Beneficiário direto

Amil é condenada a atender recém-nascido não tido como beneficiário

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17 de agosto de 2004, 12h08

Os planos de saúde não podem negar atendimento a recém-nascido que necessita de cuidados médicos pela falta da declaração de que o menor é beneficiário da titular do contrato. Além de atingir a “moral, os bons costumes e os princípios gerais de direito”, previstos no artigo 4 da Lei de Introdução do Código Civil, a prática é ilegal, de acordo com o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor.

Assim entendeu o juiz da 19ª Vara Cível de São Paulo, Afonso Celso da Silva, que condenou a Amil – Assistência Médica e Internacional a arcar com todo o tratamento médico do filho de uma de suas seguradas, em hospitais próprios ou conveniados, “dando a ele todo atendimento contratado”. Ainda cabe recurso da decisão.

A seguradora alegou que o contrato entres as partes que deve prevalecer é o que está em vigor – o original foi, segundo ela, modificado. Diz que a segurada sabia das limitações e períodos de carência a que estaria sujeita e sustenta que a cláusula que exclui a possibilidade de cobertura é válida e legal. A Amil também não teria quaisquer responsabilidades sobre a criança, que afirma, não é seu conveniado.

Celso da Silva, no entanto, acolheu os argumentos apresentados pelos advogados da consumidora, Elias Cardoso e José Teixeira Ervilha . Segundo eles, não existe prova fidedigna que demonstre que a autora subscreveu novo contrato, que poderia indicar a redução do plano mensal, estipular novas carências ou quaisquer outras limitações a seus direitos. O documento não foi registrado em cartório.

O juiz também julgou improcedente a alegação da Amil segundo a qual a criança não foi declarada pelo beneficiário. Segundo o contrato, a segurada teria o prazo de 30 dias para incluir o filho como dependente e a negação da cobertura se deu quando ainda não havia completado um mês.

Ainda segundo Celso da Silva, a cláusula que se refere ao plano “Medicus”, “que restringe a cobertura das despesas do recém-nascido, possibilitando o ressarcimento das mesmas somente após sua inserção no contrato é abusiva e nula de pleno direito”. A obrigação, de acordo com o juiz, coloca o consumidor em “desvantagem exagerada”, diante dos acontecimentos que podem vir a atingir não só a criança nascida mas também a mãe.

Leia a decisão

Vistos.

Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER e ENTREGA DE COISA CERTA cumulada com ANULAÇÃO DE CONTRATO com pedido de tutela antecipada proposta por DIANA LUCIA ALVES DE MELO OLIVEIRA e RAPHAEL MELO DE OLIVEIRA em face de AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL LTDA., todos devidamente qualificados nos autos, alegando, em síntese, que em 05.09.97 teria aderido ao plano de saúde da ré, e em dezembro de 1.997 modificou-o para o denominado Plano Medicus 22.

Por volta do mês de fevereiro de 98 a autora engravidou, e acabou sendo informada que não teria direito à internação, pois a carência de dez meses não havia sido cumprida, apresentando contrato fraudado para justificar sua conduta.

Sendo tal conduta indevida e ilegal, pugnaram pela procedência da ação, com a concessão de tutela antecipada, que foi deferida (fls. 02). Em contestação (fls. 57/89), a ré aduziu preliminar visando obter o depósito da quantia que assegure a recuperação do adimplemento da obrigação, e a revogação da tutela antecipada deferida.

No mérito, aduziu que o contrato em vigor entre as partes é o que deve prevalecer, pois houve modificação do originalmente celebrado, sendo que a autora sabia das limitações e períodos de carência a que estaria sujeita.

Salientou que a cobertura do parto e despesas médicas da autora não seriam objeto da presente demanda, e quanto ao co-autor Raphael Melo de Oliveira, a ré sobre ele não teria qualquer responsabilidade, pois ele não é seu conveniado.

Sustenta, ainda, que a cláusula que exclui a possibilidade de cobertura é válida e legal, e a existência de carência, bem como o fato da criança não ter sido incluída no contrato desoneram a ré de qualquer responsabilidade.

Pugnou pela improcedência da ação e juntou documentos. Realizou-se infrutífera audiência de tentativa de conciliação (fls. 233), realizando-se prova pericial grafotécnica (fls. 290/294), encerrando-se a instrução. As partes se manifestaram em memoriais (fls. 325/331 e 333/340), tendo o Ministério Público opinado pela procedência da demanda (fls. 342/353).

No apenso, tramitou MEDIDA CAUTELAR INCIDENTAL DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS, entre as mesmas partes, que foi contestada, tendo o Ministério Público pugnado pelo seu acolhimento.

É o sucinto relatório.

Fundamento e decido.

A ação cautelar em apenso deve ser julgada procedente. Com efeito, a ré não efetuou a juntada nos autos do contrato original supostamente celebrado entre as partes, cuja cópia microfilmada consta de fls. 35/38 desta cautelar.

E a apresentação era de rigor, principalmente diante do fato de sua assinatura ter sido contestada, fato que ensejou a determinação de perícia grafotécnica, a qual não logrou realização ante a impossibilidade de apreciação do documento oferecido.

Ora, a ré tinha por obrigação comprovar o fato modificativo ou impeditivo dos direitos dos autores, inclusive apresentando o documento exigido nesta cautelar no original.

