Farol da Colina

Doleiro de SP é acusado de movimentar sozinho US$ 598 milhões

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20 de agosto de 2004, 10h02

A revista Consultor Jurídico teve acesso com exclusividade ao disquete com a toda a elaboração da Operação Farol da Colina. O dossiê foi terminado pela Força Tarefa CC5, da Polícia Federal do Paraná, em 26 de maio passado, e encaminhado ao juiz federal Sérgio Fernando Moro, de Curitiba.

Na tarde desta quinta-feira duas laudas foram anexadas ao documento, com os nomes de 24 doleiros ainda foragidos. Para não atrapalhar os trabalhos ainda em curso da Operação, a revista ConJur omite parte do dossiê, bem como os nomes dos doleiros procurados. Mas um doleiro de São Paulo, por exemplo, que consta como o procurado de número 24, aparece no relatório-mãe da operação como dono da off shore Watson, nas Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe, acusado de ter movimentado sozinho, em apenas um ano, US$ 598 milhões.

E, por falar em doleiros, nesta quinta-feira deputada federal Iriny Lopes (PT-ES) pediu a continuidade da CPI Mista do Banestado. A deputada, entre vários requerimentos que apresentou à CPMI, pediu que fossem ouvidos pela comissão Manuel Monteiro Cortez Filho, Carlos Alberto Taveira Cortez, Samuel Messod Benzecry, Messod Gilberto Samuel Benzecry, articulados na casa de câmbio Cortez Câmbio e Turismo, atuante no eixo Belém-Manaus. Samuel Benzecry ainda está foragido.

O pedido de depoimento, de número 335/2003 foi apresentado em 28 de outubro de 2003 e aprovado pela comissão em 6 de novembro de 2003. No entanto, a CPMI não marcou o depoimento dos sócios da casa de câmbio de Manaus.

São casos como este os relatados no relatório da Operação Farol da Colina.

Leia o documento:

Curitiba, 26 de maio de 2004-08-19

A Sua Excelência o Senhor

Dr. Sérgio Fernandes Fernandes Moro

Juiz Federal da Segunda VF Criminal de Curitiba/PR

Curitiba/PR

Assunto: REPRESENTAÇÃO pela decretação de prisão provisória; expedição de mandados de busca e apreensão; quebra de sigilos fiscal e bancário. IPL 1026/2003 (antigo 207/98)- Processo 2003.70.00.030333-4.

Senhor Juiz,

Conquanto os fatos em comento já sejam por demais conhecidos desse Juízo, será traçado um breve histórico visando apenas a um melhor ordenamento do que, ao final, será requerido.

Em 30 de maio de 1997, foi instaurado na Delegacia de Polícia Federal em Foz do Iguaçu, no Estado do Paraná, o inquérito policial nro 263/97, autuado na Segunda Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu, PR, sob o número 98.1011116-9, visando a apurar crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e contra a Ordem Tributária, em face da representação do Banco Central do Brasil ao Ministério Público Federal, dando conta da utilização irregular de contas de domiciliados no exterior, conhecidas por CC5.

A análise preliminar em parte da documentação detectou uma movimentação financeira de bilhões de dólares provenientes e/ou destinados ao Brasil; na conta corrente de titularidade da empresa Beacon Hill Service Corp-BHSC- e nas subcontas que administrava no Banco J.P. Morgan Chase, na cidade de Nova Iorque/EUA, o que veio a ser confirmado pelo Ofício Cofis/Coope nro. 2003/00206, da Coordenação-Geral de Fiscalização da Receita Federal, de 15/12/2003, que apurou movimentação de cerca de US$ 13 bilhões, correspondentes hoje a aproximadamente RS$ 33 bilhões, no período de 1999 a 2002.

A Receita Federal informou, também, que dos contribuintes relacionados no Ofício 473/03, nenhuma das pessoas jurídicas objeto da pesquisa na base de declarações recebidas nos anos-calendário de 2001 e 2002 declarou possuir contas bancárias no exterior e que, das pessoas físicas pesquisadas, apenas quatro declararam possuí-las; nenhuma relativa às investigadas.

Pelo Ofício nro 2325/04, de 8.1.2004, em resposta ao Ofício 475/03-PF/FT/SR/DPF/PR, o COAF, na forma da Lei 9.613/98, informou sobre a existência de comunicações a respeito de movimentações financeiras suspeitas envolvendo alguns dos responsáveis pelas subcontas da Beacon Hill.

Algumas subcontas tinham a indicação de serem de “titularidade” de empresas off-shore, sediadas em paraísos fiscais, e movimentadas por brasileiros, seus procuradores.

