Direção contrária

Conheça o voto da ministra Ellen Gracie sobre taxação de inativos

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27 de agosto de 2004, 16h11

“É errônea a afirmativa de que os servidores públicos federais nunca contribuíram ou pouco contribuíram para o sistema previdenciário próprio. Concorreram eles, de fato, para a formação de seu fundo de aposentadoria conforme as alíquotas estabelecidas pelo legislador e incidentes sobre o valor total de seus vencimentos.”

O entendimento é da ministra do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, que julgou inconstitucional a contribuição dos servidores inativos. A relatora do caso, no entanto, foi voto vencido no julgamento que decidiu pelo pagamento de contribuição. A votação ficou em 7X4.

Segundo a relatora, “quando se diz que concorreram apenas para as pensões, tal argumento não tem o valor de infirmar o fato de que aposentadorias e pensões nunca são benefícios contemporâneos, extinguindo-se uma, quando a outra tem início”.

As Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram propostas pela Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) e pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República). O caso foi julgado no dia 18 de agosto.

A decisão no Supremo foi pelo meio termo. Ao mesmo passo que não afastou a contribuição, aumentou o limite de isenção dos inativos para R$ 2,5 mil — tese defendida pelo ministro Cezar Peluso.

Leia a íntegra do voto da ministra

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.105-8 DISTRITO FEDERAL

RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE

REQUERENTE(S): ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CONAMP

ADVOGADO(A/S): ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA E OUTRO(A/S)

REQUERIDO(A/S): CONGRESSO NACIONAL

R E L A T Ó R I O

A Senhora Ministra Ellen Gracie: A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP propôs ação direta de inconstitucionalidade em face do artigo 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19.12.03, que possui o seguinte teor:

“Art. 4º Os servidores inativos e os pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo de benefícios na data de publicação desta Emenda, bem como os alcançados pelo disposto no seu art. 3º,1 contribuirão para o custeio do regime de que trata o art. 40 da Constituição Federal com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

Parágrafo único. A contribuição previdenciária a que se refere o caput incidirá apenas sobre a parcela dos proventos e das pensões que supere:

I – cinqüenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II – sessenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas da União”.

1.Art. 3º, caput da EC nº 41/03: “É assegurada a concessão, a qualquer tempo, de aposentadoria aos servidores públicos, bem como pensão aos seus dependentes, que, até a data de publicação desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente”.

Alega a autora que “os servidores públicos aposentados e os

que preenchiam as exigências de aposentação antes da vigência da nova norma constitucional estavam submetidos, quando das suas aposentadorias ou do momento em que poderiam se aposentar, a regime previdenciário que não tinha caráter contributivo ou solidário (antes da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998), ou apenas tinha caráter contributivo (depois dessa mesma Emenda Constitucional nº 20, de 1998).” Assim, conclui, os referidos servidores, depois de aposentados conforme o sistema previdenciário então estabelecido pela Constituição, exerceram ou incorporaram ao seu patrimônio jurídico o direito de não mais pagarem contribuição previdenciária.

Afirma que tal ilação está em conformidade com o pacífico entendimento firmado nesta Corte (Enunciado nº 359 da Súmula do STF, alterado após o julgamento do RE nº 72.509 ED-EDv, DJ 30.03.73) segundo o qual o servidor público aposentado ou que já reuniu os requisitos para se aposentar tem o direito de que seja aplicada, ao período de sua inatividade, a lei vigente à época em que se aposentou ou que poderia se aposentar.

Assevera que se os servidores aposentados até 19.12.03, bem

como os que detinham as condições para sê-lo, possuem o direito de não pagar contribuição previdenciária, a obrigação imposta pelo dispositivo impugnado prejudica este mesmo direito, impondo situação jurídica mais gravosa ao seu titular. Aponta, assim, violação à garantia individual do direito adquirido (o que não foi exercido, apesar de já estar incorporado ao patrimônio jurídico de seu titular) e do ato jurídico perfeito (direito subjetivo exercido que se torna, por ato do Poder Público, situação definitivamente constituída), prevista no artigo 5º, XXXVI da CF. Afirma ter sido desrespeitada, por conseguinte, a cláusula pétrea insculpida no art. 60, § 4º, IV da Carta Magna, segundo a qual “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”.


Defende a requerente a tese de que o vocábulo “lei” constante do citado art. 5º, XXXVI da CF (“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”) possui um significado amplo, a representar qualquer ato normativo editado ou expedido pelos Poderes e agentes estatais, incluindo, neste conceito, a espécie normativa emenda constitucional.

Assevera, outrossim, que a norma atacada afronta o princípio da isonomia tributária, previsto no art. 150, II da Lei Fundamental, por ter instituído tratamento diferenciado entre os servidores que se aposentarem após a promulgação da EC nº 41/03, que contribuirão apenas sobre o montante do provento que exceda a R$ 2.400,00 (valor máximo de benefício do regime geral de previdência social), e os que já estão aposentados, que deverão contribuir sobre o que superar apenas 60% (sessenta por cento) dos referidos R$ 2.400,00, se servidor inativo da União, e sobre 50% (cinqüenta por cento) da mesma importância, se servidor aposentado dos Estados, Distrito Federal ou Municípios.

Para embasar esta alegação de ofensa ao primado da isonomia, vale-se a requerente de trecho de parecer do eminente jurista José

Afonso da Silva, para o qual o aspecto essencial tomado pelo legislador constituinte derivado para impor, ao grupo destinatário da norma, o ônus em exame, são os proventos de aposentadoria. Assim, conclui, as pessoas atingidas encontram-se em situações idênticas por serem titulares de proventos de aposentadoria, sendo ofensivo à regra da igualdade a discriminação estipulada pela norma contestada. Sustenta, por fim, o ilustre doutrinador, que sendo a igualdade de tratamento de situações iguais garantia individual, também o poder reformador não pode discriminar, por força do art. 60, § 4º, IV da CF.

Por último, sustenta a Associação autora ofensa ao princípio da irredutibilidade de vencimentos e proventos, “princípio geral que protege todas as formas de estipêndios decorrentes das relações privadas e públicas de trabalho”. Requer, liminarmente, a suspensão do preceito impugnado e, no mérito, a procedência do pedido para que seja declarada a inconstitucionalidade do art. 4º da EC nº 41/03.

Determinado o procedimento estabelecido no art. 12 da Lei 9.868/99, foram solicitadas informações ao Congresso Nacional que as prestou por meio de peça elaborada pela Advocacia-Geral do Senado Federal. Nesta, apontou-se, preliminarmente, a ilegitimidade ativa da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, conclusão que teria sido alcançada por esta Corte no julgamento da ADI nº 1.402-MC. No mérito, alega que o Congresso Nacional, por meio da escolha de uma nova política previdenciária, aprovou um regime mais adequado que pudesse reduzir as desigualdades entre as previdências pública e privada.

Concluindo pretenderem os autores a imutabilidade de um certo regime jurídico, afirma que a eleição por um novo modelo, implementado por emenda constitucional, implicou na alteração do regime jurídico previdenciário, contra o qual não pode ser invocado direito adquirido, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, cita precedentes da Corte.

Quanto à alegação de afronta ao princípio da irredutibilidade de vencimentos, sustenta o requerido ter este Tribunal decidido, na ADI nº 1.441, que os vencimentos e os proventos não são imunes à incidência de tributos. Requer a improcedência do pedido.

Em sua manifestação, a Advocacia-Geral da União assevera que a “contribuição previdenciária tem natureza de tributo, não havendo que se falar em direito adquirido a não ser tributado”. Valendo-se de trabalho do festejado jurista Luís Roberto Barroso, conclui a AGU, neste aspecto, que “nenhum contribuinte tem o direito de não vir a ser tributado no futuro ou de não ter a sua tributação majorada. Reconhecer-se direito adquirido aos inativos de não sofrerem tributação importaria em instituir uma imunidade tributária sem previsão constitucional”.

Assim, afirma inserir-se a contribuição impugnada num contexto de solidariedade, peculiar à seguridade social, sistema em que todos os participantes, sejam eles servidores ativos, inativos ou pensionistas, devam concorrer, não havendo motivo para a exclusão de alguns em prejuízo dos demais.

Realçando a superioridade hierárquica das emendas constitucionais, assevera a AGU que a garantia individual do respeito ao direito adquirido destina-se aos atos normativos infraconstitucionais, pois, em momento algum dispôs a Carta de 1988 que emenda constitucional não prejudicará direito adquirido, aludindo, ao contrário, à expressão lei, contida em seu art, 5º, XXXVI, que teria, segundo defende, a noção de norma infraconstitucional da espécie ordinária.

