Programa comemorativo

TV Justiça discute advocacia e magistratura na atualidade

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12 de agosto de 2004, 17h50

O ‘Justiça Para Todos’, programa da Ajufe — Associação dos Juízes Federais do Brasil –, na TV Justiça, exibe nesta quinta-feira (12/8), às 21h30 uma entrevista especial com o presidente da OAB, Roberto Busato, e o presidente da Ajufe, Jorge Maurique.

O programa é uma homenagem da Ajufe à OAB pelo ‘Dia do Advogado’, comemorado nacionalmente em 11 de agosto, data em que foram criados os cursos de Direito no Brasil. A Ordem tem 74 anos de história e representa 480 mil advogados atualmente.

O programa inédito, que será exibido nesta quinta-feira, se repete no sábado (às 18h30), segunda (11h30) e terça-feira (06h00). (Confira os canais que exibem a TV Justiça em cada cidade no site www.tvjustica.gov.br)

Na entrevista, mediada pelo apresentador do programa, repórter Samuel Figueiredo, Busato e Maurique defendem um grande e urgente projeto de conciliação para os que militam no Judiciário, que trabalhe em conjunto as convergências das entidades e categorias do setor, ao mesmo tempo em que continue discutindo exaustivamente suas divergências.

“Para os juízes, é muito positiva a aproximação de entidades corporativas como a Ajufe e OAB em torno de objetivos e projetos comuns”, disse Maurique. “Pretendemos ampliar ainda mais essa linha de atuação”.

Busato destacou que a Ajufe é uma das associações com a qual o Conselho Federal tem tido um diálogo constante. “Estamos no mesmo barco — o Judiciário — e temos que procurar vencer nossas dificuldades e trabalhar a favor daquele que é o nosso destinatário final: o povo”, afirmou Busato. “O país depende muito da advocacia e da magistratura para encontrar o seu caminho de justiça social, que também é nossa obrigação legal”.

A reforma do Judiciário, o controle externo pelo Conselho Nacional de Justiça; a questão da formação do advogado e da proliferação exacerbada dos cursos de Direito no Brasil também são temas no debate do programa.

Leia a entrevista:

Samuel – Dr. Busato, como é que foi a trajetória de um advogado de interior para chegar a Presidir a principal instituição que representa os advogados no Brasil?

Roberto Busato – A trajetória foi longa. Tive o prazer e a oportunidade de exercer praticamente todos os cargos dentro da Ordem dos Advogados do Brasil. Sou uma das poucas pessoas que tiveram mandato nos três níveis da instituição. Fui diretor-secretário de subseção, vice-presidente da mesma Subseção de Ponta Grossa e seu presidente. Depois, fui conselheiro estadual, tornando-me também o primeiro diretor do interior do Paraná a dirigir a OAB daquele estado. Fui seu vice-presidente na gestão de Acioli Neto. E, depois, vim ao Conselho Federal, fiz um mandato de conselheiro e fui eleito diretor-tesoureiro, depois vice-presidente e, agora, presidente da instituição. Foram 20 anos de dedicação. Integral não, porque nunca deixei de advogar e continuo advogando hoje. Mesmo porque, na OAB não há qualquer tipo de vantagem econômica. Você não tem verba de representação, não tem salário e não tem jeton. Então, tem que continuar com a atividade profissional. E me dediquei, nesses 20 anos, a esta política agremial que foi um grande ensinamento, dentro da minha vida pessoal e profissional.

Maurique – Dr. Busato, este programa é uma homenagem que a Ajufe presta à OAB e aos advogados na Semana do Advogado, já que no dia 11 foi o dia de Santo Ivo, em que foram criados os cursos de Direito no Brasil. Eu gostaria de saber como o senhor enxerga essa aproximação de uma entidade corporativa, como é a Ajufe, com a OAB. Quais são os caminhos e projetos comuns que podemos encaminhar? Adiantamos que a Ajufe já começou e pretende continuar nessa linha de trabalho integrado.