Na verdade, esses procuradores eram os reais titulares das subcontas, servindo a constituição dessas empresas apenas como biombo para acobertar suas atividades ilícitas.

De qualquer modo, pouco importa quem sejam os sócios de direito, muitas vezes meros “laranjas”, e sim, aqueles que detinham de fato o poder de decisão dentro da configuração fática apresentada. Neste caso, é cabível a desconsideração da pessoa jurídica àquelas empresas usadas para a prática de crimes por seus responsáveis.

Esse primeiro procedimento deu origem à “Operação Macuco”, resultando no desdobramento de centenas de outros com o mesmo objetivo, inclusive o de nro. 207/98, atual nro. 1026/2003, tombado na Segunda Vara Criminal de Curitiba, PR, denominado “Caso Banestado”, que por sua vez deu origem a mais de uma centena de inquéritos policiais, redundando na identificação de conta CC5, abastecidas por valores remetidos por pessoas físicas e jurídicas de vários Estados do País e originalmente depositados em contas correntes tituladas por “laranjas”.


Posteriormente, esses valores eram transferidos para contas CC5 tituladas por casa de câmbio e bancos paraguaios que também acolhiam depósitos em espécie, supostamente provenientes do comércio de Ciudad Del Este/PY para, logo após o fechamento do câmbio, serem remetidos à agência Banestado em Nova Iorque/EUA.

As investigações revelaram que esses valores poderiam ser, na verdade, originários de vários crimes- alguns ainda pendentes de confirmação –tais como corrupção, fraudes fiscais e bancárias, sonegação fiscal, desvio de recursos públicos, contrabando e descaminho, contra o Sistema Financeiro Nacional, dentre outros, e, muito provavelmente, do tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e de armas e munições.

O Laudo nro. 870/01-INC/DPF, de 29/06/01, apontou a necessidade de se obter documentos bancários relativos às agências em Nova Iorque do Banestado e do Swiss Bank Corp., para que fosse possível identificar os beneficiários dos recursos ilegalmente remetidos para fora do País.

Atendendo à representação da autoridade policial que presidia o feito à época, a Justiça Federal de Foz do Iguaçu/PR decretou a quebra do sigilo bancário de contas correntes mantidas na (extinta) agência do Banestado NY.

A documentação obtida nas diligências empreendidas na Cidade de Nova Iorque deu origem ao Laudo 675/2002, de 28/06/02, tendo sido analisadas 137 contas correntes, objeto da referida quebra de sigilo.

Essa análise demonstrou que esses correntistas relacionavam-se com várias empresas off shore e doleiros, brasileiros e estrangeiros, os quais mantinham contas em bancos localizados em Nova Iorque, e que tiveram a quebra de sigilo solicitada ao Departamento de Justiça Americano, via MLAT, em 2002.

Esse primeiro pedido ficou sobrestado, ao argumento de que tais informações apresentadas não eram suficientes para que a Corte Americana concedesse a ordem de afastamento do sigilo bancário.

Em 25/07/03 o pedido foi reformulado, dessa vez com base em novos dados, depoimentos e ampla explanação sobre as investigações, mantendo-se o objeto, haja vista que, embora negado anteriormente por falta de informações, não seria aconselhável qualquer mudança quanto aos alvos anteriormente apontados.

Recebido no decorrer das investigações um documento firmado em 1996 por um ex-empregado do Banestado, revelou que a diretoria desse banco já tinha conhecimento de irregularidades na área de câmbio, havendo a informação da abertura de contas na agência Nova Iorque com nomes fictícios e por “laranjas”, o que deu ensejo à representação para quebra de sigilo de 157 novas contas, em 09/07/03, com deferimento judicial em 15/07/03.

Surgiu, assim, a necessidade de se regularizar a documentação relativa às 137 contas sob investigação, das 23 aguardando a instauração de procedimento inquisitório e da quebra de sigilo de novas 157 contas da agência Banestado/NY.

Verificou-se, ainda, a imprescindibilidade de se contatar pessoalmente os representantes do MLAT e os membros da Promotoria Distrital do Condado de Nova Iorque que já detinham a custódia da documentação bancária da empresa Beacon Hill Service Corp.- BHSC-, uma das maiores beneficiárias de recursos oriundos daquele banco brasileiro.

Para atender a essas necessidades e analisar toda a documentação referida, de 25 de agosto a 26 de setembro de 2003, uma equipe de policiais federais diligenciou nas Cidades de Washington e Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, em cumprimento ao planejamento efetuado – “Operação Abana”- visando à obtenção de dados para subsidiar as investigações em curso e fornecer ao MPF elementos suficientes à formação de sua opinio delicti.

