Nova instância

Receita pode recorrer ao Judiciário contra decisões administrativas

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30 de agosto de 2004, 14h21

Um despacho do Ministério da Fazenda (MF) poderá afogar ainda mais o Judiciário. A Receita Federal pode recorrer de resultado de processo administrativo por via judicial. O Ministro da Fazenda aprovou o parecer da procuradoria (PGFN/CRJ 10.087), de 19 de julho de 2004, segundo o qual existe, sim, a possibilidade jurídica de as decisões do Conselho de Contribuintes (CC/MF), que lesarem o patrimônio público, serem submetidas ao crivo do Poder Judiciário, pela Administração Pública, quanto à sua legalidade, juridicidade ou erro de fato. O alerta é dos especialistas do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados.

O advogado Fábio Nonô, do Tozzini, que estudou a fundo a questão, acredita que a medida deverá provocar um esvaziamento do processo administrativo e maior afogamento do Judiciário. “Acontece que os procedimentos administrativos são utilizados com o objetivo de evitar a demora e o ônus judicial. Não faz sentido, para quem deseja rever quantias recolhidas indevidamente, por exemplo, que o contribuinte empresarial aguarde o parecer do Conselho, se já sabe que terá, de qualquer forma, que arcar com os custos judiciais mais adiante. O processo administrativo torna-se tão somente uma medida burocrática, uma instância a mais — representando atraso, perda de tempo”, acredita o especialista.

A grande polêmica é que as decisões nos procedimentos administrativos são tomadas pelo Conselho de Contribuintes. “Só que este Conselho é formado em parte por pessoas indicadas pelos órgãos e entidades representativos de classes (federações de indústrias, etc.) e em parte por representantes da Fazenda. A distribuição é eqüitativa; porém o órgão fazendário teria o voto de minerva”, esclarece Fábio Nonô.

O tributarista Ério Humberto Saiani, do escritório Moreau Advogados, também acredita que a medida resulta em uma situação “muito estranha”. “Ao que parece, a Procuradoria da Fazenda quis privilegiar o princípio do contraditório — já que o contribuinte pode se utilizar deste tipo de recurso –, mas fica esquisito que o órgão fazendário vá à Justiça recorrer de decisão que ajudou a tomar”, comenta o advogado. De acordo com Fábio Nonô, antes, o contribuinte era o único que podia recorrer à Justiça após resultado de trâmite administrativo porque a decisão era considerada como um ato da própria estrutura fazendária e não representam manifestação do contribuinte em si.

No despacho ministerial, foi anexado o parecer da procuradoria que vai ainda mais longe a respeito da “natureza Jurídica das Decisões do Conselho”. “As decisões do Conselho de Contribuintes, não restam dúvidas, revestem-se da natureza de ato administrativo, porquanto emanam da manifestação unilateral de vontade da Administração Pública visando a constituir, resguardar, conservar ou extinguir direitos, e impor obrigações a si própria ou a terceiros”, afirma o próprio parecer.

Os procuradores, contudo, entenderam que isto não é motivo suficiente para negar à mesma Administração Pública o direito de recorrer ao Judiciário após decisão contrária a si. “Ato este que, segundo a doutrina de Hely Lopes Meirelles, classifica-se como simples, porque resultante da manifestação de vontade de um único órgão, unipessoal ou colegiado. Ou seja, ‘tanto é ato administrativo simples o despacho de um chefe de seção como a decisão de um conselho de contribuintes’”, acrescenta o parecer.

A novidade pode ser ainda vista e utilizada como uma medida protelatória. “Assim, mesmo sabendo que está errada, a União poderá recorrer ao Judiciário para retardar o reconhecimento de um crédito ou adiar ao máximo o pagamento de restituições”, comenta Nonô.

Outro problema seria a possibilidade de disseminação. “Embora a decisão seja válida apenas para tributos federais, pode ser apenas uma questão de tempo até que os municípios e estados adotem o mesmo procedimento. E sabemos a dificuldade que alguns estados têm em assumir e pagar suas dívidas com contribuintes -mesmo os débitos já decididos judicialmente e computados na fila de precatórios. Nesse quadro, uma medida que possa protelar ainda mais esses resultados poderá vir bem a calhar para os governos”, conclui Nonô.

Mais uma saída

A medida vem sendo interpretada como mais uma saída, ou solução, estratégica para a União em questões tributárias. Há poucos meses o setor empresarial vinha reclamando que a Receita estava pulando o processo administrativo — não dando aos contribuintes o direito de defesa administrativa — e indo direto para a reclamação judicial.

De acordo com depoimento da advogada Denise Aquino Costa, do Martinelli Advocacia Empresarial, em março deste ano, os contribuintes estariam tomando conhecimento de supostos débitos com a Receita quando na solicitação de Certidão Negativa de Débito (CND) ou após receber os Avisos de Cobrança emitidos pela Procuradoria de Fazenda.

Estariam sendo cobradas dívidas tributárias relativas a 1999, muitas vezes inexistentes, já em esfera judicial. O órgão fazendário não estaria mais expedindo Autos de Infração para que as empresas possam ver se as “inconsistências” apontadas são, de fato, verdadeiras. A medida seria uma forma de evitar que prescrevesse o prazo máximo legal de cinco anos para rever lançamentos.

*Reportagem publicada no jornal Gazeta Mercantil

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