Alega que emenda constitucional possui eficácia imediata, incidindo sobre as situações presentes e futuras, bem como sobre os efeitos futuros de situações consolidadas no passado, sendo, portanto, “elemento idôneo a instituir a contribuição previdenciária de inativos e pensionistas, sujeitando, inclusive, pessoas que adquiriram tal status em momento que lhe é anterior”.


Expõe que no julgamento cautelar da ADI 2.010, rel. Min. Celso de Mello, esta Corte constatou a ausência, na época, de uma indispensável base constitucional para a cobrança de inativos e pensionistas. Assim, argumenta, a EC nº 41/03 veio exatamente dar o suporte constitucional necessário para a cobrança da exação sob análise.

Além de enfatizar a necessidade da observância de outras regras e princípios que informam o sistema constitucional, como os princípios

da solidariedade, da dignidade da pessoa humana e da isonomia, enfatiza a AGU que a transgressão ao campo das cláusulas pétreas ocorreria caso fosse promulgada “emenda que suprimisse ou fosse tendente a abolir a previsão geral, no rol dos direitos e garantias fundamentais, da garantia do direito adquirido”, ou seja, caso alterado o disposto no art. 5º, XXXVI da CF.

No que diz respeito ao princípio da isonomia tributária, alega a AGU que a instituição de contribuição previdenciária para inativos e pensionistas passou a conferir um mesmo tratamento a indivíduos situados sob uma mesma conjuntura, “já que estes, na realidade, não se encontram em situação distinta pelo mero fato de estarem aposentados”, pois integram igualmente o sistema, devendo todos, solidariamente, resguardar as gerações atuais e futuras de eventual estado de pobreza, como também da perda da dignidade.

Quanto à diferença de tratamento entre os atuais aposentados e os que vierem a se aposentar após a promulgação da EC nº 41/03, argumenta que tal discrímen se justifica pelo fato dos servidores já aposentados terem adquirido seus benefícios mediante regras mais flexíveis e com um tempo menor de contribuição, enquanto os servidores que ainda não se aposentaram estarão sujeitos a regramento mais rígido, que os obrigará a passar mais tempo na atividade, na carreira e no cargo em que pretendam se aposentar. Em resumo: a contribuição incidirá num grau maior para aqueles que se submeteram a um regime menos gravoso, enquanto haverá uma incidência contributiva menor para os que estão atrelados a um regime mais rígido. Segundo alega, está-se tratando os desiguais de forma desigual, o que não importa violação ao apontado art. 150, II da CF.

Sobre a alegação de desrespeito ao princípio da irredutibilidade de vencimentos e proventos, afirma a Advocacia-Geral da União que “inexiste direito adquirido à não-exação tributária, e a incidência de tributos pode se dar sobre vencimentos, bem como sobre proventos, sem que, com isso, reste prejudicado o princípio da irredutibilidade”. Alega que esta conclusão já foi alcançada por este Supremo Tribunal no julgamento da ADI 1.441-MC, rel. Min. Octavio Gallotti. Requer a declaração da constitucionalidade do art. 4º da EC nº 41/03.

A douta Procuradoria-Geral da República, por meio de parecer da lavra do Senhor Vice Procurador-Geral da República, Dr. Antônio

Fernando Barros e Silva de Souza, aprovado pelo ilustre Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, manifestou-se favoravelmente à tese das requerentes por entender ferir a garantia constitucional da inalterabilidade do ato jurídico perfeito e do direito adquirido a instituição de contribuição previdenciária sobre os proventos daqueles que, anteriormente à EC nº 41/03, já ostentavam a condição de servidores inativos, pensionistas ou detentores dos requisitos para a aposentadoria, “ainda que o novo tributo tenha sido

previsto em emenda constitucional”.

Alega que o poder de emenda à Constituição é subalterno aos limites impostos pela própria Carta e que esta impõe, em seu art. 60, § 4º,

IV a proteção dos direitos e garantias individuais, dentre os quais, o respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido.

Afirma ser irrelevante a questão atinente à amplitude semântica da expressão “lei”, contida no art. 5º, XXXVI da CF, uma vez que os fundamentos da intocabilidade do direito adquirido, como garantia

individual que é, encontram-se na vedação constante do citado art. 60, § 4º, IV da CF. Apóia-se o órgão ministerial, quanto a este entendimento de que as emendas não podem ofender o direito adquirido, em Raul Machado Horta e em José Afonso da Silva que, no trecho transcrito de seu parecer, ainda cita Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Carlos Ayres Brito, Valmir Pontes Filho, Hugo Nigro Mazzilli e Elival da Silva Ramos.

De qualquer modo, acrescenta, “o legislador constituinte ao utilizar a palavra lei se referiu, na realidade, a qualquer veículo introdutor de

normas, ou seja, a qualquer das espécies legislativas elencadas no artigo 59 da Constituição Federal, dentre elas a emenda Constitucional”. Alega que este entendimento é consonante com o sentido constitucional de preservação do que validamente está consolidado (segurança jurídica), e que, por isso, somente o constituinte originário pode tudo desfazer. Já a emenda, como


manifestação de um poder constituído, expõe, submete-se aos limites impostos no texto constitucional.

Refuta o Ministério Público Federal, outrossim, a alegação de que a Constituição proibiria a edição de emenda tendente a abolir a previsão geral e abstrata da proteção ao direito adquirido, contida no rol dos direitos e garantias individuais, mas permitiria a supressão destes mesmos direitos individualmente considerados. Defende ser “totalmente desprovida de consistência a interpretação atribuída ao preceito sob análise”, pois “sem a proteção dos direitos singularmente considerados, o preceito constitucional restaria inócuo e sem aplicação”. E questiona, conclusivamente, a utilidade de uma proteção genérica dos direitos adquiridos “se o conteúdo de cada direito adquirido, individualmente considerado pudesse ser diretamente atingido por emendas ao texto constitucional”.

No mais, manifesta-se o Parquet federal pela inconstitucionalidade da cobrança de contribuição previdenciária dos inativos, asseverando que se o Poder Público deseja impor uma nova contribuição deverá criar um novo benefício que a justifique, dado o caráter retributivo do sistema contributivo, segundo o qual sem causa suficiente não se justifica a majoração ou a instituição da contribuição de seguridade social. Por último, sustenta que a solidariedade, valor que se manifesta legitimamente, por exemplo, na verificação da capacidade contributiva, não tem o condão de afastar os limites a serem respeitados pelo legislador no momento da imposição de um tributo, como o princípio da legalidade e o da isonomia, este último, segundo afirma, diretamente afrontado pelas diferenciações impostas pela Emenda em exame entre os servidores já aposentados e aqueles que passarão à inatividade sob a vigência

da EC nº 41/03.

Opina a PGR, assim, pela procedência do pedido formulado.

É o relatório. Distribuam-se cópias aos Senhores Ministros.

V O T O

A Senhora Ministra Ellen Gracie – (Relatora): 1 – Legitimidade ativa das autoras.

A legitimidade ativa da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP foi questionada nas informações prestadas pelo Congresso Nacional. Referiu o ilustre Advogado-Geral do Senado precedente contido na ADIMC 1.402, DJ de 29.02.96, em que rejeitada a participação da autora no pólo passivo de ação direta de inconstitucionalidade, por tratar-se de associação de associações que também tem como membros pessoas físicas, o que, segundo aquele julgado desfiguraria sua natureza confederativa.

Essa orientação, adotada por maioria, em 29/02/96, sendo relator para o acórdão o Min. Maurício Corrêa foi revertida na ADIMC 1.303,

Maurício, DJ de 01.09.00, relativamente à Associação dos magistrados Brasileiros – AMB, e na ADI 2.874, Marco Aurélio, DJ de 28.08.03, relativamente à CONAMP, para que prevalecesse o entendimento esposado no voto vencido do relator da ADIMC 1.402, o Min. Carlos Velloso, que assim se expressara: “Penso que quando a Constituição estabelece ou confere legitimidade a uma entidade de classe de âmbito nacional para a propositura da ação, não seria possível distinguir entidades que são formadas por membros da classe – como, no caso, a Confederação Nacional do Ministério Público – e por entidades representativas desta mesma classe. As entidades que compõem a CONAMP (Confederação Nacional do Ministério Público) – confederação apenas no nome, porque se trata de uma entidade de classe – são entidades representativas de representantes de ministérios públicos. Além dessas entidades representativas, repete-se, a CONAMP, que se classifica expressamente como sociedade civil, é integrada por membros do Ministério Público da União e dos Estados, em exercício ou aposentados. O fato de a entidade de classe se compor de sociedades civis representativas da classe por pessoas físicas da mesma classe, não desvirtua, ao que penso, o caráter de entidade representativa de classe, tal como posto no inciso IX do artigo 103 da Constituição. Inegavelmente a CONAMP é uma entidade de classe,

representativa da classe do Ministério Público, de âmbito nacional.”

