Campanha do desarmamento

Justiça de Sergipe impede destruição de armas em todo o país

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20 de agosto de 2004, 18h51

As armas arrecadadas na campanha do desarmamento e que estejam em bom estado de conservação não deverão ser destruídas. O juiz Edmilson Pimenta, da 3ª Vara da Justiça Federal de Sergipe, concedeu liminar solicitada pelo procurador da República no estado, Paulo Fontes. A sentença tem abrangência nacional.

O juiz determinou à União — por intermédio dos ministérios da Defesa e da Justiça, e do departamento de Polícia Federal — que não destrua as armas, os acessórios e as munições que estiverem em bom estado de conservação, ou que tenham valor histórico-cultural ou artístico. A União deverá manter todo o material sob sua guarda em lugar seguro e adequado até decisão final no processo.

O procurador Paulo Fontes alegou que “o legislador não autorizou a destruição das armas em condições de uso, mas tão somente daquelas imprestáveis”. O pedido foi feito com base na exigência prevista no parágrafo único do artigo 32 do Estatuto do Desarmamento, de laudo pericial, que visa justamente a atestar que o equipamento é imprestável.

Leia a íntegra da sentença:

Processo nº 2004.85.00.4725-7 — Classe 5023 — 3ª Vara

Ação: Ação Civil Pública

Partes:

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Ré: UNIÃO FEDERAL

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CAMPANHA DO DESARMAMENTO. DESTRUIÇÃO DE ARMAS E MUNIÇÕES SERVÍVEIS E DE VALOR HISTÓRICO-CULTURAL E ARTÍSTICO. OFENSA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO E COLETIVO. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA PARA PROIBIR A UNIÃO FEDERAL DE DESTRUIR ARMAS, ACESSÓRIOS E MUNIÇÕES QUE POSSAM SER UTILIZADOS PELO SERVIÇO PÚBLICO OU QUE TENHAM VALOR HISTÓRICO-CULTURAL OU ARTÍSTICO. ABRAN-GÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO.

Decisão:

Vistos etc.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou AÇÃO CIVIL PÚBLICA, em face da UNIÃO FEDERAL, alegando que a ré está realizando campanha de desarmamento, através do Departamento de Polícia Federal, e, nesse intuito, vem recolhendo armas da população em troca de indenização, fixada em R$ 100,00 (cem reais) por revólver arrecadado, podendo ser maior com relação a armamentos mais potentes, que, posteriormente, são encaminhadas, por intermédio do Ministério da Justiça, ao Comando do Exército para serem destruídas, à luz do Estatuto do Desarmamento – Lei nº 10.826/2003.

Esclareceu que, entre as armas recolhidas, cerca de 90% (noventa por cento) são obsoletas e inservíveis, enquanto o restante apresenta bom estado de conservação, porém o Ministério da Justiça tem interpretado erroneamente o Estatuto do Desarmamento e ordenado a destruição de toda e qualquer arma apreendida, o que caracteriza medida desarrazoada e violadora de preceitos constitucionais.

Sustentou que o art. 32 da Lei nº 10.826/2003 não prevê aludida conduta, porquanto impõe que as armas recebidas constem de cadastro específico, bem assim a elaboração de laudo pericial antes da destruição, dando a entender que somente as inservíveis deverão ser destruídas, enfatizando que entendimento contrário conduziria à conclusão da inutilidade do aludido laudo, bastando o cadastro específico para autorização da destruição das armas.

Afirmou que a conduta da União Federal vem trazendo prejuízos financeiros injustificados à Administração Pública, pois as armas em bom estado de conservação poderiam ser utilizadas pelas Forças Policiais e pelas Forças Armadas, por obediência aos princípios da primazia do interesse público sobre o particular e da eficiência da Administração Pública, inclusive salvaguardando o patrimônio público em consonância com os arts. 37, § 4º; 70 e seguintes; 129, III, dentre outros da Constituição Federal; à vista da qual a lei em exame se apresentaria eivada de vício, caso determine danos ao Erário.

Argumentou que estão presentes os requisitos da medida liminar, quais sejam: o fumus bonis iuris, pelas razões de fato e de direito acima expendidos; e o periculum in mora, pelo fato de que o Departamento de Polícia Federal tem encaminhado ao Comando do Exército as armas apreendidas, para destruição, dia a dia, independentemente do estado de conservação em que se encontrem.

Salientou que a decisão proferida por este juízo deverá produzir efeitos erga omnes, em todo o território nacional, em razão da extensão dos danos causados e da própria natureza do objeto da demanda, que não pode ser dividido em tantas partes quantas forem as comarcas deste país, não devendo ser aplicada a regra do art. 16 da Lei de Ação Civil Pública, modificado pela Lei nº 9.494/97, uma vez que este, em confronto com o art. 129, III, da Lei Magna e com o princípio da isonomia, encontra-se eivado de inconstitucionalidade.

