Diagnóstico questionado

Ajufe e Anamatra contestam diagnóstico do Ministério da Justiça

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16 de agosto de 2004, 17h23

O diagnóstico do Poder Judiciário apresentado pelo Ministério da Justiça, nesta segunda-feira (16/8), é equivocado e foi feito sem transparência. Essa é a opinião da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

Em nota oficial, a Ajufe afirma que embora seja louvável o esforço do Ministério da Justiça em fazer um levantamento da Justiça, considera “estranho que em nenhum momento foi revelada e debatida democraticamente a metodologia utilizada para sua realização”.

Para a Associação, “o diagnóstico apresenta dados equivocados e incompletos”. Entre as falhas do levantamento, a Ajufe aponta como grave o fato de utilizar apenas os dados das instâncias convencionais da Justiça Federal, “ignorando os mais de 600 mil processos julgados nos Juizados Especiais Federais”.

Segundo a Ajufe, “é como se tais instâncias nada significassem ou que os juízes federais que lá trabalham não tenham qualquer importância para a solução dos conflitos sociais”.

A Associação afirma que um exemplo da discrepância entre os números reais e os levantados pelo diagnóstico está nos dados referentes ao estado do Amapá. O relatório do Ministério da Justiça registra que foram julgados 731 processos, em todo o ano de 2003, na Justiça Federal naquele estado.

Já, de acordo com a Ajufe, foram mais de sete mil processos. “Para completar o erro, em seguida o estudo simplesmente dividiu esse número errado de processos julgados no ano pelo número de cargos criados para juízes – seis – quando apenas três das vagas permaneceram providas durante 2003”, registrou.

A Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) também divulgou nota em que questiona os métodos usados para formular o diagnóstico. Segundo a entidade, o relatório é “frágil” e impede “qualquer análise científica”. Ele deixa “de apontar a metodologia utilizada na coleta de várias informações oferecidas, limitando-se a reproduzir números cuja origem é negada”, afirma a nota, assinada pelo presidente da Anamatra, Grijalbo Coutinho.

De acordo com o documento, “no que se refere à Justiça do Trabalho, o documento do Ministério da Justiça não traduz com fidelidade a movimentação processual, considerando que apenas cuida

dos feitos ajuizados na fase de conhecimento, desprezando o estoque de processos pendentes, ano a ano, na fase de execução, bem como o significativo número de decisões interlocutórias proferidas pelos juízes do trabalho”.

Leia a nota da Ajufe

Brasília, 16 de agosto de 2004

NOTA OFICIAL

DIAGNÓSTICO APRESENTADO PELO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA É EQUIVOCADO E FOI FEITO SEM TRANSPARÊNCIA

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) contesta os dados sobre a Justiça Federal contidos no Diagnóstico do Poder Judiciário, divulgado hoje pelo Ministério da Justiça. Embora louvemos o esforço do Ministério em realizar um levantamento completo sobre o setor, consideramos estranho que em nenhum momento foi revelada e debatida democraticamente a metodologia utilizada para sua realização.

O diagnóstico divulgado apresenta dados equivocados e incompletos, o que objetivamente o descredencia como documento fiel sobre a realidade brasileira.

Podem ser detectados equívocos gravíssimos como o de utilizar apenas os dados das instâncias convencionais da Justiça Federal, ignorando os mais de 600 mil processos julgados nos Juizados Especiais Federais. É como se tais instâncias nada significassem ou que os juízes federais que lá trabalham não tenham qualquer importância para a solução dos conflitos sociais.

O diagnóstico erra também quando utiliza, em todos os cálculos, o número de cargos de juízes criados no país, mas não o efetivamente provido, que é bem menor: no momento, há mais de 200 vagas de juiz federal em aberto em todo país, aguardando a realização de concursos.

Além disso, não houve o estabelecimento de padrões estatísticos nacionais uniformes, o que significa que há comparações completamente impróprias (por exemplo, “processo distribuído” ou “julgado” em um Estado abrange alguns tipos de processos, excluídos em outro).

Por outro lado, conforme pode ser confirmado no site do próprio Ministério da Justiça, o relatório demonstra desconhecimento sobre o número oficial de varas da Justiça Federal. Informa que foram criadas 500 novas varas federais no ano passado, por meio da lei nº 10.772/03, quando na realidade foram criadas apenas 183 novas varas, ainda nem todas instaladas. Faltam sair do papel, daquele total, ainda 123 varas, por exigências impostas pelo Poder Executivo.

Um bom exemplo da discrepância entre os números reais e os levantados pelo diagnóstico está nos dados referentes ao estado do Amapá. O relatório do Ministério da Justiça afirma que foram julgados apenas 731 processos, em todo o ano de 2003, na Justiça Federal naquele estado, quando na verdade foram mais de 7.000. Para completar o erro, em seguida o estudo simplesmente dividiu esse número errado de processos julgados no ano pelo número de cargos criados para juízes – seis – quando apenas três das vagas permaneceram providas durante 2003.

Também no tocante aos gastos com o Judiciário o relatório não é fiel aos números reais, pois não apresenta dados claros de comparação para afirmar o quanto efetivamente é arrecadado pela União com a atuação da Justiça Federal e Trabalhista, e que superam longamente os seus custos.

