Duas medidas

Imprensa não gosta de ouvir falar em bom Conselho

Autor

18 de agosto de 2004, 15h02

Imagine se Luís Costa Pinto fosse um famoso advogado, dono de uma das mais rentáveis e acreditadas bancas de Advocacia do país, e tivesse agora, passados mais de dez anos, confessado que forjara um depoimento ou tivesse anexado aos autos de um processo em que era auxiliar de acusação um documento, com o objetivo claro de conduzir a Justiça a condenar a pessoa que respondia pelo crime em questão.

A condenação injusta de um cidadão ou de uma cidadã que tivesse uma trajetória profissional ou política abruptamente encerrada, certamente, estaria carecendo, da grande imprensa, uma ampla campanha no sentido de que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) cassasse ou pelo menos suspendesse seu registro, pela excessiva falta de ética.

Mas se ao invés de advogado, Luís Pinto fosse um contador e tivesse fraudado, com a mesma frieza, um balanço ou uma declaração de Imposto de Renda, para que uma empresa ou um contribuinte individual passasse a ser enxergado pela sociedade como um grande sonegador de impostos? A mesma grande imprensa estaria exigindo do Conselho Federal de Contabilidade e do respectivo CRC ao qual estivesse vinculado punição exemplar, a fim de preservar a imagem dos bons contabilistas brasileiros e combater a corrupção no país.

Contra médicos que cometeram erros grosseiros, seja de conduta pessoal ou de desconhecimento técnico da profissão médica, já foram desenvolvidas muitas campanhas. Algumas capazes de praticamente tornar impeditivo o exercício da atividade pelo mau profissional. Engenheiros que calcularam mal uma obra e ela veio a causar danos à sociedade também já provaram da força de uma imprensa sedenta por fazer valer a regra de que o melhor é aquilo que é feito sempre tendo o certo como balizador, e muitos outros profissionais também já sentiram na pele e nas consciência as conseqüências pela imperícia moral e técnica.

Mas Luís Costa Pinto é um jornalista e, embora hoje não exerça mais a atividade de repórter ou editor, continua na atividade jornalística, dentro do campo que se passou a denominar Jornalismo Empresarial, que, no fundo, é aquilo que faziam os relações públicas no início desta nova atividade da Comunicação Social. Sua vítima é o deputado Ibsen Pinheiro, ex-presidente da Câmara dos Deputado e que presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito que destronou o ex-presidente Fernando Collor de Melo.

O jornalista confessa, onze anos após, ter fabricado dados numa reportagem publicada na revista Veja, a fim de consumar a cassação também de Ibsen, porque estaria envolvido no escândalo dos anões, como ficaram conhecidos os deputados de baixa estatura que se locupletavam das famosas emendas parlamentares ao Orçamento da União para obter benefício pessoal. A revista que aceitou sua matéria, e a atestou como verdadeira, agora pede desculpas porque “a imprensa também erra” e o autor da reportagem se penitencia entregando o seu relato à sua vítima, a fim de que ela possa lançar um livro em que pretende colocar a verdade nos devidos lugares, ainda que tardiamente.

Qual sua interpretação, leitor?

As suposições e as afirmações são colocadas no momento em que chega ao Congresso Nacional a proposta de criação do Conselho Federal dos Jornalistas – CFJ, órgão que seria — dificilmente será aprovado pelo Congresso Nacional — para atuar como órgão disciplinador e fiscalizador da atividade jornalística. Se Luís Pinto tivesse consciência de que este seu ato poderia lhe render uma cassação ou suspensão de registro, teria cometido esta barbaridade? E a revista, que também poderia vir a ser responsabilizada, também publicaria? Pode ser que sim, pois há gente com coragem para tudo, mas a resposta mais sensata é um não.

Pois é, quando os jornalistas se defrontam com a possibilidade de terem um maior controle sobre os seus atos, parece que está sendo proposto um organismo que vai tolher a liberdade de pensamento, de expressão, de exercício profissional. Comandam a campanha as grandes empresas de Comunicação, que ecoam as vozes de, dentre outros, parlamentares proprietários também de rádio, jornal e TV, que muito sabem quanto é bom uma imprensa irresponsável, sempre que necessitam utilizar seus veículos para desinformar ou deformar uma verdade, já que elas, em primeiro lugar, estão a serviço dos interesses pessoais e de grupos, não da sociedade, como deveriam ser em primeiro lugar.

Chamem, portanto, de corporativista a proposta, pois ela é mesmo, assim como são os organismos encarregados de proteger e punir também os profissionais que zelam pela Contabilidade, pelo Direito, pela Medicina do Trabalho, pelos projetos de engenharia de organizações como Globo, Bandeirantes, SBT, Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil, Istoé, Abril, Jovem Pan e tantas outras empresas que estão por aí a se rebelarem contra o CFJ, mas que jamais admitiriam entregar suas contabilidades a um contador sem inscrição num CRC, suas causas jurídicas a um advogado excluído da OAB, a um médico sem CRM e suas construções a um engenheiro sem CREA.

É fácil de entender por que há tanto combate ao CFJ. Para atuar como comentarista de futebol é muito melhor escalar um ex-jogador a ter um jornalista de senso crítico; é muito melhor ter um travesti atuando como repórter de pautas idiotas a botar um repórter em campo para farejar verdades, enfim é muito melhor bestializar mais ainda a sociedade, pois somente assim ela se torna ainda mais consumidora dos produtos e dos serviços de quem patrocina a grande mídia e se torna sempre dócil ao maior de todos os patrocinadores da imprensa brasileira, os órgãos públicos, coisa que em muitos países, inclusive os Estados Unidos, é proibido, pois governo não é para se vangloriar dos seus feitos, mas para prestar contas do que faz em favor de quem lhe sustenta: o povo.

É este o gargalo por onde não passa a possibilidade da existência de um Conselho Federal de Jornalistas. Tudo o mais é fantasia. Se há distorções no projeto, que sejam corrigidas, mas nunca se deva achar desnecessária a existência desta instituição, até em nome da boa imprensa.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!