Questão de legitimidade

Advogado entra na Justiça para não pagar anuidade no ES

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30 de agosto de 2004, 14h33

O advogado e procurador do estado Luís Fernando Nogueira Moreira, do Espírito Santo, entrou com ação contra a seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil na qual requer liminar para não mais pagar a anuidade cobrada. Inscrito há 11 anos, ele pede também que a OAB-ES devolva anuidades que já pagou.

Segundo o advogado, o Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), além de estabelecer as contribuições obrigatórias dos advogados, delegou aos conselhos seccionais a fixação e o aumento das anuidades. Moreira afirma que a atribuição é ilegal.

Na ação, ele explica que as contribuições só poderiam ser fixadas por lei complementar, de acordo com o que prevê a Constituição Federal. O advogado argumenta que o Estatuto da Ordem ignorou o texto constitucional ao transferir a prerrogativa para os conselhos seccionais da OAB.

“É de todo absurdo até mesmo imaginar que uma dúzia de pessoas pudesse se reunir em um Conselhozinho Estadual para fixar o que você tem de pagar, alterar ao bel prazer o que você tem de pagar obrigatoriamente, sob pena de ser impedido de exercer a profissão”, diz o advogado.

Outro argumento é o de que quando um advogado deixa de pagar as anuidades, ele não só é executado, como pode ficar impedido de exercer a profissão. “Isto é muito mais sério do que não pagar impostos. Se imposto depende de lei, tal contribuição também exige, com muito mais razão”, alega.

Leia a íntegra da ação

EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DE VITÓRIA – SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

LUÍS FERNANDO NOGUEIRA MOREIRA, brasileiro, divorciado, advogado inscrito na OAB-ES, domiciliado na Av. xxx, nº xx, Conj. xx, Vitória-E.S., inscrito no CPF xxx, vem, através da presente, em causa própria, mover AÇÃO COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA contra a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, com sede na Av. Alberto de Oliveira Santos, 59, 3º andar, Edifício Ricamar, Centro, Vitória-ES, pelos fatos e fundamentos abaixo expostos:

1. O art. 149 da Constituição Federal permitiu que a União instituísse contribuições sociais de interesse das categorias profissionais ou econômicas. Com base em tal dispositivo, foram abertas as portas para que a lei fixasse contribuições obrigatórias, por parte dos profissionais liberais, para os seus órgãos fiscalizadores da classe, o que no caso dos advogados foi atribuído à Ordem dos Advogados do Brasil, organizada em seccionais semi-autônomas divididas pelos Estados da Federação.

2. Acontece que o constituinte não deu um “cheque em branco” para tais conselhos profissionais. Tanto é assim que o art. 149 supracitado disse claramente que tais contribuições estão sujeitas aos princípios do art. 146, III e 150, I e III da mesma Constituição. Em outras palavras, a instituição de contribuições está sujeita a lei complementar (art. 146) e ao princípio da legalidade estrita (art. 150), sendo que somente por lei pode ser fixada ou majorada a contribuição. Sem prejuízo dos demais princípios a que se reporta o art. 149, discriminados no art. 150, I e III.

3. Para melhor compreensão, transcrevemos o texto constitucional, com destaque para o que interessa a esta ação:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”

“Art. 146. Cabe à lei complementar:

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”


Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

III – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

§ 6º – As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b”.”

4. No entanto, a lei ordinária 8.906/94, ao instituir o chamado “Estatuto da OAB”, pretendeu não apenas estabelecer contribuições obrigatórias para os advogados, como também autorizar os conselhos seccionais a fixarem, eles próprios, os valores das contribuições. Com isto, o réu passou a se arvorar do direito de não apenas fixar, mas majorar ao seu bel prazer os valores das contribuições que deseja receber dos advogados.

5. Citemos a referida lei, grafando o que nos interessa:

“Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:”

“Art. 46. Compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições, preços de serviços e multas.”

Parágrafo único. Constitui título executivo extrajudicial a certidão passada pela diretoria do Conselho competente, relativa a crédito previsto neste artigo.”

“Art. 58. Compete privativamente ao Conselho Seccional:

IX – fixar, alterar e receber contribuições obrigatórias, preços de serviços e multas;”

6. Digno magistrado. Somente o legislador pode fixar e majorar contribuições obrigatórias. Assim dispõe o art. 149 da Constituição Federal, que se reporta expressamente aos arts. 146 e 150, em defesa do cidadão.

7. Portanto, a Lei 8.906/94 é de flagrante inconstitucionalidade. A uma porque não é de natureza complementar, para pretender fixar contribuições profissionais. A duas porque, ignorando o texto constitucional que determina que somente lei pode instituir ou majorar as contribuições, pretendeu transferir tal prerrogativa para os conselhos seccionais da OAB.

8. Com o devido respeito, é de todo absurdo até mesmo imaginar que uma dúzia de pessoas pudessem se reunir em um Conselhozinho Estadual para fixar o que você tem de pagar, alterar ao bel prazer o que você tem de pagar obrigatoriamente, sob pena de ser impedido de exercer a profissão. Ora, não se pode delegar isto.

