo com o momento histórico vivido. Nos regimes totalitários, a voz do advogado sempre incomodou os detentores do poder. Napoleão desejou que a língua dos advogados fosse cortada. Blague ou verdade, não negava, no entanto, sua aversão pela advocacia. Anteriormente, durante a Revolução Francesa, vários defensores tiveram o mesmo destino dos seus clientes: a guilhotina. Malesherbes que defendeu Maria Antonieta foi um deles.

No Brasil não foram poucos aqueles que defendendo no Tribunal de Segurança Nacional, instalado no governo Getúlio Vargas, tiveram suas prisões decretadas. Durante o regime militar, inúmeros colegas desapareceram ou foram encarcerados.

Nos difíceis dias da atualidade, a figura do advogado, especialmente o criminal, tem provocado a ira pública estimulada pela má imprensa. Esta faz questão de nos confundir com o cliente e se esforça para passar a idéia de que somos defensores do crime e não porta-vozes dos direitos constitucionais e processuais do acusado. Pouco importa a natureza do crime cometido.

A sociedade deveria conscientizar-se do mal representado pela violação das garantias individuais. Afastadas a sua aplicação no caso concreto, abre-se um precedente que poderá vitimar qualquer cidadão, inocente ou culpado. Aliás, inocentes todos são, até final julgamento, em razão da constitucional presunção de inocência.

Passional ou hediondo, o crime e todas as suas circunstâncias devem ser apreciados, assim como deve ser analisado o grau de responsabilidade do acusado. Para tanto, acusação e defesa, dentro da dialética processual, colocam as suas verdades, contrapõe-se, contestam, argumentam, provam, para que o juiz possa dizer o melhor direito.

No entanto, em face da sanha punitiva que tomou conta da sociedade, repita-se, capitaneada pela mídia sensacionalista e irresponsável, o sagrado direito de defesa vem sendo considerado inconveniente, inoportuno, motivo de atraso das punições e, portanto, fator de impunidade. Os advogados, por sua vez, na melhor das hipóteses, são tidos como desnecessários e apenas são tolerados em face da norma constitucional que garante aos acusados o direito a uma defesa técnica. Isso quando não são vistos como verdadeiros cúmplices dos clientes.

A advocacia, na realidade, nos coloca entre o calvário e o paraíso. Adorados pelos defendidos, somos alvo de execração pública, fruto do crônico desconhecimento de nossa missão. Só somos valorizados por aqueles que de nós necessitam. Mesmo assim, em muitos casos, a ingratidão nos acompanha, pois terminado o processo somos esquecidos.

No entanto, sabemos aceitar tais contingências próprias do nosso mister. Na verdade, compreendemos o homem em sua inteireza e jamais adotamos posições maniqueístas, pois sabemos ser ele portador de qualidades e de defeitos, de grandezas e de misérias, próprias da sua condição.

Desta forma, diante de um conflito de interesses jamais adotamos uma postura de detentores da verdade. Aliás, sabemos que a verdade não é única, pode vir com a inicial, com a contestação, posteriormente pode ser modificada pela instrução, provisoriamente posta pela sentença e fixada quando do trânsito em julgado. Mercê, pois, do próprio exercício profissional, nossa visão do ser humano e da vida é flexível, condescendente e complacente.

Por outro lado, ao defendermos um acusado nos despojamos de nossa opinião sobre o crime imputado. Nos colocamos à margem da opinião pública, ou mesmo a enfrentamos, pois acima da repercussão negativa do crime, paira o direito de defesa, a ser exercido com conhecimento jurídico e técnico, mas também com muita dose de humanismo, compaixão e amor.

Verberar a injustiça, pugnar pelo direito, ser inconformado, rebelde, incômodo, esta é a nossa vocação. E dela muito nos orgulhamos.

Santos ou demônios, probos ou chicaneiros, idealistas ou oportunistas, o rótulo varia e a indefinição permanece. Nós sabemos o que somos e conhecemos o nosso valor. Para nós, isto é o que basta.

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