Requereu, em sede de liminar, que seja determinada à ré, por intermédio do Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça e do Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal, a não destruição das armas, acessórios e munições, que estiverem em bom estado de conservação, apreendidos durante a campanha de desarmamento, até decisão final neste processo; a citação da requerida para contestar esta ação, no prazo de 15 dias; e a declaração, incidenter tantum, da inconstitucionalidade dos dispositivos atacados, se o Juízo entender necessário, para o deferimento do pedido. Como provimento final, pleiteou que a União Federal se abstenha de destruir armas, acessórios e munições apreendidos durante a referida campanha, em condições de uso, dando a tais materiais destinação no âmbito dos órgãos de segurança pública e das Forças Armadas, a critério destas, priorizando-se a incorporação dos equipamentos ao patrimônio federal.


Pugnou, ainda, pela fixação de multa diária pelo eventual descumprimento da liminar ou da sentença, sendo que os valores decorrentes dela devem ser destinados ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – FDDD, criado pelo Decreto nº 1.306/94, e pela abrangência nacional das decisões provisórias e definitivas exaradas no presente processo.

Nas f. 10 e 11, o autor promoveu o aditamento da inicial, dizendo que chegou ao conhecimento do Ministério Público Federal que, no bojo da Campanha de Desarmamento levada a cabo pelo governo federal, estariam sendo destruídas, de maneira injustificada, armas de valor histórico, utilizadas, muitas vezes, em conflitos e movimentos que fazem parte da História do Brasil, postulando, também, a preservação das armas e dos acessórios de valor histórico, com base no art. 216 da Constituição Federal e nas Leis da Ação Popular e da Ação Civil Pública, que tutelam o patrimônio histórico e cultural, requerendo que a ré, por intermédio do Ministério da Justiça e do Departamento de Polícia Federal, abstenha-se de destruí-los, solicitando-se o auxílio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN e de outros órgãos especializados, e que tais equipamentos sejam destinados ao próprio IPHAN e a museus federais, estaduais e municipais cujo acervo seja pertinente.

Intimada para se manifestar sobre o pedido de liminar no prazo de 72 (setenta e duas) horas, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.437/92, f. 09, a União Federal o fez nas f. 14 a 19, sustentando que a Lei nº 10.826/2003, que estabelece o Estatuto do Desarmamento, é incisiva quanto à destruição das armas apreendidas, encontradas ou recebidas, em decorrência da campanha do desarmamento, não permitindo o seu reaproveitamento para qualquer fim, a teor do seu art. 32 e respectivo parágrafo único.

Aduziu que a Lei nº 10.826/2003 não permite outra interpretação além da mencionada acima, porquanto surgiu da necessidade de se desarmar a população brasileira, visando a diminuição da violência e a preservação da segurança pública, objetivos que poderiam ser fadados ao fracasso na hipótese de ser acatada a pretensão autoral.

Asseverou que para se aferir se andou o Legislador Ordinário de acordo com os princípios constitucionais insertos no art. 37, caput, e parágrafo único, no art. 70 e seguintes, no art. 129, inciso III, e no art. 261, todos da Carta Constitucional se afigura necessário estabelecer que a norma legal não pode se dissociar da sua ratio legis, posto que encontra nesta os parâmetros necessários à implementação dos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade.

Esclareceu que, caso as armas de fogo e as munições apreendidas sejam destinadas às polícias, os custos atinentes ao treinamento para manuseio delas, à manutenção, ao controle e à aquisição de acessórios específicos para cada tipo e marca de arma desestimulam a adoção da medida requerida pelo Ministério Público Federal, em vista da necessária padronização do acervo bélico utilizado pelas instituições estatais.

Pleiteou o indeferimento da medida liminar requestada, ante a inexistência de plausibilidade do direito invocado, pois não operou o legislador ordinário de maneira desarrazoada ou arbitrária ao confeccionar o art. 32 e seu parágrafo único da Lei nº 10.826/2003, que se orientou pela necessidade de diminuição da violência e do efetivo controle pelo Estado da segurança pública, que recomenda que as armas e munições apreendidas sejam efetivamente destruídas.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

Dispõe o art. 32 e seu parágrafo único da Lei nº 10.826/2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento, que:

“Art. 32. Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas poderão, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e, presumindo-se a boa-fé, poderão ser indenizados, nos termos do regulamento desta Lei.

Parágrafo único. Na hipótese prevista neste artigo e no art. 31, as armas recebidas constarão de cadastro específico e, após a elaboração de laudo pericial, serão encaminhadas, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, ao Comando do Exército para destruição, sendo vedada sua utilização ou reaproveitamento para qualquer fim”. – sem grifo no original.