Reconheço, ainda, a legitimidade ad causam da Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR por esta representar integrantes de uma carreira cuja identidade é decorrente da própria Constituição (art. 128, I, a), dotada de atribuições que foram elevadas à qualidade de essenciais à Justiça. Este tratamento constitucional específico conferido a certas carreiras do serviço público tem servido, de acordo com a jurisprudência iniciada a partir do julgamento das ADIns nº 159, rel. Min. Octavio Gallotti e nº 809, rel. Min. Marco Aurélio, como critério de aferição da legitimidade de organismos associativos tais como a Associação Nacional dos Procuradores de Estado – ANAPE (ADI nº 159 e 1.557) e a Associação Nacional dos Advogados da União – ANAUNI (ADI nº 2.713).


2 – Pertinência temática.

Tenho por demonstrada a pertinência temática, uma vez que dentre as finalidades de ambas as associações está a de defender os interesses de seus associados ativos ou inativos e de seus pensionistas e a norma atacada estabelece regramento que permite a cobrança de contribuição previdenciária dos servidores inativos e pensionistas (Art. 4º da EC nº 41/03).

3 – Submissão das Emendas Constitucionais ao controle

de constitucionalidade.

O texto que ora é submetido ao controle concentrado de constitucionalidade corresponde a uma emenda constitucional, que tramitou regularmente perante o Congresso Nacional e contra a qual não se apontam vícios nesse iter legislativo.

A questão principal que se nos depara é a de definir os limites do poder de emenda ao texto constitucional básico e se, no caso, tais

limites foram ultrapassados. Pedem-nos as autoras que contrastemos o texto da EC nº 41/03 (especificamente, seu art. 4º), com as garantias fundamentais inseridas no texto originário de 1988, às quais este mesmo texto deu status de núcleo intocável.

Este Supremo Tribunal Federal já reconheceu o cabimento do controle de constitucionalidade das normas oriundas do exercício do poder reformador, ou seja, das emendas constitucionais. Canotilho leciona que os poderes constituídos “movem-se dentro do quadro constitucional criado pelo poder constituinte”. Acrescenta o eminente jurista que “o poder de revisão constitucional é, conseqüentemente, um poder constituído tal como o poder legislativo”, e que “o poder de revisão só em sentido impróprio se poderá considerar constituinte; será, quando muito, uma paródia do poder constituinte verdadeiro”.2 Para o Prof. Alexandre de Moraes, “O Poder Constituinte derivado está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de constitucionalidade.”3 O mesmo autor, citando Gilmar Ferreira Mendes afirma, com relação às chamadas cláusulas pétreas e a possibilidade de controle de constitucionalidade das emendas constitucionais que “tais cláusulas de garantia traduzem, em verdade, um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, obstando a que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudança de identidade, pois a Constituição contribui para a continuidade da ordem jurídica fundamental, à medida que impede a efetivação do término do Estado de Direito democrático sob a forma da legalidade, evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a própria constituição.”4 O mesmo autor, buscando respaldo na autoridade de Canotilho refere “certas garantias que pretendem assegurar a efetividade das cláusulas pétreas como limites tácitos para aduzir que, às vezes, ‘as Constituições não contêm quaisquer preceitos limitativos do poder de revisão. Esses limites podem ainda desdobrar-se em limites textuais implícitos, deduzidos do próprio texto constitucional, e limites tácitos imanentes numa ordem de valores prépositiva, vinculativa da ordem constitucional concreta’ (Direito…Op. cit. P. 1.135). A existência de limitação explícita e implícita que controla o poder constituinte derivado-reformador é reconhecida pela doutrina, que salienta ser implicitamente irreformável a norma constitucional que prevê as limitações expressas (Constituição Federal, art. 60), pois, se diferente fosse, a proibição expressa poderia desaparecer, para, só posteriormente,

desaparecer, por exemplo, as cláusulas pétreas. Além disso, observa-se a inalterabilidade do titular do Poder Constituinte derivado-reformador, sob pena de também afrontar a Separação dos Poderes da República.” 5

Vale, também, lembrar a lição da Profa. Carmen Lúcia Antunes Rocha, em seu “Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos”,

2 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional, Almedina, Coimbra, 6ª ed., 1993, p. 95.

3 MORAES, Alexandre, Constituição do Brasil Interpretada, Editora Atlas, São Paulo, 2003, 2ª ed., p. 91.

4 MORAES, Alexandre, Constituição do Brasil Interpretada, Editora Atlas, São Paulo, 2003, 2ª ed., p. 1091.

5 Idem, ibidem, p. 1093

São Paulo, Saraiva, 1999, p. 109, que, ao extremar o âmbito de atuação dos poderes constituintes originário e reformador, assim se expressa:

“Somente pela ação do poder constituinte originário – cujo processo não é deflagrado apenas pela eventual vontade de um governante ou de um grupo que chegue ao poder – se podem desfazer situações constituídas, solapar direitos anteriormente aceitos como coerentes com os princípios e valores antes acatados. Somente pela atuação do poder constituinte originário se podem desconstituir o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, nos termos do sistema constitucional vigente (art. 5º, XXXVI, da Lei Fundamental da República). O mais, é fraude à Constituição, é destruição da Constituição em seus esteios-mestres. Quando, por meio de


uma reforma constitucional, se investem contra situações firmadas em condições jurídicas pretéritas sobre as quais retroagem as novas normas, não se tem como prejudicado apenas o princípio do direito adquirido, mas também o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”

Na presente hipótese, o controle de constitucionalidade é invocado para garantia da manutenção do núcleo imodificável da Constituição, que, na Constituição Federal de 1988, revela-se, explicitamente, em seu art. 60, § 4º. Esta Corte, ao julgar procedentes as ações diretas que impugnaram a instituição do IPMF, autorizada pela EC nº 3/93, declarou que “uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, a, da C.F.)”. (ADI nº 939, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18.03.94). No julgamento do pedido de Medida Cautelar respectivo, assim se manifestou o eminente Min. Celso de Mello:

‘É preciso não perder de perspectiva que as emendas constitucionais podem revelar-se incompatíveis, também elas, com o texto da Constituição a que aderem. Daí a sua plena sindicabilidade jurisdicional, especialmente em face do núcleo temático protegido pela cláusula de imutabilidade inscrita no art. 60, parágrafo 4º, da Carta Federal.

As denominadas cláusulas pétreas representam, na realidade, categorias normativas subordinantes que, achando-se pré-excluídas, por decisão da Assembléia Nacional Constituinte, do poder de reforma do Congresso Nacional, evidenciam-se como temas insuscetíveis de modificação pela via do poder constituinte derivado.

Emendas à Constituição podem, assim, incidir, também elas, no vício da inconstitucionalidade, configurado este pela inobservância de limitações jurídicas superiormente estabelecidas no texto constitucional por deliberação do órgão exercente das funções constituintes primárias ou originárias, (OTTO BACHOF, “Normas

Constitucionais Inconstitucionais?”, p. 52/54, 1977, Atlântida Editora, Coimbra; JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional”, tomo II/287-294, item n. 72, 2ª ed. 1988, Coimbra Editora; MARIA HELENA DINIZ, “Norma Constitucional e seus efeitos”, p. 97, 1989, Saraiva; J.J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional, p. 756-758, 4ª ed. , 1987, Almedina; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de

Direito Constitucional Positivo”, p. 58/60, 5ª ed., 1989, RT, entre outros).”

É, portanto, nesta linha, de ser admitida para exame a argüição de ofensa ao texto constitucional pelo texto que veio a emendá-lo.

4 – Evolução do Sistema de Aposentadorias no Setor Público.

Sem pretender a uma total abrangência e focando apenas o sistema de aposentadorias dos servidores da administração pública federal, pareceu-me útil, para a formação de meu próprio convencimento, traçar um breve histórico dessa evolução.