Busato – Bom, primeiramente, para nós é uma satisfação muito grande estar ao teu lado, Maurique, que preside a Ajufe, e dizer que a Ordem se sentiu bastante orgulhosa com o teu convite para aqui estar e debater alguns assuntos de interesse do nosso público. Porque, no fundo, no fundo, nós atendemos o mesmo público: o Juiz Federal, o Juiz comum, o advogado. E, dentro deste quadro, começo a responder a tua indagação. Nós temos que, urgentemente, partir para um grande projeto de conciliação daqueles que militam dentro do Judiciário, não vejo outra possibilidade nessa situação tão difícil da vida dos atores da cena do Direito, que não seja o da convergência. Temos que procurar trabalhar dentro das convergências e continuar discutindo, exaustivamente, as divergências. Mas não podemos deixar de lado as convergências. E, assim, na minha gestão, tenho procurado trabalhar ao lado de todas as Associações, principalmente a Ajufe e a Anamatra. São duas Associações com que o Conselho Federal tem tido um diálogo constante. E nós pretendemos continuar com esse diálogo e até aprimorá-los, com outros pontos que possamos avançar, tanto em prol da Justiça Federal como em prol da advocacia deste Brasil.


Samuel – Como o senhor vê, nessa semana em que se comemora o Dia do Advogado, a questão da formação do profissional do Direito? Existem muitas críticas, hoje, em relação à quantidade de faculdades e à formação desse profissional.

Busato – Bom, na Ordem dos Advogados do Brasil foi dada prioridade a esse assunto na minha gestão, em função de alguns acontecimentos de calendário. A Ordem lançou, na gestão do presidente Reginaldo Oscar de Castro, o selo “OAB Recomenda”, que não é um ranking das Faculdades de Direito, mas uma seleção, baseada em critérios objetivos, de alguns cursos que a entidade recomenda como cursos de excelência. Para ser distribuído e divulgado uma vez em cada gestão, a cada três anos, portanto. E na gestão do presidente Rubens Aprobatto Machado, por algumas dificuldades técnicas, esta edição do “OAB Recomenda” acabou ocorrendo no final do seu mandato, na última semana. Quando eu assumi o Conselho Federal ainda repercutia enormemente esse lançamento do segundo selo, houve uma reação violenta por parte de alguns cursos de Direito que não foram brindados com o “OAB Recomenda” e passaram a fazer uma campanha bastante avantajada contra a Ordem, em função disso. Em função deste problema e, também, verificando realmente uma diminuição na qualidade dos cursos de Direito, passamos a levantar uma bandeira, mostrando à sociedade brasileira a dificuldade que estava ocorrendo, com essa perda de qualidade. Tivemos, nos últimos três anos, aproximadamente 300 cursos de Direito sendo iniciados, durante a gestão de Rubens Approbbato Machado, e apenas duas dezenas deles haviam sido recomendados pela Ordem. Ao mesmo tempo, verificamos que o índice de reprovação nos Exames de Ordem estava aumentando a níveis assustadores. E, também, a baixa aprovação nos concursos para a magistratura, seja Federal, seja Estadual, estava chegando ao ponto de inviabilizar o próprio provimento das vagas existentes. Então, essa situação (de baixa qualidade dos cursos) ficou muito clara e passamos a fazer um trabalho muito violento em cima disso. Pedimos uma audiência ao Ministro Tarso Genro, tivemos a sensibilidade do Ministro, no sentido de dar um freio nesta farra de abertura de cursos jurídicos. A partir de fevereiro, o Ministro acabou suspendendo a criação de novos cursos e, depois, estendeu essa suspensão de homologação de cursos até o final do ano. Agora, já estamos trabalhando no sentido de estabelecer quais são os critérios de fiscalização dos cursos em andamento. Mas a situação é grave. É tão grave que hoje a média no Brasil todo, de reprovação no exame de Ordem, chega a 70%. Em alguns estados, como foi o caso da sua Santa e bela Catarina, Maurique, ocorreu uma reprovação de 87%.

