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Segurança na Febem depende de redução do número de internos

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9 de agosto de 2004, 18h01

De nada adianta aumentar o número de funcionários que controlam o pátio da Febem — Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor –, se não for reduzido o número absoluto de adolescentes confinados em cada unidade. A medida, se isolada, seria insignificante para criar um ambiente mais seguro para os trabalhadores, que são os mais vulneráveis a agressões físicas e psicológicas por estar em contato direto e constante com os internos.

A conclusão é um dos dados do relatório de sindicância nas unidades da instituição. O estudo foi feito pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) e divulgado nesta segunda-feira (9/8). O documento, assinado pela juíza instrutora do dissídio coletivo da greve da instituição, Vânia Paranhos, apresenta a análise das condições de segurança e trabalho da instituição. De acordo com o documento, basta um adolescente ameaçar um funcionário com algum objeto cortante para estabelecer o domínio da situação interna do pátio.

O estudo usa como exemplo a fuga em massa da Unidade da Raposo Tavares, que mantinha 105 adolescentes reincidentes graves. De acordo com a análise, é “impossível que os ‘funcionários de pátio’ exerçam total controle sobre o funcionamento e regularidade disciplinar”. Segundo o relatório, “qualquer ação disciplinar que contrarie interesses dos internos”, nas unidades “pode ser revidada com atos agressivos, cuja gravidade poderá variar de acordo com o contexto”.

Além disso, os funcionários não recebem nenhum treinamento regular de defesa pessoal, “fato este notado, inclusive, pela compleição física média do grupo”. Eles também não têm nenhum suporte que os capacite a se defender das agressões, “o que os torna reféns em potencial”.

A sindicância constatou que a redução absoluta no número de adolescente mantido em cada unidade estanque (sem comunicação) e o aumento do número de funcionários resultou num ambiente de menor risco na Unidade do Tatuapé. A unidade é a única, segundo o estudo, que não possui uma forte carga de tensão na atmosfera do lugar e é a que detém o menor índice de adesão à greve, ao contrário das unidades Raposo Tavares, Franco da Rocha e Vila Maria.

Outra solução, além da redução do número de internos, apontada pelo relatório, é a implantação de um sistema de comunicação por rádio, para que os funcionários possam acionar ajuda externa quando detectado o primeiro sinal de ruptura disciplinar. O custo da medida seria relativamente reduzido. Atualmente, a comunicação com os funcionários do pátio é feita de forma informal e casual — durante o almoço, por exemplo.

Isso porque, afirma o estudo, quando há uma rebelião, os funcionários ficam trancafiados, juntamente com os menores, no interior das Unidades. Ao sinal de qualquer distúrbio, o agente de segurança patrimonial terceirizado, que detém o controle do portão de acesso direto ao pátio, tem ordem expressa para trancá-lo imediatamente, impedindo assim que a rebelião se alastre para outras Unidades.

O documento aborda, ainda, a eficácia do Grupo de Apoio, criado depois da greve de 2003 em Franco da Rocha (unidade atualmente desativada) para melhorar as condições de segurança dos funcionários. O grupo declarou à juíza que pode apenas conter rebeliões que não estão largamente propagadas.

Caso uma unidade de mais de 100 adolescentes se rebele ou exista rebelião de outras Unidades do mesmo Complexo, a capacidade de contenção é bastante comprometida. Nesse caso, afirma o documento, a única opção do grupo é recuar imediatamente. Os integrantes do Grupo de Apoio são equipados apenas com colete à prova de bala (ineficaz para impedir a penetração de objetos metálicos perfurantes), capacete, escudo e cacetete.

Todos os funcionários entrevistados declararam que não contam sequer com luvas ou máscaras de proteção. Quando necessitam de proteção para fazer revistas nos dormitórios, solicitam, por iniciativa própria, luvas cirúrgicas (não apropriadas para este trabalho, dada a sua espessura) ao setor médico do Complexo.

A disponibilização de luvas, aponta o estudo, além de mostrar-se uma medida absolutamente básica, pode ser implementada a um custo quase ínfimo quando comparado às demais despesas dessa instituição.

Todas as conclusões do estudo referem-se a um grupo restrito de Complexos da Febem, o que, tornaria a adoção das medidas possível devido ao baixo custo.

Os funcionários de algumas unidades da instituição estão em greve desde o dia 2 de julho. A categoria reivindica aumento salarial de 24,63%, aplicação do Plano de Cargos e Salários a todos os funcionários, estabilidade no emprego e mais segurança.

