Contribuição dos inativos

Confira o voto que conduziu a decisão da contribuição dos inativos

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21 de agosto de 2004, 14h58

Não há direito adquirido em matéria tributária. Partindo desse princípio, o Supremo Tribunal Federal decidiu, na quarta-feira (18/8), que a contribuição dos servidores inativos é constitucional. O entendimento minou o principal argumento de quem se opunha à cobrança.

No voto que conduziu a decisão — antológico, nas palavras do presidente do STF, ministro Nelson Jobim — o ministro Cezar Peluso entendeu que as contribuições são tributos e, assim, os servidores não podem se servir da “garantia constitucional outorgada ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI), para fundar pretensão de se eximir ao pagamento devido por incidência da norma sobre fatos posteriores ao início de sua vigência”.

Segundo o ministro, os inativos não têm direito a “imunidade tributária absoluta”, pelo fato de “já estarem aposentados à data de início de vigência da EC nº 41/2003”, que instituiu a cobrança.

Peluso explicou: “uma coisa é a aposentadoria em si, enquanto fonte e conjunto de direitos subjetivos intangíveis; outra, a tributação sobre valores recebidos a título de proventos da aposentadoria”.

A vitória do Planalto, contudo, foi parcial. No mesmo parecer, o ministro Cezar Peluso aumentou o teto de isenção da cobrança. Até então, todos aqueles que recebiam mais de R$ 1.505,23 tinham 11% descontados em seus proventos. Desde quarta, quem recebe até R$ 2.508,72 está livre da taxação.

O governo já anunciou que vai devolver aos servidores os valores cobrados a mais em outubro.

Leia a íntegra do voto

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.105-8 DISTRITO FEDERAL

V O T O – V I S T A

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO: 1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade que tem por objeto o art. 4º da Emenda Constitucional nº 41/2003, que dispõe sobre a contribuição previdenciária dos aposentados e pensionistas, verbis:

“Art. 4º Os servidores inativos e os pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo de benefícios na data de publicação desta Emenda, bem como os alcançados pelo disposto no seu art. 3º, contribuirão para o custeio do regime de que trata o art. 40 da Constituição Federal com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

Parágrafo único. A contribuição previdenciária a que se refere o caput incidirá apenas sobre a parcela dos proventos e das pensões que supere:

I – cinqüenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II- sessenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas da União.”

A requerente alega que “os servidores públicos aposentados e os que reuniam condições de se aposentar até 19 de dezembro de 2003 têm assegurado o direito subjetivo, já incorporado aos seus patrimônios jurídicos, de não pagarem contribuição previdenciária, forçosa a conclusão de que o art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, não poderia, como fez, impor a eles a obrigação de pagar dito tributo, de modo a prejudicar aquele direito adquirido e impor aos seus titulares situação jurídica mais gravosa” (fls. 6), razão pela qual a tributação dos inativos em gozo do benefício contrariaria o art. 5º, XXXVI, da Constituição da República.

E haveria, ademais, ofensa à isonomia tributária (art. 150, II), à medida que o § único do art. 4º estabelece distinção entre os atuais inativos “e ainda com diferenças de tratamento conforme se trate de servidores estaduais, distritais ou municipais, ou de servidores federais” (fls. 07).

A eminente Relatora, Min. ELLEN GRACIE, julgou procedente a ação, para reconhecer a inconstitucionalidade, por ver, na hipótese, “contribuição despida de causa eficiente, posto que não corresponde à necessária contrapartida de novo benefício” (art. 195, § 5º), além de a norma insultar a isonomia (art. 150, II), “porque discrimina indevidamente entre contribuintes em condição idêntica”, e configurar bitributação em relação ao imposto sobre a renda, “tendo por fato gerador a própria percepção dos mesmos proventos e pensões” (art. 154, I).

O Min. JOAQUIM BARBOSA votou pela improcedência, sustentando que “o princípio dos direitos adquiridos, do mesmo modo que outros princípios constitucionais, admite ponderação ou confrontação com outros valores igualmente protegidos pela nossa Constituição”, e que se estaria “diante de princípios constitucionais relativos, que admitem ponderação com outros princípios, desse confronto podendo resultar o afastamento pontual de um deles.”


O Min. CARLOS BRITTO acompanhou a Min. Relatora na conclusão, com invocar, em síntese, fundamento diverso:

“De tudo quanto foi exposto, é de se concluir que os proventos da aposentadoria e eventuais pensões se constituem em direito subjetivo do servidor público ou seu dependente, quando for o caso, desde que preenchidos os requisitos constitucionais. Noutros termos, a partir do momento que o servidor público passa a preencher as condições de gozo do benefício, já não poderá, por efeito de nenhum ato da ordem legislativa (art. 59), ser compelido a contribuir para o sistema previdenciário: nem por determinação legal, nem por imposição de Emenda Constitucional.”

Para melhor análise do caso, pedi vistas dos autos.

2. Por dar resposta à causa, parto da necessidade metodológica de perquirir a natureza jurídica da contribuição.

Salvas raras vozes hoje dissonantes sobre o caráter tributário das contribuições sociais como gênero e das previdenciárias como espécie(1), pode dizer-se assentada e concorde a postura da doutrina e, sobretudo, desta Corte em qualificá-las como verdadeiros tributos (RE nº 146.733, rel. Min. MOREIRA ALVES, RTJ 143/684; RE nº 158.577, rel. Min. CELSO DE MELLO, RTJ 149/654), sujeitos a regime constitucional específico(2), assim porque disciplinadas as contribuições no capítulo concernente ao sistema tributário, sob referência expressa aos art. 146, III (normas gerais em matéria tributária) e 150, I e III (princípios da legalidade, irretroatividade e anterioridade), como porque corresponderiam à noção constitucional de tributo construída mediante técnica de comparação com figuras afins(3).

Admitida, pois, como suposto metodológico indiscutível, a natureza tributária das contribuições, toda a divergência teórica reduz-se-lhes à classificação no quadro dos tributos e, nisto, enquanto parte da doutrina sustenta que não constituiriam espécie autônoma, senão exigências patrimoniais que ora se revestem das características de impostos, ora assumem os contornos de taxas, segundo a materialidade dos fatos geradores(4), outra corrente lhes adjudica autonomia conceitual por conta do assento constitucional das finalidades e da destinação do produto da arrecadação(5).

Mas, independentemente da sua classificação dogmática como espécie autônoma, ou como subespécie de imposto ou de taxa, não há nenhuma dúvida de que as contribuições são tributos que obedecem a regime jurídico próprio, e cuja propriedade vem da destinação constitucional das receitas e da submissão às finalidades específicas que lhes impõe o art. 149 da Constituição Federal:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6 º relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”

Desse texto vê-se claro que as contribuições podem instituídas pela União (e também pelos Estados e Municípios, na forma do § 1º) como instrumento de atuação na área social (a), de intervenção no domínio econômico (b) e no interesse de categorias profissionais ou econômicas (c). Ou seja, a Constituição predefine-lhes, de modo expresso e categórico, a competência, as finalidades e o destino da arrecadação. A respeito, observa MARCO AURÉLIO GRECO:

“As contribuições são diferentes de impostos e taxas porque partem de um conceito básico diverso. Ainda que tenham natureza tributária, isto não lhes retira esta diferença. Enquanto o imposto apóia-se no poder de império (o casus necessitatis), ou seja, o Estado precisa de determinado montante em dinheiro para atender às despesas relativas ao exercício de suas funções e, para tanto, exerce (nos limites da Constituição) seu poder de império sobre os contribuintes, nas taxas o conceito básico que as informa não é o do puro império, mas o de benefício (que, segundo alguns é formulado a partir de uma noção de “contraprestação” que seria ínsita à figura).

Por sua vez, nas contribuições o conceito básico não é o poder de império do Estado, nem o benefício que o indivíduo vai obter diretamente de uma atividade do Estado (nem necessariamente o seu custo), mas sim o conceito de solidariedade em relação aos demais integrantes de um grupo social ou econômico, em função de certa finalidade. Em certa medida, esta visão tripartite encontra semelhança com o conceito de exigências gerais, preferenciais e associativas a que se refere Kruse”(6)

Interessam-nos, no caso, as contribuições sociais, concebidas como instrumento de atuação do Estado no campo da chamada seguridade social.


3. A seguridade social “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (art. 194, caput, da Constituição da República).

É organizada pelo poder público com base nos princípios constantes do § único do art. 194, que são:

“I- universalidade da cobertura e do atendimento;

II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III- seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;

V – equidade na forma de participação no custeio;

VI – diversidade da base de financiamento;

VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante a gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.”

E, por força do disposto no art. 195, com a redação da época da edição da EC nº 41/2003(7), a atuação estatal nas áreas da saúde, previdência e assistência social, cujos direitos formam o conteúdo objetivo da seguridade social, é custeada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais, verbis:

“I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III – sobre a receita de concursos de prognósticos.”

4. A Emenda Constitucional nº 41/2003, no alterar o alcance do art. 40, entrando a exigir contribuição aos servidores inativos (art. 4º), retira seu fundamento de validade à previsão do art. 195, II, alargando seu raio de incidência por meio da instituição de contribuição destinada à previdência social.

Institui-se aí contribuição previdenciária, pertencente à classe das contribuições para a seguridade social, que, seria bom insistir, têm natureza tributária incontroversa, não obstante submissas a particular regime jurídico-constitucional. Esta qualificação é, aliás, admitida e adotada pelos requerentes mesmos (fls. 5 e ss), bem como pelos ilustres signatários dos pareceres que instruem a inicial (fls. 68, 69 e ss).

5. Como tributos, que são, não há como nem por onde opor-lhes, no caso, a garantia constitucional outorgada ao “direito adquirido” (art. 5º, XXXVI), para fundar pretensão de se eximir ao pagamento devido por incidência da norma sobre fatos posteriores ao início de sua vigência.

O art. 5º, XXXVI, ao prescrever que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, protege, em homenagem ao princípio fundamental de resguardo da confiança dos cidadãos perante a legislação, enquanto postulado do Estado de Direito, os titulares dessas situações jurídico-subjetivas consolidadas contra a produção de efeitos normativos gravosos que, não fosse tal garantia, poderiam advir-lhes da aplicação da lei nova sobre fatos jurídicos de todo realizados antes do seu início de vigência.

6. Mas o direito adquirido ou exaurido, não precisaria dizê-lo, só se caracteriza como situação tutelada, invulnerável à eficácia de lei nova, quando haja norma jurídica que o contemple como tal no segundo membro de sua estrutura lingüística (proposição normativa), como conseqüência jurídica da perfeita realização histórica (fattispecie concreta) do fato hipotético previsto, como tipo (fattispecie abstrata), no primeiro membro da proposição normativa.

Talvez conviesse recordar ao propósito, conquanto em esquema simplificado, que toda norma jurídica prática, cuja vocação está em induzir comportamento, prevê, na primeira cláusula de sua formulação lingüística, enunciados em termos típicos mas complexos, fato ou fatos de possível ocorrência histórica (fattispecie abstrata), e liga à sua realização completa no mundo físico (fattispecie concreta), por imputação ideal (causalidade normativa), na segunda cláusula, a produção de certo efeito ou efeitos jurídicos, redutíveis, de regra, às categorias conceituais de obrigações ou de direitos subjetivos.


De modo que, reproduzido na realidade, em toda a sua inteireza, com a ocorrência do fato, o modelo ou tipo normativo, descrito como hipotético na primeira cláusula, dá-se, no mundo jurídico, o fenômeno chamado de incidência da norma sobre o fato (ou subsunção do fato à norma), mediante o qual o fato realizado se jurisdiciza e, fazendo-se jurídico, dá origem, por suposição, ao nascimento de direito subjetivo, isto é, direito reconhecido a titular ou titulares personalizados (com adjetivo possessivo). Daí afirmar-se:

“Inexiste direito subjetivo sem norma incidente sobre fato do homem ou sobre o homem como fato: sobre seu mero existir ou sobre conduta sua. O direito subjetivo é efeito de fato jurídico, ou de fato que se jurisdicizou: situa-se no lado da relação, que é efeito. Isso quer nos direitos subjetivos absolutos, privados ou públicos, quer nos direitos subjetivos relativos” .(8)

Ora, e isso é observação radical e decisiva, não se manifesta, intui, nem descobre, expressa ou sistemática, nenhuma norma jurídica que, no segundo membro de sua proposição, impute, associado, ou não, a outra circunstância típica elementar, ao ato e à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público, o efeito pontual de lhe gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos à incidência de lei tributária ulterior ou anterior. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito. Donde, tampouco poderia encontrar-se, com esse alcance, direito subjetivo que, adquirido no ato de aposentamento do servidor público, o alforriasse à exigência constitucional de contribuição social incidente sobre os proventos da inatividade.

