Bola fora

Eros Grau não deu parecer sobre contribuição de inativos

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28 de agosto de 2004, 14h01

No clima passional que antecedeu a votação da validade da cobrança de INSS dos aposentados do serviço público, muito se falou. Mas nada foi tão ácido como a acusação que se fez ao ministro Eros Grau. Ele teria dado um parecer, em 1999, demonstrando a inconstitucionalidade da tributação dos inativos, dizia o boato.

No início, muito se falava do parecer que não aparecia nunca. Até que a própria dona do estudo, a Associação de Docentes da Universidade de Campinas — Adunicamp — distribuiu, pela Internet, a acusação direta, com apenas um parágrafo do documento. No texto acusatório revelou-se até mesmo o custo do parecer: cerca de R$ 35 mil.

O problema é que no texto distribuído pela Internet, o trecho atribuído ao ministro nada falava a respeito de contribuição de inativos.

O panfleto eletrônico serviu para que o jornalista Jânio de Freitas reverberasse e ampliasse a grave acusação com todas as letras na Folha de S.Paulo. O colunista errou. O parecer, obtido no site da própria associação, não tratou, efetivamente, da ação.

A compreensível contrariedade do funcionalismo trombou com a lógica cristalina da construção jurídica produzida no Supremo: não há direito adquirido em matéria tributária. Ou seja, um cidadão que tem 40 anos não pode eximir-se de pagar um novo tributo alegando que tem o “direito adquirido” de não pagá-lo, porque nunca o pagou.

A contrariedade ou mesmo a revolta, porém, não permitem que se atribua a quem quer que seja algo que não se fez.

O parecer, abaixo transcrito, tratou exclusivamente de um caso de 1999 envolvendo professores da Universidade de Campinas (Unicamp) que trabalhavam com contrato empregatício diferente do usual, mas nem por isso perderiam o direito de se aposentar. Para defender essa tese, ele invocou o direito adquirido, cláusula pétrea da Constituição, segundo a qual uma norma posterior não pode ferir um direito conquistado. O direito em questão era o de se aposentar e não o de eximir-se de eventual contribuição.

Leia o parecer de Eros Grau para a Adunicamp

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas – Professores universitários – Contrato por prazo determinado – Ausência de concurso público – Regime estatutário e sistema previdenciário 104.

A ADUNICAMP encaminhou-me a seguinte

“Consulta

O Corpo Docente da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP compreende, além dos professores integrados na carreira docente, dois grupos de professores, que se refere como Parte Especial-PE e Parte Suplementar—PS.

A Parte Especial-PE é composta exclusivamente de funções autárquicas exercidas de por tempo determinado, na qual há

[I]admissão sem processo seletivo para os níveis e denominações previstas nos artigos do Estatuto: 90 e 93, combinados com o 105 (há artigos correspondentes nos outros diplomas: Regimento Geral, art 157, 160 e 174; além do Esunicamp); e

[II] admissão com processo seletivo para os níveis e denominações previstas nas regras citadas acima.

A Parte Suplementar—PS é composta exclusivamente de funções autárquicas de natureza permanente [parte em extinção: art 172 do Estatuto], na qual há

[III] admissão sem processo seletivo para os níveis e denominações previstas nos artigos do Estatuto: 90, inciso I e 93 (há artigos correspondentes nos outros diplomas);

[IV] admissão com processo seletivo para os níveis e denominações previstas nas regras citadas.

Todos os professores sob esses casos sempre contribuíram para o IPESP, nos termos do artigo 158 do Esunicamp.

O Governador do Estado de São Paulo encaminhou ao Poder Legislativo projeto de lei destinado a criar um novo sistema previdenciário para o funcionalismo do Estado, absolutamente nenhuma regra dispondo, esse projeto, à respeito da aposentadoria desses professores, integrados tanto na Parte Especial-PE quanto na Parte Suplementar-PS.

Indaga-se:

1. qual o regime previdenciário que se aplica a esses professores? incide a regra do art. 40 § 13 da CF? com a aprovação do Projeto de Lei Complementar no. 11/99, que cria o sistema único de previdência para os servidores no Estado de São Paulo, os docentes dos casos têm garantido sua inclusão do regime básico?

2. qual a validade e quais os efeitos da admissão de docentes mediante contrato nos termos do Estatuto? qual a validade da renovação sucessiva desses contratos? continua caracterizado a temporalidade do contrato?