Leia a íntegra do relatório

Proc. TRT/SP nº231/2004-0

Auto de Constatação

Aos vinte e sete, vinte e oito e vinte e nove dias do mês de julho do ano de dois mil e quatro em cumprimento a determinação da Exma. Sra. Juíza Instrutora, Dra. Vania Paranhos, exarada na audiência de instrução dos autos referido do Dissídio Coletivo de Greve – em que são Partes : MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA SEGUNDA REGIÃO como Suscitante, e SINDICATO DOS TRABALHADORES EM ENTIDADES DE ASSISTÊNCIA AO MENOR E FAMILIA NO ESTADO DE SÃO PAULO – SITRAEMFA e FEBEM – FUNDAÇÃO DO BEM ESTAR DO MENOR DO ESTADO DE SÃO PAULO como Suscitados, e constatamos:


1. INTRODUÇÃO: CONDIÇÃO DE SEGURANÇA DOS TRABALHADORES – REFERÊNCIA GERAL

Para avaliarmos as condições de segurança nas unidades da FEBEM que abrigam adolescentes infratores (primários e reincidentes dos mais diferentes níveis e idades), consideramos fundamental estabelecer uma referência a respeito do que poderia ser considerado “trabalho seguro” neste contexto específico. Concluímos que “trabalho seguro” nas unidades de internação de adolescentes infratores pressupõe as seguintes condições (as aspas são justificadas pela intrínseca subjetividade deste conceito, dado o caráter do trabalho prestado e do público alvo):

1) Os funcionários devem deter substancial controle sobre todas as variáveis de risco em situação de normalidade disciplinar, ou seja, os funcionários devem se sentir, no cotidiano, em situação de integral domínio do ambiente em que trabalham;

2) Os funcionários devem estar capacitados a restaurar as condições de normalidade disciplinar quando estas forem marginalmente rompidas (marginalmente = reduzida escala);

3) Os funcionários devem contar com ajuda externa capacitada a restaurar as condições de normalidade sempre que estas forem bruscamente rompidas (situações de rebeliões generalizadas);

4) Durante qualquer episódio de ruptura das condições de normalidade disciplinar mencionadas nos itens 2 e 3, todas as providências que permitam que estas crises sejam atravessadas com o menor impacto possível nas condições de integridade física e psicológica dos funcionários devem ter sido previamente tomadas, mostrando-se prontamente operacionalizáveis e eficientes.

Em seguida, analisaremos as condições de segurança no trabalho dos funcionários da FEBEM (destaque para os funcionários de pátio) tendo em vista os pressupostos acima elencados.

2. DESCRIÇÃO GERAL DO FUNCIONAMENTO DOS COMPLEXOS VISITADOS DA FEBEM

Cada complexo visitado (Raposo Tavares, Franco da Rocha, Tatuapé e Vila Maria) compõe-se de diversas Unidades(1) isoladas, sendo que cada uma abriga infratores de características similares. Cada Unidade compõe-se basicamente de uma área para dormitórios e banheiros e uma área para convivência social e prática de atividades recreativas e educativas (pátio). No caso de unidades que abrigam um substancial número de adolescentes, a área reservada para os dormitórios é subdividida em alas estanques, separadas por portas maciças.

As diversas Unidades que compõem um determinado Complexo são devidamente isoladas do meio externo, sendo que o portão de acesso direto ao pátio das unidades é controlado por agentes de segurança patrimonial terceirizados que, como veremos em seguida, seguem regras claramente especificadas em relação à sua abertura e fechamento em situações de normalidade e de crise disciplinar.

Normalmente, depois de atravessado este portão de acesso, existe ainda um outro muro, normalmente bastante elevado, que amplifica o isolamento de uma Unidade das demais. Na área formada por este muro externo e a unidade propriamente dita (área perimetral), podem ser vistos agentes da segurança patrimonal (terceirizados) portando inclusive cães da raça Rotweiller.

Os adolescentes podem acessar outras Unidades do complexo apenas depois de atravessar no mínimo dois portões: 1. portão de acesso direto e 2. portão do muro que isola a sua Unidade das demais.

Numa área estrategicamente escolhida de cada complexo, mantém-se um plantão ininterrupto do Grupo de Apoio, normalmente composto por 12 homens. Esses grupos são ativados em caso de ameaças mais graves à normalidade disciplinar de qualquer uma das Unidades do Complexo.