Que a condição de aposentadoria, ou inatividade, represente situação jurídico-subjetiva sedimentada, que, regulando-se por normas jurídicas vigentes à data de sua perfeição, não pode atingida, no núcleo substantivo desse estado pessoal, por lei superveniente, incapaz de prejudicar os correspondentes direitos adquiridos, é coisa óbvia, que ninguém discute. Mas não menos óbvio, posto que o discutam alguns, é que, no rol dos direitos subjetivos inerentes à situação de servidor inativo, não consta o de imunidade tributária absoluta dos proventos correlatos.

Nem se pode desconsiderar que, em matéria tributária, por expressa disposição constitucional, a norma que institua ou majore tributo somente pode incidir sobre fatos posteriores à sua entrada em vigor. Logo, fatos que, ajustando-se ao modelo normativo, poderiam ser tidos por geradores, mas que precederam à data de início de vigência da EC nº 41, não são por esta alcançados, não apenas em virtude daquela garantia genérica de direito intertemporal, mas também por obra da irretroatividade específica da lei tributária, objeto da norma do art. 150, III, a, da Constituição da República, e de referência do art. 149, caput:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

III – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;”

Na espécie, o fato gerador da contribuição previdenciária dos inativos é a percepção de “proventos de aposentadorias e pensões”, conforme dispõe o art. 4º, § único, da EC nº 41/2003. Mas, alegando estarem sob o pálio da garantia constitucional do direito adquirido, os requerentes pretendem que esse cânone da Emenda não se aplique tampouco aos fatos geradores futuros.

Não lhes vale nem aproveita, no entanto, a garantia que invocam. É que, reduzida sua pretensão à última significação jurídica, pedem o reconhecimento de autêntica imunidade tributária absoluta, pelo só fato de já estarem aposentados à data de início de vigência da EC nº 41/2003.

Ora, vista como fato jurídico, a aposentadoria não guarda de per si tal virtude, pois imunidade tributária depende sempre de previsão constitucional, que com essa latitude não existe para o caso. Antes, a EC nº 41/2003 subjugou, às claras, os proventos dos servidores inativos ao âmbito de incidência da contribuição previdencial.

7. A relação jurídico-tributária baseia-se no poder de império do Estado e legitima-se pela competência que a este, em qualquer das três encarnações federativas, lhe atribui a Constituição. Em terminologia clássica, é relação jurídica ex lege e, como tal, sua instituição e modificação (majoração, extinção, etc.) dependem da existência de lei, que seja reverente aos estritos desígnios e limites constitucionais.


O art. 150, III, a, da Constituição da República, como se viu, prescreve que a lei tributária que institui tributo só pode apanhar fatos geradores ocorridos após seu início de vigência. Donde, e esta é conseqüência também oriunda do princípio constitucional da legalidade administrativa (art. 37, caput), uma vez dado o fato nela previsto como hipótese, exsurge ipso facto o poder jurídico de lhe exigir o pagamento, ou, em termos invertidos, a obrigação de o pagar, por força da subsunção do fato à norma, ou, o que dá no mesmo, da incidência desta sobre aquele, salvos os casos expressamente excluídos do âmbito de tal efeito, por força da previsão de imunidade ou de isenção, por exemplo.

Exercida a competência, dentro dos limites constitucionais, a pessoa cuja condição é alcançada pela norma instituidora torna-se sujeito passivo na relação jurídico-tributária, sem que desta posição obrigacional o livre situação jurídica anterior. A lei tributária aplica-se aos fatos jurídicos ocorridos sob seu império (art. 105 do Código Tributário Nacional), observado o princípio da anterioridade (art. 150, III, b e c, e art. 195, § 6º, da Constituição da República), cujo período, no caso, é de 90 dias.

8. Por resumir, o ponto de referência para aplicação da norma tributária é o fato gerador, segundo a terminologia do Código Tributário Nacional, ou, como também o denomina a doutrina, o fato imponível(9), ou ainda fato jurídico tributário(10). Ou seja, é sempre o fato a que, previsto no primeiro membro da proposição normativa, esta imputa, no segundo, o efeito jurídico da exigibilidade do tributo.

Já o relembrou a Corte.

Ao apreciar a questão da aplicabilidade do Decreto federal nº 1.343/94, que aumentou a alíquota do imposto de importação, quanto aos contratos celebrados antes de sua vigência, o Plenário fixou, na decisão do RE nº 225.602 (Rel. Min. CARLOS VELLOSO), o entendimento de que o referencial para a aplicação da lei tributária é só o fato tido pela legislação como fato gerador, e não, os fatos ou atos jurídicos a ele anteriores ou dele preparatórios:

“Divirjo, com a devida vênia, também aqui, do acórdão recorrido.

Está no acórdão:

“(…)

Sem falar, ainda, que o Decreto não poderia atingir relações jurídicas de importação já consolidadas. Isto porque o fato gerador do II, ainda que só se perfaça com a entrada da mercadoria no território nacional, tem a sua formação iniciada desde o momento em que se entabulou a compra da mercadoria que se está importando. Como observa o mestre Hugo Machado, “a entrada da mercadoria no território nacional não pode ser vista como fato inteiramente isolado, sob pena de negar-se a finalidade do princípio da irretroatividade das leis como manifestação do princípio da segurança jurídica. A entrada da mercadoria no território nacional na verdade é fato que se encarta em conjunto de outros fatos, que não podem ser ignorados. Assim, para os fins de direito intertemporal, é relevante a data em que esse conjunto de fatos começou a se formar, representando a consolidação de uma situação que se pode considerar incorporada ao patrimônio do contribuinte. Se este já comprou as mercadorias que está importando, ou de qualquer modo vinculou-se a deveres jurídicos cujo inadimplemento lhe impõe ônus economicamente significativo, tem-se consolidada uma situação que não admite mudança no regime jurídico da importação, pena de se ter violado o princípio da irretroatividade das leis” (in Curso de Direito Tributário, Ed. Malheiros, 9ª ed., pág. 208).

(…)

Mas o que deve ser considerado é que a obrigação tributária principal surge com a ocorrência do fato gerador (CTN, art. 113, §1º). Importa verificar, portanto, no caso, se o decreto majoritário veio a lume antes ou depois da ocorrência do fato gerador. O que a Constituição exige, no art. 150, III, a, é que a lei que institua ou que majore tributos seja anterior ao fato gerador. É isto o que está no citado dispositivo constitucional – art. 150, III, ª

(…)

Assim posta a questão, e considerando que o decreto que majorou as alíquotas é anterior à ocorrência do fato gerador, força é concluir que o acórdão recorrido não deu boa aplicação ao art. 150, III, a, da Constituição”(11) (Grifos nossos. No mesmo sentido, cf. SS nº 775-AgRg, DJ de 23.02.96, e SS nº 819-AgRg, DJ de 13.06.97, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE).

Em síntese, tampouco deste segundo ângulo depara-se ofensa à garantia constitucional do direito adquirido, pois se cuida de tributo que, na modalidade de contribuição previdenciária, é só exigível em relação a fatos geradores ocorridos após a data da publicação da EC nº 41/2003, observados os princípios constitucionais da irretroatividade e da anterioridade (art. 150, III, a, e art. 195, § 6º). E não custa tornar a advertir: uma coisa é a aposentadoria em si, enquanto fonte e conjunto de direitos subjetivos intangíveis; outra, a tributação sobre valores recebidos a título de proventos da aposentadoria.


9. Quanto à irredutibilidade do valor dos proventos, invocada pelos requerentes como outro óbice à sujeição dos servidores inativos, basta avivar-lhes a aturada posição da Corte de que a cláusula constitucional de irredutibilidade da remuneração dos servidores públicos não se estende aos tributos, porque não implica imunidade tributária:

Nem se diga que a instituição e a majoração da contribuição de seguridade social transgrediriam a garantia constitucional da irredutibilidade da remuneração dos servidores públicos.

É que – como se sabe – o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos, embora irredutíveis, expõem-se, no entanto, à incidência dos tributos em geral (alcançadas, desse modo, as contribuições para a seguridade social), mesmo porque, em tema de tributação, há que se ter presente a cláusula inscrita no art. 37, e no art. 150, II, ambos da Constituição.

Na realidade, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – especialmente quanto a garantia da irredutibilidade de vencimentos representava prerrogativa exclusiva dos magistrado – sempre se orientou no sentido de reconhecer a plena legitimidade constitucional da incidência das contribuições previdenciárias (RTJ 83/74 – RTJ 109/244).

Mais recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao examinar essa específica questão em face da majoração das alíquotas referentes à contribuição para a seguridade social incidente sobre a remuneração mensal do servidor público federal em atividade, repeliu a argüição de ofensa à cláusula constitucional da irredutibilidade, nos termos assim expostos no voto vencedor do eminente Min. MARCO AURÉLIO, Relator da ADI 790-DF (RTJ 147/921, 925):

“Da irredutibilidade dos vencimentos.

Também aqui não se tem como cogitar da transgressão ao artigo 37, inciso XV, da Constituição Federal, no que majoradas as alíquotas da contribuição social. No próprio dispositivo em que se diz da intangibilidade dos vencimentos registra-se também a circunstância de a remuneração (gênero) estar sujeita ao teor não só dos artigos 37, incisos XI e XII, 153, III, e 153, § 2º, i, como também do artigo 150, inciso II e, neste último, tem-se a previsão constitucional sobre a incidência dos tributos, ficando alcançadas, assim, as contribuições sociais” (ADI nº 2.010, Rel. Min. CELSO DE MELLO. Grifos originais).

Não precisa, ademais, grande esforço por ver logo que outra coisa levaria a enxergar, no restrito comando da irredutibilidade, obstáculo intransponível à exigência de contribuição, não só aos inativos, mas também aos servidores em atividade, e, o que é não menos conspícua demasia, proibição de qualquer tributo que tome por base de cálculo o valor da remuneração paga aos funcionários públicos! O excesso da conclusão desnuda todo o excesso da premissa.

Nem quadra falar, a rigor, em “redução de benefícios”, sobretudo em relação aos inativados antes do advento da Emenda nº 41/2003, porque, sob o regime anterior, receberiam mais do que os servidores da ativa, pois não se assujeitariam à contribuição previdenciária por estes paga. A respeito, notou a “Exposição de Motivos” da proposta da Emenda: “trata-se de uma situação ímpar, sem paralelo no resto do mundo nem qualquer conexão com princípios previdenciários e de política social: pagar-se mais para os aposentados em relação àqueles que ainda permanecem em atividade” (fls. 219).

10. Alegam ainda os requerentes que, se se admitisse contribuição previdenciária devida pelos aposentados a título de tributo, sua instituição seria inconstitucional por retomar como fato gerador a percepção de proventos, travestindo-se, com bis in idem, de imposto sobre a renda, sem guardar os princípios da isonomia, da generalidade e da universalidade.

O argumento não esconde petição de princípio.

A identificação conceptual de cada tributo dá-se, em regra, à vista da conjunção do fato gerador e da base de cálculo(12), mas, em relação às contribuições, devem ponderados também os fatores discretivos constitucionais da finalidade da instituição e da destinação das receitas.

O fato gerador e a base de cálculo não bastam para identificar e discernir as contribuições, as quais, como já acentuamos, ex vi das regras conformadoras do regime constitucional próprio, inscritas nos arts. 149 e 195, caracterizam-se sobretudo pela finalidade e destinação específicas, como salienta EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI:

“a classificação intrínseca dos tributos não esgota o repertório de variáveis do sistema constitucional tributário vigente. Nele foram instaladas as seguintes peculiaridades: (i) é vedada a vinculação de receita de impostos [art. 167, IV, da CF/88], (ii) as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas, têm sua destinação vinculada aos órgãos atuantes nas respectivas áreas [artigos 149, 195, 212, § 5º, etc.] e (iii) os empréstimos compulsórios, sobre serem vinculados aos motivos que justificaram sua edição, hão de ser, obrigatoriamente, restituídos ao contribuinte.”(13)


Se se atém ao fato gerador e à base de cálculo da contribuição previdenciária, esta aparece, deveras, como imposto, segundo a divisão tradicional dos tributos, assim como aparece como imposto disfarçado a contribuição descontada aos servidores em atividade, coisa que, provando muito, não prova nada, como se percebe.

Tal critério não é, pois, suficiente para distinguir as contribuições dos inativos, que, portando dois elementos constitucionais próprios, compõem classe de tributo diversa dos impostos e cuja natureza não permite confusão alguma com a do imposto sobre a renda, ante a finalidade e a destinação particulares que lhes assina o estatuto constitucional.