3. qual o âmbito de auto-regulação da Universidade, nos termos da autonomia universitária, para prever formas de contratação por tempo determinado? qual a validade das atuais regras do Estatuto sobre contratação?”

Parecer

01. – Diz o artigo 175 do Regimento Geral da UNICAMP que “O QD-UNICAMP é composto de Parte Permanente – PP, Parte Suplementar em Extinção – PS e Parte Especial – PE”.


Paralelamente, dispõe o artigo 90 do Estatuto da UNICAMP:

“Art. 90 – A Universidade poderá admitir, mediante proposta dos Departamentos aos correspondentes Conselhos Interdepartamentais:

I. professores e outros intelectuais, artistas ou técnicos de reconhecida competência, para colaborar nas atividades universitárias, em níveis paralelos aos do magistério;

II. professores e especialistas, como professores visitantes, também em níveis paralelos aos do magistério”.

Por seu lado, definem o artigo 174 e seu § 1º do Regimento Geral da UNICAMP:

“Art. 174 – Em qualquer dos níveis da carreira docente a que se refere o Artigo 160, poderá haver pessoal admitido mediante contrato, pelo prazo máximo de 3 (três) anos.

§ 1º – O prazo a que se refere este artigo somente poderá ser renovado mediante prévia autorização da Câmara de Administração, em cada caso”.

02. – Vê-se prontamente, destarte, que o primeiro aspecto relevante a considerar respeita à situação dos professores dos quais cuida a consulta, integrados na Parte Suplementar em Extinção – PS e na Parte Especial – PE do QD-UNICAMP.

Todos eles foram, em diferentes ocasiões, contratados pela Universidade, mercê dessas contratações tendo se operado a sua admissão a ela. Assim, houve a contratação de (a) professores e outros intelectuais, artistas ou técnicos de reconhecida competência, para colaborar nas atividades universitárias, em níveis paralelos aos do magistério e de (b) professores e especialistas, como professores visitantes, também em níveis paralelos aos do magistério, estes últimos tendo sido contratados por prazo determinado (prazo máximo de três anos).

A situação ocupada por esses professores é, como será visto prontamente, situação de servidor estatutário.

Deveras, em monografia primorosa , PAULO EMÍLIO DE RIBEIRO VILHENA, cogitando da Lei no 6.185/74 , observou: “Em realidade, há dois regimes que se excluem e simples é a operação exegética como simples é a localização das posições jurídicas: se o prestador [de trabalho] não é funcionário é contratado. No plano da regra objetiva, ou se submete ao Estatuto dos Funcionários ou se enreda no sistema da legislação do trabalho (Consolidação das Leis do Trabalho, legislação complementar e, a fortiori, lei do F.G.T.S., ressalvado os institutos da sindicalização e da greve, como se exporá adiante). Em suma, não há meio-termo, não há entrecruzamentos amaciadores, assim como não há figuras fora de um ou de outro estatutos: o do funcionário e o do empregado”.

A observação de PAULO EMÍLIO DE RIBEIRO VILHENA permanece íntegra ainda no regime da Constituição de 1.988, em especial após o advento da Emenda Constitucional no 19/98, que suprimiu a obrigatoriedade, anteriormente consagrada no seu artigo 39 [dela, Constituição de 1988), da instituição de “regime jurídico único” para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

A circunstância de esses professores terem sido contratados não os aparta do regime estatutário. Tanto eles, quanto os professores integrantes da Parte Permanente – PP do QD-UNICAMP, estão sujeitos àquele regime, distiguindo-os unicamente o tipo de investidura de uns e outros. Os professores integrantes da Parte Permanente – PP são investidos em cargos públicos, ao passo que os demais são admitidos à Universidade para o desempenho de determinados serviços. A circunstância dos últimos serem contratados — insisto nisso — não os sujeita, de plano, ao sistema da legislação do trabalho.

03. – Cumpre enfatizar, de resto, que esses professores contratados são e sempre foram tratados como estatutários pela Universidade.

Assim, de uma banda são descontadas de suas respectivas remunerações contribuições para o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo – IPESP e para o Instituto de Assistência Médica do Servidor Público Estadual – IAMSPE. De outra, tanto foram absorvidos administrativamente pela UNICAMP, em sua autonomia, que, v.g., [i] ficam sujeitos aos mesmos processos de avaliação aos quais se submetem os docentes integrantes da Parte Permanente – PP, [ii] recebem, a cada quinquênio, o mesmo adicional a que fazem jus os professores integrados na Parte Permanente – PP, [iii] recebem gratificação quando assumem funções administrativas, exatamente como ocorre em relação aos professores integrados na Parte Permanente – PP e [iv] gozam do direito a fastamentos, à semelhança ainda dos professores integrados na Parte Permanente – PP.

