Tempos difíceis

Sharp do Brasil tem falência decretada pela Justiça do Amazonas

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20 de agosto de 2004, 17h04

O juiz Ruy Morato, da 4ª Vara Cível de Manaus, no Amazonas, decretou a falência da Sharp do Brasil. O magistrado também determinou que sejam lacradas a sede da empresa, em Manaus, e sua filial, em São Paulo. Ainda cabe recurso.

Na sentença, Ruy Morato registra que, ao analisar detidamente o processo, “especialmente o que foi apurado na exaustiva, irretocável e bem elaborada perícia contábil, realizada nas empresas Sharp do Brasil S/A Indústria de Equipamentos Eletrônicos (de Manaus/AM) e Sharp S/A Equipamentos Eletrônicos (Holding – de São Paulo/SP), chega-se à conclusão de que o decreto de quebra é inevitável”.

A falência da Sharp já havia sido decretada em 2002, também pela 4ª Vara de Manaus. Mas, como havia decisão anterior, da 39ª Vara Cível de São Paulo, que concedia concordata preventiva à empresa, foi encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça um conflito de competência — processo em que se decide qual é o juiz competente para julgar a questão.

Em junho de 2003, o STJ cassou a sentença de falência e decidiu que o juiz de Manaus seria responsável para julgar a concordata preventiva. No último dia 5 de agosto, o magistrado apreciou a questão e determinou a quebra da empresa.

Segundo a decisão, ficou caracterizada “a impontualidade das requeridas (empresas), que não admitiram, nem honraram, no vencimento, suas obrigações, não apresentando qualquer relevante razão de direito para se manterem em tal situação”.

O juiz registra, ainda, que o Ministério Público de São Paulo, em parecer de julho de 2000, foi categórico em concluir que as empresas “não preenchiam, já naquela época, os requisitos necessários para o deferimento da Concordata” e opinou pela falência da Sharp.

O advogado de um dos credores disse à revista Consultor Jurídico que “o passivo da Sharp é impagável”. O síndico da massa falida, Antônio José Areosa, afirmou que, atualmente, a empresa não fabrica mais produtos Sharp e, sim, “faz montagem de placas para terceiros”. Cerca de 300 funcionários ainda trabalham para a empresa.

Leia a sentença

Processo nº 040491-7

PROCESSO DE CONCORDATA PREVENTIVA

Concordatárias: SHARP DO BRASIL S/A — INDÚSTRIA DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS S/A EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS.

Sentença

Vistos, etc.

Cuidam os presentes autos de CONCORDATA PREVENTIVA DAS EMPRESAS SHARP DO BRASIL S/A INDUSTRIA DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS (de MANAUS /AM) e SHARP S/A EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS (Holding de São Paulo/ SP).

Em data de 14 e fevereiro de 2002, a empresa Sharp do Brasil S/A — Indústria de Equipamentos Eletrônicos, acima mencionada, teve lavrada contra si sentença declaratória de falência, proferida por este juízo, às fls 33/34 do Processo nº 00102005519-7, decreto este que se estendeu posteriormente, a saber em 12 de agosto de 2002, à empresa Sharp S/A — Equipamentos Eletrônicos.

Ocorre que, em data bem anterior ao aludido decreto de falência, ou seja, em 28 de agosto de 2000, o MM. Juiz de Direito da 39ª Vara Cível da Comarca de São Paulo já havia deferido o processamento da concordata preventiva requerida por Sharp S/A Equipamentos Eletrônicos e Sharp Brasil S/A Indústria de Equipamentos Eletrônicos (Processo nº 00.532617-6), sendo que aquele referido juízo, tão logo soube da tramitação do presente processo de Falência perante este juízo, suscitou conflito de competência para o colendo Superior Tribunal de Justiça, o qual recebeu o número 39.736/SP, distribuído para a 2ª Seção.

Em data de 11/06/2003, o colendo STJ conheceu do referido Conflito, tendo cassado a sentença decretou a falência de Sharp S/A Equipamentos Eletrônicos, e declarado competente este juízo da 4ª Vara Cível de Manaus para processar e julgar a concordata de Sharp do Brasil S/A Indústria de Equipamentos Eletrônicos em conjunto com a de Sharp S/A Equipamentos Eletrônicos.

Às fls ……./……, Perícia Contábil realizada pelo expert NILSON TELES DA SILVA (CRC/AM nº 1665), em ambas as empresas citadas acima.