Confirma-o ex abundatia, e em remate, outra razão de não menor tomo. É que desponta de todo em todo irrelevante o fato de as contribuições apresentarem a “mesma base de cálculo do imposto sobre a renda” em relação aos inativos, porque isso o autoriza de maneira expressa o art. 195, II, da Constituição Federal(14). Nem vislumbro outra base de cálculo capaz de medir com propriedade o “fato signo presuntivo da renda”(15) dos servidores aposentados que não os proventos da aposentadoria.

11. Mister indagar agora se como tributo poderia a contribuição ter sido instituída nos termos em que a concebeu a EC nº 41/2003, cujo art. 4º atribui-lhe como aspecto material a percepção de “proventos de aposentadorias e pensões” e, como sujeitos passivos, os “aposentados e pensionistas” da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Neste passo, argumentam os requerentes que estaríamos diante de “contribuição sem causa”, a qual, ainda quando admitida por epítrope, envolveria bis in idem em relação ao imposto sobre a renda, traduzindo-se em confisco e discriminação, “porque não atende aos princípios da generalidade e da universalidade (art. 155, parágrafo 2º, I), já que recai só sobre uma categoria de pessoas” (parecer do prof. José Afonso da Silva, fls. 83 e ss). E, que também se desvirtuaria a finalidade da contribuição, pois os aposentados seriam chamados a “contribuir para a cobertura de vultoso desequilíbrio financeiro’ a título de solidariedade” (ibid. e voto da Min. Ellen, pág. 16).

12. Antes, porém, de enfrentar tais argumentos, creio oportuno proceder a breve histórico da evolução, entre nós, das formas normativas de custeio do regime previdenciário e da sua interpretação por esta Corte.

Os termos originais da Constituição de 1988 desenhavam um sistema previdencial de teor solidário e distributivo, no qual a comprovação de “tempo de serviço”, sem limite de idade, era uma das condições do direito ao benefício, sem nenhuma referência à questão de proporcionalidade, ou de equilíbrio atuarial, entre o volume de recursos e o valor das contribuições desembolsadas pelo servidor na ativa e o dos proventos da aposentadoria. Seu cunho solidário e distributivo vinha sobretudo de os trabalhadores em atividade subsidiarem, em certa medida, os benefícios dos inativos.

O sistema padeceu substancial alteração com a Emenda Constitucional nº 20/98, que lhe introduziu feitio contributivo, baseado, já não no “tempo de serviço”, mas no tempo de contribuição, “observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial” (art. 40, in fine, da Constituição da República, com a redação da EC 20/98).

E a Emenda Constitucional nº 41/2003 instaurou regime previdencial nitidamente solidário e contributivo, mediante a previsão explícita de tributação dos inativos, “observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”.

13. A questão da chamada “tributação dos funcionários públicos inativos” não é nova em nossa história jurídico-constitucional recente e, ex professo, já foi analisada por esta Corte em, pelo menos, duas oportunidades marcantes: i) na ADI nº 1441-2/DF; e ii) na ADI nº 2010-2/DF.

13.1. Na ADI nº 1441, argüiu-se, à luz do texto da EC nº 3/93, a inconstitucionalidade da contribuição dos servidores inativos instituída pela MP nº 1.415, de 29 de abril de 1996, que dispunha no art. 7º:

“Art. 7º. O art. 231 da Lei nº 8.112, de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 231. O plano de Seguridade Social do servidor será custeado com o produto da arrecadação de contribuições sociais obrigatórias dos servidores ativos e inativos dos três Poderes da União, das autarquias e das fundações públicas.”

Os argumentos ali expostos eram muito semelhantes aos de que se valem os autores desta ação: i) contribuição sem causa para os inativos; ii) “caráter virtual de imposto sobre a renda” (fls. 111 do acórdão); iii) ofensa à irredutibilidade dos vencimentos.


Não foi julgado o mérito da causa em virtude da caducidade da Medida Provisória nº 1.463-17/1997, “última objeto de pedido de aditamento,” e, ainda, da ausência de pedido de aditamento da inicial quanto às reedições subseqüentes. Mas, no julgamento do pedido cautelar, indeferido por maioria, foram discutidas as teses nevrálgicas da demanda. O voto do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE resume de forma expressiva o fundamento capital do acórdão que negou a medida cautelar:

“No fundo, as discussões sobre a chamada crise da Previdência e da Seguridade Social têm sido prejudicadas, de um lado e de outro, por uma argumentação oportunística de ambas as partes: a de tomar-se a Seguridade Social ora como se tratasse de um contrato, ora como se se tratasse, e efetivamente se trata, de uma ação estatal independente de cálculos e considerações atuariais.

Assim como não aceito considerações puramente atuariais na discussão dos direitos previdenciários, também não as aceito para fundamentar o argumento básico contra a contribuição dos inativos, ou seja, a de que já cumpriram o quanto lhes competia para obter o benefício da aposentadoria.

Contribuição social é um tributo fundado na solidariedade social de todos para financiar uma atividade estatal complexa e universal, como é a da Seguridade.”(16)

As razões concorrentes deduziu-as o Relator, Min. OCTÁVIO GALLOTTI:

“Ainda em um primeiro exame, não se mostra relevante o apelo ao princípio da irredutibilidade do provento, que, assim como os vencimentos do servidor, não se acha imune à incidência dos tributos e das contribuições dotadas deste caráter.

(…)

Dita correlação (entre os proventos e os vencimentos dos aposentados e os servidores da ativa), capaz de assegurar aos inativos aumentos reais, até os motivados pela alteração das atribuições do cargo em atividade, compromete o argumento dos requerentes, no sentido de que não existiria causa eficiente para a cobrança de contribuição do aposentado, cujos proventos são suscetíveis, como se viu, de elevação do próprio valor intrínseco, não apenas da sua representação monetária, como sucede com os trabalhadores em geral.”(17)

13.2. Na ADI nº 2010, o Tribunal apreciou o tema da compatibilidade do art. 1º da Lei nº 9.783/99, que instituiu a contribuição previdenciária para os servidores inativos, com as regras do art. 40, caput e § 12, cc. o art. 195, II, da Constituição, com a redação dada pela EC nº 20/98.

A medida cautelar foi deferida por unanimidade, para suspender, “até a decisão final da ação direta, no caput do art. 1º da Lei nº 9.783, de 28/11/1999, a eficácia das expressões “e inativo, e dos pensionistas” e “do provento ou da pensão” (Ementário 2064, p. 94).

Dentre os argumentos analisados, destaco, pela pertinência a este caso, os seguintes: i) “ofensa ao princípio do equilíbrio atuarial (CF, art. 195, § 5º)”; ii) “violação da cláusula de irredutibilidade de vencimentos e proventos (CF, arts. 37, XV, e 194, IV)”; iii) “ilegitimidade constitucional da instituição da contribuição de seguridade social sobre aposentados e pensionistas (CF, art. 40, § 12, c/c o art. 195, II); e iv) “desrespeito ao direito adquirido (CF, art. 5º, inciso XXXVI)” (Ementário 2064, p. 97-98)

O juízo que, diametralmente oposto ao afirmado na ADI nº 1.441, reputou aí inconstitucional a tributação dos inativos, deu-se noutra moldura, configurada pelas mudanças dos parâmetros constitucionais operadas pela EC nº 20/98, a qual, como já adiantamos, criou regime previdenciário contributivo voltado aos “servidores públicos titulares de cargo efetivo” (CF, art. 40, § 12, com a redação da EC nº 20/98), e, por deliberada exclusão no processo legislativo, teve decepado o texto que autorizaria a tributação dos inativos, conforme aduziu o Min. CELSO DE MELLO, em termos irrespondíveis:

Impõe-se responder a uma indagação básica: pode a União Federal, sob o novo regime introduzido pela EC nº 20/98, instituir e exigir contribuição para seguridade social dos servidores federais inativos e dos pensionistas?

Entendo que não.

Antes, contudo, devo registrar que esta Corte, no regime anterior ao que foi instituído pela EC nº 20, de 15/12/98, apreciou essa questão de modo diverso, pois, tendo presente uma realidade constitucional substancialmente distinta daquela que hoje prevalece em nosso sistema de direito positivo, admitiu, ainda que em sede de mera delibação, a possibilidade de impor, a servidores inativos e pensionistas, a contribuição de seguridade social.

Como já referido, não se desconhece que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao indeferir pedido de medida cautelar formulado na ADI 1.441-DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, entendeu – ao menos em juízo provisório de mera delibação – ser lícito exigir referida contribuição dos servidores públicos inativos.

(…)

É certo, também, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI nº 1.430-BA, em cujo âmbito veiculou-se impugnação a lei estadual (Lei nº 6.915/95, do Estado da Bahia) que instituíra o custeio do sistema previdenciário local mediante contribuição dos servidores inativos e dos pensionistas – indeferiu, por ausência de relevância, o pedido de medida cautelar nela deduzido, com fundamento no precedente firmado na ADI 1.441-DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI (RTJ 166/890), a que se reportou expressamente (RTJ 164/98-99, Rel. Min. MOREIRA ALVES).

Torna-se necessário enfatizar, no entanto, que esses julgamentos ocorreram sob a égide de um quadro normativo positivado em texto constitucional substancialmente diverso daquele que resultou da promulgação da EC nº 20/98.

Daí as razões expostas na ADI 2.062/DF, ajuizada pela Confederação dos Servidores Públicos do Brasil – CSPB, nas quais se destacou, precisamente, o aspecto ora referido (fls. 6/7):


“No regime constitucional anterior à Emenda nº 20, o § 6º do art. 40 da Constituição, acrescentado pela EC nº 03/93, dispunha que as aposentadorias e pensões dos Servidores Públicos Federais seriam também custeadas com recursos das contribuições dos servidores, levando o STF a considerar a possibilidade de exigência da exação também dos aposentados, amparado na abrangência das expressões ‘Servidores Públicos Federais’ (ADIN 1441-2-DF).

O entendimento firmado no julgamento da medida cautelar na ADIN nº 1441-2-DF, contudo, é inaplicável no regime da EC nº 20/98. Referida Emenda deu nova redação ao art. 40 da Constituição, não reproduzindo a regra do § 6º, porque impôs a criação de novo regime de previdência de caráter contributivo e base atuarial, definindo como contribuintes unicamente os ‘servidores titulares de cargos efetivos’, isto é, os titulares de cargos isolados de provimento efetivo ou de carreira.

A exclusão dos inativos, aliás, foi decidida pelo legislador constituinte, que aprovou emenda supressiva do § 1º do art. 40 do Projeto de emenda Constitucional nº 33/96, que previa contribuição dos inativos e pensionistas no custeio dos benefícios previdenciários.

A Constituição vigente, portanto, não autoriza a União a instituir Contribuição previdenciária sobre proventos e pensões, não dando margem à sua instituição com fundamento na competência residual prevista no § 4º do art. 195, de modo que a Lei nº 9783/99 é inconciliável com os arts. 40 e 149 da Constituição. Se fosse possível admitir essa competência residual da União, ainda assim a Lei nº 9783/99 se ressentiria de inconstitucionalidade formal, porque esse dispositivo faz remissão ao art. 154, I, da Constituição, que exige lei complementar para a instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social.

Sob qualquer ângulo, portanto, este diploma legal, ao exigir contribuição dos aposentados e pensionistas, é incompatível com a Lei Fundamental.”

(…)

O registro histórico dos debates parlamentares em torno da proposta que resultou na Emenda Constitucional nº 20/98, especialmente se considerado o contexto que motivou a supressão do § 1º do art. 40 da Constituição, nos termos referidos no art. 1º da PEC nº 33/95 (Substitutivo aprovado pelo Senado Federal), revela-se extremamente importante na constatação de que a única base constitucional – que poderia viabilizar a cobrança, relativamente aos inativos e aos pensionistas da União, da contribuição previdenciária – foi conscientemente excluída do texto, como claramente evidencia o teor do seguinte comunicado parlamentar publicado no Diário da Câmara dos Deputados, edição de 12/2/98, p. 04110.

(…)

Na realidade, esse elemento de natureza histórica evidencia que, sob a égide da EC nº 20/98, o regime de previdência de caráter contributivo a que se refere o art. 40, caput, da Constituição, em sua nova redação, foi instituído somente em relação “Aos servidores titulares de cargos efetivos…”, determinando-se, por isso mesmo, o cômputo, como tempo de contribuição, do tempo de serviço até então cumprido por agentes estatais”(Grifos originais).

