Justiça à brasileira

Filme Justiça mostra Judiciário como a causa de todos os males

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17 de agosto de 2004, 17h12

No fim de semana último, a Associação Paulista de Magistrados de São Paulo apresentou para a imprensa o filme Justiça, de Maria Augusta Ramos, que foi premiado como melhor filme, no Festival Internacional de Cinema de Nyon, Suíca, e, que tive a oportunidade de conhecer.

Justiça é um documentário da realidade do sistema judiciário, em especial da primeira instância do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A cineasta passou vários dias filmando o decorrer de dois processos criminais, um roubo e um tráfico, acompanhando as audiências de interrogatório, oitiva de testemunhas até a sentença, e acompanhando também a vida dos magistrados, defensora pública e réus destes mesmos processos.

A cineasta deve ser parabenizada pela originalidade e pela não interferência nas situações reais do cotidiano destes profissionais e pessoas, tanto que não houve qualquer tipo de iluminação artificial, cenários ou diálogos criados artificialmente.

O documentário, entretanto, ou infelizmente, tenta retratar um estereótipo e um mito que foi e está sendo criado sobre o Poder Judiciário, ou seja, que este Poder do Estado é a origem de todas as mazelas da sociedade brasileira, o que cria os criminosos, o que aumenta a violência, e, já citado em um jornal, é também o culpado pelas altas taxas de juros do Brasil.

O Poder Judiciário retratado pelo filme faz transformar os criminosos, personagens deste filme, em vítimas inocentes dos crimes que cometeram, ressaltando-se que o autor do roubo não era réu primário com antecedentes criminais pelo mesmo crime e tentou evadir-se quando abordado pela polícia, e o outro criminoso, apesar de aparentar ser uma criança fisicamente, conhecia bem a fundo o seu trabalho de ajudante de traficante, e mentiu descaradamente no interrogatório.

E a vítima do roubo não foi mencionada, mas, esta sim, com certeza, viveu um drama em sua vida, posto que não se sabe se o réu utilizou-se de armas para roubar o veículo, ou se esta vítima tinha um seguro. Se não, teve o prejuízo da perda, ou o transtorno em sua vida cotidiana, ou o trauma que todos têm após serem vítimas deste tipo de crime.

Não, esse personagem não tem a menor importância na visão do filme, é uma mera nomenclatura no ritual do processo, não tem direitos, não tem sofrimentos e não tem sequer a chance de falar sobre isso. Mas o réu, criminoso, ah!, este é um “pobre coitado”, que com certeza, por ser pobre, tem o direito de roubar o veículo daquela vítima culpada por ter este bem.

O criminoso é jogado numa cadeia superlotada, tem que comer numa marmita de alumínio e a culpa é do juiz ou do Poder Judiciário (muitos na rua não tem sequer esta marmita para comer e não cometem qualquer delito). O filho do criminoso que nasceu durante o processo também está imunizado, já nasceu vítima e tem o direito de se tornar um criminoso, pois a culpa é do Poder Judiciário que não libertou o seu pai para ver o nascimento ou que vai deixá-lo preso enquanto o seu filho cresce.

Neste caminhar, o Poder Judiciário deverá ser extinto, já que é a causa das doenças do Brasil.

Na verdade, o que deveria ser evidenciado é a responsabilidade do Poder Executivo e Legislativo por estes problemas, já que são estes poderes que podem ampliar, construir novas cadeias e penitenciárias, financiar a modernização e informatizar o Judiciário — até hoje o que se utiliza é um “486” nos Fóruns.

Executivo e Legislativo podem aumentar o número de magistrados, promotores e funcionários do Poder Judiciário e, assim, acelerar o andamento dos processos. São cerca de 13 milhões só no estado de São Paulo, para serem apreciados por apenas 1.500 magistrados.

Mas, a questão não é tão simples. A solução não está centrada na melhora das condições de trabalho no Judiciário, isto é uma ponta do iceberg, ou melhor, é onde podemos sentir os problemas da sociedade brasileira.

O poder para modificar é do Executivo e do Legislativo, que deveriam utilizar este poder dado pelo povo para dar educação, não só alfabetização, mas educação moral, com exemplos, e não com acusações semanais de novas redes de corrupção dentro destes poderes, e, por fim, deixar o Judiciário aplicar as leis já existentes e não tumultuar a legislação fazendo leis mais brandas para desafogar as penitenciárias.

Portanto, o filme Justiça é mais um dedo que condena o Poder Judiciário e reforça a mentira que os governantes e legisladores querem que o povo acredite, que o juiz é o culpado!

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