Dona do ouro

Pesquisa e lavra de recursos minerais são competência da União

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16 de agosto de 2004, 21h14

A propriedade do petróleo e do gás natural depois da extração não deve ser do concessionário, conforme estabelece o artigo 26 da lei 9.478/97. A decisão é do ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, que concedeu em parte liminar requerida pelo governador do Paraná, Roberto Requião, em Ação Direta de Inconstitucionalidade.

A ação questiona dispositivos da lei, que trata da política energética nacional e de atividades relativas ao monopólio do petróleo. Segundo o ministro, o artigo 176 da Constituição Federal estabelece que a pesquisa e a lavra de recursos minerais somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, “por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país”.

Ainda segundo Ayres Britto, petróleo e gás natural são bens da União, sejam os encontrados no subsolo, sejam os situados na “plataforma continental, no mar territorial ou zona econômica exclusiva”. Esses recursos, ainda de acordo com o relator, são passíveis de ter a sua pesquisa e lavra feitas por autorização ou concessão, mas sem a possibilidade de transferência do produto da lavra para o concessionário, por ser essa transferência incompatível com o regime de monopólio a que se refere o artigo 177 da CF.

De acordo com o STF, ele acentuou que a autorização ou concessão para pesquisa, lavra e aproveitamento de petróleo e gás natural, cessão ou transferência, são atribuições exclusivas da União. “União, pessoa federada, repise-se, e não entidade da respectiva Administração Indireta, como é o caso da Agência Nacional do Petróleo (ANP)”, disse.

O ministro suspendeu também a eficácia dos incisos I e III do artigo 28 que prevêem uma cláusula aberta para extinguir as concessões; o parágrafo único do artigo 43 e o parágrafo único do artigo 51, que regulam as condições contratuais do prazo de exploração e o valor do pagamento pela ocupação ou retenção de área, e, finalmente, o caput do artigo 60, que dá à ANP a competência para expedir autorização para exportação de petróleo.

ADI nº 3.273

Leia a íntegra da liminar

DESPACHO: Vistos, etc.

Com base no inciso V do art. 103 da Constituição Federal de 1988, o Governador do Estado do Paraná ajuíza a presente ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar. E o faz para se contrapor a alguns dispositivos da Lei federal n° 9.478, de 6 de agosto de 1997, diploma normativo cuja ementa é a seguinte:

“Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências.”

2. Pois bem, as normas legais que o requerente afirma ofensivas da Constituição Federal de 1988 são as seguintes:

“Art. 26. A concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos, com os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais correspondentes.

(…)

§ 3º Decorrido o prazo estipulado no parágrafo anterior sem que haja manifestação da ANP, os planos e projetos considerar-se-ão automaticamente aprovados.”

………………………………………….

Art. 28. As concessões extinguir-se-ão:

I – pelo vencimento do prazo contratual;

(…)

III – pelos motivos de rescisão previstos em contrato;

………………………………………….

Art. 37. O edital da licitação será acompanhado da minuta básica do respectivo contrato e indicará, obrigatoriamente:

I – o bloco objeto da concessão, o prazo estimado para a duração da fase de exploração, os investimentos e programas exploratórios mínimos;

(…)

Parágrafo único. O prazo de duração da fase de exploração, referido no inciso I deste artigo, será estimado pela ANP, em função do nível de informações disponíveis, das características e da localização de cada bloco.

………………………………………….

Art. 43. O contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais:

(…)

II – o prazo de duração da fase de exploração e as condições para sua prorrogação;

(…)

Parágrafo único. As condições contratuais para prorrogação do prazo de exploração, referidas no inciso II deste artigo, serão estabelecidas de modo a assegurar a devolução de um percentual do bloco, a critério da ANP, e o aumento do valor do pagamento pela ocupação da área, conforme disposto no parágrafo único do art. 51.


………………………………………….

Art. 51 …

Parágrafo único. O valor do pagamento pela ocupação ou retenção de área será aumentado em percentual a ser estabelecido pela ANP, sempre que houver prorrogação do prazo de exploração.