A Corte entendeu, ainda, que, no sistema previdenciário então modificado pela EC nº 20/98, a imunidade prevista no art. 195, II, da Constituição, à “aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201”, se estendia aos servidores públicos aposentados e aos pensionistas, por expressa determinação do art. 40, § 12, que dispõe serem aplicáveis ao regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo, “no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.” Recorreu, pois, nesse tópico, a uma exegese francamente ampliativa, inteligível nos horizontes constitucionais do regime previdencial então vigente.

Quanto à “ausência de causa suficiente” para exigibilidade da contribuição aos inativos, por terem estes atingido a condição representada pela aposentadoria, assumiu também, como premissa fundamental da resposta, a natureza do regime inovado pela EC nº 20/98, ou seja, seu caráter contributivo:

Vale ter presente, ainda, neste ponto, a argumentação deduzida na ADI 2.016-DF – que também veicula impugnação à Lei nº 7.783/99 -, fundada no reconhecimento de que inocorre, quanto a inativos e a pensionistas, a necessária correlação entre custo e benefício, pois o regime contributivo, por sua natureza mesma, há de ser essencialmente retributivo, qualificando-se como constitucionalmente ilegítima, porque despojada de causa eficiente, a instituição de contribuição sem o correspondente oferecimento de uma nova retribuição, um novo benefício ou um novo serviço.

(…)

Em um regime previdenciário contributivo, necessariamente, há correlação entre custo e benefício. Regime contributivo é, por definição, retributivo.

No regime anterior à Emenda nº 20, a contribuição não era pressuposto para obtenção do direito aos proventos. Os pressupostos limitavam-se ao cumprimento de tempo de serviço, idade ou invalidação. A contribuição, introduzida pela Emenda nº 3, de 1993, era como uma obrigação acessória e não, propriamente, um pressuposto para a concessão de aposentadoria. Com a Emenda nº 20, não há mais benesse do Estado. A prévia contribuição é requisito para a aquisição de direito. Uma vez adquirido justamente com base na contribuição, o direito está protegido contra nova obrigatoriedade contributiva” (Min. CELSO DE MELLO. Grifos originais. Ementário cit., p. 146).


Sob outra perspectiva, a da ausência de fundamento constitucional, mas com a idêntica conclusão, votou o Min. CARLOS VELLOSO:

“Na redação do § 6º do art. 40 da CF, sem a EC 20, de 15.12.98, a questão se limitava a esta indagação: os servidores inativos estariam abrangidos entre os “servidores públicos” ali referidos? É que o citado § 6º do art. 40, sem a EC 20, de 1998, estabelecia que as aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais seriam custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da Lei.

Acontece que a EC 20, de 1988, eliminou o citado § 6º do art. 40. É dizer, retirou a regra que poderia emprestar legitimidade constitucional à contribuição dos servidores aposentados.

Com a redação da EC 20, no caput do art. 40 da CF, estabeleceu-se que aos servidores titulares de cargos efetivos “é assegurado o regime de previdência de caráter contributivo.” Indaga-se: o servidor aposentado seria titular de cargo efetivo? A resposta parece-me negativa, já que o servidor aposentado não é mais titular de cargo efetivo. A conclusão, então, é que a Constituição, com a EC 20, de 1988, não autoriza cobrar contribuição do servidor inativo. Esta conclusão mais se reforça diante do disposto do § 12 do art. 40, redação da EC 20, ao estabelecer que “além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social” (Ementário 2064-1, p. 210).

Esta reconstituição histórica da evolução normativa da matéria e das exegeses que recebeu da Corte, quando contraposta à luz das disposições constitucionais agora vigentes, traz elementos retóricos valiosos para a compreensão e o julgamento do caso.

14. Sobre introduzir previsão literal de tributação dos proventos dos servidores inativos, a EC nº 41/2003 transmudou o regime previdenciário dos servidores públicos com o manifestíssimo propósito de o equiparar ao regime geral de previdência.

Sem avançar compromisso quanto à constitucionalidade ou inconstitucionalidade das modificações impostas, sublinho mais uma vez que, com o advento da Emenda nº 41/2003, o regime previdencial deixou de ser eminentemente contributivo para se tornar contributivo e solidário, como se infere límpido à redação que emprestou ao art. 40, caput, da Constituição da República.

15. Ditaram essa transmutação do regime previdencial, entre outros fatores político-legislativos, o aumento da expectativa de vida do brasileiro e, conseqüentemente, do período de percepção do benefício, bem como a preocupação permanente com o dito equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, tudo isso aliado à queda da taxa de natalidade e à diminuição do acesso aos quadros funcionais públicos. Essa equação, de crescente pressão financeira sobre uma estrutura predominantemente solidária e distributiva, conduziria a inexorável desproporção entre servidores em atividade e aposentados, tendendo ao colapso de todo o regime(18).

Essa mesma tendência, observada já à época das Emenda nº 3/93 e nº 20/98, é que esteve à raiz das transformações do regime eminentemente solidário, em vigor antes da EC nº 3/93, para outro que, como regime contributivo e solidário, adotava a contribuição dos servidores ativos (art. 40, § 6º, acrescido pela EC nº 3/93), e, depois, para regime predominantemente contributivo, o da EC nº 20/98.

A crise estrutural dos sistemas previdenciários estatais não é fenômeno recente, nem circunscrito ao país. Relatório do Banco Mundial, sob o título de “Averting the Old Age Crisis, Policies to Protect the Old and Promote Growth”, de 1994, já revelava tratar-se de persistente problema global. São patentes a atualidade e a pertinência do diagnóstico:

“O aumento da insegurança na velhice é um problema mundial, mas suas manifestações são diferentes nas diversas partes do mundo. Na África e em regiões da Ásia, os idosos compõem pequena parcela da população – e há muito têm sido amparados por largas medidas familiares, cooperativas de ajuda mútua e outros mecanismos informais. Planos formais que envolvem o mercado ou o governo são rudimentares.

Mas, assim como a urbanização, mobilidade, guerras e a miséria enfraquecem a assistência familiar e os laços comunitários, os sistemas informais sentem-lhes o impacto. E este impacto é tanto maior onde a proporção da população dos idosos cresce rapidamente, em conseqüência dos progressos da medicina e do declínio da fertilidade. Para atender a essas novas necessidades, vários países asiáticos e africanos estudam mudanças fundamentais no modo com que provêem à seguridade social do idoso. O desafio é mudar para um sistema formal baseado na chamada garantia de renda(19), sem acelerar o declínio dos sistemas informais e sem trazer ao governo mais responsabilidades do que possa suportar.

Na América Latina, Leste Europeu e na ex-União Soviética, que já não podem sustentar os programas formais de seguridade social ao idoso, introduzidos há muito tempo, é ainda mais urgente a necessidade de reavaliar políticas.

Aposentadorias precoces e benefícios generosos têm exigido elevadas cargas de contribuições, acarretando difusa evasão fiscal.

O amplo setor informal da economia em muitos países da América Latina, por exemplo, reflete, em parte, os esforços de trabalhadores e empregadores para escaparem às contribuições sobre os salários. As conseqüentes distorções no mercado de trabalho, nesses países e em outras regiões, reduzem a produtividade, empurrando a carga das contribuições e o índice de evasão para níveis mais elevados, da mesma forma que a redução dos investimentos de longo prazo e da acumulação de capital refreiam o crescimento econômico. Não surpreende, então, que tais países não têm sido capazes de pagar os benefícios prometidos. A maioria diminuiu o custo dos benefícios, ao permitir que a inflação lhes corroesse os valores reais. Quando o Chile enfrentou tais problemas há quinze anos, reformou a estrutura de seu sistema. Outros países latino-americanos estão passando por mudanças estruturais similares, e alguns países do Leste Europeu os estão observando. O desafio é encontrar um novo sistema e um caminho de transição que seja aceitável pelo idoso, que foi induzido a esperar mais, e que ao mesmo tempo seja sustentável e estimule o progresso para os jovens.

Países membros da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD) enfrentam problemas semelhantes, estagnadas, que se encontram, a idade de suas populações e sua produtividade. Programas públicos de seguridade social que cobrem praticamente toda a população têm pago elevados proventos de aposentadorias durante as últimas três décadas de prosperidade, enquanto a pobreza se reduziu mais rápido entre os idosos que entre os jovens. Mas, através das próximas duas décadas, a carga dos tributos tende a aumentar em muitos pontos percentuais, ao passo que o valor dos benefícios tende a cair. Isso intensificará o conflito entre as gerações de aposentados (alguns dos quais ricos), que recebem pensões públicas, e os jovens trabalhadores (alguns dos quais pobres), que estão pagando altas taxas para financiar esses benefícios, mas que nunca poderão reembolsar-se.

Tais modelos de seguridade social podem, ademais, desencorajar o emprego, a poupança, e o capital produtivo, contribuindo desse modo para estagnação da economia.

Muitos países da OECD parecem inclinar-se para adoção de sistema que combine planos de pensão públicos, destinados a atender às necessidades básicas, com planos privados de pensão ou programas pessoais de poupança, para satisfazer às cada vez mais elevadas exigências das classes média e alta. O desafio é introduzir reformas que sejam boas para o país, a longo prazo, ainda que isso implique subtração de benefícios esperados por alguns grupos, em curto prazo”.(20)


Este inquietante quadro social, econômico e político, em que, sob juízo isento e desapaixonado, não se pode deixar de situar o país, interessa ao Direito, porque subjaz como fonte da razão normativa (ratio iuris) à aprovação da EC nº 41/2003, que estendeu aos servidores públicos inativos o ônus de compartilhar o custeio do sistema previdenciário.

16. Conforme já notamos, a vigente Constituição da República moldou um sistema de seguridade social baseado nos objetivos ou princípios capitulados no art. 194, § único, que reza:

“I- universalidade da cobertura e do atendimento;

II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III- seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;

V – equidade na forma de participação no custeio;

VI – diversidade da base de financiamento;

VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante a gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados” (grifos nossos).

O art. 195, caput, firmou outro princípio sistemático fundamental, agora para definição do alcance das fontes de custeio, preceituando que “a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta”, e, no § 5º, editou a chamada regra de contrapartida, que dispõe: “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.”

O art. 40, caput, com a redação dada pela EC nº 41/2003, assegura aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas as autarquias e fundações, regime previdenciário de “caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.”

E o art. 4º da EC nº 41/2003 impôs aos inativos e pensionistas, em gozo de benefícios à data de sua publicação, a obrigação de contribuir para o custeio do regime de que trata aquele art. 40.

Mas argúem, em suma, os requerentes que seria inválida tal imposição, e sua invalidez decorreria da ausência de causa suficiente para a contribuição (i), de ofensa ao direito adquirido (ii) e ao princípio da irredutibilidade dos vencimentos (iii), de bitributação em relação ao imposto de renda (iv) e de lesão ao princípio da isonomia (v).

17. Abstraída a demonstração, anterior e exaustiva, da sua substancial fraqueza retórica, os três primeiros argumentos (i, ii e iii) enganam-se ainda ao pressupor ao regime previdenciário constitucional, como premissa indisfarçável do raciocínio, um cunho eminentemente capitalizador e contributivo, entendido segundo a matriz da relação jurídica de direito privado, de perfil negocial ou contratual, que é domínio dos interesses patrimoniais particulares e disponíveis.

Sua lógica está em que, se o servidor contribuiu durante certo período, sob hipotética promessa constitucional de contraprestação pecuniária no valor dos vencimentos durante a aposentadoria, teria então, ao aposentar-se, direito adquirido, ou adquirido direito subjetivo a perceber proventos integrais. Desconto da contribuição, pelo outro contraente, tipificaria aí redução, sem causa jurídica, do valor da contraprestação pré-acordada.

Ninguém tem dúvida, porém, de que o sistema previdenciário, objeto do art. 40 da Constituição da República, não é nem nunca foi de natureza jurídico-contratual, regido por normas de direito privado, e, tampouco de que o valor pago pelo servidor a título de contribuição previdenciária nunca foi nem é prestação sinalagmática, mas tributo predestinado ao custeio da atuação do Estado na área da previdência social, que é terreno privilegiado de transcendentes interesses públicos ou coletivos.

18. O regime previdenciário público tem por escopo garantir condições de subsistência, independência e dignidade pessoais ao servidor idoso, mediante o pagamento de proventos da aposentadoria durante a velhice, e, conforme o art. 195 da Constituição da República, deve ser custeado por toda a sociedade, de forma direta e indireta, o que bem poderia chamar-se princípio estrutural da solidariedade.