A presença mais direta da Polícia Militar é requisitada sempre que a situação de controle disciplinar do complexo é colocada em grave risco. No entanto, notamos que a Polícia Militar mantém carros de ronda nas proximidades de cada Complexo, sendo que no caso do Complexo do Tatuapé constatamos a presença de policiais da cavalaria da Polícia Militar fazendo o patrulhamento regular na sua área externa (perimetral que rodeia o Complexo).

3. CONDIÇÕES DE SEGURANÇA DOS FUNCIONÁRIOS QUE TRABALHAM DIRETAMENTE COM OS ADOLESCENTES – “FUNCIONÁRIOS DE PÁTIO”

Os chamados “funcionários de pátio” são aqueles que controlam a rotina de funcionamento de cada Unidade, sendo este grupo composto por Agentes de Apoio Técnico e Coordenadores (normalmente estes últimos possuem cargos de confiança). Eles têm contato direto e constante com os internos, formando, assim, o grupo de funcionários da FEBEM mais vulnerável a agressões físicas e psicológicas dos mais diferentes tipos.

Analisando a situação destes funcionários em relação às quatro condições referenciais mencionadas na introdução, constatamos o seguinte:


CONDIÇÃO REFERENCIAL 1: Os funcionários devem deter substancial controle sobre todas as variáveis de risco em situação de normalidade disciplinar, ou seja, os funcionários devem se sentir, no cotidiano, em situação de integral domínio do ambiente em que trabalham

Depois de conversarmos com diversos funcionários de pátio (grevistas e não grevistas), observamos que estes não se sentem no controle dos adolescentes abrigados nas Unidades de mais elevado risco (principalmente Unidades de primários graves e reincidentes médios ou graves).

Pôde-se detectar dois fatores que determinam o nível de controle da situação disciplinar pelos funcionários: 1) relação “número de funcionários de pátio”/“número de internos da unidade” e 2) número absoluto de internos da unidade.

O número mais freqüente de funcionários de pátio lotados em cada unidade, considerando os 04 complexos visitados, é de 12 agentes de apoio técnico e 2 coordenadores por cada turno de 12 horas. Note-se que este número encontra-se usualmente desfalcado pelos seguintes motivos: 1. afastamento médico e faltas; 2. acompanhamento de adolescentes para audiências judiciais, atendimento médico em posto de saúde, etc. e 3. maior ou menor comprometimento dos coordenadores com as atividades de pátio da unidade, na medida que vários coordenadores optam por exercer atividades burocráticas que os mantêm afastados do pátio por longos espaços de tempo.

Sendo assim, o número de funcionários efetivamente no pátio não deve superar uma média de 08 por turno, sendo que estes funcionários não recebem nenhum treinamento regular relacionado à defesa pessoal, fato este notado, inclusive, pela compleição física média do grupo. Nestas condições e neste número médio, este grupo faz o monitoramento cotidiano de grupos entre 40 até mais de 100 adolescentes qualificados como reincidentes médios/graves ou primários graves (grupos de maior periculosidade).

Desta maneira, em Unidades como a 37 da Raposo Tavares, que mantinha cerca de 105 adolescentes reincidentes graves antes da última fuga em massa (julho/2004), é impossível que os “funcionários de pátio” venham a exercer total controle sobre o funcionamento e regularidade disciplinar das suas Unidades. Qualquer ação disciplinar que contrarie interesses dos adolescentes internos nestas Unidades pode ser revidada com atos agressivos, cuja gravidade poderá variar de acordo com o contexto (de um insulto em situação de normalidade até um corte com objeto perfurante em situações de rebelião em massa). Dentro de cada Unidade, os funcionários não possuem nenhum suporte que os capacite a se defender destas agressões, o que os torna, desta maneira, reféns em potencial (este, por sinal, foi o termo usado por um funcionário de pátio entrevistado). Não existe possibilidade daquele pequeno grupo de funcionários se sentir no controle de uma massa de mais de 100 adolescentes de alta periculosidade.

Mesmo que o número médio de funcionários efetivamente no pátio fosse aumentado em 50%, passando de uma média de 8 para 12, ou mesmo dobrado, passando de 8 para 16, este número seria absolutamente insuficiente para garantir uma atmosfera “segura” diante da presença de um grupo de mais de 100 adolescentes de alta periculosidade. Para ampliar as condições de segurança nesta Unidades, torna-se necessária a redução do número de adolescentes infratores mantidos em cada Unidade. O incremento da relação “número de funcionários no pátio”/“número de adolescentes infratores” desacompanhado da redução do número absoluto de adolescentes pode se mostrar insuficiente no sentido de criar um ambiente mais seguro para que os funcionários em foco exerçam suas funções no cotidiano. Se considerarmos, ainda, as limitações de ação do Grupo de Apoio, esta redução no número absoluto de adolescentes por Unidade torna-se crucial (este tópico será detalhado oportunamente).