De mais a mais, especificamente no que tange àqueles integrados na Parte Suplementar – PS, a disposição contemplada no artigo 107 do Estatuto da UNICAMP é suficientemente expressiva do que venho sustentando:

“Art. 107 – Os direitos políticos, acadêmicos, administrativos e funcionais são idênticos para os docentes integrantes das Partes Permanente e Suplementar em Extinção do QD-UNICAMP, enquanto perdurar o seu vínculo funcional, independentemente da forma de provimento, resguardadas as prerrogativas de titulação e de cada nível”.


Podemos assim dizer que tanto os docentes integrados na Parte Suplementar – PS, quanto aqueles integrados na Parte Especial – PE, estão sujeitos a regime estatutário, distinguindo-os a circunstância de os direitos políticos, acadêmicos, administrativos e funcionais dos primeiros serem idênticos aos dos docentes integrados na Parte Permanente – PP, ao passo que os direitos políticos, acadêmicos, administrativos e funcionais dos docentes integrados na Parte Especial – PE são análogos aos dos docentes integrados na Parte Permanente – PP.

Lembro uma vez mais, aqui, a observação de PAULO EMÍLIO DE RIBEIRO VILHENA: “Em suma, não há meio-termo, não há entrecruzamentos amaciadores, assim como não há figuras fora de um ou de outro estatutos: o do funcionário e o do empregado”.

04. – Esclarece no entanto a consulente que alguns desses professores, seja integrados na Parte Especial – PE, seja integrados na Parte Suplementar – PS, foram admitidos sem processo seletivo.

Ora, a autonomia da Universidade, afirmada pelo artigo 207 da Constituição do Brasil, certamente a autoriza a dispor sobre o regime estatutário de seus servidores. Por isso mesmo posso prontamente conferir resposta ao terceiro quesito proposto na consulta, afirmando que a Universidade pode, nos termos da autonomia universitária, prever formas de contratação por tempo determinado. De outra parte, no caso concreto do Estatuto da UNICAMP, as regras que atualmente dispõe sobre contratação me parece serem perfeitamente adequadas à ordem constitucional.

O que se não pode admitir, é óbvio, é o desacato a preceitos constitucionais, o que ocorre não quando o Estatuto da UNICAMP admite a contratação de pessoal docente, mas quando contratações sejam feitas sem concurso público. Por isso não se manifesta qualquer inconstitucionalidade, desde a primeira perspectiva, no Estatuto da UNICAMP, não obstante afrontem francamente a Constituição as contratações de professores, mesmo para que integrem a Parte Especial – PE ou a Parte Suplementar – PS do QD-UNICAMP, sem concurso público.

05. – Quanto aos professores contratados mediante a realização de processo seletivo que atenda às exigências do artigo 37, II da Constituição de 1.988, integrados na Parte Especial – PE ou na Parte Suplementar – PS, a eles não se aplica, porque ocupam a situação de servidores estatutários, a regra do § 13 do artigo 40 da Constituição do Brasil — é muito nítido que não se trata, aí, nem de “servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação exoneração”, nem de servidor ocupante de “outro cargo temporário ou de emprego público”.

Examinada bem a situação de que se cuida, teremos que, reconhecida a sujeição desses professores ao regime estatutário — ainda que não ocupem cargo — apenas seria possível cogitarmos da incidência da regra desse § 13 do artigo 40 sobre aquela situação na medida em que ficasse comprovado o caráter temporário de suas respectivas contratações. Sucede que, na hipótese, as reiteradas renovações de tais contratos descaracterizam a sua temporariedade.

Assim, dúvida nenhuma pode restar quanto à sujeição, daqueles professores, ao regime previdenciário estatutário, que o Projeto de Lei Complementar nº 11/99 refere como Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo.

06. – Indaga ainda a consulente, contudo, se com a aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 11/99, que cria o sistema único de previdência para os servidores no Estado de São Paulo, os mesmos professores têm garantida sua inclusão no regime básico (arts. 3º e ss. do projeto).

