Advocacia em risco

Horácio Neto alerta para concorrência desleal contra advogado

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24 de agosto de 2004, 17h32

Há uma grande ameaça pairando sobre a advocacia internacional: a profissão tem sido objeto de concorrência desleal, desautorizada e ilegal de diversos segmentos. A opinião é do membro efetivo da Comissão de Relações Internacionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Horácio Bernardes Neto.

A afirmação foi feita nesta terça-feira (24/8), depois de participar do painel “Horizontes e Limites da Atuação Profissional de Advogados no Brasil e em Portugal” durante o II Encontro de Advogados Portugueses e Brasileiros. O evento é promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil e pela Ordem dos Advogados de Portugal.

Segundo Bernardes Neto, há profissões, como contadores e auditores que, apesar da formação oposta a dos advogados, dão consultorias jurídicas ou ocupam funções exclusivas da advocacia. As informações são da OAB.

Leia a entrevista de Bernardes Neto

Qual o principal problema nos horizontes e limites da atuação do advogado no Brasil e Portugal?

Minha palestra foi uma contribuição rápida ao tema. Nela, chamei a atenção dos dirigentes das duas Ordens — OAB e Ordem dos Advogados de Portugal — para uma problemática que ocorre no mundo, que é a grande ameaça que existe ao advogado. Esse profissional hoje, no Brasil, tem sido objeto de uma concorrência desleal, desautorizada e ilegal de diversos segmentos. Hoje em dia, por exemplo, tudo o que se refere à formulação de contratos sociais é feito por contadores. Não são mais feitos por advogados. A parte de planejamento tributário hoje não é mais formulada por advogados, mas por auditores. Ainda não há regulamentação no Brasil com relação à presença ou não do advogado nos processos de arbitragem quando, naturalmente, a lei aplicada foi a brasileira. Por isso falei da necessidade de se repensar a advocacia, de se definir o que a profissão quer hoje e para o futuro.

E o que deve ser feito diante desse quadro?

São questões para as quais não tenho resposta. Não posso dizer se sou favorável, se sou contra esta ou aquela linha. Só acho que a questão deve ser tratada. Lancei a discussão para a reflexão.

Mas o senhor falou em necessidade de repensar a advocacia.

A advocacia deve pensar onde ela quer estar nos próximos anos: o que nós queremos, o que imaginamos para a profissão? Vamos mantê-la nos limites dos atos do advogado, ou seja, aqueles atos que são reservados para os advogados, que são exclusivos dos advogados. Se for este o caso, vamos definir como a Ordem vai se posicionar para controlar aqueles que agem como advogados, que praticam os atos exclusivos de advogados, sem ter formação exclusiva de advogado.

O senhor citou o caso de contadores, mas há outras categorias que invadem a área que deveria ser exclusiva de advogados?

O que sempre digo é que nunca entendi certas questões envolvendo outras profissões, como é o caso dos auditores. Houve uma época em que eles davam consultoria jurídica — e até hoje fazem muita consultoria. Não sei como eles coadunam a ética do auditor — que é exatamente descobrir os problemas da empresa e revelá-los ao mercado — com a ética do advogado — que é exatamente a de receber o problema contado pelo cliente e não transmiti-lo a ninguém, mas representá-lo e orientá-lo em juízo e nos processos.

A globalização é uma tendência que influenciou nesse risco vivido hoje pela advocacia?

Acho, por exemplo, que o problema do sigilo profissional, e mesmo da liberdade do advogado, assim como da liberdade do Judiciário, deve ser muito bem posicionado. O Brasil está tardio nesse processo de globalização da economia no que diz respeito aos serviços jurídicos. Isto nos dá a oportunidade de pegar a experiência dos países que já passaram por isso e ver como nós queremos conduzir a nossa globalização. Pelo que ouvi aqui dos colegas portugueses, o resultado da globalização da profissão em Portugal foi danoso para os interesses da sociedade. A gente tem que lembrar que certas normas para a profissão do advogado – suas prerrogativas, o sigilo profissional, nossa liberdade e tudo isso -, não devem beneficiar o advogado, não foram criadas para benefício do advogado. Elas foram criadas para beneficiar o cidadão, o cliente, e no Brasil são matérias de ordem pública, ou seja, são inegociáveis. Segredo profissional é inegociável, liberdade profissional é inegociável. É nesse sentido que a gente tem que decidir o que quer fazer no futuro. Foram esses os desafios que lancei para voltarmos a conversar sobre eles.

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