………………………………………….

Art. 60. Qualquer empresa ou consórcio de empresas que atender ao disposto no art. 5º poderá receber autorização da ANP para exercer a atividade de importação e exportação de petróleo e seus derivados, de gás natural e condensado.”

3. Quanto aos dispositivos constitucionais tidos por violados, são eles os arts. 1°, 2°, 4°, 20, incisos V e IX, 23, incisos I e X, 170 e 177, caput, incisos I a IV e mais os §§ 1° e 2°.

4. Nessa marcha batida, o autor declina os fundamentos jurídicos da sua pretensão de ver julgada procedente a ação direta, não sem antes requerer medida cautelar. Provimento acautelatório, esse, que (o acionante é quem o diz):

“resguardaria a República Federativa do Brasil de uma situação extremamente difícil de ser revertida num futuro próximo, ao profligar do regime da Lei combatida a transferência de titularidade da matriz energética, prevista no art. 26, caput, bem como o inexorável escoamento das reservas para o exterior, em decorrência da breve auto-suficiência do mercado interno aliada à obrigação de produção sem ressalvas aos concessionários.”

5. É o relatório.

6. Já a título de decisão, começo por transcrever o caput do art. 10 da Lei n° 9.868/99, que assim dispõe sobre a concessão de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade:

“Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias.”

7. Isso não obstante, se o caso vem a ser de saliente ou qualificada urgência (no sentido de que a não imediata concessão da liminar já antecipa o juízo da completa ineficácia de sua eventual concessão a posteriori), este Supremo Tribunal Federal tem admitido que o relator se substitua ao Pleno no exame de tal pretensão preambular. Submetendo a referendo desse mesmo Pleno o provimento deferitório que ele, relator, por ventura vier a expedir. É o que se infere das decisões proferidas nas ADIs 2849-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; e 1899-MC, Rel. Min. Carlos Velloso.

8. Com efeito, nas circunstâncias que permeiam o ajuizamento desta ação direta de inconstitucionalidade, a premência quanto à necessidade de exame da medida liminar postulada salta da simples consideração de que a Agência Nacional de Petróleo (ANP) já fez publicar, embasada, precisamente, na lei federal aqui adversada, edital de convocação dos interessados para participarem, nos dias 17 e 18 de agosto do corrente ano, da sexta rodada de licitações de áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural (fls. 44/51). E é claro que uma decisão judicial pelos trâmites usuais já se daria bem depois de consumado tal proceder licitatório. Pelo que me convenço de que a situação exige mesmo uma pronta apreciação do provimento acautelatório requestado.

9. Pelo exposto, passo a aferir da presença dos requisitos autorizadores da concessão da multicitada decisão liminar. Mas de logo ajuizando que tenho por existente o pressuposto da pertinência temática, dado que o subscrevente desta ação é agente estatal que, sobre figurar expressamente no rol dos habilitados para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade (inciso V do art. 103 da C.F.), está a defender a integridade de um tipo de patrimônio público (jazidas de petróleo e gás natural) verdadeiramente condicionante do bem-estar de toda a população brasileira, assim como do desenvolvimento e da soberania nacionais[1]. Mais ainda, esse típico tributo estadual que é o ICMS tem potencialidade para incidir sobre “(…) derivados do petróleo, combustíveis e minerais do País” (§ 3º do art. 155 da CF), o que termina por carrear para este processo objetivo de controle de constitucionalidade um ingrediente de específica habilitação processual ativa.

10. Assim reconhecida a legitimidade ativa do autor, penso de boa metodologia enfrentar a questão de fundo com o juízo mais abrangente de que, na Constituição Federal de 1988, petróleo e gás natural são versados como espécies de recursos minerais. É dizer, a Carta-cidadã, fiel à proposição kelseniana de que o Direito constrói suas próprias realidades, optou por ignorar as discussões geológicas e geofísicas sobre a distinção entre hidrocarbonetos fluidos e gasosos (que seriam substâncias orgânicas) e os recursos minerais propriamente ditos (que teriam a natureza de substâncias inorgânicas). Isto para fazer destes últimos (“recursos minerais”) o gênero no qual os dois primeiros recursos se encartariam. As três tipologias fundindo-se, em princípio, numa única realidade normativa ou figura de Direito, sob o nome abrangente de “recursos minerais”.


