Problemas com inquilino

STJ dá liminar à Saúde ABC para ficar com Hospital Santo André

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20 de agosto de 2004, 20h26

O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Carlos Alberto Menezes Direito, concedeu, no último dia 6 de agosto, efeito suspensivo ao Recurso Especial interposto pelo Grupo Saúde ABC para evitar a reintegração de posse do Hospital Santo André, reivindicada pela Samcil. A disputa jurídica entre as duas empresas está na Justiça desde o ano passado.

Em sua decisão, tomada liminarmente em Medida Cautelar ajuizada pela Saúde ABC, o ministro destaca o contrato de locação, regido pela Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), num período de 10 anos, com vencimento em 28 de fevereiro de 2009, renovável por mais 10 anos. “As requeridas litigam pela reintegração de posse de um bem imóvel objeto de válido contrato de locação e de bens (rectus: contratos de prestação de serviços) que, pela sua própria natureza, são intangíveis”, afirmou.

Com isso, Carlos Alberto Menezes foi contrário à decisão tomada pela Terceira Câmara do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, em 9 de dezembro de 2003, que havia deferido agravo de instrumento interposto pela Samcil garantindo a reintegração de posse. No entanto, tal decisão já estava suspensa desde o dia 17 do mesmo mês, em novo julgamento efetuado na mesma instância.

A decisão é válida até o julgamento do mérito da Medida Cautelar e ainda poderá ser revista.

Leia a decisão

MEDIDA CAUTELAR Nº 8.758 – SP (2004/0108959-5)

RELATOR : MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO

REQUERENTE : SAÚDE ASSISTÊNCIA MÉDICA DO ABC S/C LTDA

ADVOGADO : RUI GERALDO CAMARGO VIANA E OUTRO

REQUERIDO : RESIN REPÚBLICA SERVIÇOS E INVESTIMENTOS S/A

REQUERIDO : REPÚBLICA PARTICIPAÇÕES S/C LTDA

DECISÃO

Vistos

Saúde Assistência Médica do ABC S/C Ltda. propõe a presente cautelar, com pedido de liminar, contra RESIN – República Serviços e Investimentos S.A. e contra República Participações S/C Ltda. para suspender “os efeitos do v. julgamento do recurso do Agravo de Instrumento nº 1.223.825-0, realizado no âmbito da C. 3ª Câmara do E. Tribunal a quo, até que seja definitivamente julgado o Recurso Especial que contra ele foi interposto” (fl. 19).

Alega a requerente que:

“(…)

Em 26 de fevereiro de 1.999, foi firmado pelas empresas litigantes

‘CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES DE CONTRATOS E PLANOS DE SAÚDE COM OUTRAS AVENÇAS’ (doc. 01), tendo por objeto os contratos, os convênios e os planos de saúde antes administrados pela SAMCIL nas seguintes regiões do Estado de São Paulo, a saber: Baixada Santista, Grande ABCD e região Mogiana.

Na oportunidade, ficaram estabelecidas todas as regras que regeriam, como de fato regeram por longo período, as relações das litigantes, que assumiram, por conta desse contrato, obrigações recíprocas, conquanto desde logo iníquas e desproporcionais (ref. doc. 01 – cláusulas 16ª e 17ª).

Iniciada a vigência do tal contrato, em 1° de março de 1.999, passou a Requerente, dentre outras atividades, a administrar a carteira de clientes antes pertencente à SAMCIL, bem como a atender, sob um regime contratual diferenciado, os associados do CENTRO TRASMONTANO DE SÃO PAULO; sempre delimitadas essas atividades à já mencionada base territorial.

Em contrapartida, a Requerente se obrigou a realizar vultosos pagamentos mensais à 1ª Requerida, PAGAMENTOS ESSES QUE DESDE SEMPRE INCIDIRAM NÃO APENAS SOBRE A CARTEIRA VERSADA NO MENCIONADO CONTRATO, MAS TAMBÉM SOBRE OS CONSUMIDORES POSTERIOR E EXCLUSIVAMENTE CAPTADOS PELA SAÚDE ABC (cf. doc. 01 – cláusula 23ª).