A evolução do sistema de aposentadorias no setor público6 parte de sua caracterização inicial como garantia ou mesmo prêmio, assegurado ao servidor, em razão da natureza de seu vínculo com a atividade estatal. A partir do Estatuto do Servidor Público de 1952, assume o caráter de pro-labore facto, ou seja, desdobramento de um pacto laboral onde a aposentadoria correspondia a uma extensão da remuneração da atividade. Antes disso, são três os marcos relevantes do sistema previdenciário do servidor público federal: (1) a Constituição de 1934, que deferiu a concessão de benefício integral a quem se tornasse inválido e contasse 30 anos de serviço ou, compulsoriamente aos 68 anos de idade; (2) a criação do IPASE, em 1938, que reconheceu os funcionários públicos como categoria sócio-profissional com direito a tratamento à parte no sistema previdenciário e (3) o estatuto de 1939, que previa a hipótese de aposentadoria por tempo de serviço.

É importante verificar que, com a criação do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado – IPASE, pelo Decreto-lei nº 288, de 23 de fevereiro de 1938, tornaram-se contribuintes obrigatórios os funcionários civis efetivos, interinos, ou em comissão (art. 3º, a), aos quais se assegurou proventos de aposentadoria (art. 5º). A contribuição correspectiva, escalonada por faixas salariais, variava entre 4 e 7% (art. 22, a, b, c e d), e incidia sobre os vencimentos (art. 22, parágrafo único).

Por isso, é errônea a afirmativa de que os servidores públicos federais nunca contribuíram ou pouco contribuíram para o sistema

previdenciário próprio. Concorreram eles, de fato, para a formação de seu fundo de aposentadoria conforme as alíquotas estabelecidas pelo legislador e incidentes sobre o valor total de seus vencimentos. E, quando se diz que concorreram apenas para as pensões, tal argumento não tem o valor de infirmar o fato de que aposentadorias e pensões nunca são benefícios contemporâneos, extinguindo-se uma, quando a outra tem início.


Perpassa as Constituições de 1946, 1967 e 1969, uma estrutura de sistema de aposentadorias que, basicamente, garante a percepção

de tal benefício, por motivo de invalidez, implemento de idade e voluntária, atendido o requisito de tempo de serviço, para efeito de deferimento de proventos integrais. Não foram diversas as disposições da Constituição de 1988. As normas relativas ao Regime Jurídico Único, especialmente os artigos 183 e 231 definiram a criação do Plano de Seguridade do Servidor, cujo custeio ocorreria por meio do produto da arrecadação de contribuições sociais obrigatórias dos servidores, cabendo ao Tesouro Nacional complementar as necessidades financeiras de tal plano. Enquanto não editada lei que fixasse a alíquota de contribuição, foi mantida a de 6% então vigente para custeio do benefício de pensão. A Lei nº 8.162/91 (art. 9º) estabelecia alíquotas de contribuição que variavam entre 9% e 12%. Tal norma, submetida ao controle de constitucionalidade, foi afastada do ordenamento jurídico, conforme decisão na ADI nº 790, Rel. Min. Marco Aurélio, ao argumento básico da inexistência de regulamentação do Plano de Seguridade do Servidor.

6 Dados extraídos basicamente da Avaliação da situação financeira e patrimonial do sistema de previdência social dos servidores públicos da União, realizada pelo Tribunal de Contas da União, mediante provocação do Sr. Procurador-Geral junto àquele órgão, Dr. Lucas Furtado, e disponível no sítio Internet da Corte de Contas. Igualmente esclarecedor, o trabalho publicado pela Desembargadora Assusete Magalhães, “Mudança do Modelo de Estado e as Reformas Administrativa e da Previdência”, in “Cartilha Jurídica”, ano 12, n. 85 ,

Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Mas, é com a Emenda Constitucional nº 3/93 que o direito previdenciário do servidor público perdeu, definitivamente, o caráter até então reconhecido de direito devido em razão do exercício do cargo. Com a expressa natureza contributiva que lhe foi conferida, justificou-se a instituição por lei de alíquota destinada ao custeio deste benefício, o que foi feito através da Lei nº 8.688/93, que alterou o artigo 231 do Regime Jurídico Único. As alíquotas estabelecidas foram as mesmas antes previstas pela Lei nº 8.162/91 que deveriam incidir sobre a totalidade da remuneração e fixou-se prazo de noventa dias para o encaminhamento ao Congresso Nacional de projeto de lei dispondo sobre o Plano de Seguridade do Servidor e sobre as alíquotas a serem observadas a partir de 1º de junho de 1994. Fixou-se também a obrigação de a União participar com recursos oriundos do orçamento fiscal em valor idêntico ao da contribuição de cada servidor e, com recursos adicionais, quando necessários, em montante igual à diferença entre despesas e receitas. Posteriormente, a Medida Provisória nº 560/94,

convertida na Lei nº 9.630/98, manteve até 30 de junho de 1997 as mesmas alíquotas anteriores e a mesma base de cálculo, ou seja, a totalidade da remuneração, unificando-as, definitivamente, a partir de 1º de julho do mesmo ano em 11%, permanecendo vigentes as regras relativas à participação da União, restando claro o compromisso desse ente com o custeio dos benefícios.

A cobrança de contribuição previdenciária de inativos e pensionistas da União foi tentada por algumas vezes, como na Medida Provisória nº 1.415/96 e na Lei nº 9.783/99. Ambas tiveram sua eficácia suspensa, por decisões do Supremo Tribunal Federal.

Aspecto relevante e parcialmente responsável pelo desequilíbrio de contas do RPPS tem origem no descumprimento ao disposto pelo art. 11, da Lei nº 8.162/91, que alterou o art. 247, da Lei nº 8.112/90,

prescrevendo o ajuste de contas correspondente ao período de contribuição por parte dos servidores celetistas incorporados ao RJU. Isso porque passaram a aposentar-se com os direitos estabelecidos no art. 40 da Constituição Federal servidores que haviam contribuído, enquanto celetistas, para o então INPS.

Para minorar os efeitos da inexistência de compensação financeira entre os regimes, prevista no parágrafo 2º, do art. 202 da Constituição Federal, admitiu-se, mediante o art. 17 da Lei nº 8.212/91 (redação dada pela Lei nº 9.717/98), que recursos do orçamento da seguridade pudessem contribuir para o pagamento dos encargos previdenciários da União.

É com a EC nº 20/98 e com a Lei nº 9.717/98 que se dá uma importante alteração no regime de previdência dos servidores públicos. Cria-se um regime próprio de previdência para o servidor público civil, de caráter contributivo. Por isso, passa a prevalecer o “tempo de contribuição” sobre o “tempo de serviço”. Estabeleceram-se, também, limites de idade para aposentadoria e teto limite para os valores de aposentadoria e pensões, desde que implantados planos de aposentadoria complementar. Para viabilizar o financiamento da previdência foi autorizada a constituição de fundos integrados por recursos provenientes de contribuição e por bens, direitos e ativos de qualquer natureza (art. 250 da Constituição Federal). Fixaram-se,


ainda, limites de comprometimento da receita líquida com o pagamento de inativos e pensionistas (não excedente a 12%), sendo flexibilizado seu cumprimento para até 31 de dezembro de 2001 – MP nº 2.043/20 e, após, para 31 de dezembro de 2003 – MP nº 2.187/13) e estabeleceu-se o teto para participação dos entes públicos no financiamento dos regimes próprios de previdência social (até o dobro da contribuição dos servidores).

A todo esse substrato de normas veio acrescentar-se a emenda, cujo art. 4º ora examinamos.

5 – O teor do art. 4º e sua repercussão sobre direitos previdenciários adquiridos ou já exercidos.

Enfrentamos nas presentes ações diretas de inconstitucionalidade uma única questão dentre as inúmeras perplexidades resultantes da edição da Emenda Constitucional nº 41/03. A saber, se a instituição de contribuição previdenciária aos servidores inativos e aos pensionistas fere as garantias de resguardo ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito e/ou corresponde a inadequada imposição tributária.

Colho do parecer do ilustre Prof. Luis Roberto Barroso, apresentado com as alegações da Advocacia-Geral da União, a afirmação de

que “A Reforma, como não poderia deixar de ser, preserva a situação já desfrutada por servidores aposentados e pensionistas, na data de sua promulgação. Mais que isso, resguarda de maneira expressa seu direito de paridade e equivalência com os servidores em atividade. (…)Também foram ressalvados os direitos daqueles que, já havendo preenchido as exigências para passagem à inatividade por ocasião da emenda optaram por não fazê-lo.

O mesmo em relação à pensão de seus dependentes.” (f. 278)

Alegam as autoras que, com a incidência dessa contribuição

sobre os proventos e pensões se teria ferida a garantia de estabilidade imanente dos atos jurídicos perfeitos mediante os quais tais benefícios de prestação continuada foram deferidos e se encontram em gozo.