11. É esta indiferenciação de jure — falemos assim, por enquanto — que explica o fato de a Constituição dizer que são bens da União “os recursos minerais, inclusive os do subsolo” (inciso IX do art. 20), sem a menor necessidade de expressamente incluir entre esses bens o petróleo e o gás natural. Tal como faz com o dispositivo segundo o qual “As jazidas, em lavra, ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra” (art. 176, cabeça), também sem precisar dizer, às expressas, que petróleo e gás natural se constituem num tipo de domínio distinto daquele que recai sobre o solo onde ocasionalmente se encontrem. Aliás, o propósito de fazer do petróleo e do gás natural duas caracterizadas espécies do gênero recursos minerais bem se patenteia nesse versículo de número 176, que se inicia pelo uso do substantivo plural “jazidas”, precisamente o mesmo que vai compor o discurso normativo do artigo imediatamente posterior(o de número 177), como se vê da seguinte legenda: “Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos” (sem o negrito, no original). Deixando entrever que jazida é reservatório ou depósito de minérios, (tal como os dicionários pátrios registram), pois exatamente lá, no artigo imediatamente anterior (nº 176), a Constituição acrescentara ao vocábulo “jazidas” a didática locução “e demais recursos minerais”. Conforme já o fizera — sobremais — no inciso XII do art. 22, a respeito das matérias sujeitas à competência legislativa que a União detém com privatividade (“jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia” (de novo, sem os caracteres em negrito[2]).

12. Fácil seria deduzir, então, que para conhecer o regime jurídico do petróleo e do gás natural bastaria ao intérprete da Constituição conhecer o regime normativo dos recursos naturais. Do que decorreria a quase instantânea compreensão de que ambas as figuras (petróleo e gás natural) seriam tidas pela Magna Carta como:

I – bens da União (inciso IX do art. 20);

II – matéria que se submete à competência legislativa que a União detém com privatividade (inciso XII do art. 22);

III – “propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento” (caput do art. 176);

IV – recursos passíveis de ter a sua pesquisa e lavra, assim como exploração e aproveitamento, realizáveis por via de autorização ou concessão, “garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra” (conclusão apenas provisória, como adiante se verá);

V – setor de atividade que ainda se submete às normas veiculadas pelos três primeiros parágrafos do art. 176, assim redigidos:

“§ 1º – A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o ‘caput’ deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.

§ 2º – É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma, e no valor que dispuser a lei.

§ 3º – A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do Poder concedente.”

13. “Fácil seria deduzir” — dissemos –, mas somente se a Constituição não contivesse normas complementares especificamente voltadas para as duas modalidades de recursos minerais: o petróleo e o gás natural. E o fato é que a nossa Lei Maior tanto cuida do gênero “recursos minerais” quanto das duas espécies de que vimos falando. Equivale a dizer: a Lei Republicana, num primeiro instante, dispõe sobre o gênero “recursos minerais”. Já num segundo e imediato momento, passa a disciplinar os específicos temas do petróleo e do gás natural. Prova disso é o inciso IX do art. 20, quando confrontado com o seu § 1º. Também assim todo o art. 176 e seus três primeiros parágrafos, quando cotejados com o art. 177, incisos de I a IV e §§ 1º e 2º, in verbis:

Art. 20 São bens da União:

(…)

IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

(…)

§ 1º – É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.


(…)

Art. 176 As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o ‘caput’ deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.

§ 2º É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.

§ 3º A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do Poder concedente.

Art. 177 Constituem monopólio da União:

I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos, resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.

§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre:

I – a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo território nacional;

II – as condições de contratação;

III – a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União.