Tal circunstância onerava excessivamente a ora peticionária, gerando um desequilíbrio contratual que tornava verdadeiramente impossível a manutenção da avença. Afinal, a empresa Requerente pagava à 1ª Requerida relevante fatia dos rendimentos que tinha por conta de consumidores que ela própria captara, e de serviços que ela própria prestava!

Concomitantemente, com o objetivo de poder a Requerente – desenvolver a atividade hospitalar – NÃO SÓ EM CONTINUIDADE AO ATENDIMENTO QUE ATÉ ENTÃO PRESTARA A 1ª REQUERIDA MAS, SOBRETUDO, PARA O DE SEUS PRÓPRIOS ASSOCIADOS E AFINS -, houve ela por bem acordar a locação de três diferentes hospitais.

Nessa esteira, foi celebrado pela ora peticionária e pela empresa HOSPITAL SANTO ANDRÉ LTDA. – que foi depois sucedida pela 2ª Requerida – um contrato apartado e, como tal, autônomo, denominado ‘CONTRATO DE LOCAÇÃO DE BENS IMÓVEIS E MÓVEIS’ (doc. 02).

Nele, foi estabelecida uma LOCAÇÃO NÃO-RESIDENCIAL, pelo prazo determinado de 10 (dez) anos, do prédio que abriga o chamado HOSPITAL SANTO ANDRÉ, assim como dos bens móveis que o guarnecem e que, por isso, foram reputados imóveis por acessão intelectual, nos termos do que dispunha o artigo 43, III do Código Civil então vigente.

Referido contrato de locação, é importante que se ressalte, consubstancia relação jurídica autônoma (rectius: ato jurídico perfeito), na medida em que contém todos os elementos necessários para estabelecer os direitos e obrigações de cada contraente.

Tal circunstância é aqui e agora evidenciada uma vez que a 1ª Requerida, ao redigir o mencionado ‘CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES…’, estabeleceu ilegal e abusiva vinculação que, conforme se demonstrará oportunamente, não tem como prevalecer, na medida em que trata a relação locatícia mencionada como mero ‘acessório’, sujeito à sorte de um negócio supostamente tido como ‘principal’ (ref. doc. 01 – cláusula 12ª § 5°).

Daí porque as Requeridas, ao verem o mencionado ‘CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES…’ resilido unilateralmente pela Requerente (TRATAVA-SE DE CONTRATO FIRMADO POR PRAZO INDETERMINADO), apressaram-se em reputar rescindido, também, o contrato de locação referido, apesar das obrigações atinentes a este, o contrato de locação, estarem sendo pontual e devidamente cumpridas pela Requerente, como de fato sempre o foram.

Nessa esteira, as Requeridas, depois de patrocinarem atos de verdadeiro terrorismo comercial, praticados com o objetivo de desacreditar a Requerente perante os seus consumidores e parceiros — foram feitas inúmeras publicações injuriosas em jornais do ABC –, acabaram por aforar as incabíveis demandas possessórias que originaram o recurso de agravo de instrumento ora em voga (docs. 03 e 05).

De fato, as Requeridas ajuizaram duas diferentes demandas possessórias perante o DD. Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Santo André – SP (processos n° 2.685/02 e 2.695/02), através das quais pleiteiam a concessão de medidas judiciais aptas a devolver-lhes, respectivamente:

1) a ‘posse’ da CARTEIRA DE CLIENTES que foi regularmente cedida à ora peticionária, conforme confissão existente na própria exordial

da ação possessória;

2) a posse de bem imóvel que foi regularmente LOCADO à Requerente, conforme confissão existente na própria exordial da ação possessória.

Nessas duas demandas possessórias foram proferidos, concomitantemente, despachos que negaram as liminares pleiteadas pelas Requeridas.

Nem poderia ser diferente!

Afinal, as Requeridas litigam pela reintegração de posse de um bem imóvel objeto de válido contrato de locação e de bens (rectius: contratos de prestação de serviços) que, pela sua própria natureza, são intangíveis.

Apesar disso, as Requeridas houveram por bem interpor (um único) Agravo de Instrumento contra estas duas decisões, que foi autuado pelo E. 1º TACivSP sob o n° 1.223.825-0, relator o e. Juiz SALLES VIEIRA.