O texto do referido artigo 4º reza:

Art. 4º Os servidores inativos e os pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo de benefícios na data de publicação desta Emenda, bem como os alcançados pelo disposto no seu art. 3º, contribuirão para o custeio do regime de que trata o art. 40 da Constituição Federal com percentual igual ao

estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

Parágrafo único. A contribuição previdenciária a que se refere o caput incidirá apenas sobre a parcela dos proventos e das pensões que supere:

I – cinqüenta por cento do limite máximo estabelecido para os servidores do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os

pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II – sessenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e pensionistas da União.”

Desta leitura não vislumbro qualquer desrespeito, ao menos em termos de garantias previdenciárias, a quanto foi assegurado aos aposentados e pensionistas. O artigo 4º, analisado em conjunto com os artigos 3º e 7º da mesma emenda, garante aos atuais aposentados e pensionistas a permanência das aposentadorias e pensões, nas condições em que foram deferidas, com previsão de revisão na mesma proporção e na mesma data em que se dê aumento de vencimentos para os servidores em atividade. Aos servidores que já tenham implementado as condições de aposentadoria ela será acessível nos termos postos pela legislação anterior.

Portanto, quem já era aposentado, permanece em idêntica situação; quem reunia condições para aposentadoria teve o respectivo gozo

assegurado. A paridade com os servidores da ativa está mantida pela emenda, seja para efeito de revisão na mesma proporção e na mesma data em que a remuneração daqueles for modificada, seja para estender-lhes quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade. Logo, não há aqui ofensa a direito adquirido ou a ato jurídico perfeito. Ao contrário, reconheceu o texto da emenda que as aposentadorias já

em curso derivam de ato jurídico perfeito e, por isso, precisam ser mantidas nas condições em que implementadas. O mesmo quanto às pensões. E reconheceu o legislador reformador, também, que o cumprimento de todas as exigências postas pela legislação anterior, para efeito de concessão do benefício de aposentadoria, põe os servidores que tenham optado por continuar no serviço ativo a salvo de alterações posteriores, uma vez que seu direito, embora não exercido, já se considera adquirido. Tudo na esteira do entendimento jurisprudencial que este Tribunal vem fixando ao longo do tempo.


Por isso mesmo, ainda que respeitáveis as alegações trazidas pelas autoras, não vejo feridas, pela legislação ora analisada, quanto aos

direitos propriamente previdenciários de seus representados, as garantias individuais supra referidas, pela retroatividade da lei, que possa resultar em agressão a direito adquirido ou ato jurídico perfeito (Constituição Federal, art. 5º, XXXVI).

Também não procede a afirmação de ofensa ao princípio da

irredutibilidade dos proventos.

Na ordem constitucional anterior à Carta de 1988, este Supremo Tribunal Federal, analisando a questão sob a ótica da prerrogativa de

irredutibilidade da magistratura, assentou a plena constitucionalidade da imposição de contribuição previdenciária aos vencimentos dos juízes (RE 70.009, Rel. p/ o acórdão o Min. Xavier de Albuquerque, Plenário, julg. Em 9.11.73).

Já sob a égide da Constituição vigente, reconheceu esta Casa, no julgamento da ADI nº 1.441, Rel. Min. Octavio Gallotti, que assim

como os vencimentos dos servidores em atividade, os proventos percebidos pelos aposentados não estão imunes à incidência dos tributos. No julgamento da ADIMC nº 2.010, Rel. Min. Celso de Mello, ficou demonstrado que a garantia constitucional da irredutibilidade não possui caráter absoluto, não sendo oponível ao Poder Público a pretensão que “vise obstar o aumento dos tributos, a cujo conceito se subsumem as contribuições sociais, como as contribuições pertinentes à seguridade social, desde que respeitadas, pelo Estado, as diretrizes constitucionais que regem, formal e materialmente, o exercício da competência impositiva”.

Filiando-me a este entendimento por reconhecer a convivência constitucional da garantia de irredutibilidade com a “tributabilidade” dos vencimentos e proventos, afasto a alegação de ofensa ao art. 194, IV da Constituição Federal.

6 – A Contribuição sobre proventos de aposentadoria e pensões como incidência tributária.

Conforme entendo, o que se fez, mediante a edição do referido art. 4º, da EC nº 41/03, foi estender a contribuição previdenciária a um grupo de pessoas sobre o qual até então ela não incidia. Trata-se, portanto, de imposição de natureza tributária, que deve ser analisada à luz dos princípios constitucionais próprios.

A propósito, é eloqüente a exposição de motivos que acompanhou a proposta governamental de que resultou a EC nº 41/03:

“64. Outra proposta diz respeito à inclusão, no Texto Constitucional, da contribuição previdenciária dos servidores inativos e pensionistas, quer para os que já se encontram nessa situação, quer para aqueles que cumprirão os requisitos após a promulgação da presente Emenda Constitucional.

65. Não obstante ser esta questão historicamente polêmica, é irrefutável a necessidade da medida, sendo certo que não seria possível pretender realizar uma verdadeira reforma no sistema previdenciário brasileiro sem abranger esse tópico, corrigindo-se políticas inadequadas adotadas no passado.

66. Inúmeras são as razões que determinam a adoção de tal medida, cabendo destacar o fato de a Previdência Social ter, essencialmente, um caráter solidário, exigindo em razão dessa especificidade, que todos aqueles que fazem parte do sistema sejam chamados a

contribuir para a cobertura do vultoso desequilíbrio financeiro hoje existente, principalmente pelo fato de muitos dos atuais inativos não terem contribuído, durante muito tempo, com alíquotas módicas, incidentes sobre o vencimento e não sobre a totalidade da remuneração, e apenas para as pensões, e, em muitos casos, também para o custeio da assistência médica (que é um benefício da

seguridade social e não previdenciário).

67. Apenas na história recente a contribuição previdenciária passou a ter alíquotas mais próximas de uma relação contributiva mais adequada e a incidir sobre a totalidade da remuneração, além de ser destinada apenas para custear os benefícios considerados previdenciários.

68. A grande maioria dos atuais servidores aposentados contribuiu, em regra, por pouco tempo, com alíquotas módicas, sobre parte da remuneração e sobre uma remuneração que foi variável durante suas vidas no serviço público. Isso porque há significativa diferença entre a remuneração na admissão e aquela em que se dá a

aposentadoria em razão dos planos de cargos e salários das diversas carreiras de servidores públicos.

69. Também merece destaque o fato de o Brasil ser um dos poucos países no mundo em que o aposentado recebe proventos superiores à remuneração dos servidores ativos, constituindo, este modelo, um autêntico incentivo para aposentadorias precoces, conforme já mencionamos anteriormente.

70. Essas são as razões que fundamentam a instituição de contribuição previdenciária sobre os proventos dos atuais aposentados e pensionistas ou ainda daqueles que vierem a se aposentar. Além de corrigir distorções históricas, as tentativas de saneamento do elevado e crescente desequilíbrio financeiro dos regimes próprios de previdência serão reforçadas com a contribuição dos inativos, proporcionando a igualdade, não só em relação aos direitos dos atuais servidores, mas também em relação às obrigações.” (grifei)


O equívoco em que, a meu sentir, incorrem os defensores da alteração introduzida pelo artigo ora em exame consiste em confundir sistemas diversos, de um lado o sistema estatutário a que se submetem os servidores públicos ao longo de sua vida funcional; de outro, o sistema previdenciário para o qual contribuem eles, quando em atividade e ao qual são agregados, quando ingressam na inatividade, passando a perceber não mais vencimentos, mas proventos, desligados que estão, para todos os efeitos, do serviço público.

Essa confusão entre conceitos levou à presente tentativa de fazer com que os aposentados e pensionistas paguem retroativamente pelos benefícios que já auferem e que lhes foram regularmente deferidos, na forma da lei vigente ao tempo da inativação ou do óbito do servidor.

É preciso extremar com clareza os dois sistemas. No sistema estatutário, regido por direitos e deveres próprios, o indivíduo pode

apresentar-se em uma de duas condições: ou é servidor ativo ou é servidor inativo. No regime previdenciário, ele é contribuinte, enquanto em atividade, e será beneficiário, quando passar à inatividade, após cumprir todas as condições de tempo de serviço e contribuições previstas em lei, ou se, acaso, for considerado inválido.