Louvável a iniciativa do Governo em promover uma campanha de desarmamento da população, especialmente no que se reporta às armas de fogo não registradas em nome de seus proprietários ou possuidores, com vistas a reduzir a crescente escalada de crimes que assola todo o país, fruto, em parte, do uso indiscriminado de armas, resultando na ocorrência de considerável número de homicídios e outros delitos contra a vida e a integridade física das pessoas, o patrimônio, os costumes, dentre outros.


É de se notar, todavia, que, paralelamente ao desarmamento da população — diga-se a população não marginalizada — é necessário armar as Polícias e as Forças Armadas, aquelas não raro desprovidas de armamentos e munições suficientes ao combate ao crime, já tendo se tornado notícias do dia a dia ataques a repartições policiais, como Delegacias de Polícia, Quartéis, Postos Policiais, viaturas, dada a fragilidade da Polícia, especialmente do armamento utilizado.

Assim, é inquestionável a necessidade do Estado promover a segurança pública, fortalecendo as instituições policiais e as próprias Forças Armadas, dotando-as, sobretudo, de armas e munições que lhes permitam cumprir com suas atribuições constitucionais e legais.

Nesse caminhar, merecem análise as normas encravadas no art. 32 e seu parágrafo único da Lei nº 10.826/2003, especialmente quanto à interpretação que lhes deve ser dada para atender à finalidade da lei, considerando que, nos termos do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil:

“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Como bem positivou o Ministério Público Federal, f. 03/04, em relação ao questionado art. 32 e seu parágrafo único:

“É evidente a má técnica legislativa, mas isso não legitima a pior interpretação, a mais irracional. O legislador não autorizou a destruição das armas em condições de uso, mas tão somente daquelas imprestáveis. Chega-se a tal conclusão pela exigência, prevista no parágrafo único do artigo supratranscrito, de laudo pericial, que visa justamente a atestar que o equipamento é inservível para a Administração. Do contrário, qual a utilidade do laudo pericial? Bastaria a outra previsão, do cadastro específico e as armas poderiam ser encaminhadas todas à destruição, sem ocupar desnecessariamente um perito, para cada armamento recepcionado..!”

Assiste razão ao autor, pois equivocada é a interpretação dada pela Administração ao art. 32 e seu parágrafo único da Lei nº 10.826/2003, porquanto a norma em estudo prevê a elaboração de laudo pericial das armas apreendidas, em decorrência da campanha do desarmamento, antes de serem destruídas, o que deixa implícito que o laudo técnico se presta a identificar a arma e a atestar o estado de conservação em que ela se encontra, de modo a dar-lhe a destinação adequada, encaminhando à destruição apenas aquelas consideradas inúteis e inservíveis ao serviço público. Adotar outro entendimento significa concluir que todo o trabalho dos Peritos Públicos, previsto na norma, é absolutamente desnecessário, onerando o Erário para o nada e produzindo um laudo pericial sem qualquer finalidade pública, tornando o ato administrativo nulo e podendo ensejar até responsabilidade funcional. Nessa hipótese, como patenteia o autor, bastaria a feitura do cadastro específico a que alude a lei.

Partindo-se do pressuposto de que não há na lei palavras inúteis e observando-se o critério teleológico de interpretação, que perquire acerca da verdadeira finalidade da norma, sob a ótica do legislador, outra interpretação para o dispositivo se mostra injustificável do ponto de vista dos preceitos constitucionais e infraconstitucionais pertinentes ao sistema jurídico pátrio.

De fato, tendo em vista a crise econômica por que passa o país já há um bom tempo, a destruição indiscriminada das armas se consubstancia em conduta desarrazoada e atentatória aos princípios constitucionais da primazia do interesse público e da eficiência, a teor do art. 37, caput, da Constituição Federal, pois nada impede que aquelas consideradas aptas, pela perícia, a serem reutilizadas, sejam aproveitadas pelas Polícias Civil e Militar e também pelas Forças Amadas. Tal providência só viria a beneficiar a própria Administração Pública, em todas as esferas de governo, mormente na área da segurança pública, que carece de recursos financeiros para prestar um serviço de melhor qualidade à população.

Além disso, não se pode olvidar que as armas em questão são objeto de indenização pela União Federal, no importe de R$ 100,00 (cem reais), por arma arrecadada, podendo ser maior a indenização em caso de armamento mais potente, não sendo razoável e proporcional a destruição desse patrimônio, adquirido pelo Poder Público, com recursos do Erário, de forma indiscriminada e descriteriosa, mormente quando vemos que o Governo alega, a todo instante, que não dispõe de numerário suficiente para custear integralmente os serviços públicos mais urgentes, a exemplo da segurança pública.