Maurique – Essa questão dos cursos envolve também, de certa maneira, uma determinada visão ética. E há muitos questionamentos a respeito da ética do advogado. No linguajar popular, se discute muito a idoneidade do advogado. Por outro lado, a Ordem dos Advogados do Brasil, preocupada com a ética na Magistratura, defende o Conselho Nacional da Magistratura, um controle externo. Como é que está hoje este problema da questão ética, do controle da ética do advogado no âmbito da Ordem? E, ainda, já que a OAB é a favor do controle externo, com a participação de advogados no Conselho Nacional de Justiça, o senhor acha possível também a participação de magistrados nos Conselhos de ética da profissão dos advogados, tal como existe no American Bar Association (ABA), nos Estados Unidos?

Busato – Bom, o aspecto ético é norte, é um ponto básico na atividade, tanto da magistratura quanto da advocacia. Não há como se falar em magistratura e advocacia sem ética. E isto é uma bandeira que nós estamos levantando. Estamos iniciando, no mês que vem, uma ampla campanha sobre a ética na advocacia, a prerrogativa da advocacia e, também, a valorização da advocacia, mas todos esses pontos fundados na ética. Nós temos tido um trabalho muito grande neste ponto. E a Ordem tem, no Conselho Federal, aplicado sanções, julgado com rapidez os processos éticos que acorrem ao Conselho. Os estados também têm trabalhado nesse sentido. Com relação à participação de uma composição externa dentro dos Conselhos de Ética da advocacia, a Ordem é contra. É contra, porque não se trata de um Poder. O exemplo trazido pelo caro presidente Maurique, da ABA, que é a maior instituição da advocacia mundial, não guarda similitude com a Ordem, porque a ABA não faz a seleção e a disciplina da advocacia como aspecto obrigatório, porque não há colegiação obrigatória do advogado americano. Tanto é que na ABA magistrados também fazem parte da entidade. Nós não constituímos um Poder, ao contrário da magistratura, que é um deles. E todo Poder tem que ser, no nosso modo de ver, controlado, dentro dos limites que sejam razoáveis, dentro desse controle. Mas, por esse aspecto, a Ordem, entendendo que é uma entidade corporativa, no sentido de seleção e disciplina, conforme determina a lei, ela tem instrumentos capazes de enfrentar o problema da falta de ética.


Maurique – Nós temos verificado nos jornais propaganda ou anúncios de advogados chamando, tentando angariar clientela em questões do Sistema Financeiro de Habitação ou mesmo da Previdência Social, levantando teses que já foram refutadas pelos Tribunais. Como é que o senhor enxerga este tipo de propaganda, do ponto de vista ético, e como a OAB tem tratado essa questão?

Busato – Bom, esse tipo de propaganda fere o provimento que regula a propaganda da advocacia. Não se pode fomentar a litigiosidade. E, aí, além de a tese ser errada, o que realmente é lamentável, não se pode fazer uma propaganda, alimentando que se acorra ao Poder Judiciário por este ou aquele motivo. A Ordem tem acolhido as representações que lhe chegam a esse respeito e eu tenho recomendado que ajam de ofício, tanto as subseções a nível de município, que levem aos Conselhos de Ética essas notícias e, também, aos estados, para que, de ofício, apliquem ou abram a representação, para apurar a responsabilidade daqueles que infringem claramente o Código de Ética nesse aspecto.

Samuel – Quais são os problemas que o senhor identificaria hoje, no âmbito da Justiça, principalmente da Justiça Federal? E quais são as soluções que a OAB apontaria para resolver esses problemas?

Busato – Bom, o primeiro ponto da Justiça Federal é a falta, ainda, de um atendimento em todo o Brasil. A Justiça Federal se abriu há pouco tempo e, evidentemente, não conseguiu, ainda, estar presente em todas as localidades. E há um anseio muito grande, de todos os advogados, dos cidadãos, no sentido de ter uma Justiça Federal ao seu lado. E, às vezes, não tem essa Justiça Federal, porque ela está, aos poucos, sendo estruturada. Então, esse aspecto é o de que mais se ressente a advocacia, de ter uma Justiça Federal ao seu lado. No meu estado, por exemplo, a luta pela conquista de uma Vara Federal é monstruosa. Todas as comunidades se desdobram no sentido de ser atrativas à Justiça Federal, para que possa contar com este benefício. E ela funciona muito bem, e tem respondido muito bem ao anseio que o povo tem, da Justiça para Todos.