Para o servidor, na relação previdenciária, a obrigação que se lhe cria é a de contribuir, mensalmente, enquanto em atividade, com

percentual fixado em lei sobre seus ganhos, para o regime da previdência. De tal contribuição, diga-se de passagem, não pode fugir, posto que os descontos respectivos se operam em folha de pagamento. Dentre as categorias de contribuintes pode-se então dizer que os servidores – ainda que se aceite a afirmativa de que em ocasiões passadas contribuíram pouco (o que, como se viu, não corresponde exatamente à verdade) – foram sempre contribuintes

perfeitamente pontuais no recolhimento da parte que lhes cabia. Caso único de categoria de contribuintes onde a evasão ou a sonegação corresponde a zero.7

Logo, após haver contribuído e prestado serviços pelo tempo

definido em lei, o servidor se torna titular de um direito a perceber benefício de prestação continuada, na forma dos artigos 183 e 231 da Lei 8.112/90 que estabeleceu o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União.

Ora, do texto da norma impugnada se depreende que o fato

gerador da contribuição não é outro senão a percepção desse benefício. Desnecessário lembrar, porém, que proventos e pensões já são tributados pelo Imposto sobre a Renda.

7 Mas, sabe-se que as contribuições dos servidores não são as únicas fontes de custeio do orçamento da previdência social. O grande fundo previdenciário tem outros aportes que provêm do empregador (no caso, União, Estados, DF e Municípios – Constituição Federal, art. 195, I) e dos concursos de prognósticos (Constituição Federal, art. 195, III). O que foi afirmado quanto à correção de recolhimento dos servidores, não se pode dizer com relação aos outros contribuintes do sistema que acumularam débitos consideráveis. Veja-se, a propósito, informação do Tribunal de Contas da União, constante da Decisão 1511/2002. Em seu item 10, aquele texto afirma a inexistência de base legal que estabeleça a alíquota para a contribuição da União para o Plano de Seguridade Social do Servidor Público. É apenas na Medida Provisória nº 167, de 19.02.04, cujo art. 5º, acrescenta o art. 5-A à Lei nº 9.783, de 28.01.99, que vem afinal estabelecida a parcela com a qual a União deverá contribuir para o financiamento do sistema de previdência de seus servidores. Nada se disse, porém, relativamente ao modo ou prazo dentro do qual deverá ser recomposto e, se o será, o passivo acumulado pelos anos em que tal participação deixou de se verificar. Informa, outrossim, o relatório da Decisão 1459/2003 que apenas a partir da edição da Portaria SOF nº 10, de 22/10/02, a Secretaria de Orçamento Federal vem adotando providências para implantar uma classificação mais explícita sobre as receitas de concursos de prognósticos e as provenientes da Contribuição para o Plano de Seguridade do Servidor, a vigorar a partir da Lei Orçamentária para o exercício de 2003. Revela, igualmente o mesmo relatório a inexistência de um orçamento específico para a Seguridade, contrariando a disposição do parágrafo 5º, do art. 195 da Constituição Federal.

Sem sombra de dúvida, tal contribuição para o sistema previdenciário, é modalidade de tributo. Assim o afirma a melhor doutrina. Di-lo o Prof. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, cujo parecer nos foi oferecido pela Associação Nacional de Membros do Ministério Público com suas razões. Para ele a contribuição ora em comento corresponde a “contribuição sui generis, em razão de sua exclusiva e justificativa vinculação às contraprestações que deverão, sob termo ou condição, ser prestadas ao servidor e a seus dependentes, o que vem a ser, enfim, o seu próprio benefício da aposentadoria e da pensão.” (f. 180). Veja-se, também, Roque Antonio Carrazza, “Curso de Direito Constitucional Tributário”, p. 360, 11ª ed., 1988, Malheiros; Hugo de Brito Machado, “Curso de Direito Tributário”, p. 315, 14ª


ed. 1998, Malheiros; Sacha Calmon Navarro Coelho, “Curso de Direito Tributário Brasileiro”, p. 404-405, item n. 3.5, 1999, Forense; Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, “Curso de Direito Constitucional”, p. 314, item n. 5, 1998, Saraiva; Ricardo Lobo Torres, “Curso de Direito Financeiro e Tributário”, p. 338, 1995, Renovar.

Não é diversa a compreensão deste Supremo Tribunal Federal expressa nos seguintes julgados: RE 146.733, Rel. Min. Moreira

Alves, Plenário, unânime, j. 29.07.92; RE 163.094, Rel. Min. Celso de Mello, 1ª Turma, unânime, j. 15.06.93; RE 158.577, Rel. Min. Celso de Mello, 1ª Turma, unânime, j. 15.12.93; RE 166.772, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, maioria, j. 12.05.94; RE 138.284, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, unânime, j. 01.07.928.

Mas, a contribuição previdenciária segundo o Prof. José Afonso da Silva (f. 83) “é tributo vinculado a determinado tipo de prestação,

tributo que se destina a alimentar um fundo, o fundo da seguridade social, vinculado a satisfazer as prestações previdenciárias; por isso, sua arrecadação compulsória só por si não é suficiente para legitimá-la, porque é ainda necessário que os recursos dela provenientes sejam destinados a satisfazer as prestações da seguridade social, porquanto só para tal destino a Constituição Federal fundamenta sua cobrança, e precisamente daí, também, é que se verifica o direito subjetivo do trabalhador às prestações, sempre que ocorrerem os pressupostos que justifiquem receber a vantagem previdenciária.”

8 “(…) As contribuições do art. 195, I, II, III da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parág. 4º, do mesmo art. 195 é que exige para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (Constituição Federal, art. 195, parág. 4º; Constituição Federal, art. 154, I). Posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes (Constituição Federal, art. 146, III, a).”

Para o mesmo ilustre jurista, “Os servidores, nos termos do art. 40 (da Constituição Federal), contribuem para que venham a perceber

proventos de aposentadoria. Quando eles alcançam essa prestação, ocorre como que um acerto de contas entre o contribuinte e o Ente público. Se o servidor já está recebendo o benefício a que fez jus, mesmo que não tenha contribuído antes, porque não estava obrigado a isso, porque o sistema constitucional não dava ao Ente público o direito de cobrar-lhe contribuição, pelo que o Ente arcava com os benefícios como uma forma de salário futuro. Tanto é verdade, que o art. 4º da EC – 20/1998 converteu o tempo de serviço

público em tempo de contribuição. Logo, o servidor aposentado não pode ficar sujeito a pagar uma contribuição em razão de fatos passados, que não se pode imputar a ele. Vale dizer, a tese do déficit da previdência ou a tese de que os atuais aposentados não contribuíram ou contribuíram pouco para a previdência não são causas legítimas para a imposição a eles de contribuição.” (f. 19 do parecer)

A emenda nº 41/03, em seu art. 4º, portanto, quebra o sinalagma da relação jurídica previdenciária, forçando aposentados e pensionistas a efetuarem verdadeira “doação” de parte de seus proventos em nome do princípio da solidariedade intergeneracional que, embora respeitável, nem por isso faz tábula rasa de outros princípios de igual dignidade constitucional, como a garantia contra a bi-tributação (CF, art. 154, I) e o princípio do não-confisco (CF, art. 150, IV).

Por isso que o Prof. José Afonso da Silva, em seu já citado parecer conclui “que as razões (causas) dadas pela Exposição de Motivos

para a criação da contribuição de previdência sobre os proventos de

aposentadoria não têm uma conexão lógica com as finalidades que dão fundamento de legitimidade à sua exação. Portanto, não são causas reais, viculadas. São utilizadas como simples pretexto para a sua criação, mas, como se viu acima, a simples menção da finalidade (causa) não satisfaz os princípios constitucionais da tributação. No caso, ter-se-á uma contribuição sem causa, um tributo sem causa, incidente sobre certa categoria de pessoas, o que lhe dá caracterização de tributo de capitação. Como tal se conceitual toda forma de tributação sobre a pessoa, sem relação de causa com um fato gerador material. Veja-se sua conceituação em Tixier e Gest: ‘L’impôt de capitation est dû à raison même de l’existence de la personne. C’est la forme d’imposition la plus simple, la plus facile à calculer et la plus commode à percevoir. Mais elle est aussi la plus injuste, car elle ne tient nul compte des facultés contributives du contribuable. Elle est conforme à un stade de développement peu avancé où les différences de fortune sont peu marquées. On la rencontrait dans la Rome antique (tributum capitis, capitatio humana).


Elle est encore pratiquée dans des pays africains (Niger, Mali, Haut-Volta, Tchad) sous le nom de taxe civique, impôt du minimum fiscal, impôt personnel…’9 A justificativa da Exposição de Motivos aproxima a contribuição sobre os servidores inativos a essa ‘taxe civique’, porque os inativos são chamados a ‘contribuir para a cobertura de vultoso desequilíbrio financeiro’ a título de solidariedade. Assim surge uma ‘contribuição de solidariedade’. Tributam-se aposentados, por serem aposentados. Isso é capitação.