A necessidade de redução no número de adolescentes por Unidade (com concomitante aumento na relação “número de funcionários de pátio/adolescentes”) encontra respaldo, inclusive, na própria experiência da Unidade 12 da FEBEM/Tatuapé. Esta Unidade abriga cerca de 120 reincidentes graves (117 na data da nossa visita). Estes adolescentes encontram-se subdivididos em 3 subgrupos de 40 adolescentes e mantidos em alas não comunicáveis, sendo que o número de funcionários de pátio escalados para cada uma destas subunidades é de cerca de 12, ou seja, o mesmo contingente normalmente escalado para Unidades que abrigam mais de uma centena de adolescentes com o mesmo histórico infracional.

A redução absoluta no número de adolescentes mantidos em cada subunidade estanque (sem comunicação) aliada ao aumento significativo no número de funcionários de pátio/adolescentes resultou num ambiente de menor risco na Unidade 12 do Tatuapé, situação esta efetivamente detectada durante nossa visita. Esta foi a única Unidade de reincidentes graves que visitamos sem que sentíssemos uma forte carga de tensão na atmosfera do lugar. Não é por acaso que o Complexo do Tatuapé, apesar de manter cerca de 800 menores no seu “circuito grave”, detém os menores índices de adesão à greve.


Sendo assim, a condição indicada no item 1 não se aplica para os funcionários de pátio nas Unidades de alto risco dos Complexos Raposo Tavares, Franco da Rocha e Vila Maria. Nestas Unidades, detectou-se uma forte adesão dos agentes de apoio técnico à greve da categoria profissional.

CONDIÇÃO 2: Os funcionários devem estar capacitados a restaurar as condições de normalidade disciplinar quando estas forem marginalmente rompidas (marginalmente = reduzida escala)

Pelos mesmos motivos indicados na discussão da condição 1, os funcionários possuem condições bastante limitadas de controlar qualquer ruptura das condições disciplinares nas Unidades aqui consideradas.

Na prática, basta um adolescente ameaçar um funcionário de pátio com algum objeto cortante (conhecidos na gíria do lugar como naifas) para que esse adolescente estabeleça o domínio da situação interna do pátio. Nestas circunstâncias de instabilidade, mesmo que incipiente, os agentes de segurança patrimonial terceirizados são orientados no sentido de proceder ao imediato fechamento dos portões de acesso ao pátio, isolando adolescentes internos e funcionários no interior da Unidade.

Em resumo, nota-se que a capacidade dos funcionários que prestam serviço no pátio no sentido de controlar qualquer ruptura nas condições de estabilidade disciplinar da Unidade é bastante limitada, principalmente quando se leva em conta que uma intervenção drástica de qualquer funcionário neste contexto pode resultar em graves conseqüências para a sua integridade física. Caso a crise disciplinar se agrave, qualquer ação de contenção prévia promovida por qualquer funcionário de pátio será prontamente revidada pelos internos, não se impedindo, inclusive, que isto ocorra numa ocasião propícia futura.

CONDIÇÃO 3: Os funcionários devem contar com ajuda externa capacitada a restaurar as condições de normalidade sempre que estas forem bruscamente rompidas (situações de rebeliões generalizadas)

No caso ruptura generalizada das condições disciplinares (rebelião), os funcionários ficam trancafiados, juntamente com os menores, no interior das Unidades. Como dito anteriormente, dado qualquer sinal de distúrbio, o agente de segurança patrimonial terceirizado, que detém o controle do portão de acesso direto ao pátio, tem ordem expressa para trancá-lo imediatamente, impedindo assim que a rebelião se alastre para outras Unidades.