Concomitantemente ao pedido formulado via MLAT, procurou-se a via alternativa da Promotoria Distrital de Nova Iorque, que já se manifestara favorável à cooperação com as autoridades brasileiras nos contatos havidos com a equipe de policiais federais responsável pelas diligências anteriores.

Efetivados esses contatos, atendidos os pedidos de afastamento de sigilo bancário, e franqueado acesso à documentação de uma das empresas alvo, a BHSC, descortiniou-se um universo de ardis, falcatruas e simulações para fugir à ação dos órgãos fiscalizadores e de controle das reservas monetárias nacionais, ou seja, um verdadeiro sistema financeiro paralelo globalizado.

No período de 15.11 a 12.13 de 2003, novas diligências foram empreendidas na Cidade de Nova Iorque, tendo sido obtidos, com os promotores distritais, novos documentos relativos às subcontas da Beacon Hill.

A BHSC era administrada em sua sede, em Nova Iorque, por Anibal Contreras, cidadão panamenho e no Brasil pelo nacional Juscélio Nunes Vidal, com escritório no Rio de Janeiro/RJ.

Esses agentes (doleiros brasileiros) conscientes da ilicitude das condutas perpetradas, aderindo uns à conduta dos outros, associaram-se e criaram uma organização criminosa transnacional, visando à prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, contra a Ordem Tributária e de “lavagem” de dinheiro.


Uma vez associados internamente (no Brasil), buscaram parcerias no exterior, vindo a obter guarida para as suas condutas criminosas em diversos bancos e empresas estrangeiros, como por exemplo a Beacon Hill Service Corporation, dirigida pelo panamenho Aníbal Contreras, nos Estados Unidos, e pelo brasileiro Juscélio Nunes Vidal.

Sempre à margem da lei, esses doleiros proprietários no Brasil de empresas ligadas a câmbio e turismo, importadoras e exportadoras, factoring e fomento, corretoras de câmbio e valores mobiliários, dentre outras, geriram fraudulentamente instituições financeiras (conforme definição do parágrafo único, I e II, do artigo Primeiro, da Lei 7.492/86), fizeram operar verdadeiras instituições paralelas sem autorização legal; efetuaram operações de câmbio não autorizadas, com o fim de promover evasão de divisas do País; promoveram sem autorização legal a saída de moeda ou divisa para o exterior, nele mantendo depósitos não declarados à repartição federal competente, conforme se verifica no já citado relatório do Bacen.

Como se verifica pela análise da documentação coligida, esses doleiros proporcionavam as condições necessárias para que empresas brasileiras pudessem facilmente praticar o subfaturamento e o superfaturamento de importações e exportações, suprimir ou reduzir tributos, omitindo informações relativas a essas operações, e até mesmo a remessa de recursos provenientes do denominado “caixa 2”.

Nessa esteira, pessoas jurídicas também encontravam nesses doleiros o “porto seguro” para aquele dinheiro não declarado, possivelmente oriundo da corrupção, de sobras de campanhas políticas e do trabalho remunerado sem a emissão dos respectivos recibos Os dados são do deputado Ronaldo Caiado, relator do projeto de reforma política: “uma campanha eleitoral no Brasil custa, no papel, de RS$ 10 a RS$ 12 bilhões; e mobiliza na prática, mais ou menos o dobro disso. O complemento vem pelo caixa 2”. (Jornal Gazeta do Povo, Paraná, de 18.4.2004, página 24, Brasil).

Utilizando-se dessa rede criminosa, esses doleiros brasileiros ocultavam e dissimulavam a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes de crimes contra a Administração Pública e contra o Sistema Financeiro Nacional de pessoas físicas e jurídicas, muitas vezes simulando importações, exportações e investimentos, sempre à margem da lei, sem o conhecimento dos órgãos competentes, a Receita Federal e o Banco Central do Brasil.

A segregação provisória justifica-se diante da imprescindibilidade para as investigações, haja a vista que o modus operandi utilizado em suas atividades praticamente inviabilizam o flagrante, bem como a necessidade de interrogá-los imediatamente após o cumprimento dos mandados, para que esclareçam acerca dos documentos porventura apreendidos e dos já obtidos no exterior, que se traduzem em fundadas razões de autoria e/ou participação deles nos crimes de quadrilha ou bando e contra o Sistema Financeiro.

Não se pode olvidar, também, da magnitude da lesão causadas ao Sistema Financeiro Nacional e, via de conseqüência, aos cofres públicos, bem como o poder financeiro destas pessoas que poderiam, facilmente, deixar o País, furtando-se à ação da Justiça.

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