Negócio obscuro

MP decide se deve investigar superfaturamento na compra da CRT

Autor

29 de agosto de 2004, 15h41

Nesta segunda-feira (30/8), uma câmara de recursos do Ministério Público Federal deve decidir se abre investigação para apurar provável superfaturamento num negócio privado que teria lesado o Banco do Brasil.

Quem crê que houve maracutaia é o deputado petista José Eduardo Martins Cardoso, autor do pedido, e o atual presidente do conselho da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, a Previ, e diretor de Marketing do BB, Henrique Pizzolato.

O negócio em questão ganhou vulto recentemente com o escândalo da Kroll, a empresa contratada para investigar a compra da Companhia Riograndense de Telefonia, pela Brasil Telecom. Acionista da operadora, a Previ teria sido lesada com um superfaturamento de 250 milhões de dólares.

Na primeira tentativa do deputado Martins Cardozo para rever o caso, o promotor José Alfredo de Paula Silva mandou o pedido para o arquivo. Segundo ele, como existe um processo em curso no Rio de Janeiro, não faria sentido iniciar um novo procedimento. Para o deputado a alegação é “absurda”, uma vez que o processo no Rio não trata do prejuízo aos cofres públicos.

Martins Cardozo recorreu à 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, composta por três subprocuradores. O primeiro voto já foi dado: a relatora, Gilda Pereira de Carvalho, propôs o arquivamento da investigação.

Devem se manifestar agora o subprocurador-geral da República Haroldo Ferraz da Nóbrega e sua colega, Célia Regina Souza Delgado. Dos dois votos emergirá a decisão se o caso deve ser investigado ou não.

Gilda Carvalho (veja a íntegra do voto abaixo) considera que “são tênues os elementos [ apresentados pelo deputado ] que formam uma relação de causalidade da suspeição entre os administradores da época [ da Previ ] com o bilionário negócio derivado da privatização da telecomunicação brasileira”. Assim, para ela, do ponto de vista da improbidade administrativa, “não se vislumbram indícios suficientes que embasem o prosseguimento das investigações”.

Do ponto de vista criminal, dado pela eventual evasão de divisas, a representação do deputado trafega em outra dependência do Ministério Público Federal. Este segundo procedimento está a cargo do sub-procurador José Diógenes Teixeira, que determinou a abertura de inquérito na Polícia Federal. No entanto, nenhum dos envolvidos foi ouvido até agora, embora o pedido de investigação date de julho do ano passado.

O deputado teme que a decisão desta segunda-feira, se for desfavorável ao prosseguimento das investigações no campo da improbidade administrativa, também poderia jogar uma pá de cal no procedimento criminal, uma vez que será a manifestação de um órgão colegiado de nível superior.

Coincidentemente, a deliberação acontece na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal deve definir se ao Ministério Público cabe ou não o papel de conduzir investigações criminais.

Para Martins Cardozo, o caso cheira mal. “Há indícios veementes de que houve uma série de delitos nesse processo de privatização. A negociação beira o absurdo”, afirma o petista.

Leia a íntegra do voto da subprocuradora Gilda Pereira de Carvalho

Voto nº 72/2004 – GPC

Procedimento Administrativo nº : 1.00.000.006585/2000-77 PR/DF

Representante: Dep. Federal José Eduardo Martins Cardozo, PT/SP

Relatora: Dra. Gilda Pereira de Carvalho

EMENTA, RECURSO, ARQUIVAMENTO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, ELEMENTOS.

1. Os fatos que deram origem à instauração desse PA são aqui analisados objetivando eventual violação às condutas descritas na Lei 8.429/92, concernentes à prática de atos que causam prejuízo ao patrimônio público, enriquecimento ilícito e atentam contra os princípios da administração.

2. Do exame dos autos chega-se à conclusão que são tênues os elementos que formam uma relação de causalidade de suspeição entre os administradores da época com o bilionário negócio derivada da privatização da telecomunicação brasileira, não sendo razoável a tramitação do presente procedimento.

3. As respeitáveis diligências sugeridas pelo Representante neste feito foram também indicadas para o procedimento criminal, o que enseja continuidade para o Procurador da República responsável por essa apuração dos fatos remeter informações ao colega com atribuição da defesa da probidade, para embasamento de providências nessa área, sem prejuízo da iniciativa de outro órgão ministerial ou particular trazer novas informações que demandem reabertura do caso.