Dir-se-á que não se está tributando a pessoa do aposentado; por isso, a exação não será capitação. Qual é então, a causa ou o fato

gerador da contribuição dos inativos? A contribuição previdenciária tem como causa a referibilidade direta a uma atuação concreta-atual ou potencial do Estado. Por isso, a Constituição vincula os proventos de aposentadoria a um certo número de contribuições. Nenhum servidor adquirirá direito à aposentadoria se não tiver alcançado a quantidade de contribuições em conexão com determinada quantidade de anos de serviço. Cumpridos esses requisitos, o servidor adquire o direito à aposentadoria com os proventos constitucionalmente previstos. Então, qualquer outra incidência sobre ele dali por diante não tem mais vinculação com a finalidade previdenciária. É preciso reafirmar que, no sistema previdenciário de participação, a solidariedade dos trabalhadores está vinculada com a vantagem pessoal que ele auferirá no futuro. Se ele já aufere a vantagem, não há mais finalidade em sua participação. Dir-se-á que a tributação não é sobre o aposentado, mas sobre os proventos, e, assim, a causa e fato gerador da contribuição do inativo é a percepção dos proventos. Se é assim, então temos, não uma contribuição previdenciária, mas uma tributação de rendimentos, um bis in idem de caráter discriminatório. ‘Bis in idem’, porque os proventos de aposentadoria estão sujeitos ao imposto geral sobre a renda e proventos de qualquer natureza, logo outra incidência com igual natureza constituirá uma duplicação ilegítima. ‘Discriminatória’, porque não atende aos princípios da generalidade e da universalidade (art. 155, parágrafo 2º, I) já que recai só sobre uma categoria de pessoas.

9 Cf. Gilbert Tixier et Guy Gest, “Droit fiscal”, Paris, L.G.D.J., 1976, p. 98.

Em conclusão, de duas uma, a contribuição dos inativos é uma forma de tributo sem causa, um tipo de capitação, ou se carcteriza como uma tributação da renda (proventos de qualquer natureza). No primeiro caso, tem-se uma apropriação de recursos de uma categoria de pessoas, que não se enquadra em nenhuma forma legítima de tributação constitucionalmente prevista. Em tal situação, a exação padece de inconstitucionalidade, porque retira parte do patrimônio de um grupo de pessoas, sem causa. No segundo caso, a inconstitucionalidade é ainda mais brutal, porque faz incidir uma espécie de tributação da renda apenas sobre uma categoria de pessoas, num bis in idem ilegítimo, que caracteriza um tratamento desigual em relação a quem não pertence à mesma categoria.” (f.

22 do parecer)

É ainda do Prof. José Afonso da Silva a afirmativa de que “as autoridades previdenciárias têm argumentado que, sendo a contribuição um imposto, sua incidência nos proventos não caracterizaria infração ao princípio da irredutibilidade. Isso seria correto em face de uma tributação geral e causal, mas, no caso, como visto, tem-se uma forma de tributo sem causa e, além disso, com incidência apenas sobre determinada categoria de pessoas. Logo, o que se tem mesmo é a apropriação de uma parte do patrimônio dos integrantes desse grupo com infringência do direito de propriedade. Assim, por esse lado, também se tem que a taxação dos inativos se manifesta inconstitucional.

Tudo que foi dito sobre ilegitimidade das contribuições dos inativos se aplica, com maior razão, à incidência de contribuição sobre pensionistas. A estes sequer se aplica o argumento da Exposição de Motivos quando apela para a solidariedade e o dever de contribuir para a cobertura do desequilíbrio financeiro do sistema, porque pensionista não é participante porque ele, como tal, não contribui para a previdência. Não está sujeito à contribuição, porque não se caracteriza como trabalhador ou servidor obrigatoriamente vinculado à previdência social ou à previdência própria das entidades públicas. A pensão é adquirida em conseqüência da contribuição de terceiro, de que o pensionista ou a pensionista depende. O agente gerador

da pensão contribuiu efetivamente ou teve seu tempo de serviço considerado como contribuição, quando esta não era exigida, para que, com a sua morte, seu cônjuge ou herdeiro tivesse direito à pensão.

Aqui a caracterização do tributo sem causa, de apropriação patrimonial indevida, ou de forma de tributação de rendimento ilícita, é ainda mais acachapante, contra todos os princípios onstitucionais.” (f. 26 e 27 do parecer)


Ora, o Tribunal já decidiu, quando analisou a ADIMC 939, Relator Min. Sydney Sanches e, depois, ao analisar o mérito da mesma

demanda, que os princípios correspondentes ao chamado “estatuto do contribuinte”, no que diz com as restrições postas ao poder de tributar, constituem direito público subjetivo oponível ao Estado.

Analisava-se, naquele caso, a incidência do princípio da anterioridade tributária e a possibilidade de, por emenda constitucional, estabelecerem-se novas exceções, além das que expressamente foram previstas pelo constituinte originário. Nada melhor que reproduzir as razões que, na ocasião foram alinhadas pelo eminente Min. Celso de Mello:

“O princípio da anterioridade da lei tributária, além de constituir limitação ao poder impositivo do Estado, representa um dos direitos fundamentais mais relevantes outorgados pela Carta da República ao universo dos contribuintes. Não desconheço que se cuida, como

qualquer outro direito, de prerrogativa de caráter meramente relativo, posto que as normas constitucionais originárias já contemplam hipóteses que lhe excepcionam a atuação.

Note-se, porém, que as derrogações a esse postulado emanaram de preceitos editados por órgão exercente de funções constituintes primárias. As exceções a esse princípio foram estabelecidas, portanto, pelo próprio poder constituinte originário, que não sofre as limitações materiais e tampouco as restrições jurídicas impostas ao

poder reformador.

Não posso ignorar, de qualquer modo, que o princípio da anterioridade das leis tributárias reflete, em seus aspectos essenciais, uma das expressões fundamentais em que se apóiam os direitos básicos proclamados em favor dos contribuintes”

(…)

…os princípios constitucionais tributários, sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos outorgados, pelo ordenamento positivo, aos sujeitos passivos das obrigações fiscais.”

Acrescentando o prestígio de sua análise histórica, e, já agora, no que dizia respeito à agressão ao princípio da imunidade tributária

recíproca, convergia nesse entendimento o eminente Min. Paulo Brossard, afirmando que “a edição da Emenda nº 03, (que) afrontou alguns dogmas do nosso direito, não apenas legislado, mas do nosso Direito histórico, aquele que (…) formando uma espécie de patrimônio cultural, de lastro histórico da nação e com o qual a nação se identifica”.

Vale reproduzir, a expressiva mensagem que, em seu voto, nos faz chegar o em. Min. Néri da Silveira, para quem, “no âmbito da cláusula pétrea do art. 60, parágrafo 4º, IV, da Constituição, há de ter-se como inserida a garantia concernente ao princípio da anterioridade, como garantia individual.

(…)

…é preciso ter presente que, se é exato que a normatividade

decorrente da Constituição, enquanto esta é fundamento da ordem jurídica e das instituições políticas, há de encontrar seiva vital na realidade histórica de seu tempo, nas circunstâncias, nos fatos sociais, não é menos certo que a necessária pretensão de eficácia, de efetividade, que exsurge do conteúdo normativo da Constituição, não pode ceder seu império a essa realidade histórica. Diante da normatividade da Constituição, de sua constante vocação à eficácia e do necessário respeito que há de merecer, não resta espaço legítimo, portanto, a opor razões de conveniência ditadas pela

conjuntura, pela realidade de fatos presentes, por vezes suscetíveis de rápida mutação, – se não estiverem em conformidade com a Constituição.”

Ao debate acorreu, com a força de sua reconhecida autoridade, o Min. Carlos Velloso, para quem, “a Emenda Constitucional nº 3, desrespeitando ou fazendo tábula rasa do princípio da anterioridade,

excepcionando-o, viola limitação material ao poder constituinte derivado, a limitação inscrita no art. 60, parágrafo 4º, IV, da Constituição.”

Mesmo os Ministros que naquela ocasião ficaram vencidos, objetavam apenas, como fator autorizador da dispensa da anterioridade, o fato de que tal princípio, o da anterioridade, já comportava inúmeras exceções. Mas, certamente não adotariam idêntica posição quando os princípios em causa são, como no caso presente, os da bi-tributação e da isonomia tributária, posto que a estes a Constituição atual, como todo o constitucionalismo brasileiro, desde suas mais remotas origens, resguarda de toda e qualquer

exceção.