Note-se que, ainda que assim não fosse, o contrato supostamente celebrado sequer está autenticado, exigência do art. 365 do Código de Processo Civil, razão pela qual, diante da não apresentação do original do documento tido por falso, este não pode produzir efeito algum em relação aos autores.

No tocante ao mérito da ação principal, os pedidos nela formulados também devem ser acolhidos, afastando-se a preliminar levantada pelos autores, simplesmente porque a prova produzida já autoriza o acolhimento da pretensão deduzida na exordial.

O objeto da demanda é a determinação para que a ré transfira o co-autor para um de seus hospitais próprios ou conveniados, bem como dê a ele todo o atendimento contratado (contrato 19611546), com a anulação do contrato de nº 19611546.

É ponto incontroverso nos autos que a autora Diana Lucia era conveniada da requerida, quando de sua internação, parto e nascimento do co-autor Raphael.

E, da análise das provas produzidas ao longo da instrução, a conclusão obtida é de que as despesas com o tratamento do co-autor estavam cobertas pelo plano contratado em 05.09.97, na medida em que prova alguma existe nos autos, fidedigna, a demonstrar que a autora subscreveu o aditivo contratual anexado, que poderia indicar a redução do prêmio mensal, estipulação de novas carências ou quaisquer outras limitações a seus direitos.

Tomando-se por base o contrato celebrado em setembro de 1.997, quando do parto não mais existiriam as carências contratuais, visto que ocorrido o nascimento do co-autor em setembro de 1.998 (doze meses depois da contratação), quando já ultrapassados os dez meses de carência contratualmente previstas (cláusula 5.2 da apólice – fls. 29).

Não prospera, também, o argumento de que o menor não havia sido declarado como beneficiário, e, por tal razão, não poderia ter cobertura para sua pessoa. Tal assertiva por parte da ré, em primeiro lugar, não é jurídica, se bem interpretado o contrato celebrado; segundo este (art. 12, III, a) teria a autora o prazo de trinta dias para declará-lo beneficiário, e a negação de cobertura, pela ré, se deu dentro do referido lapso de tempo, o que não estaria autorizado.

A cláusula 4.3.3. do contrato do plano “Medicus”, que restringe a cobertura das despesas do recém-nascido, possibilitando o ressarcimento das mesmas somente após sua inserção no contrato é abusiva e nula de pleno direito.

Isto porque estabelece obrigação que coloca o consumidor em desvantagem exagerada, mormente diante dos acontecimentos que podem vir a atingir não só à criança nascida, mas à própria parturiente.

Não é de se admitir que, necessitando a criança de cuidados médicos urgentes, e estando a mãe em recuperação de processo de parto, seja negado atendimento àquele porque faltou sua declaração de que o mesmo seria seu dependente ou beneficiário. Não só a lei (em face do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor) está a permitir que esta cláusula seja tida por inexistente, como também a moral, os bons costumes e os princípios gerais de direito assim o recomendam (art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil).

A cláusula contratual invocada na contestação, e retro mencionada, não há sequer de existir, pois, pergunta-se: o consumidor que traz um filho ao mundo não deseja incluí-lo, no momento do parto, mormente quando surgem complicações ao desenvolvimento do filho que nasce, a cobertura pela qual pagou?

Se o nascimento ocorre de maneira satisfatória, pode até se pensar em prazo de opção posterior, dentro do qual a situação de dependente pode ou não ser vantajosa ao consumidor; contudo, não há de se cogitar desta conclusão quando as complicações da criança surgem logo após o parto, havendo de serem tidas por incluídas na responsabilidade do plano contratado.

Ou será que, concessa venia, se pretenderá que, com o surgimento dos problemas de saúde do filho recém nascido, o pai, ou pior, a mãe, saia em busca de empresa de assistência médica que aceite celebrar contrato com menor de idade que já deve ser tratado imediatamente?

A prevalecer a interpretação da contestação, e ter-se por totalmente válida a cláusula ali invocada, negar-se-á cobertura a toda criança que venha a nascer e precise de imediatos cuidados médicos, o que não nos parece a melhor interpretação dos contratos semelhantes ao discutido nestes autos.

Diante destes argumentos, JULGO PROCEDENTES as ações principal e cautelar, reconhecendo não só a nulidade do contrato 19611546 apresentado pela ré, visto que não assinado pela autora maior (e não anulação, como constou na exordial, não havendo que se falar em sentença extra petita porque aplicáveis os brocardos jura novit curia e naha mihi facto, dabo tibi jus), como também condenando a ré a arcar com todas as despesas relativas ao tratamento do co-autor Raphael Melo de Oliveira, em um de seus hospitais próprios ou conveniados, dando a ele todo o atendimento contratado (contrato 19187414).

ARCARÁ a ré com o pagamento das custas e despesas dos processos, reajustadas pelo índice de correção monetária a contar do efetivo desembolso, bem como os honorários advocatícios que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor da causa principal, corrigido pelo referido índice a contar da propositura da referida demanda. Justifica-se a honorária acima do mínimo em razão de duas serem as ações propostas, bem como pelo trabalho realizado pelo profissional e o tempo exigido para o seu serviço. P.R.I. São Paulo, 30 de julho de 2.004.

AFONSO CELSO DA SILVA

Juiz de Direito

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