4. Voto pelo não provimento do recurso e homologação do arquivamento.

Trata-se de procedimento administrativo instaurado em face de representação apresentada pelo Deputado Federal José Eduardo Martins Cardozo. Arquivado o feito e submetido à revisão desta Câmara, houve recurso em que se pleiteia o prosseguimento da investigação.


2. Narra o representante que a venda da CRT — Companhia Riograndense de Telecomunicações do grupo TBS – Tele Brasil Participações S/A, que por sua vez era controlada pela Telefônica Espanha foi vendida com sobre-preço à Brasil Telecom Participações S/A na ordem de US$ 250.000.000,00 (duzentos e cinqüenta milhões de dólares) causando prejuízo, por conseqüência, ao Fundo de Pensões do Banco do Brasil, formado parcialmente com capital do referido banco.

3. Cumpre registrar a tramitação de várias ações judiciais1 interpostas pela Brasil Telecom e outros, conforme cópia nos autos. No Anexo III consta a existência de tramitação no CADE da compra e venda da CRT pela TBS em julho de 1998. Há três anexos, remetidos pela Agência Nacional de Telecomunicações relativos a procedimento administrativo ali instaurado com transmissão de sigilo em face do art. 174 da Lei 9.472/97, f. 113.

É o Relatório.

Cumpre, primeiramente, frisar que os fatos que deram origem à instauração desse PA são aqui analisados objetivando violação às condutas descritas na Lei 8.429/92, que realizam-se, na prática, de atos que causam prejuízo ao patrimônio público, enriquecimento ilícito e atentem contra os princípios da administração.

2. Como consabido, em face do ordenamento jurídico pátrio, os mesmos fatos podem ser avaliados do ponto de vista da responsabilidade civil (ação de improbidade) administrativa e penal. Assim, esses mesmos fatos, agora sob enfoque penal, estão sendo investigados em inquérito policial por requisição ministerial.

3. Sustenta o Representante, com base em matéria jornalística produzida no Brasil e na Itália e em declarações prestadas por ex-Presidente da Brasil Telecom e ex-diretor da PREVI – Caixa Previdenciária dos Funcionários do Banco do Brasil, dentre outros papéis, que houve improbidade administrativa por parte do então Ministro das Comunicações, do Presidente da PREVI, do Presidente do Banco do Brasil e do BNDES, dentre outros, que à época do negócio de compra e venda ocupavam cargos públicos, por terem pressionado a compradora e a PREVI para a realização do negócio, quando a situação da vendedora não era confortável no mercado e perante as regras de privatização. Assegura que à vendedora, em face das regras legais e de mercado estabelecidas, restava-lhe apenas duas opções de conduta ou venda da CRT à Brasil Telecom, a única com capacidade econômica para a compra ou àquela seria revertida para a Agência Nacional de Telecomunicações a quem cabe adotar as providências de nova alienação.

4. Consta que a TBS era acionista controladora da CRT e que, por sua vez, tinha como acionistas a Telefônica Internacional S/A, Inbrug Investimentos e Serviços, Iberdrola Investimentos, Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, RBS Administração e Cobranças, CTC Internacional S/A, Telefônica da Argentina – TASA, todas tendo vendido, em 31.07.2000 as suas ações à Brasil Telecom pelo preço total de US$ 800.000.000,00 (oitocentos milhões de dólares norte-americanos) cujos respectivos valores seriam objeto de remessa internacional. Houve autorização da ANATEL para a formalização do negócio.

5. A CRT ficou sob a intervenção da ANATEL em face do exaurimento do prazo para ser vendida pela TBS, conforme previsto no Plano Geral de Outorgas, D 2.534/98 e L 9472/97 pela compra da Telesp.

6. No feito constam requisições de documentos à Anatel e ao Bndes, juntada da versão do Sr. Carmelo Furci, integrante do Conselho de Administração da Brasil Telecom pela indicação da STET, f 414, compondo ainda referido Conselho os Senhores Modesto Carvalhosa, Henrique Pizzolato, dentre outros.

7. O representante ressalta a prática da Telecom Itália de adquirir empresas superavaliadas, como ocorrera com a Telecom Servia e a Globo.com., e que por isto estaria sendo investigada pelo Parlamento e pelo Ministério Público Italiano, com suposta ressonância para a transação brasileira. A informação trazida é a de que vantagem pecuniária da superavaliação seria para o pagamento de propinas a agentes públicos brasileiros, como ocorrera com o governante Slodoban Milosevic da Sérvia.