7 – Da Vinculação da Contribuição ao Equilíbrio Atuarial.

Além disso, da afirmativa contida no parágrafo 5º, do art. 195 da CF de que a criação ou majoração de benefícios deve indicar a correspondente fonte de custeio há que decorrer a garantia para o servidor de que a instituição de nova exação previdenciária só se justifique com o estabelecimento de novo benefício. Foi o que se afirmou, com todas as letras no julgamento da ADI 2.010: “Sem causa suficiente, não se justifica a instituição (ou a majoração) da contribuição de seguridade social, pois, no regime de previdência de caráter contributivo, deve haver, necessariamente, correlação entre custo e benefício. A existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correlação da fórmula


segundo a qual não pode haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição.”

Por isso mesmo, no Regime Geral, quando inviável atuarialmente o deferimento de aposentadorias (como no caso dos que ingressavam no sistema após os sessenta anos de idade, nos termos do art

104, do Decreto nº 72.771, de 06.09.73, que regulamentou a Lei nº 3.807/60), ou quando inacumuláveis os benefícios (como no caso das contribuições previstas no art. 81 da Lei nº 8.213/9110, recolhidas aos segurados por tempo de serviço ou idade que voltassem a exercer atividade remunerada), tal aporte extraordinário revertia ao segurado, ou a seus beneficiários, após alguns anos, sob forma de pecúlio.

É inacurado afirmar que este tribunal, especificamente no julgamento da ADI 2.010, tenha implicitamente admitido a cobrança ora em tela, desde que veiculada mediante emenda constitucional. Seu relator, o

eminente Min. Celso de Mello fez remarcar em seu voto que a contribuição, relativamente aos inativos e pensionistas “transgride o princípio constitucional do equilíbrio atuarial (CF. art. 195, parágrafo 5º), evidenciando que essa exação (…) apresenta-se destituída da necessária causa suficiente. E refere Mizabel Derzi: “Se o servidor já goza de aposentadoria, a meta constitucional permitida para a cobrança já foi alcançada, inexiste a despesa a ser custeada do ponto de vista do aposentado, pois os servidores públicos em atividade a financiam. Falta então o fundamento constitucional necessário e impostergável, que funda o exercício da competência da União.”11 Fez também S.Exa. remissão expressa a quanto

ficou consignado no julgamento da ADI 2.016, ou seja, o caráter retributivo do regime de contribuição previdenciária. E citou, daquele julgado, entre outros, o seguinte excerto:

Existe estrita vinculação causal entre contribuição e benefício. A contribuição somente se explica e se justifica ante a perspectiva da sua retribuição em forma de benefício, assim como o benefício somente se torna direito mediante a prévia contribuição. São dois termos da mesma equação. Um não existe sem o outro. Nem há

contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição. A cobrança de contribuição do aposentado fere essa lógica e subverte a vinculação causal, porque não há nenhuma perspectiva de benefício que lhe vá ser dada em contrapartida. A Lei nº 9.783, de 1999 trata, então, de cobrança sem causa eficiente.

Em um regime previdenciário contributivo, necessariamente, há correlação entre custo e benefício.

Regime contributivo é, por definição, retributivo.”

10 Revogado pela Lei nº 9.129, de 20.11.95.

Tudo para concluir, com a proverbial clareza de conceitos, “Se é certo, portanto, que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total (Constituição Federal, art. 195, parágrafo 5º), não é menos exato que também não será lícito, sob uma perspectiva estritamente constitucional, instituir ou majorar contribuição para custear a seguridade social sem que assista àquele que é compelido a contribuir, o direito de acesso a novos

benefícios ou a novos serviços.”12

11 DERZI, Misabel, “Da Instituição de Contribuição sobre os Proventos dos Servidores Inativos”, in “Enfoque Jurídico”, n. 2, p.13 –

Suplemento.

12 Voto do Min. Celso de Mello na ADI nº 2.010.

Na mesma linha, a manifestação do Min. Marco Aurélio, no

julgamento da ADI 790: “O disposto no artigo 195, parágrafo 5º, da Constituição Federal, segundo o qual ‘nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio’, homenageia o equilíbrio atuarial,

revelando princípio indicador da correlação entre, de um lado, contribuições e, de outro, benefícios e serviços. O desaparecimento da causa da majoração do percentual implica o conflito da lei que a impôs com o texto constitucional…”13

Vale reproduzir a indagação formulada pelo eminente Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, em seu bem lançado parecer: “qual o benefício futuro a que terá direito o aposentado ou pensionista que recolher a contribuição nos moldes estatuídos pelo art. 4º, da EC nº 41/03? Não há resposta para a pergunta, o que corrobora o entendimento de que o legislador reformador criou tributo sem causa.”

8 – A desigualdade de contribuições entre inativos.

Ainda uma observação relativamente ao tratamento diferenciado que se propõe a dar a Emenda aos aposentados antes e depois de sua entrada em vigor. Na forma do parágrafo 18 do artigo 2º, aos que se

aposentarem ou adquirirem condições para tanto, após a edição da emenda, assegura-se uma isenção de contribuição até o valor do benefício máximo do Regime Geral da Previdência Social, incidindo a alíquota de 11% sobre o que exceder a tal montante. Para os já aposentados, pensionistas e para aqueles que já adquiriram direito à aposentadoria, a incidência se dá sobre o valor dos proventos ou pensão que exceder a 50 ou 60 % do limite máximo para os benefícios do Regime Geral.


A justificativa apresentada diz com o fato de os últimos terem sido submetidos a um tempo de contribuição menor, ou não terem sido

submetidos a qualquer contribuição, no caso dos aposentados e pensionistas regidos pelas normas anteriores à EC nº 20/98. A propósito, são esclarecedores os cálculos realizados pelo Prof. José Afonso da Silva e incluídos a partir da f. 23 de seu parecer, que fiz chegar aos colegas.

Na bem lançada análise procedida pela Procuradoria-Geral da República, “a afirmação leva a crer que o legislador buscou punir através da cobrança de uma contribuição maior, aqueles que se aposentaram antes da edição da EC nº 41/03, a despeito de terem preenchido todos os requisitos constitucionalmente previstos à época da aposentação. Trata-se de raciocínio ilógico, porquanto não há fundamento para a imposição de verdadeira punição, consubstanciada na obrigatoriedade de recolher valor contributivo

maior, a quem conquistou o direito à aposentadoria, exatamente por ter obedecido às normas legais então vigentes. Ademais, o desrespeito ao princípio da igualdade resta evidente, uma vez que não há entre os pretensos contribuintes características que os tornem suficientemente diferenciados. O supratranscrito inciso II, do artigo 150 da Constituição Federal prevê a impossibilidade de imposição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem ‘em situação equivalente’. No caso sob análise, muito mais do que equivalentes, as situações dos pretensos sujeitos passivos da obrigação são idênticas: todos são servidores aposentados ou pensionistas.”

13 Ementa do julgamento da ADI nº 790, Rel. Min. Marco Aurélio.

Admitir a permanência dessa norma corresponderia a permitir fosse onerado retroativamente alguém que cumprira tudo o quanto lhe

era exigido ao tempo em que entrou em gozo do benefício.

Tendo em linha de conta que a nova exação se acrescentaria à que já incide sobre os proventos e pensões na forma de Imposto sobre a

Renda e Proventos, tendo por fato gerador a própria percepção dos mesmos proventos ou pensões, concluo que a norma contida no art. 4º, da EC/41 encontra-se eivada de inconstitucionalidade, por incompatível com a garantia individual que veda ao Estado a bi-tributação (Constituição Federal, 154, I).

Por corresponder a nova contribuição despida de causa eficiente, posto que não corresponde à necessária contrapartida de novo benefício, ferido está o disposto no art. 195, parágrafo 5º, da Constituição Federal, que impõe para o sistema previdenciário a manutenção do equilíbrio atuarial.

E, finalmente, porque discrimina indevidamente entre contribuintes em condição idêntica, agride a garantia da isonomia (Constituição Federal, art. 150, II).

Tais garantias individuais se encontram a salvo da atividade reformadora (Constituição Federal, art. 60, parágrafo 4º, IV), e, por isso, os dispositivos veiculados na norma ora examinada não podem prevalecer contra o texto constitucional originário.

Do exposto, julgo procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 4º, caput, parágrafo primeiro, incisos I e II, da Emenda Constitucional nº 41/03.

É como voto.

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