Maurique – Recentemente, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, identificando qual o maior número de órgãos demandados na Justiça, principalmente na Justiça estadual, chamou uma reunião com o Presidente do Banco Central e representantes de algumas agências reguladoras, a fim de terminar com aquela litigiosidade – muitas vezes necessária. A Ajufe, acompanhando e aplaudindo essa iniciativa do presidente da Suprema Corte, oficiou a ele, apontando que o maior causador de litígios no Judiciário Federal é, exatamente, o Poder Público – INSS, Caixa Econômica Federal e União, também desnecessariamente em muitas ações. O que o senhor acha de iniciativas como essa, do presidente Jobim e da Ajufe, para o interesse do cidadão, do jurisdicionado? É válido ou não?

Busato – É absolutamente válido. E com relação à parte da Justiça Federal, mais válido ainda. Não que a outra seja menos válida, mas é que o problema na Justiça Federal é muito mais grave. Sem dúvida nenhuma, o Poder Público é o maior demandista do país. E eu tenho sido bastante cáustico com relação a isso. E tenho dito, costumeiramente, aonde vou, que o Poder Público é o maior litigante de má-fé deste país, porque ele demanda por qualquer coisa, recorre até aonde tem absoluta certeza de que não vai ganhar. E acaba criando um caos dentro dos Tribunais Superiores, no Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, que fica complemente atulhado de processos, responde, eu acredito, por 80% do movimento daquele Tribunal, também responde por este número dentro do Supremo Tribunal Federal. E, depois de esgotar inúmeros agravos regimentais, instrumentos de embargo e declaração, todos os recursos que possa existir, ele acaba não pagando a sua obrigação e desrespeitando, inclusive, o Poder Judiciário. Então, essa limitação tem que haver. Esta consciência do governante brasileiro tem que haver, de que tem que respeitar mais as decisões e ele próprio se auto-sumular nesse aspecto. Ele tem que ter a dignidade de entender que não pode mais tratar o cidadão brasileiro desta forma. E o que é pior, Maurique, este custo do processo é fabuloso para o Governo Federal. É fabuloso o que o Governo gasta para não cumprir a sua obrigação, quando ele poderia ter usado este dinheiro para aparelhar melhor a Justiça Federal e para, talvez, aparelhar melhor os seus cofres, no sentido de cumprir com as decisões judiciais proferidas pelos juízes e Tribunais Federais deste país.

Samuel – Muitos dos problemas apontados pelo senhor poderiam, talvez, serem resolvidos com a reforma do Poder Judiciário. O senhor acha que não existe, hoje, vontade política do Governo Federal para que a Reforma do Judiciário saia?

Busato – Bom, a reforma do Judiciário ficou 12 anos dentro do Congresso. Então, isso já prova, pelo tempo que demandou ali, que não há vontade política, ou não houve vontade política. Aqui, cabe um parênteses: este Governo, através do seu Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, deu uma prioridade à Reforma do Judiciário, defendeu teses de vanguarda, como defendeu a Ajufe, como defendeu a Anamatra, como defendeu a Ordem dos Advogados do Brasil, o que não é muito normal no país – um Governo central ter algumas idéias de vanguarda, principalmente quando se trata de Poder Judiciário. Porque o Poder Judiciário sempre foi um tanto quanto fechado, agora está abrindo, principalmente essa magistratura nova, os novos juízes, mudam esta mentalidade. E o Governo teve a sensibilidade de dar esta prioridade. O problema é que houve algum viés, por parte da base governista. Às vezes, o Ministro da Justiça falava a favor de um instituto e o líder do Governo no Senado pregava exatamente o contrário, o que causava um certo dissabor, um certo constrangimento entre as bases do Governo. Mas este Governo teve este mérito, de enfrentar o problema e tentar concluir, rapidamente, uma reforma que estava, repito, há 12 anos dentro do Congresso.


Maurique – Um dos pontos da reforma do Judiciário em que nós temos insistido é a estruturação das Defensorias Públicas. Como é que o senhor identifica, como advogado militante, a questão dessas defensorias?