Contados e preparados, vieram-me os autos conclusos para sentença.

É, em síntese, o relatório.

Decido.

Prima facie, a matéria travada nos presentes autos não demanda maiores perquirições.

É que, compulsando detidamente os autos, especialmente o que foi apurado na exaustiva, irretocável e bem elaborada perícia contábil, realizada nas empresas SHARP DO BRASIL S/A INDUSTRIA DE EQUIPAMENTOS ELETRONICOS (de MANAUS/ AM) e SHARP S/A EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS (Holding de São Paulo/ SP), chega-se à conclusão de que o decreto de quebra é inevitável.

Portanto, sem maiores esforços, verifica-se que os títulos que instruem o pedido se revestem de liquidez e certeza, tendo restado caracterizada a impontualidade das Requeridas, que não admitiram e nem honraram, no vencimento, suas obrigações, não apresentando qualquer relevante razão de direito para se manterem em tal situação, e tampouco efetuando o depósito elísivo, desencadeando, assim, ensejo para a decretação da quebra.


O próprio Ministério Público, através da Promotoria de Jusitça em São Paulo /SP, em parecer exarado e, 11/07/2000, às fls. 5981/ 5983 no Pedido de Concordata n. 00.532617-6, então em trâmite naquele juízo (parecer esse reforçado pela promoção exagerada às fls. 7345 /7346 do mencionado processo nº 00.532617-6), foi categórico em concluir que as Concordatárias não preenchiam, já naquela época, os requisitos necessários para o deferimento da Concordata, tendo àquele Òrgão Ministerial opinado pela decretação da Falência das requerentes.

É o que se confere de alguns trechos do mencionado parecer, in verbis:

(…)

5. Não de pode também afirmar que as requerentes preenchem o requisito estampado no artigo 158, inciso II da LF.

(…)

6. As requerentes não preenchem, também o requisito do artigo 158, inciso IV, da LF, uma vez que possuem trezentos e trinta e dois protestos (Sharp do Brasil — fls. 90/172 e 5961/5973, datando o primeiro deles de dezembro/98) e quarenta protestos (Sharp S.A. — fls. 57/78, datando o primeiro deles de novembro/99), quando o ajuizamento do favor legal deu-se em 24 de março de 2000. Nesse sentido, confira-se o v. acórdão proferido no Agravo de Instrumento nº 51.77-1-SP.

Ainda sobre a mesma questão, ressalta-se que a jurisprudência só admite o processamento da concordata, em caráter excepcional, quando o protesto é tirado no próprio dia ou na véspera do ajuizamento do pedido. Nesse diapasão; RJTJESP; RT 287/143, 425/106 E 536/11, decisões citadas no v. acórdão proferido nos autos do mandado de segurança nº 101.148-1, rel. Ernani de Paiva, 6ª Câm. Civ. TJSP, j. 05.05.88. Corrente mais liberal admite protesto tirado do trintídio que antecede o pedido de concordata (RT 695/94).

(…)

Diante do exposto, não preenchendo as requerentes os requisitos necessários ao deferimento da moratória legal e não estando, ainda, o pedido devidamente instruído, sem embargo do prazo já concedida para tanto, opino seja decretada a falência das requerentes.

São Paulo, 11 de julho de 2000.

Adriana Helena Ferreira Alves Mattos Vollada

Promotora de Jusitça”

Pela exegese do art. 156, do Dec. lei 7.661/45, a concordata preventiva é um benefício outorgado pela legislação especial ao empresário honesto que se encontra em crise econômico-financeira.

Contudo, para sua concessão, deve o requerente satisfazer todos os requisitos legais e cumprir suas obrigações, depositando as parcelas oferecidas na petição inicial, até o dia seguinte ao vencimento, o que não foi feito pelas requerentes, consoante noticiado na Promoção do Ministério Público de São Paulo /SP, exarado às fls. 7345/7346 do Processo de Concordata Preventiva n. 00.532617-6, então em trâmite na Comarca de São Paulo /SP, in verbus.

6. Fls. 7.217/7.284 (35º vol.): não de pode cogitar de uma moratória Vencida a primeira parcela no dia 24 de março p.p. e não havendo nem mesmo previsão para seu depósito, segundo as próprias concordatárias que acabaram assim por confessar sua insolvência, aguardo imediata decretação da falência, nos termos do artigo 175, § 1º, inciso I, da Lei de Falências, que ainda está em vigor no país (destaquei).