O artigo 5º do projeto não inclui esses professores entre os segurados obrigatórios do “Regime Básico de Previdência”. Assim, é certo que, tal como redigido o projeto, não garante a inclusão daqueles professores nesse regime. Logo, salvo a hipótese de a lei expressamente vir a incluí-los no elenco dos segurados obrigatórios do Regime Básico da Previdência, o reconhecimento da sua inclusão nesse regime terá de ser reclamado ao Poder Judiciário.

07. – Resta a considerarmos a situação dos professores contratados sem a prévia realização de processo seletivo que atendesse às exigências do artigo 37, II da Constituição de 1.988, integrados na Parte Especial – PE ou na Parte Suplementar – PS.

A eles evidentemente não se aplica a regra do § 13 do artigo 40 da Constituição do Brasil, visto não se tratar, aí, nem de “servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação exoneração”, nem de servidor ocupante de “outro cargo temporário ou de emprego público”.

De outra parte, é certo que as contratações sem concurso público são nulas, o que conduz à conclusão de que aos professores assim contratados não assiste nenhum direito de caráter previdenciário. Não é bem assim, porém, como passo a demonstrar.


08. – Ora, ainda que nulas as contratações desses professores, o fato é que eles cumpriram determinadas atividades na Universidade, prestando trabalho a ela, e — como afirmado na consulta — “sempre contribuíram para o IPESP, nos termos do artigo 158 do Esunicamp” .

Vale dizer: embora nulas, essas contratações surtiram inegáveis efeitos jurídicos, de modo que dúvida nenhuma pode restar quanto à circunstância de serem devidos os pagamentos feitos a esses professores à título de remuneração pelo trabalho prestado à Universidade.

Dir-se-á, mesmo, ser descabido o entendimento de que a nulidade das contratações acarretaria a necessidade de os professores devolverem à Universidade o quanto receberam àquele título, porquanto, além de inconcebível, no caso, a prestação de trabalho gratuito, aquela devolução importaria no enriquecimento sem causa da Universidade.

09. – A lei civil brasileira, observa VALLE FERREIRA, “não formulou nenhum princípio geral no sentido de qualificar o enriquecimento sem causa como fonte especial de obrigações”. Não obstante, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa está consagrado pelo nosso direito, atuando como norma jurídica, informando e conformando soluções jurídicas a serem aplicadas a determinadas hipóteses. Cuida-se, aí, de princípio que, no caso dos direitos que o consagram, pouco ou nada importa tenha sido mesmo positivado como regra. O que conta é a circunstância de, na expressão de FRANCISCO MADRAZO, funcionar como fundamento do direito das obrigações, regra de ouro das transferências patrimoniais, padrão ou medida com o qual se julga a equidade de um negócio ou de uma situação jurídica.

O princípio da vedação do enriquecimento sem causa, que o direito brasileiro, ainda que de modo latente, consagra, encontra sua matriz na equidade, que — como anotou JORGE AMERICANO — no direito romano “se combinou com o princípio da proteção ao patrimônio para repelir o locupletamento injustificado, criando a ação de in rem verso” .

Iure naturae et aequum est, neminem, cum alterius detrimento et iniuria, fieri locupletiorem — diz o Digesto . Enriquecimento sem causa é aquele em função do qual alguém, em detrimento de outrem, vê acrescido seu patrimônio. Há, aí, locupletamento indevido , a ninguém cabendo locupletar-se com o dano de outrem [nemo locupletari debet cum aliena injuria].

Colhido no seio do direito civil, o princípio penetra nosso Direito Administrativo de modo tal que não importa se cá ele se impõe assimilado à in rem verso [do direito civil] ou se autonomamente, em relação a ele [isto é, ao direito civil] . E tal a sua importância, em especial no campo das obrigações, que a doutrina chega a afirmar a maior relevância dele na contratação administrativa do que na contratação civil .

Ora, o não pagamento de remuneração pelo trabalho prestado aos professores de que se cuida seguramente importaria em dano para eles, ao qual corresponderia o acréscimo do patrimônio da Universidade.

10. – O que no entanto torna definidamente inquestionável o direito, dos professores contratados sem a prévia realização de processo seletivo que atendesse às exigências do artigo 37, II da Constituição de 1.988, ao recebimento da remuneração pelo trabalho por eles prestado é a circunstância dessa remuneração ter caráter alimentar.