8. Consta dos autos, documentos trazidos pelo Representante, que a empresa foi vendida por US$ 800 milhões depois de ter sido avaliada por empresa contratada pela Brasil Telecom sugerindo o intervalo entre US$ 650 e US$ 850 milhões de dólares e de ter sido aprovada proposta do Comitê criado pelo Conselho da Brasil Telecom de US$ 550 a US$ 750 milhões de dólares. Há proposta da KPMB fixando o intervalo entre US$ 562 e US$ 745 milhões.

9. A insatisfação recursal reside no fato de que o Procurador da República oficiante neste PA não teria examinado os documentos trazidos aos autos, tais como a edição nº 308, de 23 de julho de 2003 da Revista Isto É Dinheiro, cópia de relato de Henrique Neves, ex-Presidente da Brasil Telecom, declaração prestada por Antonio Luiz Freitag de Mello, então gerente de equipe de investimentos da Previ; Memorando de intenções sobre a aquisição da CRT; cópia da declaração prestada por Henrique Pizzolato, então presidente da Previ; missiva enviada a Luiz Tarquinio pelo Sr. Mauro Salles (Interamericana Ltda.) revelando que alertou o então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso a respeito do superfaturamento; livro publicado na Itália revelando detalhes das relações de corrupção do Sr. Roberto Colannino, Presidente da Telecom Itália e que possui um capítulo inteiro destinado ao episódio da aquisição da CRT, dentre outras matérias jornalísticas.


10. Diz que se amesquinhou a representação, reduzindo-a à disputa entre sócios, a ser resolvida na Justiça comum, quando os fatos revelam inegável interesse público, e sugere que sejam realizados exame pericial de natureza contábil-financeira a fim de apurar a avaliação de mercado para a aquisição da CRT na época dos fatos, tomada de depoimentos de treze pessoas, que as enumera; expedição de ofício aos Deputados integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada na Itália para que seja estabelecida cooperação operacional, a eventual quebra de sigilos fiscal, bancário e telefônico dos envolvidos, pessoas físicas e jurídicas.

11. Os fatos trazidos pelo recorrente, outrossim, estão sendo apurados sob o ponto de vista criminal. Pois é que no âmbito da responsabilidade por ato de improbidade, pelo menos nessa ocasião, não se vislumbra indícios suficientes que embasem o prosseguimento das investigações. A documentação acostada pelo Representante e a colhida pelo MPF não respaldam, presentemente, a versão de que houve atos de improbidades.

12. As respeitáveis diligências sugeridas pelo Representante, por ora não são razoáveis deferi-las, neste procedimento, porque são também previstas para o procedimento criminal, e oportunamente o Procurador da República responsável pela apuração criminal dos fatos, de ofício, remeterá ao colega responsável pela defesa da probidade, os elementos conseguidos para eventual embasamento de providências nesta área, sem prejuízo da iniciativa de outro órgão ministerial ou particular trazer novas informações.

13. Do exame dos autos, composto de três volumes, três anexos e 2 apensos, chega-se à conclusão que são tênues os elementos que formam uma relação de causalidade da suspeição entre os administradores da época com o bilionário negócio derivado da privatização da telecomunicação brasileira, não sendo razoável a tramitação do presente procedimento.

14. Com essas considerações, fica improvido o recurso e homologado o arquivamento.

1 Ação cautelar inominada proposta pela Telefônica Internacional S/A, TISA, TBS e outra contra a ANATEL, nº 2000.34.00.008115-4-DF em face desta ter concedido a gestão da CRT a TCS (Brasil Telecom). Ação nº 2000.34.00.001120-2-DF da CRT contra a ANATEL – TRF 4. Agravo 2000.04.01098103-2-RS tendo como agravante o Estado do Rio Grande do Sul. Queixa-crime da PREVI contra o jornalista Leonardo Altuori, autor da reportagem da Revista Isto É Dinheiro, Antonio Luiz Freitag de Mello e Henrique Pizzolato. Ações propostas pela Brasil Telecom contra a STBT, Telecom Itália (2001.001.040559.9-RJ). Idem contra Carmelo Furci, Marcos Girardi e membros do Conselho de Administração da Brasil Telecom, PREVI, PETROS e TELOS porque privilegiaram os interesses do grupo telefônico espanhol e do grupo Telecom Itália (2003.001056900-0).

Brasília, 16 de agosto de 2004

Gilda Pereira de Carvalho

Relatora

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!