9. A Constituição Federal já anuncia como primado em seu art. 5º, II, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Portanto, somente a lei pode fixar e majorar as contribuições profissionais. Absurdo, completamente descabido, o que vem acontecendo por causa da flagrante inconstitucionalidade da Lei 8.906/94.

10. O réu desta ação vem fixando, inconstitucionalmente, valores a serem pagos pelos advogados, que são majorados agressivamente a cada ano. O desprezo à Constituição Federal faz com que o dinheiro angariado seja mal utilizado. Dizemos isto porque até mesmo as verbas que deveriam ser destinadas à Caixa de Assistência dos Advogados não são entregues na forma legal e regulamentar. Dinheiro que é ganho fácil costuma mesmo ser mal gasto. Não há o respeito devido àqueles que contribuem.

11. Em outras palavras: o réu cobra o que quer, aumenta a contribuição como quer, e o advogado é obrigado a pagar para não perder a carteira da OAB. Quer dizer, você precisa trabalhar duro para ganhar um honorário. Vem uma dúzia de pessoas e decidem o que você tem de pagar, aumentam como querem a contribuição, e gastam o dinheiro como bem entendem.

12. Enquanto os advogados pagam a conta, tais pessoas estão aí no Poder a duas décadas fazendo elogios uns aos outros no jornal da entidade e usando as verbas da Caixa de Assistência como bem entendem. É por isto que, em matéria de contribuição obrigatória, deve haver fixação legal. Caso contrário, vem uma pessoa e te obriga a pagar, se você não paga perde sua carteira, não pode exercer a profissão e vai passar necessidade.


13. Ora, se você não paga imposto, é executado. Se você não paga contribuição da OAB, além de ser executado, não pode advogar, vai passar necessidade. Portanto, a garantia legal é muito mais necessária, é imprescindível, neste caso.

14. Não podemos deixar de citar aqui o escrito do advogado Fernando Machado da Silva Lima. Advogado brilhante, militante no Estado do Pará, e um dos poucos que teve coragem de enfrentar a questão:

“Pagamos, no entanto, além das anuidades, taxas de inscrição, de renovação da carteira, de expedição de certidões, de registro de sociedades de advogados, e muitas outras. Pagamos até mesmo para fazer o exame de ordem, como condição para o ingresso na OAB, e muitos pagam essa taxa, que no Pará é de R$80,00, inúmeras vezes, porque são reprovados nos exames anteriores. Somente para o recadastramento, determinado pela Resolução nº 003/2001, do Conselho Federal da OAB, e para a emissão das novas carteiras, que agora deverão ser renovadas a cada três anos, os advogados brasileiros pagaram à OAB, em 2002, aproximadamente, 17 milhões de reais em taxas. Anualmente, pagamos à OAB, a título de anuidade, algo em torno de 200 milhões de reais. São quase 500 mil advogados, que pagam R$400,00 em Belém, R$550,00 em São Paulo, R$736,00 em Santa Catarina, etc…”

15. O nobre advogado continua dizendo, em brilhante matéria publicada na internet, no site do “jus navegandi”:

“Não resta dúvida de que as entidades que fiscalizam o exercício das profissões liberais, como o CREA, a OAB e o CRM, exercem atividades típicas de Estado, possuem o poder de polícia, estão autorizadas a nos aplicar sanções, a nos proibir de exercer a nossa profissão, e a nos obrigar ao pagamento dessas taxas e contribuições. Essas prerrogativas, evidentemente, lhes são conferidas pelo Estado, através de lei. Ou, pelo menos, assim deveria ser, porque as leis de criação dos conselhos de fiscalização profissional, na sua maioria, não fixam os valores das anuidades e das taxas, e delegam essa competência aos conselhos, o que viola um dos princípios fundamentais de nosso ordenamento constitucional, o princípio da legalidade.

As anuidades são “contribuições de interesse das categorias profissionais”, previstas no art. 149 da Constituição Federal. Devem ser instituídas, obrigatoriamente, através de lei (CF, art. 150, I), ato de competência do Congresso Nacional (CF, art. 48), com a sanção do Presidente da República. As taxas devidas aos conselhos de fiscalização profissional também deverão ser instituídas através de lei federal (CF, art. 145, II), porque compete à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho (CF, art. 21, XXIV). Ressalte-se que instituir significa, entre outras coisas, fixar o valor do tributo, e não apenas dizer que ele deverá ser pago pelos profissionais liberais ao seu órgão de classe.

É verdade que muitos dirigentes da OAB afirmam que as nossas anuidades e taxas não são tributos, mas “dinheiro dos advogados”. Não conseguem explicar, porém, a sua extraordinária semelhança com os tributos, que são prestações pecuniárias compulsórias, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constituam sanção de ato ilícito, instituídas em lei e cobradas mediante atividade administrativa plenamente vinculada (CTN, art.3º), nem explicam, também, o fato de que elas sejam cobradas através do executivo fiscal, com base em certidões expedidas pelos Conselhos da OAB, que têm valor de título executivo.