Diferentemente do Chile, cujo ordenamento optou por regime essencialmente contributivo e capitalizador, em que cada cidadão financia a própria aposentadoria contribuindo para uma espécie de fundo de capitalização, administrado por empresas privadas, com fins lucrativos(21), nosso constituinte adotou um regime público de solidariedade, em cuja organização as contribuições são destinadas ao custeio geral do sistema, e não, a compor fundo privado com contas individuais.


Os servidores públicos em atividade financiavam os inativos e, até à EC nº 3/93, os servidores ativos não contribuíam, apesar de se aposentarem com vencimentos integrais, implementadas certas condições. A EC nº 20/98 estabeleceu regime contributivo e, com coerência, obrigou à observância do equilíbrio financeiro e atuarial, enquanto princípios mantidos pela EC nº 41/2003.

Teria, com isso, a Emenda instituído regime semelhante ou análogo ao chileno? A resposta é imediatamente negativa.

O regime previdenciário assumiu caráter contributivo para efeito de custeio eqüitativo e equilibrado dos benefícios, mas sem prejuízo do respeito aos objetivos ou princípios constantes do art. 194, § único, quais sejam: i) universalidade; ii) uniformidade; iii) seletividade e distributividade; iv) irredutibilidade; v) equidade no custeio; vi) diversidade da base de financiamento. Noutras palavras, forjou-se aqui um regime híbrido, submisso a normas de direito público e caracterizado, em substância, por garantia de pagamento de aposentadoria mediante contribuição compulsória durante certo período, o que lhe define o predicado contributivo, sem perda do caráter universal, seletivo e distributivo.

Os elementos sistêmicos figurados no “tempo de contribuição”, no “equilíbrio financeiro e atuarial” e na “regra de contrapartida” não podem interpretar-se de forma isolada, senão em congruência com os princípios enunciados no art. 194, § único, da Constituição.

Da perspectiva apenas contributiva (capitalização), seria inconcebível concessão de benefício previdenciário a quem nunca haja contribuído (universalidade e distributividade) e, muito menos, preservação do valor real da prestação (irredutibilidade do valor) e sua revisão automática proporcional à modificação da remuneração dos servidores em atividade (art. 7º da EC nº 41/2003), o que, na aguda percepção do Min. OCTÁVIO GALLOTTI(22), importa, não mera atualização, mas elevação do valor intrínseco da verba.

Não é esse o perfil de nosso sistema previdenciário.

19. O art. 3º da Constituição tem por objetivos fundamentais da República: “i) construir uma sociedade livre, justa e solidária; … iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

A previdência social, como conjunto de prestações sociais (art. 7º, XXIV), exerce relevante papel no cumprimento desses objetivos e, nos claros termos do art. 195, caput, deve ser financiada por toda a sociedade, de forma eqüitativa (art. 194, § único, V). De modo que, quando o sujeito passivo paga a contribuição previdenciária, não está apenas subvencionando, em parte, a própria aposentadoria, senão concorrendo também, como membro da sociedade, para a alimentação do sistema, só cuja subsistência, aliás, permitirá que, preenchidas as condições, venha a receber proventos vitalícios ao aposentar-se.

Não quero com isso, é óbvio, sugerir que o valor da contribuição seja de todo alheio à dimensão do benefício, pois o caráter contributivo, o equilíbrio atuarial, a regra de contrapartida e a equidade na repartição dos custos do sistema impedem se exijam ao sujeito passivo valores desarrazoados ou desproporcionais ao benefício por receber, enfim de qualquer modo confiscatórios. Os limites estão postos no sistema e devem analisados em conjunto.

20. No caso, relevam apenas os limites quanto à sujeição passiva.

Quanto aos impostos, às taxas e às contribuições de melhoria, a Constituição delimita-lhes, ainda que de forma indireta, os fatos geradores e os sujeitos passivos possíveis, ao predefinir as respectivas materialidades nos arts. 145, II, III, 153, 155 e 156.

Em relação aos empréstimos compulsórios e às outras contribuições, traça-lhes apenas finalidades vinculantes, mediante outorga de competência à União para instituir os primeiros com o fito de “atender a despesas extraordinárias” (art. 148, I) e a “investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional” (art. 148, II), e, as segundas, para fins “de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas” (art. 149, caput).

E, no que concerne às contribuições sociais, em cuja classe entram as contribuições previdenciárias, a Constituição lhes predefine algumas materialidades, com especificação do fato gerador, da base de cálculo e do sujeito passivo, reservando competência à União para instituir “outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I” (art. 195, § 4º). Às demais contribuições limita-se a apontar a finalidade, a destinação e o regime jurídico, sem explicitar os fatos geradores nem os sujeitos passivos, os quais serão, pois, identificados dentre aqueles que guardem nexo lógico-jurídico com a finalidade constitucional do tributo.


21. Como se vê, o singular regime constitucional das contribuições responde a variantes axiológicas diversas daquelas que inspiram e orientam o dos impostos e das taxas.

O sujeito passivo não se define como tal na relação jurídico-tributária da contribuição por manifestar capacidade contributiva, como se dá nos impostos, nem por auferir benefício ou contraprestação do Estado, como se passa com as taxas, mas apenas por pertencer a um determinado grupo social ou econômico, identificável em função da finalidade constitucional específica do tributo de que se cuide. Ao propósito, acentua a doutrina:

“Um segundo conceito vai definir a estrutura das contribuições. Para os impostos, este segundo conceito é o de manifestação de capacidade contributiva; para as taxas é a fruição individual da atividade estatal e, para as contribuições, é a qualificação de uma finalidade a partir da qual é possível identificar quem se encontra numa situação diferenciada pelo fato de o contribuinte pertencer ou participar de um certo grupo (social, econômico, profissional). Isto leva à identificação de uma razão de ser diferente para cada uma das figuras.

Se alguém perguntar: por que pagam-se impostos? Eu responderia que pagam-se impostos porque alguém manifesta capacidade contributiva e, por isso, pode arcar com o ônus fiscal. Por que paga-se taxa? Paga-se taxa porque o contribuinte usufrui de certa atividade estatal ou recebe certa prestação, daí a idéia de contraprestação. E, por que paga-se contribuição? Paga-se contribuição porque o contribuinte faz parte de algum grupo, de alguma classe, de alguma categoria identificada a partir de certa finalidade qualificada constitucionalmente, e assim por diante. Alguém “faz parte”, alguém “participa de” uma determinada coletividade, encontrando-se em situação diferenciada, sendo que, desta participação, pode haurir, eventualmente (não necessariamente), determinada vantagem.

O critério apóia-se numa qualidade (= fazer parte) e não numa essência (= fato determinado) ou utilidade (= benefício/vantagem)”. (23)

Com as mudanças introduzidas pela EC nº 41/2003, tem-se a existência teórica de três grupos de sujeitos passivos da contribuição previdenciária: i) os aposentados até a data da publicação da Emenda; ii) os que se aposentarão após a data da sua edição, tendo ingressado antes no serviço público; iii) os que ingressaram, ingressarão e se aposentarão, tudo após a publicação da Emenda.

Os do primeiro grupo aposentaram-se, de regra, com vencimentos integrais; os do segundo grupo, numa fase de transição, também poderão aposentar-se com proventos integrais, observadas as normas do art. 6º da EC nº 41/2003; e os componentes do terceiro grupo poderão, no caso do § 14 do art. 40 da Constituição, sujeitar-se ao limite atribuído ao regime geral da previdência (art. 201) e equivalente a dez salários mínimos.

22. Os servidores aposentados antes da edição da EC nº 41/2003 não estão à margem do grupo socioeconômico conexo à finalidade da previdência social; antes, porque sua subsistência pessoal depende diretamente dos benefícios pagos, interessa-lhes sobremodo a manutenção do sistema.

A circunstância de estarem aposentados não lhes retira de per si a responsabilidade social pelo custeio, senão que antes a acentua e agrava, à medida que seu tratamento previdenciário é diverso do reservado aos servidores da ativa. Enquanto os primeiros se aposentaram com os vencimentos integrais, os que ingressarem após a edição da Emenda poderão, pelo regime público (art. 40, § 14), receber, no máximo, o valor correspondente a dez salários mínimos, com abstração do montante dos vencimentos percebidos à época da aposentadoria. E, porque os servidores só entraram a contribuir desde a Emenda Constitucional nº 3/93, existem, ou podem existir, servidores agora inativos com proventos equivalentes à ultima remuneração, sem nunca terem contribuído para o custeio do sistema.

Esse tratamento tributário diferenciado encontra justificação no conjunto de elementos político-normativos representados pelo caráter contributivo do sistema, pela obrigatoriedade de equilíbrio atuarial e financeiro, pelo imperativo de solidariedade social, pela distribuição eqüitativa dos encargos do custeio e pela diversidade da base de financiamento. Seria desproporcional e, até injusto, sobrecarregar o valor da contribuição dos servidores ativos para concorrerem à manutenção dos benefícios integrais dos inativos, sabendo-se que os servidores ora em atividade (grupo iii) poderão, à aposentadoria, receber, no máximo, proventos cujo valor não ultrapassará dez salários mínimos, de modo que, fosse outro o tratamento, contribuiriam para manter benefícios equivalentes a proventos integrais, mas receberiam até o limite do regime geral da previdência(24).


O caráter contributivo e solidário da previdência social impede tal distorção, que afrontaria ainda o princípio da “equidade na forma de participação de custeio”, objeto do art. 194, § único, IV, da Constituição da República.

São essas as razões por que não encontro, aí, ofensa ao princípio da isonomia.

23. A ofensa está alhures.

O tratamento normativo diverso, previsto no § único do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41/2003, para os servidores inativos dos Estados, Distrito Federal e Municípios, de um lado, e para os da União, de outro, bem como a ostensiva discriminação entre os aposentados e pensionistas em gozo de benefícios à data da edição da Emenda, e os que se aposentarem ou receberem a pensão ao depois, não reverenciam o princípio constitucional da igualdade.

23.1. O só fato de alguns serem inativos ou pensionistas dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, não lhes legitima o tratamento diferenciado proposto em relação aos que se encontram em idêntica situação jurídica, como servidores e pensionistas, só que vinculados à União.

O teor substancial do § único do art. 4º da EC nº 41/2003 cria uma hipótese evidente de imunidade e, como tal, representa, na classificação de NORBERTO BOBBIO, norma constitucional de estrutura(25), que modela a competência tributária(26), prefixando-lhe os limites materiais e formais, de modo que a instituição da contribuição dos inativos em gozo de benefícios somente poderia tomar por base de cálculo, como fato significante de riqueza, o valor dos proventos e das pensões. Mas, nos incisos, prevê:

Parágrafo único. A contribuição previdenciária a que se refere o caput incidirá apenas sobre a parcela dos proventos e das pensões que supere:

I – cinqüenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II – sessenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas da União (grifos nossos).

O tratamento discriminatório aparece, com ofuscante clareza, à simples leitura do texto. Os inativos em gozo de benefícios dos Estados, Distrito Federal e Municípios, recebem aí tratamento desfavorável em relação aos inativos da União pelo só fato de estarem ligados a outros entes federativos.

Sabe-se que:

“O princípio da igualdade exige não apenas a generalidade das normas (proibição de leges ad personae), mas também proíbe a escolha de critérios arbitrários para a diferenciação de tratamento, objeto de análise no postulado da razoabilidade-congruência.”(27)

Ora, ao indagar-se da presença de correlação lógico-jurídica que, por excluir toda idéia de arbitrariedade na hipótese, deveria mediar entre o critério de diferenciação tomado pela norma e o tratamento normativo diferenciado do valor dos proventos e das pensões, não se revela, nem descobre implicação alguma capaz de justificar a discriminação, que não é de pouca monta. Servidores públicos, postos, como tais, na mesma situação jurídico-funcional considerada pelo caput do art. 4º da Emenda, são-no tanto os dos Estados, Distrito Federal e Municípios, como os da União. Por que deveriam uns, por efeito de desconto da contribuição, suportar incidência mais gravosa que a dos outros, à só luz da desvaliosíssima circunstância de não pertencerem aos quadros da União?

Ao depois, assim os inativos dos Estados, Distrito Federal e Municípios, como os da União, aposentados até a data da publicação da Emenda, ou já então em condições de se aposentar, puderam e podem fazê-lo com proventos integrais, submetendo-se às mesmas regras para obtenção do benefício previdencial.

Como preceitua nítido o caput do art. 40 da Constituição, o regime previdenciário dos servidores aplica-se, sem exceção nem distinção, “aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações”. Nada justifica, portanto, tratamento normativo díspar entre eles, no tema em causa.