Referido agravo de instrumento foi processado e julgado em sessão realizada no dia 09 de dezembro p.p., tendo sido PROVIDO, por votação unânime (doc. 09).

Ocorre que tal v. decisão, com o máximo acatamento e respeito sempre devidos, afigura-se absolutamente TERATOLÓGICA, e como tal não tem como prevalecer, na medida em que esbulho não houve com relação ao imóvel locado pela ora peticionária, que vem regularmente pagando os aluguéis consensualmente estabelecidos e demais encargos; tampouco houve esbulho com relação à carteira de clientes cedida à empresa Requerente, que não pode ser coagida a ‘devolver’ vidas que foram por ela própria amealhadas, sem a participação direta e/ou indireta das empresas Requeridas.

Outrossim, É CEDIÇO QUE BENS IMÓVEIS LOCADOS NÃO PODEM SER OBJETO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE (cf. Lei n° 8.245/91. art. 5°), DA MESMA FORMA QUE OS BENS INTANGÍVEIS, QUE NÃO PERMITEM APROPRIAÇÃO POSSESSÓRIA!

Bem por isso, a empresa Requerente — enquanto providenciava (i) a necessária integração do v. acórdão referido por via de embargos de declaração (doc. 10) e, posteriormente, (ii) a interposição do competente Recurso Especial (doc. 12) — tratou de ajuizar uma Medida Cautelar incidental (doc. 13) perante o E. Tribunal a quo, intentando a concessão de excepcional, porém necessário, efeito suspensivo para o Recurso Especial que, na ocasião, estava ainda por interpor” (fls. 03 a 07).

Sustenta, ainda, que o Presidente do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo concedeu liminar ao recurso especial e que, no “entanto, com a admissão (em caráter provisório) do Recurso Especial interposto pela ora Requerente, o MM. Presidente, inadvertidamente, proferiu r. decisão que declarou a ‘caducidade’ de sua anterior decisão, que conferira efeito suspensivo ao Recurso Especial em questão” (fl. 08).

Insiste a requerente nas teses de que a retomada do imóvel poderia ocorrer, apenas, em ação de despejo e que descabe possessória em relação a direitos pessoais, no caso a carteira de clientes cedida.

Estariam caracterizados, ainda, o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Decido.

A requerente quer emprestar efeito suspensivo a recurso especial já admitido, interposto nos autos do Agravo de Instrumento nº 1.223.825-0, da Terceira Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, assim ementado:

“REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONTRATO DE CESSÃO DE ‘CARTEIRA’ E CONTRATO DE LOCAÇÃO DE HOSPITAL. NOTIFICAÇÃO E CONTRA-NOTIFICAÇÃO. Restou configurado o esbulho possessório no momento em que a contratada, que entrou na posse de ‘carteira’ e ‘Hospital’, notificou a contratante, comunicando-a da rescisão contratual. Notificação é o documento hábil para a caracterização do termo ‘a quo’ do esbulho.

Ação de força nova reconhecida. Liminar deferida. Agravo provido” (fl. 115). As teses apresentadas na presente cautelar e no recurso especial, a respeito da indispensabilidade de ação de despejo e da impossibilidade de reintegração de posse de direitos pessoais relativos à carteira de clientes são razoáveis e relevantes, caracterizando a presença do fumus boni iuris. Do mesmo modo, a violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, apontada no recurso especial, merece um exame mais apurado diante da contraminuta de fls. 98 a 114 e dos acórdãos do agravo e dos respectivos embargos de declaração.

Quanto ao periculum in mora, decorre da aparente irreversibilidade ao estado inicial caso efetivada a reintegração de posse antes de julgado o especial. Será difícil até mesmo a apuração dos possíveis danos e a reparação dos mesmos.

Ante o exposto, defiro a liminar para conferir efeito suspensivo ao

recurso especial.

Comunique-se o deferimento da liminar ao Juiz de Direito da Quinta Vara Civil da Comarca de Santo André/SP, que preside as ações de reintegração de posse (Procs. 2.685/02 e 2.695/02) e ao Presidente do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo.

Cite-se.

Intime-se.

Brasília (DF), 06 de agosto de 2004.

MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO

Relator

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