No entanto, as anuidades e as taxas cobradas pela OAB são instituídas pelos próprios Conselhos Regionais e pelo Conselho Federal, através de resoluções, porque a Lei nº 8906/94, o Estatuto da OAB e da Advocacia, determinou, em seu art. 46, que “Compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições, preços de serviços e multas”. Evidentemente, essa norma é nula, porque conflita com as já referidas normas constitucionais. Também é inconstitucional, pela mesma razão, o art. 193 do Regimento Interno da Seccional do Pará da OAB, aprovado em 26.01.1995, que estabelece: “O Conselho fixará, anualmente, concomitantemente com a aprovação do orçamento para o exercício seguinte, o valor das anuidades e demais contribuições a que estão sujeitos os inscritos, bem como o valor das taxas em geral”.

Estamos pagando, portanto, os advogados, anuidades e taxas que foram fixadas pelos Conselhos da OAB, e não pelo Congresso Nacional, o que seria o correto, porque anuidades e taxas são tributos, de competência da União, e o poder de tributar exige o respeito ao princípio da estrita legalidade.

Portanto, somente a União poderia instituir as anuidades e as taxas dos engenheiros e dos advogados, embora a competência de arrecadação e fiscalização seja delegada às autarquias corporativas correspondentes, de acordo com o art. 7º do CTN. Por essa razão, também, essas corporações não podem ter natureza privada, o que o Congresso Nacional já tentou, sem sucesso, através da Lei 9649/98, mas o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional, reafirmando a natureza autárquica dessas entidades”.


16. Com inteira razão o nobre advogado. Se os arts. 149 C/C 151 da Constituição Federal exigem lei, isto pressupõe “ato de competência do Congresso Nacional com a sanção do Presidente da República” (art. 48). É verdadeiramente fantasioso imaginar que o Congresso Nacional pudesse delegar sua atividade legiferante, dependente da sanção presidencial, a um Conselhozinho Estadual da OAB.

17. Queremos deixar claro, aqui, que nosso inconformismo não é com a cobrança de anuidades por parte da OAB. Nosso inconformismo, é com o fato da OAB estar fixando e majorando, ela própria, ao seu bel prazer, as anuidades. E mais grave ainda que isto não é feito sequer por um órgão federal, mas por uma dúzia de Conselheiros do réu neste Estado. Ora, como é que podemos permitir que tais pessoas se arvorem das atribuições do Congresso Nacional e do Presidente da República?

Inadmissível isto. Se o advogado não paga, ele não é apenas executado: ele será impedido de advogar. Isto é muito mais sério do que não pagar imposto. Se imposto depende de lei, tal contribuição também exige, com muito mais razão.

18. Sendo assim, como o réu jamais cobrou deste autor anuidades com base em lei, mas somente com base em valores que foram fixados e majorados por seu livre arbítrio, o objetivo desta ação é compelir à devolução do que foi cobrado indevidamente, assim como ficar desonerado de pagar, salvo se a cobrança for embasada em valor fixado ou majorado por lei. Ressalte-se que o autor pagou todas as anuidades que lhes foram cobradas desde que se inscreveu na OAB, estando rigorosamente em dia. Não pagou porque quis, por óbvio, mas porque se não o fizesse seria proibido de advogar.

Pelo exposto, requer a V. Exa. o seguinte:

a) Concessão de tutela antecipada, para autorizar o autor a depositar em Juízo as anuidades que lhes forem cobradas doravante pelo réu, tutela que deverá perdurar até o desfecho final desta ação, ou até que advenha lei fixando o valor.

b) Citação do réu para que conteste se quiser a ação, sob pena de revelia.

c) No mérito, seja confirmada a tutela antecipada em todos seus termos, e, concedida ou não a medida liminarmente pleiteada, seja julgada procedente a ação, para, declarando a inconstitucionalidade incidentalmente dos artigos 46 e 58, IX, do Estatuto da OAB, Lei 8.906/94, bem como de todos os atos do réu que fixaram e majoraram anuidades, condená-lo a devolver todas as anuidades que já foram cobradas do autor, vencidas, bem como as vincendas após o ajuizamento desta ação. Tudo com juros e correção monetária. Autorizando, ainda, o autor a sacar aquilo que for eventualmente depositado à disposição deste juízo.

d) Se houver recurso, seja o réu condenado ainda nas custas processuais e honorários advocatícios.

Requer seja determinado ao réu que exiba, junto à contestação, os atos normativos que fixaram as anuidades, a partir do ano de ingresso do autor nos seus quadros.

O valor haverá de ser apurado em execução, com base nos documentos a serem exibidos pelo réu, respeitado o limite deste Juizado Especial, sendo certo que o autor renuncia ao que extrapolar ao limite.

Dá à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para os efeitos fiscais.

Pede Deferimento

Vitória, 30 de agosto de 2004.

LUÍS FERNANDO NOGUEIRA MOREIRA

OAB-ES 6.942

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