23.2. Violação do princípio fundamental da igualdade, na disciplina normativa de direitos atribuídos a classes de pessoas, pode dar-se, via de regra, sob duas formas:

i) norma posterior cria exceção a regime ou benefício antes aplicável a toda a classe;

ii) o mesmo diploma hospeda normas que impõem tratamento diferenciado a grupos pertencentes a uma só classe ou categoria jurídica.


No primeiro caso (i), declarada inconstitucional a norma discriminatória, o preceito revogado readquire validade por força do mecanismo da repristinação, afastando o tratamento desigual. Já no segundo (ii), a pronúncia de inconstitucionalidade de uma das normas cria um “vácuo” normativo, que, sobre ser incapaz de dar resposta à desigualdade, pode até submeter o grupo a situação ainda mais danosa.

E a segunda hipótese (ii) encerra também outro problema, o de saber, perante a coexistência incompatível de tratamentos normativos diferenciados, qual deva ser mantido? Qual atende ao princípio da isonomia?

Esta questão envolve duas necessidades: ablação de um dos tratamentos díspares e extensão dos direitos ao grupo antes discriminado. A respeito, pondera a doutrina:

“A temática em torno do princípio da igualdade é vastíssima. Aqui interessa apenas o problema, bastante controvertido, do conteúdo das decisões de inconstitucionalidade de leis que ofendam o princípio da igualdade. Uma concepção muito em voga admite, máxime no caso de atribuição de direitos ou vantagens apenas a parte do universo de pessoas elegíveis para deles beneficiar, a eliminação da desigualdade através da extensão a todos dos direitos ou vantagens concedidos ilegitimamente a alguns. A decisão de inconstitucionalidade deve, segundo este entendimento, atingir apenas a norma que expressa ou implicitamente restringe o âmbito de aplicação da lei, obtendo-se, por essa via, a ampliatio do regime favorável.

Tais decisões, que concluem pela inconstitucionalidade de uma lei na parte em que não estatua algo ou em que restringe expressamente o seu âmbito de aplicação, são, freqüentemente, designadas pela doutrina italiana como decisões additive ou aggiuntive. As decisões aditivas são normalmente distinguidas das chamadas decisões substantivas, isto é, das decisões de inconstitucionalidade de uma norma enquanto, na parte ou nos limites em que contém uma prescrição em vez de outra. Mas, de um ponto de vista substancial, a decisão de inconstitucionalidade introduz, em ambos os casos, preceitos novos ou um quid pluris em relação à posição de partida: tanto as decisões aditivas, que sancionam designadamente violações do princípio da igualdade, como as decisões substitutivas têm por efeito fazer dizer à disposição a que se reportam qualcosa di diverso e, em regra, qualcosa di più em relação àquele que era o seu originário significado.”(28)

23.3. No caso, o remédio à vulneração do princípio isonômico, caracterizada no mesmo texto que abriga normas simultâneas de conteúdo e alcance diferencial, parece exigir recurso a uma decisão modificativa.

Mas esta necessidade é aparente.

O substrato do problema reconduz-se à primeira hipótese (estabelecimento de exceção), e a decisão terá eficácia positiva só quanto ao efeito repristinatório da norma parcialmente revogada, considerando-se que o tratamento normativo por adotar já se acha imanente ao próprio ordenamento constitucional e, pois, será apenas restabelecido com a pronúncia de invalidez das normas de discriminação:

“A norma inconstitucional impede, freqüentemente, a aplicação de normas diversas que se situam aliunde. A correspondente decisão de inconstitucionalidade tem, então eficácia positiva. Isto mesmo pode ser, facilmente, ilustrado com o chamado efeito repristinatório. O próprio Mestre da Escola de Viena, teorizador do Tribunal Constitucional como legislador negativo, considerava que uma decisão de inconstitucionalidade que determinasse a repristinação da norma anterior constituía, ‘não um simples acto negativo de legislação, mas um acto positivo’. É também sabido que, em matéria de violações do princípio da igualdade, o efeito repristinatório pode conduzir à eliminação da discriminação: ‘se até certa altura uma lei não fizer acepção de situações ou de pessoas e, depois, vier uma nova lei abrir diferenciações não fundadas, esta lei será inconstitucional e continuará a aplicar-se a preexistente’.

Todavia, mesmo neste último caso, pode dizer-se que as normas repristinadas conformes com o princípio da igualdade já estavam latentes no ordenamento jurídico. As normas repristinadas não são, seguramente, criadas pelo órgão de controlo da constitucionalidade, não se confundindo portanto com as normas resultantes de uma decisão modificativa.”(29)

O § único do art. 4º da EC nº 41/2003, ao abrir exceção vistosa à imunidade objeto do art. 40, § 18, da Constituição, com a redação dada pela própria Emenda, faz também exceção à imunidade prevista no art. 195, II, aplicável extensivamente aos servidores inativos e pensionistas por força da interpretação teleológica e do disposto no art. 40, § 12.


23.4. Em relação às contribuições previdenciárias, o art. 195, II, garante imunidade às aposentadorias e pensões concedidas pelo regime geral de previdência:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(…)

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201” (grifos nossos).

Este cânone, embora faça menção apenas às aposentadorias e pensões concedidas pelo regime geral de previdência, deve interpretado de forma teleológica e expansiva, para alcançar, no que sejam compatíveis, também aquelas concedidas pelo regime dos servidores públicos, em atenção ao caráter unitário do fim público de ambos os regimes e ao princípio da isonomia:

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem normalmente aplicado as normas relativas à imunidade, de modo teleológico, no sentido de examinar os fins subjacentes às normas constitucionais, de sorte a abranger na imunidade os fatos necessários à garantia dos fins públicos referentes às imunidades (garantia e promoção da federação, da liberdade religiosa, do processo democrático, da educação, da liberdade de manifestação do pensamento).

A imunidade qualifica-se como meio para garantir a promoção de determinados fins públicos. Ela não pode ser excluída, caso contrário a função pública das instituições seria restringida.”(30)

Para o demonstrar ad rem o acerto da observação, transcrevo trecho de voto do Min. ILMAR GALVÃO, proferido no julgamento do RE nº 325.822-2/SP:

“Relembro que o Supremo Tribunal Federal, em tema de imunidade tributária, tem-se permitido, nas últimas decisões, uma interpretação mais ampla da matéria, tendência que foi captada pelo Ministro Sepúlveda Pertence quando, ao julgar o RE 237.718, referido pelo Ministério Público Federal, assim se expressou:

‘Não obstante, estou em que o entendimento do acórdão – conforme ao do precedente anterior à Constituição – é o de que se afina melhor à linha da jurisprudência do Tribunal nos últimos tempos, decisivamente inclinada à interpretação teleológica das normas de imunidade tributária, de modo a maximizar-lhes o potencial de efetividade, como garantia ou estímulo à concretização dos valores constitucionais que inspiram limitações ao poder de tributar.’

Com efeito, esta Corte, por ambas as Turmas, tem reconhecido o benefício da imunidade com relação ao IPTU, ainda que sobre imóveis locados (RE 257.700) ou utilizados como escritório e residência de membros da entidade (RE 221.395), e com relação ao ISS, ainda que sobre o preço cobrado em estacionamento de veículos (RE 144.900) ou sobre a renda obtida pelo SESC na prestação de serviços de diversão pública (AGRAG 155.822).” (31)

Transparece cristalino ao texto do art. 195, II, que o fim público objetivado por essa imunidade é o resguardo da inteireza do valor das aposentadorias e pensões concedidas pelo regime geral da previdência, até o limite de R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais), conforme estipulado pelo art. 5º da EC nº 41/2003. E sua não menos cristalina racionalidade normativa repousa na preservação da dignidade da pessoa humana, de modo que tanto os aposentados pelo regime geral de previdência, quanto os que o sejam pelo regime especial público, estão sob amparo da mesma garantia.

Nesse sentido, a imunidade prevista no art. 195, II, tem por objeto imediato menos os aposentados e pensionistas que o valor dos seus proventos e pensões. E daí vem que, até o valor do limite estabelecido pelo art. 5º da EC nº 41/2003 para o regime geral da previdência (R$ 2.400,00), os proventos de todos os aposentados e pensionistas, em ambos os regimes, devem ter, sob esse prisma, o mesmo tratamento normativo-constitucional.

Ora, como os benefícios concedidos pelo regime geral da previdência estão limitados ao valor máximo de R$ 2.400,00, reajustável de modo a preservar, em caráter permanente, seu poder aquisitivo (art. 5º da EC nº 41/2003), logo é esse também o limite da imunidade para os benefícios dos servidores públicos inativos.

O critério da igualdade normativa, aqui, é o valor, não a pessoa. E, neste particular, em trabalho crítico à interpretação construída pela Corte em torno da Emenda nº 20/98(32), a doutrina já antecipava a conclusão agora proposta:

“Se, a despeito dessa remarcada diferença entre os dois regimes, todavia, se insistir na aplicação do disposto no art. 195, II, da Constituição, como conseqüência da aplicação do § 12 do art. 40, então há de se atentar para um fato peculiar. È que a aplicação simples da proibição de incidência de contribuição sobre proventos de inativos, constante do regime geral, aos servidores públicos, em vez de equiparar as relações entre os dois regimes, amplia as desigualdades entre os beneficiários dos dois sistemas.

Não é difícil perceber que o reconhecimento da imunidade pura e simples de aposentados e pensionistas em relação à contribuição previdenciária produz uma anomalia no sistema, equiparando situações jurídicas notoriamente desiguais. A aplicação da norma de remissão, do art. 40, § 12, conjugada com o art. 195, II, ampliou de forma desmedida as vantagens que o sistema constitucional concede aos aposentados do serviço público.

É possível admitir que o Tribunal até poderia ter chegado à conclusão de que a aplicação da disposição que exclui os aposentados e pensionistas da responsabilidade do regime geral de Previdência Social seria extensiva aos servidores públicos. Esse reconhecimento deveria vir acompanhado de ressalva relativa à necessária observância dos limites vigentes para os benefícios da Previdência Social (R$ 1.200,00). O não-estabelecimento dessa ressalva produz um resultado altamente insatisfatório, que não se compatibiliza com o princípio central da igualdade e com o postulado da justiça social constantes do texto constitucional.

Assim, para que se não atribua à norma de remissão (art. 40, § 12) um sentido aparentemente invertido, que leva a uma “soma de felicidades” para os servidores públicos, talvez devesse o Tribunal, no julgamento definitivo, rediscutir a questão com objetivo de assentar, pelo menos, que a imunidade prevista no art. 195, II, beneficia apenas a parcela dos proventos até o limite estabelecido para o regime geral de Previdência, ou seja, R$ 1.200,00.“(33)


Essa é interpretação cuja consistência encontra ainda sólido apoio no fato de o limite máximo previsto para os benefícios do regime geral de previdência ter sido adotado agora, pela Constituição, como paradigma para a instituição de regime de previdência complementar dos servidores públicos que ingressarem após a edição da Emenda e, também, como limite de valor para a imunidade da contribuição previdenciária incidente sobre os proventos de aposentadorias e pensões dos servidores que se aposentarem após o mesmo termo, ex vi dos §§ 14 e 18 do art. 40, com a redação introduzida pela Emenda, verbis:

“§ 14. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201.

(…)

§ 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos” (grifos nosos).

De observar, por fim, que o art. 40, § 12, manda aplicar aos servidores públicos titulares de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, inclusive suas autarquias e fundações, “no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.

Tal norma de equiparação foi invocada no julgamento da ADI nº 2010 como fundamento para extensão da imunidade prevista no art. 195, II, aos servidores públicos inativos, sob a égide do regime previdenciário modificado pela EC nº 20/98. Mas, como já se viu, a amplitude dessa interpretação extensiva escorou-se, então, na ausência de norma de tributação dos proventos dos inativos e na estudada amputação do texto que, no projeto de emenda constitucional, autorizaria tributá-los.

23.5. Não é só.

Além dessa visível inconstitucionalidade no tratamento desigual dos servidores inativos em gozo de benefícios à época da publicação da Emenda, vê-se ao confronto do art. 40, § 18, com o § único do art. 4º da EC nº 41/2003, que esta norma também estabelece discriminação entre os aposentados e pensionistas em gozo de benefícios na data de publicação da Emenda e aqueles que se aposentaram ou aposentarão ao depois.

À luz do critério constitucional de igualdade normativa, baseado no valor dos benefícios, se muitos servidores percebem proventos de aposentadoria e pensões acima do limite fixado para o regime geral de previdência, o tempo não pode ser, isolada e validamente, adotado como fator de discriminação entre eles. Ou, em palavras menos congestionadas, o fato de ter-se aposentado o servidor antes ou depois da publicação da Emenda não lhe justifica nem legitima tratamento diferenciado quanto à sujeição ao tributo.