(…)”

14. Ora bem, se é da técnica da Magna Lei de 1988 avançar comandos gerais sobre todo e qualquer tipo de recurso mineral, para em seguida lançar disposições especiais sobre dois desses recursos (petróleo e gás natural), o cânone hermenêutico a observar só pode ser este: aplica-se toda a parte geral da Constituição, mas somente naquilo que não conflitar com sua parte especial. Elementar regra de eliminação de antinomia normativa, expressa no brocardo latino lex speciali derrogat generali.

15. Chegando-se a esta compreensão das coisas, já se pode acoplar as duas ordens de disposições constitucionais (a geral e a especial) para fixar o regime jurídico do petróleo e do gás natural segundo estas novas coordenadas mentais:

I – petróleo e gás natural são bens da União, sejam os encontrados no subsolo, sejam os situados na “plataforma continental, no mar territorial ou zona econômica exclusiva” (art. 20, inciso IX e § 1º);

II – do resultado da sua exploração participam ou são compensados (conforme o caso) os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como certos órgãos da Administração Direta da União e mais o proprietário do respectivo solo, se de jazida em subsolo se tratar (§ 1º do art. 20, combinadamente com o § 2º do art. 176);

III – constituem matéria que se inscreve na competência legiferante que é privativa da nossa pessoa federada central (inciso XII do art. 22);

IV – revelam-se como propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento (caput do art. 176);

V – são recursos passíveis de ter a sua pesquisa e lavra, tanto quanto sua exploração e aproveitamento, realizáveis por via de autorização ou concessão (art. 176 e seu § 1º), mas agora sem a possibilidade de transferência do produto da lavra para o concessionário, por ser essa transferência incompatível com o regime de monopólio a que se referem o inciso I do art. 177 e o § 2º, inciso III, desse mesmo artigo[3]);

VI – partilham da mesma sorte dos recursos minerais lato sensu, quanto à necessidade de que sua pesquisa, lavra e aproveitamento “somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha a sua sede e administração no País” (§ 1º do art. 176, negritos à parte[4]);

VII – sua submissão a regime de autorização ou concessão para pesquisa, lavra e aproveitamento de suas jazidas, tanto quanto a respectiva cessão ou transferência, total ou parcialmente, e sempre por prazo determinado, tudo isso fica na dependência do Poder Concedente, que é, com exclusividade, a União (§§ 1º e 3º do art. 176). União pessoa federada, repise-se, e não entidade da respectiva Administração Indireta, como é o caso da Agência Nacional do Petróleo (ANP);


VIII – embora submetidos ao precitado regime de monopólio da União quanto à “pesquisa”, “lavra”, “refinação”, “importação”, “exportação”, “transporte marítimo” “e transporte por meio de conduto” (incisos de I a IV do art. 177 da Lex Legum), podem ter todas essas atividades contratadas entre a União e empresas estatais ou privadas (§ 1º do art. 177), contanto que estas atendam ao requisito do mencionado § 1º do art. 176 (“por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País”). Contratação, que, para preservar o necessário regime de monopolização estatal do setor, só pode significar a mera execução de um trabalho que se faz para o ente monopolizador e em nome deste. Embora os riscos de todas essas atividades possam ficar por conta das empresas contratadas, dispondo a lei sobre o tipo de remuneração ou contrapartida cabível;

IX – Sobredita contratação deve ter as suas condições estabelecidas em lei (não simplesmente em normas editalícias), lei, essa, que ainda deverá conter disposições a respeito da garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional, além de dispor sobre a estrutura e atribuições do “órgão regulador do monopólio da União” (incisos de I a III do § 2º do art. 177); ou seja, órgão que tem na efetividade do monopólio em causa a própria razão de ser das competências administrativas que lhe forem legalmente conferidas. É ainda dizer: órgão de natureza administrativa, concebido não para normatizar, mas normalizar o setor que a Lei Maior submeteu a regime de monopólio da União. Não para regular, mas regularizar a execução das atividades constitutivas do referido monopólio, importando essa regularização o exercício de um típico poder de polícia administrativa, como a fiscalização, o monitoramento, a arbitragem, a atuação comissiva, enfim (não o silêncio, o abstencionismo ou o simples decurso de prazo como fórmulas de manifestação de vontade estatal)[5].