Outrossim, no tocante à remuneração dos juízes federais, o levantamento foi efetuado por uma entidade estrangeira (Banco Mundial), não se sabendo a partir da quais dados e, como demonstrado anteriormente, provavelmente a partir de informações distorcidas. Pensamos que o papel de um Governo soberano seria pelo menos checar tais dados, antes de difundi-los à opinião pública nacional.

A AJUFE espera que haja as adequadas retificações, a fim de efetivamente refletir-se o quadro real do Judiciário brasileiro. Que isso seja precedido de ampla discussão, transparente e democrática, entre todos os atores desse Poder.

Lamentando não ter sido ouvida em nenhum momento, a AJUFE coloca à disposição todos os dados estatísticos de que dispõe sobre a Justiça Federal, que envolvem todos os seus setores, e divergem substantivamente dos apresentados pelo Ministério da Justiça.

Vamos postular que o STF conduza um estudo sério e competente, que possa permitir aos cidadãos brasileiros conhecerem de modo fiel as virtudes e defeitos do Judiciário do nosso país.

Jorge Maurique

Presidente da AJUFE

Leia a nota da Anamatra

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra, entidade da sociedade civil organizada, representativa de mais de três mil juízes do trabalho, vem a público, em face da divulgação do documento denominado “Diagnóstico do Poder Judiciário”, do Ministério da Justiça, esclarecer o seguinte:

1. Deve ser enaltecida a iniciativa do Executivo em apresentar dados sobre o Poder Judiciário, mas a peça exibida com tal objetivo revela-se extremamente frágil, impedindo, assim, qualquer análise científica que se pretenda levar a efeito. Além de inconsistente em aspectos primordiais, o projeto de diagnóstico deixa de apontar a metodologia utilizada na coleta de várias informações oferecidas, limitando-se a reproduzir números cuja origem é negada;

2. No que se refere à Justiça do Trabalho, o documento do Ministério da Justiça não traduz com fidelidade a movimentação processual, considerando que apenas cuida dos feitos ajuizados na fase de conhecimento, desprezando o estoque de processos pendentes, ano a ano, na fase de execução, bem como o significativo número de

decisões interlocutórias proferidas pelos juízes do trabalho;

3. Somente na fase de execução, na Justiça do Trabalho, o ano de 2003 iniciou com um saldo de 1.794.678 processos pendentes, com o acréscimo de mais 667.882 novos processos, totalizando, assim, 2.462.560 feitos, com o encerramento de 545.953 execuções (fonte: Relatório Geral da Justiça do Trabalho – Ano de 2003 – TST). Nenhum desses elementos foi considerado no trabalho do Ministério da Justiça, lacuna que compromete toda e qualquer gestão tendente a dar celeridade e racionalidade ao sistema processual brasileiro;

4. A estatística exibida não condiz com a realidade do volume de processos submetidos aos juízes, os quais não se encerram após a decisão proferida na fase de conhecimento;

5. A excessiva preocupação do Ministério da Justiça com “as despesas do judiciário” parece ter sido o mote central de toda a pesquisa, ao estabelecer comparações com outros países e trazer demonstrativo da evolução dos gastos efetuados sob tal rubrica pelos entes federados brasileiros. Mas não teve o cuidado no exame dos dados frente ao quadro que ampliou o acesso do cidadão à Justiça com a Constituição de 1988 e a natureza social da medida, como também os valores arrecadados pelos diversos segmentos do judiciário em favor dos cofres públicos. Mesmo assim, essas despesas sequer correspondem a 3% do orçamento da União;

6. Os valores transferidos aos trabalhadores brasileiros no ano de 2003 (mais de cinco bilhões de reais), por força da atuação da Justiça do Trabalho, também não mereceram nenhuma abordagem, comprovando o viés neoliberal que se lança como alternativa única de reforma do Estado brasileiro pelo Governo Lula;

7. Valendo-se de supostos dados do Banco Mundial, o referido “Diagnóstico do Poder Judiciário” conclui que os salários dos juízes da esfera federal situam-se no topo do ranking, considerando a paridade do poder de compra (PPPD). Causa estranheza que afirmação peremptória dessa natureza seja lançada em documento público do Poder Executivo, com base em dados de organismo internacional manifestamente interessado numa reforma do Poder Judiciário que diminua a sua importância política e social. Anamatra aproveita a oportunidade e lança publicamente o desafio ao Ministério da Justiça para que exiba a base de dados e se coloque à disposição para um debate público e transparente;

8. Por fim, face a indiferença que o Executivo demonstrou com o Poder Judiciário na elaboração do referido diagnóstico, do qual teve conhecimento no momento da sua divulgação, urge que o Supremo Tribunal Federal, no exercício da chefia do Poder Judiciário Brasileiro, elabore um verdadeiro diagnóstico do judiciário, com base em dados públicos e transparentes, para que a população conheça, efetivamente, a realidade do judiciário brasileiro.

9. A Anamatra possui compromisso com as mudanças necessárias ao melhor desempenho do Poder Judiciário nacional, não hesitando, porém, da crítica contundente aos setores interessados na promoção de reformas neoliberais, contrárias aos interesses da imensa maioria do povo brasileiro. Pautará a sua conduta, sempre, com transparência absoluta, rechaçando toda e qualquer ação que possa comprometer o direito à informação, seja qual for o órgão ou o poder investigado

Brasília, 16 de agosto de 2004

Grijalbo Fernandes Coutinho

Presidente da Anamatra

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