As exigências de justiça, no direito tributário, subordinam o tratamento normativo à medida da riqueza manifestada, ou, em rigor técnico, ao conceito de capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da Constituição da República), de modo que as distinções entre categorias de pessoas devem fundar-se nesse critério, e a adoção de qualquer outro há de manter perceptível e justificada correlação lógico-jurídica com os propósitos normativos e os direitos e garantias fundamentais, sob pena de insulto ao princípio da igualdade:

“A igualdade de tratamento exige igual tratamento em aspectos relevantes. Decisivo é, portanto, o critério que determina quais situações devem ter a mesma e quais devem ter outra conseqüência jurídica. O critério justiça, no Direito Tributário, deve ser a capacidade contributiva (art. 145, parágrafo 1º). Qualquer afastamento desse direito preliminar de igual tratamento (art. 5º) deve ser fundamentado, caso contrário, o próprio significado fundamental do princípio da capacidade contributiva seria afastado (arts. 1º e 5º).”(34)

A conclusão é que se não descobrem razões suficientes para justificar, perante os interesses tutelados e os escopos da tutela, as disparidades normativas que gravam as normas constantes do art. 4º, § único, incs. I e II, da Emenda Constitucional nº 41, de 2003.

Como o fato gerador da contribuição dos inativos é a percepção de “proventos de aposentadorias e pensões que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201” (art. 40, § 18, da Constituição, na redação que lhe deu a EC 41/2003), deduz-se que são flagrantemente inconstitucionais as exceções que, estipuladas no art. 4º, § único, incs. I e II, da EC 41/2003, reduzem, para algumas pessoas pertencentes à mesma classe dos servidores públicos e pensionistas, o alcance da imunidade tributária que a todos abrange e aproveita.


E são-no, porque, ofendendo o princípio constitucional da isonomia tributária (art. 150, II), que é particularização do princípio fundamental da igualdade (art. 5º, caput e § 1º), são arbitrárias as distinções previstas entre servidores da União e dos demais entes federativos e, para o mesmo efeito normativo-constitucional, a baseada na data das aposentadorias. A Constituição da República não suporta arbitrariedade, ainda quando provenha do constituinte derivado (art. 60, § 4º, inc. IV). Pode, mutatis mutandis, ser transplantada ao caso a seguinte experiência constitucional:

“as normas contrárias ao sistema podem, por causa da contradição de valores nela incluídas, atentar contra o princípio constitucional da igualdade e, por isso, serem nulas. De facto, o Tribunal Constitucional manifestou-se também, diversas vezes neste sentido e, por exemplo, considerou nula uma norma com a fundamentação de que o legislador ‘se afastou do seu próprio princípio’, sem que ‘houvesse razões bastantes e materialmente figuráveis para esta contrariedade ao sistema’… Mas sobretudo, é de enfocar que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, o artigo 3 I se deve entender no sentido de uma proibição de arbítrio: ‘o princípio da igualdade é violado quando não se possa apontar um fundamento razoável, resultante da natureza das coisas, ou materialmente informado para diferenciação legal ou para o tratamento igualitário, ou, mais simplesmente, quando a disposição possa ser caracterizada como arbitrária”.(35)

23.6. Neste sentido, apoiado nos arts. 5º, caput e § 1º, 150, II, e nos princípios do novo sistema previdenciário inscritos no art. 194, cc. art. 40, caput e §§ 12 e 18, combinados com o art. 60, § 4º, IV, todos da Constituição da República, tenho por inconstitucionais as expressões “cinqüenta por cento do” e “sessenta por cento do”, constantes do parágrafo único, incisos I e II, do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003.

Com esta decisão, a imunidade tributária que, garantida no art. 195, II, traduz limitação negativa à atuação do legislador, volta, como norma latente no ordenamento constitucional, a ter a eficácia plena que a inconstitucionalidade restringiria:

“Se o legislador exclui das vantagens ou dos encargos uma parte dos que constitucionalmente tinham direito às primeiras ou deveriam estar obrigados, então a decisão de inconstitucionalidade da lei, na parte em que operou a exclusão, é admissível, apesar do conseqüente alargamento do âmbito da norma, visto que o legislador não podia constitucionalmente excluir uma parte dos constitucionalmente elegíveis para beneficiar do direito ou suportar as obrigações em causa.”(36)

23.7. E o resultado prático da pronúncia de inconstitucionalidade do meu voto está em que, suprimidas aquelas expressões, a contribuição previdenciária a que se refere o caput do art. 4º da Emenda nº 41/2003 incidirá apenas sobre a parcela dos proventos e das pensões que supere o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal, para todos os servidores inativos e pensionistas, sem nenhuma distinção.

Ou seja, a contribuição incidirá tão-somente sobre a parcela dos proventos e pensões que ultrapasse R$2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais), com seus reajustes, para todos os servidores inativos e todos os pensionistas. A este mesmo resultado se poderia também chegar pela técnica alternativa de pronúncia de inconstitucionalidade de todo o § único do art. 4º da Emenda, restabelecendo-se, com isso, o caráter geral da regra que, com a redação dada por aquela, consta do art. 40, § 18, da Constituição.

24. Antes de concluir o voto, de cuja largueza escuso-me pela complexidade jurídica e as repercussões sociais, econômicas e políticas do caso, a que é natural não sejam estranhas manifestações apaixonadas da opinião pública, reafirmo a velha convicção de que a esta Corte não cabe a tarefa de, sob os mais nobres propósitos, substituir-se aos órgãos republicanos competentes para legislar e para definir políticas públicas, nem tampouco de se fazer intérprete de aspirações populares que encontram, nas urnas, o instrumento constitucional de expressão e decisão.

Pesa-lhe apenas a tarefa, de não menor nobreza e relevância no Estado Democrático de Direito, de velar pela Constituição, guardando-lhe, como elaboração e patrimônio da consciência jurídica nacional em dado momento histórico, todos os valores, princípios e normas que a compõem como um sistema de conexão de sentidos, cuja vocação última é o de tutelar a dignidade da pessoa humana.


Não lhe bastam, nesse mister, os métodos tradicionais da argumentação jurídica, porque, como já se advertiu:

“nas resoluções de grande alcance político para o futuro da comunidade, estes meios não são suficientes. Ao Tribunal Constitucional incumbe uma responsabilidade política na manutenção da ordem jurídico-estadual e da sua capacidade de funcionamento. Não pode proceder segundo a máxima: fiat justitia, pereat res publica. Nenhum juiz constitucional procederá assim na prática. Aqui a ponderação das conseqüências é, portanto, de todo irrenunciável.”(37)

E da ponderação das repercussões creio não me ter apartado na formulação deste voto, que tende a garantir a viabilidade econômica de sistema da mais alta importância social e de não injuriar nem agravar a situação dos menos favorecidos.

25. Ante o exposto, peço vênia à Min. Relatora e ao Min. CARLOS BRITO, para julgar, em parte, procedente esta ação direta de inconstitucionalidade e, em conseqüência, declarar inconstitucionais as expressões “cinqüenta por cento do”, “sessenta por cento do”, constantes do parágrafo único, incisos I e II, do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003.

Notas de rodapé

(1) “com a Constituição de 1988, raras são as vozes que sustentam o caráter não-tributário de tais exações. É o caso, a exemplificar, de Edvaldo Brito, Marco Aurélio Greco, Wladimir Novaes Martinez, Aurélio Pitanga Seixas Filho, Hamilton Dias de Souza, e Valdir de Oliveira Rocha” (OCTAVIO CAMPOS FISHER. A contribuição ao PIS. São Paulo: Dialética, 1999. p. 67).

(2) “Este debate quanto à natureza jurídica das contribuições não é, porém, essencial à análise da figura… Se as contribuições forem tributos, nem por isso seu regime constitucional será idêntico ao tributário, porque várias diferenças resultam do exame da CF-88; se elas não forem tributos, nem por isso deixarão de ter em comum como eles a característica de serem exigências patrimoniais constitucionalmente previstas e admitidas, estando ambas as figuras submetidas a algumas das limitações ao poder de tributar.Portanto, centrar um debate na temática da natureza jurídica não é absolutamente indispensável” (MARCO AURÉLIO GRECO. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000. p. 74).

(3)ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA propõe uma definição de tributo formulada a partir do cotejo de figuras afins no texto constitucional (“desapropriação, requisição, serviço militar, pena privativa de liberdade, perdimento de bens, serviço eleitoral, serviço do Júri, pena pecuniária, etc”.): “tributo, ao lume de nosso Estatuto Magno, é a relação jurídica que se estabelece entre o Fisco e o contribuinte (pessoa colhida pelo direito positivo), tendo por base a lei, em moeda, igualitária e decorrente de um fato lícito qualquer” (Curso de Direito Constitucional Tributário. 19ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 352).

(4) “Paulo de Barros Carvalho, Américo L. Masset Lacombe, Antônio Sampaio Dória, Alberto Xavier, José Roberto Vieira, Elisabeth Nazar Carrazza, Roberto Catalano Botelho Ferraz, Heron Arzua, Ramiro Heise, Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. e Régis F. de Oliveira e Estevão Horvath sustentam, por exemplo, que as contribuições especiais não são espécies tributárias autônomas, porque podem ser reduzidas ora aos impostos, ora às taxas” (OCTAVIO CAMPOS FISCHER, A contribuição ao PIS. Op. cit. p. 71).

(5) “Outros, a exemplo de Hugo de Brito Machado, Celso Ribeiro Bastos, Cláudio Santos, Antônio Carlos Rodrigues do Amaral, José Eduardo Soares de Melo, Luciano Amaro, Zelmo Denari, Célio de Freitas Batalha e Bernardo Ribeiro de Moraes, sustentam que as contribuições especiais são espécies autônomas e distintas dos impostos, das taxas e da contribuição de melhoria, basicamente, porque têm no elemento “destinação” a sua peculiar característica, como diz Marçal Justen Filho.

Mas começa a surgir nova safra de autores que, seguindo os passos da doutrina estrangeira e as lições de Geraldo Ataliba, entendem que, ao lado dos impostos e das taxas, estão as contribuições, dentre as quais a contribuição de melhoria é a espécie mais típica. Esta é a linha de pensamento que parece ter sido seguida por Rubens Gomes de Souza, Souto Maior Borges e Marçal Justen Filho, quando da ordem jurídica anterior, e, agora, por Misabel Derzi, Diva Malerbi, Sacha Calmon Navarro Coelho, Susy Gomes Hoffmann e Luís Fernando de Souza Neves” (OCTAVIO CAMPOS FISHER. op. cit., p. 71).

(6) Contribuições. op.cit., p. 83.

(7) A EC nº 42/2003 inseriu o inciso IV no art. 195, com a previsão de instituição de contribuição cobrada “do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.”


(8) LOURIVAL VILANOVA. Causalidade e Relação no Direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 146, nº 2. Grifos nossos e do original.

(9) GERALDO ATALIBA. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 66.

(10) PAULO DE BARROS CARVALHO. Curso de Direito Tributário. 15ª ed. São Paulo: Saraiva. 2003. p. 244.

(11) Cf. Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 178/428-440.

(12) GERALDO ATALIBA. Hipótese de incidência tributária. op. cit., p. 126 e ss.

(13) As Classificações no sistema tributário brasileiro, in Justiça Tributária, I Congresso Internacional de Direito Tributário. São Paulo: IBET, p. 138.

(14) Essa técnica normativo-constitucional de tributação, que faz recair, em certas hipóteses, sobre a mesma fonte ou suporte econômico, a previsão da base de cálculo de tributos, não é novidade e, em não poucos casos, já foi reconhecida por esta Corte como legítima, por não configurar bitributação nem confisco, como, p. ex., o do imposto de renda e contribuição sobre lucro das empresas, bem como o do Finsocial, Pis/Pasep e Cofins sobre a receita bruta ou faturamento (cf. ADC nº 1, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 16.06.95; ADC nº 3, Rel. Min. NELSON JOBIM, DJ de 01.12.99; e RE nº 200.788, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 19.06.98).

(15) ALFREDO AUGUSTO BECKER. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus,1998, p. 503, nº133. Seria bom relembrar que é nessa categoria de fato que descansa o conceito constitucional da capacidade contributiva, a qual atua como critério decisivo para observância do princípio da igualdade na área tributária.

(16) Revista Trimestral de Jursprudência, v. 166, p. 893. Grifos nossos.

(17) Ibid., p. 893.