16. Pronto! Parecendo-me serem essas coordenadas mentais a essência mesma do regime jurídico-constitucional do petróleo e do gás natural, dessas coordenadas extraio as razões de jure para deferir em parte a medida cautelar requestada. O que faço para os seguintes efeitos:

I – suspender a eficácia da expressão “conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos”, que se lê na cabeça do art. 26 da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997;

II – dar a esse mesmo art. 26, caput, interpretação conforme à Constituição, no sentido de que o concessionário ali referido só pode ser “brasileiro ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha a sua sede e administração no País”;

III – suspender a eficácia do § 3º do art. 26 do diploma legal em causa;

IV – suspender a eficácia dos incisos I e III do art. 28 do ato legislativo federal questionado;

V – suspender a eficácia do parágrafo único do art. 43 da lei aqui adversada; e

V – suspender a eficácia do parágrafo único do art. 51 e a do art. 60, caput, da mesmíssima Lei federal nº 9.478/97.

17. É a decisão que tomo, ante a manifesta urgência do pedido, submetendo-a a referendo do egrégio Plenário desta Suprema Corte de Justiça.

Dê-se conhecimento da presente decisão, com toda urgência, à Exmª. Srª. Ministra das Minas e Energia, assim como à superior direção da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Solicitem-se informações ao requeridos.

Publique-se.

Brasília, 16 de agosto de 2004.

Ministro CARLOS AYRES BRITTO

Relator

[1] Nunca é demais enfatizar que o bem-estar e o desenvolvimento já figuram do preâmbulo da Constituição de 1988 como dois dos “valores supremos” ali arrolados. E que a soberania nacional é o primeiro dos princípios que informam toda a Ordem Econômica (inciso I do art. 170), capítulo constitucional de que faz parte o monopólio estatal do petróleo (art. 177).

[2] O verbete “jazidas” enquanto depósito mineral, mina ou filão, está na “enciclopédia e dicionário Koogan/Houaiss, Editora Koogan Guanabara, Rio de Janeiro, ano de 1994.

[3] Com efeito, monopólio é atividade ou propriedade de um só. Unititularidade de ação, de domínio ou venda, implicando atuação, propriedade ou comercialização sem competidor, consoante verbete que se lê na mesma Enciclopédia e Dicionário anteriormente citada. Se o caput do art. 176 da Constituição não monopoliza a pesquisa e a lavra das jazidas de recursos minerais lato sensu (como de fato não monopolizou), teria mesmo lógica assegurar a transferência do respectivo produto para o concessionário (como realmente assegurou). Bem ao contrário, se essa mesma Constituição, já no inciso I do art. 177 e no § 2º, inciso III, desse mesmo artigo, monopoliza até as atividades de pesquisa e lavra “das jazidas de “petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos”, é porque não admite o transpasse dominial do respectivo produto. Lógica irretocável, até porque é mantendo o domínio público sobre tais recursos minerais stricto sensu que se pode imprimir a eles uma finalidade igualmente pública (por hipótese, a garantia do pleno suprimento do mercado interno que o art. 219 tanto prioriza). Exatamente como sucede com a permissão ou concessão dos serviços públicos, que permanecem públicos na sua titularidade. Não na sua prestação aos usuários.

[4] Se tal exigência é feita para todo e qualquer recurso mineral, com mais razão é de prevalecer para os minerais stricto sensu, em face do seu inquestionável caráter estratégico em termos de bem-estar, desenvolvimento e soberania nacional, como dantes observado. Por sinal, exigência assemelhada àquela que a nossa Constituição faz para o setor de jornalismo e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, consoante os seguintes dizeres: “A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País” (art. 222).

[5] A Constituição é clara no distinguir entre poder normativo e poder simplesmente regulador, conforme se vê da seguinte passagem: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado” (art. 174)

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