Observou-se, inicialmente, que desde o aparecimento dos primeiros sinais de rebelião (ruptura de reduzida escala na estabilidade disciplinar) os funcionários já tendem a ficar isolados no interior das Unidades, não contando com meios de comunicação eficientes com o exterior (administração ou grupo de apoio). Apenas os agentes da segurança patrimonial e que estão na área exterior ao pátio possuem rádios de comunicação. Entretanto os agentes de segurança terceirizadas apenas percebem os distúrbios quando esses já atingiram uma escala maior, ocasião em que são emitidos inclusive sinais sonoros. Caso os funcionários da FEBEM que trabalham regularmente nos pátios das Unidades possuíssem rádios de comunicação, a ajuda externa poderia ser acionada sempre que o primeiro sinal de ruptura no quadro disciplinar fosse detectado. Providências no sentido de garantir a comunicação dos funcionários do pátio com o exterior (administração do complexo e grupo de apoio) poderiam ser adotadas a um custo relativo bastante reduzido. Atualmente, conforme depoimento do Grupo de Apoio Técnico da Unidade Tatuapé, a comunicação com os funcionários de pátio ocorre de forma absolutamente informal e casual (poderá existir troca de informações entre um funcionário de pátio e um funcionário do Grupo de Apoio durante o almoço, por exemplo).

Desta maneira, sempre que se instala um quadro de total ruptura do controle interno da Unidade, o portão de acesso à Unidade é fechado, sendo acionado o Grupo de Apoio diretamente pelo agente da segurança patrimonial, sendo que este se mantém no controle do portão da Unidade.

A criação do Grupo de Apoio se constitui na principal medida adotada posteriormente à greve ocorrida no final de 2003 em Franco da Rocha (unidade atualmente desativada) no sentido de melhorar as condições de segurança dos funcionários que atuam no interior dos pátios. Este Grupo de Apoio compõe-se de 6 subgrupos de 12 funcionários que se revezam em plantões ininterruptos em três Complexos de maior risco: Raposo Tavares, Tatuapé e Vila Maria. O Complexo de Franco da Rocha (“Franquinho”), apesar de abrigar adolescentes reincidentes graves, não possui plantão de uma unidade própria do Grupo de Apoio, sendo este deslocado do Complexo Raposo Tavares em situações de crise (este deslocamento mostra-se absolutamente ineficaz, vez que a Polícia Militar chega mais rapidamente ao Complexo do que o Grupo de Apoio deslocado do Complexo Raposo Tavares).


O Grupo de Apoio é composto, na sua grande maioria, por Agentes de Apoio Técnico lotados na Divisão de Segurança da FEBEM (notamos que apenas poucos funcionários foram deslocados de atividades de pátio para integrar o mencionado grupo de apoio). Estes funcionários recebem material de segurança especial, sendo impedidos legalmente de portar armas letais. Os principais equipamentos utilizados pelo grupo de apoio são: colete à prova de bala (ineficaz para impedir a penetração de objetos metálicos perfurantes/naifas), capacete, escudo e tonfa (conhecido como cacetete). Na verdade, estes funcionários são equipados de forma semelhante aos membros da tropa de choque da Polícia Militar, apenas não recebendo armas letais. Por este motivo, o Grupo de Apoio é conhecido entre os demais funcionários como “choquinho”. Finalmente, deve-se registrar que todos os membros do Grupo de Apoio declararam receber treinamento contínuo e freqüente.

Considerando as limitações de ordem numérica (12 agentes por plantão) e de equipamento, o Grupo de Apoio Técnico declarou que apenas tinha condição de conter rebeliões que não estivessem largamente propagadas. Caso uma Unidade de mais de 100 adolescentes se rebele ou caso exista a concomitante rebelião de outras Unidades do mesmo Complexo, a sua capacidade de contenção ficaria bastante comprometida. Quando discutíamos o caso da Unidade 37 da Raposo Tavares, os membros do Grupo de Apoio revelaram que tinham condição de conter, com relativa segurança, rebeliões circunscritas a uma ala dessa Unidade (média de 40 internos) e não da Unidade inteira (107 internos antes da rebelião de julho/2004). Caso a Unidade estivesse totalmente rebelada e já fossem sentidos sinais de propagação da rebelião para outras Unidades, apenas a Polícia Militar poderia conter adequadamente os adolescentes rebelados.

Desta maneira, caso existam, como é o caso atual, Unidades com mais de 100 internos reincidentes graves e médios ou primários graves, a capacidade de ação do Grupo de Apoio resta abortada de pronto, vez que resta impossível controlar grupos rebelados desta magnitude. Caso a rebelião se propague, como aconteceu recentemente tanto no Complexo Raposo Tavares como no Complexo de Franco da Rocha, a única opção deste Grupo de Apoio é recuar imediatamente. Deve-se registrar que a última rebelião ocorrida no Complexo Franco da Rocha caracterizou-se por sua rápida propagação para diversas Unidades, propiciando um ataque aos membros do Grupo de Apoio que resultou em vários feridos (dois gravemente feridos: funcionário Moisés sofreu perfurações no Abdômen e o funcionário Ademar foi perfurado no braço).