(18) Da Exposição de Motivos da Proposta da Emenda consta: “66. Inúmeras são as razões que determinam a adoção de tal medida, cabendo destacar o fato de a Previdência Social ter, essencialmente, um caráter solidário, exigindo, em razão desta especificidade, que todos aqueles que fazem parte do sistema sejam chamados a contribuir para a cobertura do vultoso desequilíbrio financeiro hoje existente, principalmente pelo fato de muitos dos atuais inativos não terem contribuído para o recebimento dos seus benefícios ou terem contribuído, durante muito tempo, com alíquotas módicas, incidentes sobre o vencimento e não sobre a totalidade da remuneração, e apenas para as pensões, e, em muitos casos, também para o custeio da assistência médica (que é um benefício da seguridade social e não previdenciário).

67. Apenas na história recente a contribuição previdenciária passou a ter alíquotas mais próximas de uma relação contributiva mais adequada e a incidir sobre a totalidade da remuneração, além de ser destinada apenas apara custear os benefícios considerados previdenciários.

68. A grande maioria dos atuais servidores aposentados contribuiu, em regra, por pouco tempo, com alíquotas módicas, sobre parte da remuneração e sobre uma remuneração que foi variável durante suas vidas no serviço público. Isso porque há significativa diferença entre a remuneração na admissão e aquela em que se dá a aposentadoria em razão dos planos de cargos e salários das diversas carreiras de servidores públicos.

69. Também merece destaque o fato de o Brasil ser um dos poucos países no mundo em que o aposentado recebe proventos superiores à remuneração dos servidores ativos, constituindo, este modelo, um autêntico incentivo para aposentadorias precoces, conforme já mencionamos anteriormente.

70. Essas são as razões que fundamentam a instituição de contribuição previdenciária sobre os proventos dos atuais aposentados e pensionistas ou ainda daqueles que vierem a se aposentar. Além de corrigir distorções históricas, as tentativas de saneamento do elevado e crescente desequilíbrio financeiro dos regimes próprios de previdência serão reforçadas com a contribuição dos inativos, proporcionando a igualdade, não só em relação aos direitos dos atuais servidores, mas também em relação às obrigações.

71. Todavia, considerando a importância da medida em questão, apresenta-se à apreciação de Vossa Excelência, em razão dos interesses sociais que exsurgem da questão, que seja oferecida imunidade para os servidores e pensionistas que, à data de promulgação desta Emenda, percebam proventos até o limite de isenção do imposto de renda, previsto no art. 153, III, da Constituição Federal. Incluem-se neste grupo de imunidade também aqueles servidores que, à data de promulgação da Emenda, já possuam constituído o direito adquirido de acesso a aposentadoria e pensão conforme as normas ora vigentes. Já para os servidores que venham a aposentar-se e as pensões que venham a gerar-se após a promulgação da Emenda, o limite de imunidade será estendido até o teto de contribuição e benefícios do Regime Geral de Previdência Social, na medida em que estes servidores passam a ter seu benefício calculado de forma mais condizente com princípios previdenciários em função da alteração do § 3º do art. 40, já mencionada acima” (fls. 231/232).


(19) A “garantia de renda” (income maintenance), além da saúde, educação e habitação, é um dos pilares do “Welfare State” anglo-saxão. Significa a manutenção, também devida ao desempregado ou ao subempregado, de renda mínima que garanta as condições básicas de existência ao cidadão.

(20) “INCOME INSECURITY IN OLD AGE IS A WORLDWIDE PROBLEM, but its manifestations differ in different parts of the world. In Africa and parts of Asia, the old make up a small part of the population- and have long been cared for by extended family arrangements, mutual aid societies, and other informal mechanisms. Formal arrangements that involve the market or the government are rudimentary.

But as urbanization, mobility, wars, and famine weaken extended family and communal ties, informal systems feel the strain. That strain is felt most where the proportion of the population that is old is growing rapidly, a consequence of medical improvements and declining fertility. To meet these rapidly changing needs, several Asian and African countries are considering fundamental changes in the way they provide old age security. The challenge is to move toward formal systems of income maintenance without accelerating the decline in informal systems and without shifting more responsibility to government than it can handle.

In Latin America, Eastern Europe, and the former Soviet Union, which can no longer afford the formal programs of old age security they introduced long ago, the need to reevaluate policy is even more pressing.

Liberal early retirement provisions and generous benefits have required high contribution rates, leading to widespread evasion. The large informal sector in many Latin American countries, for example, reflects in part the efforts of workers and employers to escape wage taxes. The resulting labor market distortions there and in other regions reduce productivity, pushing contribution rates and evasion still higher, even as limited long-term saving and capital accumulation further dampen economic growth. Little surprise, then, that these countries have not been able to pay their promised benefits. Most have cut the cost of benefits by allowing inflation to erode their real value. When Chile faced these problems fifteen years ago, it revamped the structure of its system. Other Latin American countries are now undertaking similar structural changes, and some Eastern European countries are contemplating them. The challenge is to devise a new system and a transition path that is acceptable to the old, who have been led to expect more, while also being sustainable and growth-enhancing for the young.

Countries that belong to the Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) face similar problems, as their populations age and their productivity stagnates. Public old age security programs covering almost the entire population have paid out large pensions over the past three decades of prosperity, as poverty declined faster among the old than among the young. But over the next two decades, payroll taxes are expected to rise by several percentage points and benefits to fall. That will intensify the intergenerational conflict between old retirees (some of them rich) who are getting public pensions and young workers (some of them poor) who are paying high taxes to finance these benefits and may never recoup their contributions.

Such social security arrangements may, in addition, have discouraged work, saving, and productive capital formation-thus contributing to economic stagnation.

Many OECD countries appear to be moving toward a system that combines publicly managed pension plans designed to meet basic needs with privately managed occupational pension plans or personal saving accounts to satisfy the higher demands of middle- and upperincome groups. The challenge is to introduce reforms that are good for the country as a whole in the long run, even if this involves taking expected benefits away from some groups in the short run” (WORLD BANK. Averting the Old Age Crisis, Policies to Protect the Old and Promote Growth. New York: Oxford University Press, 1994, p. 3-5).

(21) “O núcleo do sistema previdenciário chileno é o segundo pilar (o primeiro é um sistema público, e o terceiro envolve aplicações individuais complementares e voluntárias), baseado na capitalização individual (IFF) administrada por empresas privadas com fins lucrativos (as Administradoras de Fondos de Pensiones – AFP). A alíquota de contribuição, 10% do salário bruto dos empregados, é transferida para uma administradora de fundos de pensão eleita pelo segurado (é permitida a mudança para outra AFP). Adicionalmente, a AFP cobra uma taxa de administração e um prêmio de seguro por invalidez e desemprego (aproximadamente 3,2% do salário bruto). A administradora de fundo de pensão investe o capital do fundo de acordo com normas de investimento específicas estabelecidas pelo Estado (há diversas modalidades de investimentos autorizados, com limites máximos por modalidade) e credita a respectiva rentabilidade à conta individual. Contribuições voluntárias são possíveis a partir de um terceiro pilar. Todas as contribuições (poupanças voluntárias com um limite máximo) e juros auferidos possuem tratamento tributário favorecido, enquanto os lucros estão sujeitos ao imposto de renda.

Ao alcançar-se a idade de aposentadoria de 60/65 anos (mulheres e homens, respectivamente), os benefícios são financiados pelo capital acumulado, individualmente, e o segurado pode optar entre três modos de saque diferentes; cada um é calculado em base atuarial estrita e sem elementos redistributivos: i) uma anuidade vitalícia de uma companhia de seguros; ii) retiradas mensais programadas; ou iii) uma combinação dos dois.

Para garantir a segurança do sistema compulsório das AFP, criou-se uma nova agência de supervisão (Superintendência de AFP. SAFP). As políticas de investimento e as informações ao público são estritamente reguladas; o capital do segurado deve ser mantido pelos administradores e é legal e financeiramente separado da AFP; uma reserva de capital próprio equivalente a 1% do total dos ativos (encaje) deve ser investida com o mesmo portifólio das reservas pertencentes aos segurados; a rentabilidade mínima em relação ao desempenho médio de todos os fundos de pensão (pelo menos 50% de retorno médio ou não menos que 2 pontos abaixo da média) durante um período de doze meses deve ser garantida; e, por fim, o rendimento excedente deve ser depositado em uma reserva de flutuação.

O Estado assegura a rentabilidade mínima e, no caso de falência das AFP ou das companhias de seguro, também garante 100% da aposentadoria mínima e 75% do capital acumulado do segurado, quando acima da aposentadoria mínima, até um limite máximo (UF 45: US$ 675) [Vittas e Iglesias, 1992, p. 18].

O aumento de 11% do salário líquido graças à eliminação da contribuição patronal às AFP garantiu a adesão ao novo sistema. Além disso, as contribuições passadas são reconhecidas e pagas, na aposentadoria, em forma de título de reconhecimento, com uma taxa real de juros de 4% ao ano” (KATJA HUJO. Novos Paradigmas na Previdência Social: Lições do Chile e da Argentina. Revista: Planejamento e Políticas Públicas, nº 19, junho de 1999, IPEA).


(22) Cf. ADI nº 1441, cit.. in Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 166, p. 894.

(23) MARCO AURÉLIO GRECO. Contribuições… op. cit., p. 83.

(24) É interessante observar, neste ponto, que, considerando-se a média dos benefícios pagos aos inativos da União no período de dezembro de 2001 a novembro de 2002, apenas a média dos benefícios previdenciários dos servidores públicos civis do Executivo é inferior a esse limite, conforme tabela seguinte, cujos dados têm por fonte o Boletim Estatístico da Previdência – Boletim Estatístico de Pessoal – dez-02/SRH/MPOG-STN/MF, e vinda com as informações (fls. 219):

Valor Médio dos Benefícios Previdenciários no Serviço Público Federal e no RGPS (média de dezembro/01 a novembro/02)

Serviço Público Federal Valores

Executivos Civis 2.272,00

Ministério Público da União 12.571,00

Banco Central do Brasil 7.001,00

Militares 4.265,00

Legislativo 7.900,00

Judiciário 8.027,00

RGPS Valores

Aposentadorias por tempo de contribuição 744,04

Aposentadoria por idade 243,10

TOTAL DOS BENEFÍCIOS 374,89

(25) As chamadas normas de estrutura “não regulam o comportamento, mas o modo de regular um comportamento, ou, mais exatamente, o comportamento que elas regulam é o de produzir regras. É a presença e freqüência dessas normas que constituem a complexidade do ordenamento jurídico; e somente o estudo do ordenamento jurídico nos faz entender a natureza e a importância dessas normas”. (Teoria do Ordenamento Jurídico. 8a ed.. Brasília: Universidade de Brasília, 1996. p. 45). Embora, em termos precisos, toda norma jurídica se volte ao comportamento intersubjetivo, pois as que parecem não fazê-lo são, na verdade, fragmentos de norma ou normas, não deixa de ter utilidade prática a distinção, à medida que dá realce a normas de produção normativa.

(26) “As manifestações normativas que exprimem as imunidades tributárias se incluem no subdomínio das sobrenormas, metaproposições prescritivas que colaboram, positiva ou negativamente, para traçar a área de competência das pessoas titulares de poder público, mencionando-lhes os limites materiais e formais da atividade legiferante.” Formam uma “classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas” (PAULO DE BARROS CARVALHO. Curso de Direito Tributário. op. cit., p. 181).

(27) HUMBERTO ÁVILA. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 337.

(28) RUI MEDEIROS. A decisão de Inconstitucionalidade. Os autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade da Lei. Lisboa: Universidade Católica Editora. 1999. p. 456.

(29) RUI MEDEIROS, op. cit., p. 491.

(30) HUMBERTO ÁVILA. op. cit., p. 210.

(31) DJ de 14.05.2004. Relator designado para o acórdão o Min. GILMAR MENDES.

(32) Refiro-me ao julgamento da ADI nº 2.010.

(33) IVES GANDRA DA SILVA MARTINS e GILMAR FERREIRA MENDES. Contribuição de Inativos: Uma Interpretação Possível. Revista Jurídica Virtual nº 6-outubro/novembro de 1999. Presidência da República – Subchefia para Assuntos Jurídicos ().

(34) HUMBERTO ÁVILA. op. cit., p. 344.

(35) CLAUS-WILHELM CANARIS. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 2ª ed.. Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 1996. trad. de A. Menezes Cordeiro. P. 225 e 226. Grifos do original.

(36) VITAL MOREIRA. Princípio da maioria e princípio da constitucionalidade: legitimidade e limites da justiça constitucional, in Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. p.197, apud RUI MEDEIROS, A decisão de inconstitucionalidade… op. cit., p. 504.

(37) KARL LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª ed.. Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian, 1997. p. 517.

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