Busato – Eu sou a favor, é uma obrigação constitucional. Tenho dito que o Brasil é um país inconstitucional, e aí já é inconstitucional também, por falta de defensoria pública, a defensoria tem que existir. Acontece que nós temos hoje, Maurique, talvez 12 mil juízes, de todas as espécies, no Brasil, um país de 200 milhões de habitantes. Se formos construir uma defensoria pública, talvez ela tenha que ser o dobro, três ou seis vezes maior do que a própria estrutura de todo o Poder Judiciário deste país. Então, não há uma vontade político-financeira do Governo em melhorar essa base. Por isso, eu sou pragmático. Acho que a defensoria pública vai demorar muito para sair. Muito. Se o Governo já não coloca a magistratura em números confortáveis para atender à demanda da população, não vai dar defensoria pública. Então entram, aí, o aspecto dos convênios. Alguns funcionam, alguns respondem e outros não respondem. Mas na parte Federal é pior ainda a situação. Não há qualquer tipo de estruturação, seja através de convênio, seja através da criação, realmente, de uma defensoria pública que possa atender à população brasileira. Isso é uma coisa muito grave. E hoje nós vemos a dificuldade da população em se defender, por exemplo, com relação à Previdência Social na Justiça Federal, onde o INSS vai com o seu Procurador e o cidadão vai, às vezes, com um curioso, com um despachante, sem qualquer embasamento científico para lhe dar algum tipo de sustentação. Porque ele não tem condições de contratar advogado e não tem uma defensoria pública que possa lhe dar algum tipo de atendimento. Isto, realmente, é uma quebra do princípio do Estado Democrático de Direito.

Samuel – O senhor falou, durante a posse do ministro Nelson Jobim na Presidência do Supremo Tribunal Federal, que o Brasil é um país inconstitucional, como repetiu agora há pouco. O senhor continua acreditando nisso, e por quê?

Busato – Sim, porque é inconstitucional mesmo. Se faz uma Carta Política, todo mundo jura cumprir aquela Carta Política, o governante assume jurando, especificamente, de cumprir a Constituição e acaba não cumprindo. Está aí o exemplo do salário mínimo, em que não houve nem a vontade política. Vamos tirar o lado financeiro, pelo que fui criticado: “A Ordem está defendendo um salário mínimo de 1.500 reais”. Ninguém defendeu um salário mínimo de 1.500, nem de 800, nem de 700, nem de 261. O que nós entendíamos era que o Governo precisava, este Governo que veio para reformar o país, pelo menos demonstrar uma vontade política de que não ia dar só o reajuste natural, aquele reajuste da perda do poder aquisitivo. Porque, se corrigir o salário mínimo por aquilo que ele perdeu durante o ano, é corrigir miséria, é manter o mesmo status quo que já existia, desde a criação do salário mínimo. O salário mínimo não cumpre a sua finalidade constitucional desde que foi inserido na Constituição. Então, o que eu disse é que o Brasil era inconstitucional por esse aspecto, e continua sendo. Se o Governo desse alguma coisa a mais do que a correção da perda salarial e fizesse uma ampla explanação para a população, de como ele poderia resolver essa situação, eu acredito que estaria demonstrando vontade política para tentar sair deste quadro, ao longo do tempo. É inconstitucional, por exemplo, agora falamos da defensoria pública, o que precisa é que se governe pela Constituição ou se modifique a Constituição, porque não é possível ficar na hipocrisia de jurar respeitar a Constituição do país e não se fazer nada para se enfrentar aquilo que ela determina aos governantes.

Maurique – Às vezes nós recebemos reclamações de alguns advogados, principalmente advogados mais jovens, em relação ao tratamento que recebem por parte do Judiciário, desde o balcão até o Juiz. Como é que o senhor encara isso, como enfrenta esse tipo de problema?

