Bunda lelê

Gerald Thomas consegue arquivar processo por atentado ao pudor

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17 de agosto de 2004, 19h19

O Supremo Tribunal Federal concedeu, nesta terça-feira (17/8), Habeas Corpus ao diretor teatral Gerald Thomas e determinou o imediato trancamento da ação penal proposta contra ele no Juizado Especial Criminal do Rio de Janeiro. Thomas foi acusado de praticar ato obsceno, previsto no artigo 233 do Código Penal.

A denúncia foi feita depois de o diretor abaixar as calças, mostrar as nádegas para a platéia e simular ato de masturbação ao reagir a vaias durante a montagem da ópera Tristão e Isolda, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 2003.

A decisão foi apertada — houve empate no julgamento. O ministro Carlos Velloso, relator, e a ministra Ellen Gracie negaram o pedido, enquanto os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello votaram a favor de Thomas.

O presidente da Turma, Celso de Mello, agiu de acordo com o Regimento Interno do STF que determina, no parágrafo 3º, do artigo 150 que, em casos de empate no julgamento de HC, prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente.

O ministro Joaquim Barbosa considerou que não teria condições de votar porque não assistiu à sessão em que foi lido o relatório do caso.

Um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes suspendeu o julgamento em maio deste ano, depois de o ministro Carlos Velloso indeferir o pedido.

Ele considerou que a conduta atribuída a Gerald Thomas se ajustaria ao tipo inscrito do artigo 233 do Código Penal e que, para a configuração do crime, não é necessária a intenção específica de ofender o pudor público.

Liberdade de expressão

No julgamento, o ministro Gilmar Mendes abriu dissidência. Disse que, no caso, apesar de a manifestação do diretor teatral ter sido deseducada e de mau gosto, tudo não passou de um protesto grosseiro contra o público.

Segundo o ministro, quando simulou a masturbação, Gerald Thomas não estava pretendendo mostrar qualquer prazer sexual, mas que as vaias não lhe atingiam.

Segundo Gilmar Mendes, o contexto em que se verificou o fato não pode ser esquecido, pois tratava-se de um momento seguinte a uma apresentação teatral, depois de uma manifestação desfavorável do público, às duas horas da manhã.

“Difícil admitir, neste contexto, que a conduta do paciente tivesse atingido o pudor do público. Um exame objetivo da querela há de indicar que a discussão está integralmente inserida no contexto da liberdade de expressão, ainda que inadequada ou deseducada”, disse.

De acordo com o STF, o ministro salientou que a sociedade moderna dispõe de mecanismos próprios e adequados a esse tipo de situação, como a própria crítica, “prescindindo-se do eventual enquadramento penal”.

Já a ministra Ellen Gracie qualificou a conduta do diretor como “pouco edificante e esteticamente questionável”, e que ele demonstrou desprezo pela opinião do público. “Figuras bem mais qualificadas, como Victor Hugo, adotaram postura de humildade diante daqueles que não compreenderam na época as inovações introduzidas nas suas criações”.

Último a votar, o ministro Celso de Mello questionou se poderia se revestir como obsceno “um ato praticado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, às duas horas da manhã, perante um público culto e sofisticado”.

Segundo ele, o conceito de obscenidade é variável no tempo e no espaço e, tendo em vista o contexto em que a conduta ocorreu, “tenderia a reconhecer que foi muito mais uma expressão, ainda que grosseira, mas de sua própria liberdade de manifestação e reação às vaias”.

Ainda de acordo com Celso de Mello, quando a doutrina discute a questão de obscenidade para efeito de configuração no artigo 233 do Código Penal, o ato obsceno real ou simulado deve ter uma conotação sexual, transgredindo o sentimento de decência da coletividade.

“Isso ofenderia o pudor de coletividades interioranas em nosso país, em determinadas regiões, mas não me parece que na cidade do Rio de Janeiro, antiga capital federal, centro culturalmente evoluído, esse ato possa ser reconhecido como impregnado de obscenidade”, finalizou.

HC 83996

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