Desejo enfatizar, neste ponto, o fato de o credor de remuneração pela prestação de trabalho não gozar plenamente do poder de disposição do direito ao qual corresponde esse crédito. Estamos, aqui, diante de bem cuja importância para o todo social é de tal vulto que o ordenamento jurídico limita todo ato que possa prejudicar o seu desfrute, seja proveniente de seu titular, seja proveniente de terceiros seus credores . Indisponível determinado direito, a ele não pode renunciar o seu titular.

É que o direito a remuneração constitui uma garantia, e não apenas uma prerrogativa do seu titular. Os direitos que consubstanciam garantia beneficiam não apenas o seu titular, mas também a terceiros e à própria sociedade. A certeza de que aquele que trabalha receberá remuneração suficiente para cobrir as suas necessidades mínimas é essencial à construção da coesão e da paz social.

Ora, tal qual o direito a remuneração, o direito a aposentadoria é também expressão de garantia conferida a quem alcance certa idade ou já tenha trabalhado durante determinado período de tempo. Não se trata, aqui, meramente de vantagem atribuída a quem tenha sido investido em cargo público, mas de prestação devida pelo Estado, em benefício do interesse do todo social, ao indivíduo que cumpriu aquelas condições. Daí porque esse direito não pode ser objeto de renúncia, entendida esta, na expressão de JOSÉ PAULO CAVALCANTI , como “o ato pelo qual o sujeito — à semelhança do suicida, com relação à vida animal — voluntariamente acaba com seu direito” .


Os professores contratados sem a prévia realização de processo seletivo que atendesse às exigências do artigo 37, II da Constituição de 1.988 por certo não gozam de prerrogativas que acodem àqueles que prestaram concurso público, não podendo porém a eles serem sonegados o direito à percepção de adequada remuneração e de aposentadoria [e, quanto aos seus dependentes, de pensão], idênticas às prestadas àqueles outros, professores que se sujeitaram a concurso, e seus dependentes.

11. – Indaga ainda a consulente à respeito da validade da renovação sucessiva dos contratos de que se cuida e se, apesar dessas renovações, continua caracterizada a sua temporalidade.

As contratações temporárias de pessoal docente são previstas pelo Regimento Geral da UNICAMP, em seu artigo 174, como vimos, dispondo o § 1º:

“§ 1º – O prazo a que se refere este artigo somente poderá ser renovado mediante prévia autorização da Câmara de Administração, em cada caso”.

Por isso as renovações dos contratos, ainda que reiteradas, por certo não comprometem a sua validade desde que autorizadas pela Câmara de Administração da UNICAMP e os professores contratados desempenhem atividades cuja realização seja efetivamente indispensável ao atendimento do interesse público. Vale dizer: se as atividades desempenhadas forem necessárias ao pleno funcionamento e à boa qualidade dos serviços fornecidos pela Universidade tais renovações não afetarão a validade dos contratos.

De outra parte, é fora de dúvida que essas renovações descaracterizam a temporalidade dos contratos de que se cuida, o que, aliás, a própria UNICAMP reconhece ao pagar aos professores contratados, a cada quinquênio, o mesmo adicional a que fazem jus os professores integrados na Parte Permanente – PP do QD-UNICAMP.

12. – Em face de todo o exposto dou as seguintes respostas aos quesitos propostos na consulta:

1. o regime previdenciário que se aplica aos professores aos quais respeita a consulta é o aplicável aos servidores públicos estaduais; não incide, no caso, a regra do art. 40, § 13 da Constituição de 1.988; embora a esses professores se aplique o sistema único de previdência para os servidores no Estado de São Paulo, a aprovação do Projeto de Lei Complementar no 11/99, que o cria, não garante, tal como redigido, aos docentes de que se cuida, inclusão no regime básico;

2. a admissão de docentes mediante contrato nos termos do Estatuto é plenamente válida quando antecedida de concurso público; a admissão sem a prévia realização de concurso público é nula, não obstante produza alguns efeitos, qual acima explicitado; a renovação sucessiva desses contratos pode ser tida como válida, nos termos explicitados no item 11, acima; essas renovações sucessivas descaracterizam a temporalidade do contrato;

3. a autonomia da Universidade lhe permite a previsão de formas de contratação por tempo determinado; as atuais regras do Estatuto sobre contratação são plenamente válidas.

É o que me parece

São Paulo, 19 de outubro de 1.999

Eros Roberto Grau

Professor Titular da Faculdade de Direito da USP, professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Montpellier I (França) [1.995-1.998]

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