Cerceamento de defesa

Juiz não pode censurar argumentos de advogado durante Júri

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26 de agosto de 2004, 19h28

Não cabe ao juiz interferir na linha de raciocínio e atacar a sustentação oral do advogado de defesa ou externar posição em favor de uma das partes no Tribunal do Júri. A competência para tanto é da promotoria para que os jurados não sejam influen-ciados durante julgamento.

Com esse entendimento, o juiz do Tribunal de Alçada Criminal, Ivan Ricardo Garisto Sartori, no papel de desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, anulou julgamento em que o réu foi condenado a seis anos de reclusão por homicídio.

O réu apelou da sentença alegando cerceamento de defesa. Segundo ele, o juiz teria interferido indevidamente no debate. Pediu, assim, novo julgamento popular ou regime penal mais brando.

Durante o julgamento, o juiz presidente interrompeu o advogado e determinou que ele indicasse nos autos onde constava o que estava alegando. Em seguida, apontou falhas no argumento e determinou que constasse na ata que a página apontada não tinha relação com a linha que a defesa estava seguindo.

Para Sartori, “não há dúvida de que, assim agindo”, o juiz cen-surou a exposição da defesa, “interferindo diretamente na argumentação do causídico, com possibilidade concreta de influência no convencimento do júri”. Extrapolou, assim, suas atribuições, “cerceando a defesa do réu”.

Leia íntegra do voto

APELAÇÃO nº 340.588.3/3-00

Comarca: SANTOS – (Ação Penal nº 282/96)

Juízo de Origem: Vara do Júri

Órgão Julgador: Décima Primeira Câmara Extraordinária

Apelante: LICINIO DINIZ GONÇALVES ou LICINIO DINIS CA-MARGO

Apelado: o MINISTÉRIO PÚBLICO

Relator

VOTO DO RELATOR

Ementa: Júri – Plenário – Juiz presidente que interfere na fala da defesa, censurando correlação feita pelo advogado entre sua explanação e depoimento que vem a apontar co-mo fundamento – Cerceamento de defesa que se reconhece – Nulidade do julgamento decretada – Recurso do réu pro-vido.

O juiz togado não pode interferir nos debates, indicando fa-lha na argumentação defensória, de sorte a refletir no julgamento leigo.

Ação penal em que incurso o réu no art. 121 “caput” do Código Penal.

Em face do decidido pelo Conselho de Sentença, foi decretada a procedência da acusação, imposta a pena de seis (06) anos de reclusão, regime fechado.

Recorre a defesa, levantando cerceamento de defesa, porque o juiz teria interferido indevidamente nos debates. No cerne, quer novo julgamento popular, em contrariando a solução recorrida a evidência dos autos, ou regime mais brando.

A Procuradoria de Justiça é pelo acolhimento da preliminar ou provimento parcial do apelo, para abrandamento do regime prisional.

Recurso bem processado.

É o relatório, adotado, no mais, o de primeiro grau.

É da ata de julgamento que o digno juiz presidente interveio quando da fala da defesa em plenário, para questionar a versão então desenvolvida, concitando o defensor a apontar fundamen-to nos autos, para, declinada a peça, replicar a correlação feita pelo profissional entre suas colocações e o depoimento que in-dicou (fl. 187).

Não há dúvida de que, assim agindo, o douto magistrado objur-gou a exposição defensória, interferindo diretamente na argumentação do causídico, com possibilidade concreta de influência no convencimento do júri.

Extrapolou, por certo, suas atribuições, cerceando a defesa do réu.

Se o advogado seguia linha de raciocínio contrária à prova dos autos, cabia à acusação replicar ou apartear e não o próprio juiz, que não tem essa função (cf. art. 497 do CPP).

Daí a nulidade.

No respeitante, confira-se o aresto desta Corte, colacionado no apelo (fl. 214), a par da lição de Mirabete, segundo a qual “… a prática tem permitido apartes, quer da acusação, quer da defesa, cabendo ao juiz presidente garantir tal faculdade, sem entre-tanto influenciar os jurados com intervenção favorável a uma das partes debatedoras.” (CPP Interpretado, 8a. ed., 2001, A-tlas, p. 1019).

Decreta-se, pois, a nulidade do julgamento, determinando-se que se proceda a outro, prejudicado o mais abordado na apelação.

Dá-se provimento.

IVAN SARTORI

Relator

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