Não se pode desprezar, também, as armas e munições de valor histórico-cultural e artístico, que fazem parte do patrimônio nacional, razão pela qual são plenamente tuteladas pelo Estado, através da legislação vigente, consoante transcrito abaixo:


CONSTITUIÇÃO FEDERAL:

“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

(…)

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

(…)” – sem grifo no original.

LEI Nº 4.717/65 (LEI DA AÇÃO POPULAR):

“Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

§ 1º Consideram-se patrimônio público, para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.

(…)” – sem grifo no original.

LEI Nº 7.347/85 (LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA):

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

(…)

III – aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

A preservação e a defesa do patrimônio histórico-cultural e artístico são tão veementes na lei e de tamanha importância para o Estado e a coletividade que os agentes públicos, cujas condutas violem esses objetivos, ficam sujeitos a responder por ato de improbidade administrativa, com as sanções dele decorrentes, descritas no art. 37, § 4º, da Lei Magna e na Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa).

Por todo o exposto, inconteste é a existência do fumus boni iuris a autorizar o provimento requestado, sobretudo porque, a uma análise ainda que perfunctória, afigura-se-me inconstitucional a norma incrustada no parágrafo único do art. 32 da Lei nº 10.826/2003, no que pertine à destruição de armas servíveis e de valor histórico-cultural e artístico, por ofensa aos dispositivos constitucionais acima reportados.

Essa providência judicial, por certo, incentivará a que muitos cidadãos disponham-se a entregar suas armas e munições, sabendo que serão utilizadas para um fim nobre, qual seja, a segurança pública, e os que dispõem de armas e munições de valor histórico-cultural e artístico as entregarão na certeza de que serão conservadas e servirão para imortalizar eventos e acontecimentos que devem ser transmitidos às novas gerações. Não será lícito destruir armas e munições utilizadas em eventos ou combates, que entraram para a história do Brasil, e que devem ser destinadas a museus e estabelecimentos congêneres.

Vislumbra-se, também, nesta lide, a presença do periculum in mora, haja vista que o trabalho de apreensão e destruição das armas vem ocorrendo diariamente nas cidades brasileiras, sendo fato noticiado por toda a imprensa nacional, e a demora no prestação da tutela jurisdicional representará enorme prejuízo patrimonial e histórico-cultural para a União Federal e para a própria coletividade.

Posto isso, defiro a medida liminar requestada, determinando que a União Federal, por intermédio dos Ministérios da Defesa e da Justiça, e do Departamento de Polícia Federal, abstenha-se de destruir as armas, os acessórios e as munições que se encontrem em bom estado de conservação, ou que tenham valor histórico-cultural ou artístico, mantendo-as sob sua guarda em lugar seguro e adequado, a seu critério, até decisão final neste processo.

Confiro abrangência nacional a esta decisão. Primeiro, porque a eficácia da decisão proferida na ação civil pública é erga omnes, não podendo a nova redação dada ao art. 16 da Lei nº 7.347/85, pela Medida Provisória nº 1.570-5, posteriormente convertida na Lei nº 9.494/97, restringi-la aos limites da competência territorial do órgão julgador, por ser flagrantemente inconstitucional, diante dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e da isonomia, pois fulmina o principal objetivo de uma decisão coletiva, isto é, a eficácia erga omnes irrestrita. Segundo, porque não constitui critério determinante da extensão da eficácia da decisão na ação civil pública a competência territorial do juízo, mas a amplitude e a indivisibilidade do dano que se pretende evitar. Terceiro, porque a alteração do art. 16 da Lei nº 7.347/85, ainda que constitucional fosse, restou inócua, tendo em vista que a Lei nº 9.494/97 não alterou o art. 103 do Código de Defesa do Consumidor – CDC, que dispõe sobre os efeitos erga omnes e ultra partes das sentenças e aplica-se, face ao art. 117 do CDC, a todas as ações civis públicas e não somente àquelas que versem sobre relação de consumo, como deflui das razões aduzidas pelo autor.

Intime-se a União Federal para cumprir esta decisão imediatamente.

Cite-se a ré para, querendo, apresentar resposta, no prazo legal.

Oficie-se, pelo meio mais célere possível, aos Excelentíssimos Senhores Ministros da Defesa e da Justiça, bem assim ao Senhor Diretor-Geral da Polícia Federal e, ainda, aos Senhores Superintendentes da Polícia Federal nas Unidades Federativas, encaminhando-lhes cópia desta decisão para o seu fiel cumprimento.

Intimem-se.

Vista ao MPF.

Aracaju, 18 de agosto de 2004.

Juiz Edmilson da Silva Pimenta

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