Desta maneira, a ação do Grupo de Apoio ganharia eficácia caso fossem adotadas as seguintes providências:

1) Melhoria nas condições de comunicação dos funcionários de pátio com o Grupo de Apoio, vez que os funcionários do pátio, estando em contato direto com os adolescentes, são os mais aptos a perceber os sinais de rebelião antes mesmo da sua maior propagação;

2) Limitação no número de adolescentes mantidos em cada Unidade ou em cada subunidade “estanque” (sem comunicação). A Unidade 12 do Complexo Tatuapé funciona, como mencionado anteriormente, com subunidades estanques limitadas a 40 internos. Com limitações desta ordem, o Grupo de Apoio não correria o risco de ter que enfrentar rebeliões que já começam “fora do seu controle”, como é o caso de uma rebelião numa Unidade com mais de 100 internos;

3) Ampliação no número de funcionários do Grupo de Apoio, permitindo que estes possam conter rebeliões que se propaguem pelo menos para mais uma Unidade, principalmente quando se percebe que a propagação da rebelião entre as unidades se constitui em um caso bastante freqüente. Além disso, espera-se que sejam mantidos plantões em todos os Complexos que abriguem menores infratores de alta periculosidade (relembra-se aqui que o Complexo de Franco da Rocha não conta atualmente com a presença constante de nenhum plantão permanente do Grupo de Apoio).

Considerados estes aspectos, nota-se que a ajuda externa capaz de ser rapidamente acionada pelas Unidades no sentido de restaurar a estabilidade disciplinar mostra-se bastante limitada, podendo-se, então, afirmar que a condição 3 não se encontra atendida de forma satisfatória.

CONDIÇÃO 4: Durante qualquer episódio de ruptura das condições de normalidade disciplinar mencionadas nos itens 2 e 3, todas as providências que permitam que estas crises sejam atravessadas com o menor impacto possível nas condições de integridade física e psicológica dos funcionários devem ter sido previamente tomadas, mostrando-se operacionalizáveis e eficientes.

Apenas para ilustrar a gravidade da situação relativa à condição 4 acima detalhada, perguntamos aos funcionários de pátio se eles têm fácil acesso a materiais de proteção física no caso de rebeliões. Todos os funcionários entrevistados (e em todos os Complexos) declararam que não são disponibilizadas sequer luvas ou máscaras de proteção. Quando necessitam de proteção para realizar revistas nos dormitórios (procurar “naifas” em sanitários, esgotos, etc.), eles solicitam, por iniciativa própria, algumas luvas cirúrgicas (não apropriadas para este trabalho, dada a sua espessura) ao setor médico do Complexo.

Apenas este exemplo é suficiente para ilustrar o quanto se pode avançar em termos da tomada de providências pela direção da FEBEM no sentido de atender às exigências detalhadas na condição 4. A disponibilização de luvas, além de mostrar-se uma medida absolutamente básica, pode ser implementada a um custo quase ínfimo quando comparado às demais despesas dessa instituição.

Finalmente deve-se notar que as condições de segurança aqui discutidas dizem respeito aos Complexos e Unidades que abrigam adolescentes infratores de significativa periculosidade. Na verdade, este contingente de internos, apesar de constituir o “núcleo duro” da problemática de segurança da FEBEM, responde por uma proporção reduzida do universo de internos. Desta forma, medidas de segurança adotadas para esses Complexos/Unidades implicariam numa elevação de custos para a FEBEM que, apesar de mostrar-se significativa em termos absolutos, tenderia a se tornar palatável quando considerado a relação “incremento de custos para implementar medidas de segurança mais efetivas para as Unidades de elevado risco”/ “total do orçamento da FEBEM”. É fundamental perceber que o problema de segurança dos funcionários da FEBEM circunscreve-se a um grupo restrito de Complexos/Unidades, fato esse que torna viável a adoção de soluções eficazes a um baixo custo relativo.

São estas as observações que consideramos importante relatar, nos colocando à disposição, a qualquer dúvida e maiores esclarecimentos.

E, para constar lavramos o presente auto que vai por nós assinado.

VANIA PARANHOS

Juíza Presidente da Seção Especializada em Dissídios Coletivos e Individuais

CARLOS EDUARDO GARCIA NASCIMENTO

Executante de Mandados

PEDRO JORGE DE OLIVEIRA

Economista

Nota de rodapé:

1.Unidades e Complexos serão sempre escritos com iniciais maiúsculas apenas com o objetivo de destacar estes termos.

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