Busato – Bom, o advogado, primeiramente, tem que fazer valer as suas prerrogativas. Então, não adianta o advogado ficar isolado num canto, se sentindo injustiçado por um mau atendimento. Ele tem os instrumentos e tem que procurar fazer com que as suas prerrogativas profissionais sejam exercidas. De um modo geral, hoje o advogado tem um acesso muito mais fácil nos Tribunais Superiores do que na primeira instância. Isso é uma coisa natural, a gente nota esta situação. No caso específico da Justiça Federal, onde eu milito, o atendimento é muito bom, não há qualquer tipo de problemas. Existe uma interação entre a Ordem dos Advogados do Brasil e a Justiça Federal.

Samuel – Tradicionalmente, a Ordem dos Advogados do Brasil, uma instituição com mais de 70 anos, sempre se envolveu nos grandes temas nacionais, nos grandes problemas, nas grandes discussões. Como é que o senhor vê, hoje, a atuação da Ajufe, que representa os magistrados federais, também discutindo diretamente esses temas como, por exemplo, reforma do Judiciário, dando sugestões e discutindo temas de importância para toda a sociedade?


Busato – A criação das Associações de Juízes melhorou, profundamente, a própria carreira da magistratura, e mostrou que, realmente, o magistrado tem uma inserção social muito importante. Eu acho muito importante isso. O Presidente da República criticou o Judiciário, no ano passado, mas ele talvez tenha se referido a um Judiciário mais de cúpula. Este Judiciário que está ao lado da Ajufe, que está ao lado da Anamatra, realmente, tem tido uma participação excepcional. E, para nós é uma satisfação ter outras instituições pensando em prol do Brasil e pensando em melhoria nas condições do Poder Judiciário, porque isso só vem ao encontro do que pensa a advocacia e o cidadão que tenha uma visão mais de vanguarda deste país.

Maurique – Doutor Busato, em nome da Ajufe, em nome dos Juízes Federais, eu quero agradecer a sua participação no programa e gostaria que o senhor deixasse uma mensagem final aos seus associados, aos advogados, e, também, aos Juízes Federais e à população, de uma maneira geral.

Busato – Quem tem que agradecer, meu caro Maurique, é a Ordem, por ter tido essa oportunidade, que demonstra exatamente esse espírito de abertura e de propósitos comuns de se encontrarem. Eu acho que a Magistratura e a advocacia, cada vez mais, têm que pensar nas suas convergências e discutir abertamente suas divergências. E nós estamos realmente afinados neste ponto. A advocacia tem um sentimento de respeito e de independência respeitosa para com a magistratura. Nós pretendemos auxiliar o Poder Judiciário, porque dependemos do Judiciário para desenvolver a nossa atividade. Entendemos as agruras do magistrado e esperamos que o magistrado tenha, também, esse sentimento sobre as dificuldades por que a advocacia passa neste momento. Nós somos uma corporação com 480 mil advogados. Evidentemente que temos profissionais de todos os quilates, formados em diversas instituições, advogados que militam em capitais de estado, advogados que militam no interior. Visitei os advogados de todo o interior do Piauí, e os juízes da região também. E vi que nas pequenas comunidades, Maurique, há um entendimento muito bom entre a magistratura e a advocacia, enquanto que nos grandes centros a coisa fica um pouco mais difícil. Mas nós temos que procurar vencer as nossas dificuldades e trabalhar a favor daquele que é o nosso objetivo final, que é o povo. Nós estamos no mesmo barco e, também, dentro da Ordem, eu quero me colocar à disposição, tanto da Ajufe quanto dos Juízes Federais, e dizer aos advogados que sejam persistentes. A advocacia é a profissão mais humana que existe, das liberais. E nós temos muito ainda que fazer por este país, que tem uma potencialidade muito grande e depende muito da advocacia para encontrar o seu caminho de justiça social. E justiça social é, também, a nossa obrigação legal. Não há advocacia sem cidadania. Não há meio cidadão sem advogado. Nós precisamos ser advogados e cidadãos ao mesmo tempo e este é um trabalho que a Ordem vem desenvolvendo, ao longo desses 74 de sua existência.

Samuel – Muito bem. Quero agradecer mais uma vez a participação do Presidente da OAB Nacional, Roberto Busato e, também, do Juiz Federal, Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Jorge Antônio Maurique. O Justiça para Todos fica por aqui. Obrigado pela sua atenção e até o nosso próximo encontro.

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