De acordo com o parágrafo único do art. 156, do Dec. lei 7.661/45, o devedor oferece o mínimo que seja aos credores quirografários, para saldar seus créditos, mediante proposta e pagamento à vista ou a prazo. Se o prazo estipulado vencer sem que se realize o respectivo pagamento, o juiz declarará a falência conforme prescreve o art. 175, § 8º, do mesmo diploma legal.

Nessa esteira, esclarece a doutrina, na lição irrefutável de Ruben Ramalho:

A partir do despacho que manda processar a concordata, o concordatário deverá fazer o depósito das quantias devidas, rigorasamente na data dos respectivos vencimentos, sob pena de expor-se à sua rescisão…

Ramalho Rubem. Curso Técnico e prático de falências e concordatas, ed. Saraiva, São Paulo, 1993, p. (287).

Sabe-se que é o estado de crise econômico-financeiro que alicerça a outorga da concordata preventiva, porém, não pode o comerciante utilizar-se do benefício conferido pelo legislador para lesar os credores. Estes a partir do deferimento ficam vinculados ao recebimento conforme a proposta apresentada em juízo pelo devedor. É obrigação do devedor efetuar o depósito, em dinheiro, da quantia correspondente à parcela devida, com correção monetária e juros legais, na data do respectivo vencimento.

De igual forma, deflui-se o § 1º do art. 175 do Dec. lei 7.661/45, que a concordatária deve praticar os atos prometidos e compromissados sob pena de decretação de falência.

Nessa mesma senda, ainda com respeito ao dispositivo legal citado, comenta o insigne José da Silva Pacheco.


Daí se infere que se o devedor não efetivar o depósito das quantias que se vencerem antes da sentença que conceder a concordata, até o dia imediato dos respectivos vencimentos, se a concordata for o prazo, ou das quantias correspondentes à percentagem devida aos credores quirografários, dentro de 30 (trinta) dias de ajuizamento do pedido, a conseqüência será decretação da falência”.

(Pacheco, J. da Silva, Processo de falência e concordata, 5ª ed. Forense, Rio de Janeiro, 1.988, p. 863).

A concordata, embora nucleada pelo favor legal que objetiva a recuperação econômica da empresa (ensejando-lhe sobrevivência segundo o princípio da sua função social, para a qual se conjugam os interesses lucrativos do empresário, a estabilidade na geração de empregos e os interesses do Estado na geração de tributos), não pode divorciar da idéia de satisfação dos interesses credores, a ponto e sacrificá-los em proporções maiores do que na hipótese de declaração da falência e liquidação do patrimônio do devedor.

Em seu relatório, o senhor Comissário, noticia que todos os esforços foram envidados, no afã de se sanear a situação de crise econômico-financeira das empresas.

Contudo, segundo se verifica do laudo pericial contábil elaborado pelo diligente Perito Contador Dativo, acostado às fls……, este conlui, de forma clara e detalhada que não há “nenhuma condição de que duas empresas SHARP DO BRASIL S/A — IND. DE EQUPAMENTOS ELETRÔNICOS E SHARP S/A — EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS cumprirem uma possível Concordata, por serem ilíquidas e insolváveis.” (destaquei).

Destarte, referida perícia contábil não deixa margem a qualquer dúvida acerca da calamitosa situação das empresas em epígrafe, reveladora de precária e irremediável saúde financeira.

Tal é o que se infere, por exemplo, das 24ª e 26ª laudas do Relatório Pericial Contábil (itens 3.2.1.1 c 3.5.3); em que o expert afirma, respectivamente, que todos os títulos (anexo 12) estão vencidas e foram passivos da Provisão para Devedores Duvidosos… ”(destaquei) e que todas as NOTAS PROMOSSÓRIAS estão vencidas. (destquei).

Nesta esteira, vale ainda deixar registrado o que consta dos itens 7.3 (90ª lauda), 8.15 (112ª e 113ª laudas) e 71 (146ª e 147ª laudas), respectivamente, do Relatório Pericial Contábil, que, de forma técnica, porém clara, espanca qualquer dúvida acerca da péssima e irrecuperável saúde financeira das empresas SHARP DO BRASIL S/A INDUSTRIA DE EQUIPAMENTOS ELETRONICOS E SHARP S/A EQUIPAMENTOS ELETRONICOS:

7.3 O PATRIMONIO LÍQUIDO A SHARP niais do ATIVO= R$ 595.081.238,19; do PASSIVO= R$ 1.121.754.33.13, é deficitário em valores absolutos em R$ 526.673.094,95 (QUINHENTOS E VINTE E SEIS MILHÕES, SEISCENTOS E SETENTA E TRÊS MIL, NOVENTA E QUATRO REAIS E NOVENTA E CINCO CENTAVOS), e em termos relativos, equivalente a 47% de PASSIVO A DESCOBERTO. Esmiuçando, dizemos que se a Concordatária fosse quitar o seu passivo com o seu ativo, este somente liquidaria 53%; 47% ficaria sem cobertura ativa, ou seja, a descoberto. Evidentemente o que o valor do PASSIVO A DESCOBERTO é muito maior, se considerarmos o reajuste de algumas dívidas significativas, a contabilização de outras e a realização do Ativo com deságio. Realmente é uma situação crítica do ponto de vista de viabilidade empresarial, numa economia desquecida e com a renda do setor privado em queda”. (DESTACAMOS).

(…)

8.15.É óbvio que, ainda que se recupere os incentivos fiscais, e ainda que se execute, à risca, toda uma política de contenção de custos e despesas, jamais se gerará um superávit de caixa capaz de atender ao pagamento da inadimplência passiva da Concordatária que é algo colossal superando a órbita de R$ 1 bilhão, mormente se levarmos em conta o prazo mínimo para o cumprimento da moratória, previsto no art. 156, parágrafo 1º-ii, do DL 7.661/45, que é de 24 meses.”

(…)

“7.1. (…) No caso sob perícia, identificamos uma SITUAÇÃO PATRIMONIAL LÍQUIDA DEFICITÁRIA, evidenciando um PASSIVO A DESCOBERTO da ordem percentual de 82%, ou seja, a SHARP S/A não apresenta condições econômico-financeiras de honrar todas as suas obrigações para com terceiros: ficam sem pagamento 82% passivo, conforme demonstração gráfica, oriunda da posição do Balanço Patrimonial de 31.12.2003, página 146-A (…)”

A conclusão a que chego, portanto, é que não têm empresas, absolutamente, quaisquer condições de continuar gerindo seus negócios como concordatárias, por absoluta inviabilidade de sua recuperação. Portanto, não me resta outra alternativa que não aplicar o veredicto apropriado ao presente caso, a saber a declaração de falência das concordatárias.

Ante o exposto, DECIDO POR CONVERTER o presente Processo de CONCORDATA em FALÊNCIA, decretando-a em desfavor das empresas SHARP DO BRASIL S/A — INDUSTRIA DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS, estabelecida nesta cidade de Manaus (AM), na Av. XXX, XXXXX, XXXX e SHARP S/A EQUIPAMENTOS ELETRONICOS, estabelecida na cidade de São Paulo (SP), na Alameda XXXXXXXXXXX, XXXXX, a partir desta data, às 12h, para fins de contagem do termo legal da falência.

Marco o prazo de vinte (20) dias para as habilitações de créditos, que deverão ser feitas com declaração da origem do crédito e justificativas.

Nomeio síndico da massa falida o atual Comissário, Dr. Antônio José Cardoso de Mattos Areosa, com endereço na Rua Acará nº 200 — Distrito Industrial, que durante o exercício de seus atribuições de houve com competência e tino administrativo, o que se depreende de seus relatórios e expedientes, fatos que, recomendam a sua indicação para dar continuidade a sua gestão, agora, da massa falida.

O Síndico nomeado deverá prestar o compromisso e providenciar a imediata arrecadação dos bens pertencentes à massa falida, bem como arrecadar os livros e documentos em companhia do Ministério público e oficial de justiça que for designado para este fim. Arrecadar, separadamente dos bens pertencentes a cada um dos falidos.

Fixo a remuneração do Síndico nomeado em R$ 15.000,00 (quinze mil reais mensais).

Expeçam-se mandado para lacração do estabelecimento da falida com sede nesta capital (SHARP DO BRASIL S/A INDUSTRIA DE EQUIPAMENTOS ELETRONICOS), e carta precatória para fechamento da filial em São Paulo (SHARP S/A EQUIPAMENTOS ELETRONICOS), com ciência ao Ministério Público, na pessoa de seu Curador de Massa Falida.

Diligente o cartório pelas providências dos arts. 15 e 16 da Lei de Falências.

Condeno as Requeridas ao pagamento das custas e despesas judiciais que competirem.

P.R.J.

Manaus (AM), 05 de agosto de 2004.

Dr. Ruy Morato

Juiz de Direito.

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