Na contramão

Extinção de crédito-prêmio de IPI pode quebrar exportadores

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13 de agosto de 2004, 14h10

O valor de R$ 5 bilhões que a Fazenda Nacional e a Receita Federal divulgaram em recente Memorial para quantificar o desembolso que a União terá de fazer caso tenha de pagar o crédito-prêmio do IPI aos exportadores é irreal. A opinião é do economista e presidente da Funcex — Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior — Roberto Giannetti da Fonseca.

“Os números nunca foram esses e nunca vão ser, foram alcançados sem base de cálculo. Não há demanda para tanto”, diz. O montante seria assim, uma manobra dos órgãos para convencer a mídia de que o Superior Tribunal de Justiça deve votar pela suspensão do pagamento do crédito, em julgamento marcado para o dia 8 de setembro.

Tenta-se, segundo Giannetti da Fonseca, de colocar a culpa no setor privado, como se o exportador estivesse recebendo dinheiro ao qual não tem direito, “quando o responsável é o governo, que não pagou o crédito passado e acabou criando um esqueleto grande demais”.

Em recente acórdão, durante a apreciação do recurso especial 591708, o STJ concedeu a primeira decisão desfavorável ao contribuinte em relação ao assunto. A Primeira Turma do Tribunal entendeu, por três votos a um, que o crédito-prêmio não está mais em vigor e foi extinto em 1983, como defende a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

Com ela, a empresa gaúcha Icotron S/A Indústria de Componentes Eletrônicos não teve reconhecido o direito ao incentivo fiscal referente a exportação de produtos manufaturados, no período entre 21 de fevereiro de 1990 a 4 de outubro do mesmo ano.

“A decisão ameaça a segurança jurídica”, segundo o advogado Nabor Bulhões. Para ele, caso o entendimento seja mantido no próximo julgamento, “sinalizaremos ao resto do mundo que não há estabilidade no Brasil. Empresas exportadoras vão quebrar, contratos internacionais serão rompidos, mercadorias deixarão de ser entregues e a imagem do país será prejudicada. Tudo por causa de uma visão arrecadatória de curto prazo”.

A tese central da Fazenda para que o crédito-prêmio seja derrubado é a edição do decreto-lei nº 1.658, que previa a redução gradual do benefício até sua extinção, em 30 de junho de 1983. O órgão também se baseia em decretos-lei posteriores: o nº 1.722/79, que estipula os percentuais de redução e nº 1.724/79, que dá poderes ao ministro da Fazenda para aumentar, reduzir ou extinguir o incentivo fiscal.

O decreto nº 1.724/79 foi julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em 2001. A Procuradoria, no entanto, defende que, por ser inconstitucional, ele saiu do mundo jurídico, como se nunca tivesse existindo. O normativo anterior, que previa o fim do incentivo, foi, assim, “ressuscitado”. Sob esse ponto de vista, o crédito-prêmio teria sido extinto em 1983, como previsto no decreto-lei nº 1.658/79.

Caso a tese da PGFN seja vencedora, a União poderá buscar, na Justiça, o ressarcimento dos créditos compensados pelas empresas nos últimos cinco anos. “De uma hora para outra, o empresário exportador que contribui para o desenvolvimento do país passaria a ser devedor”, diz Bulhões.

Em seu voto, que foi vencido pelos outros integrantes da turma, o ministro do STJ, José Delgado, defendeu a fragilidade da tese da PGFN. Ela estaria configurada na existência do decreto-lei 1.894/81, que estendeu às empresas de comércio internacional o benefício do crédito de IPI, antes restrito aos chamados fabricantes exportadores, sem estabelecer prazo para o fim do benefício.

Para o ministro Delgado, ficou claro que o fim do crédito de IPI só poderia se dar por lei posterior ao decreto-lei 1.894/81, “de modo expresso ou que contenha regra incompatível com o alcance do discutido benefício fiscal”. Até agora, essa norma revogadora do crédito-prêmio de IPI não existe.

“Se o legislador tivesse intenção de manter a extinção do crédito-prêmio em 1983, teria expressamente declarado que o incentivo ficaria assegurado até aquela data”, afirmou.

Diante do entendimento do STJ no julgamento do caso da Icotron, o ministro Luiz Fux remeteu o recurso especial 541.239 para julgamento pela Primeira Seção, o que deverá ser feito no dia 25. Embora atinja diretamente apenas uma empresa (a Selectas S/A Indústria e Comércio de Madeiras, do Paraná), a decisão servirá como uma espécie de bússola para ações semelhantes, tanto no STJ quanto nas demais instâncias da Justiça Federal.

Segundo o procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, Francisco Tadeu Barbosa de Alencar, existem na Secretaria da Receita Federal pedidos de compensação de crédito-prêmio de IPI de R$ 18 bilhões relativos apenas aos dois últimos anos.

Se a Justiça decidir que o benefício não existe, as empresas terão que recolher aos cofres públicos essa quantia sem possibilidade de compensação. “O governo, que tanto afirma estimular as exportações, quer matar a galinha dos ovos de ouro para fazer caixa no curto prazo. Certamente muitas empresas vão quebrar”, prevê Bulhões.

Caso o governo vença a queda-de-braço na Justiça, e elimine o pagamento do crédito-prêmio, a exportação se tornará inviável para as empresas brasileiras, diz Giannetti da Fonseca. Mesmo que elas tenham isenção na exportação, a competitividade seria, segundo ele, prejudicada pelos resíduos dos impostos conferidos na cadeia produtiva, “que não são eliminados, ficam acumulados e inflam o preço final do produto”.

O atual quadro das empresas exportadoras brasileiras ficaria, assim, prejudicado. Hoje, das 17.743 existentes, apenas 264 respondem por 71% das exportações. Segundo números da Organização Mundial do Comércio, o Brasil representa apenas 1% das exportações mundiais, mais ou menos a mesma fatia que detinha em 1963 (0,9%). O índice é mais baixo do que o alcançado pela média das chamadas economias em transição, que foi de 28% no mesmo período. No quadro das vendas externas dos países exportadores, o país aparece em 25º lugar, bem atrás do México, colocado em 13º.

De acordo com especialistas, a manutenção do incentivo estaria embasada pela lei 8.402/92, que expressa que são válidas “a manutenção e utilização do crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados relativo aos insumos empregados na industrialização de produtos exportados, de que trata o art. 5° do Decreto-Lei n° 491, de 5 de março de 1969”.

Ela dispõe, ainda, que o “crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre bens de fabricação nacional, adquiridos no mercado interno e exportados de que trata o art. 1°, inciso I, do Decreto-Lei n° 1.894, de 16 de dezembro de 1981”.

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